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Acórdão
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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 307.559-2 - DE PALMAS - VARA CRIMINAL E ANEXOS
RECORRENTE - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RECORRIDO - COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO DE MADEIRAS QUIGUAY LTDA.
RELATOR - Juiz Convocado MARIO HELTON JORGE
DIREITO PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL, REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO AMBIENTE. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DAS ATIVIDADES DA PESSOA JURÍDICA.RESPONSABILIDADE SOCIAL. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. RECURSO PROVIDO.
1. A lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos causados ao meio ambiente.
2. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.
3. A lei ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços á comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito nº 307.559-2, de Palmas, Vara Criminal e Anexos, em que é Recorrente o Ministério Público do Estado do Paraná e Recorrido Comércio e Representação de Madeiras Quinguay Ltda. I - EXPOSIÇÃO DOS FATOS O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ interpôs recurso em sentido estrito(fl.31/49) contra a sentença (fl.25/27), prolatada nos autos nº 22.2005 de Processo Crime, que rejeitou a denúncia oferecida contra a empresa COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO DE MADEIRAS QUINGUAY LTDA, sob o fundamento de que não cabe responsabilização criminal de pessoa jurídica. Em suas razões recursais, O MINISTÉRIO PÚBLICO alegou que a previsão para a responsabilização penal da pessoa jurídica encontra-se no artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, regulamentada a matéria pelo artigo 3º, da Lei nº 9.605/98,prevendo a penalidade, em seus artigos 21 a 24, de multa, restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade, além de que encontra suporte jurisprudencial a tese enfocada, estando, pois, presentes os requisitos ( autoria e materialidade e conduta típica) para o recebimento da denúncia. No final, pediu o provimento do recurso para que seja recebida a denúncia contra a recorrida. A recorrida apresentou suas contra-razões (fl. 52/56). Mantida a decisão pelo juiz a quo(fl.57). A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do recurso(fl.67/77). É o relatório. II - O VOTO E SEUS FUNDAMENTOS Estão presentes os pressupostos processuais de admissibilidade do recurso, razão pela qual deve ser conhecido. O Ministério Público do Estado do Paraná ofereceu denúncia contra a empresa Comércio e Representação de Madeiras Quinguay Ltda, como incursa nas sanções previstas no artigo 38" caput" da Lei nº 9605/98, pela prática do seguinte fato delituoso: "No dia 05 de agosto de 2003, por volta das 15:48 horas, na operação Araucária,a genes da polícia florestal dirigiram-se à localidade da Fazenda Cacumbangue ( Fazenda Quinguay), estrada das iraras, na cidade de Coronel Domingos Soares, nesta Comarca, oportunidade em que constataram que o denunciado COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO DE MADEIRAS QUINGUAY LTDA, sem permissão e autorização da autoridade competente, destruiu 05,00 (cinco) hectares de floresta considerada de preservação permanente, conforme autos de infração ambiental de fls". A autoria e materialidade dos fatos imputados estão comprovadas (fl.6/16). O fato, "em tese" é típico e está previsto no artigo 38, da Lei 9605/98, verbis: "Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utiliza-la com infringência das normas de proteção:" A denúncia preenche os requisitos previstos no artigo 41 do CPP. Entretanto, foi rejeitada pela ilegitimidade passiva ad causam da pessoa jurídica, porque penalmente não responsável, considerando incapaz de ação - de praticar conduta humana - e de culpabilidade a caracterizar a prática de injusto penal. A matéria é controvertida, tanto na doutrina como na jurisprudência. O artigo 173,§ 5º, da Constituição Federal(" A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular"), na interpretação dos doutrinadores constitucionalistas, concluem que a responsabilidade da pessoa jurídica, está assentada na referência sobre "punições compatíveis com sua natureza",sendo de origem penal, enquanto que os doutrinadores penalistas interpretam a norma no sentido da não responsabilidade penal - entendida como um conceito jurídico especial, e também por ser conceito jurídico para o termo punições, que não é exclusivo do direito penal, abrangendo, também, as sanções administrativas, com fins retributivos e preventivos, semelhantes às sanções penais. Assim, de acordo com a norma constitucional, a responsabilidade da pessoa jurídica e das pessoas físicas, dirigentes da pessoa jurídica, nos termos "exclusivamente, atos contra ordem econômica e financeira e contra economia popular", para os penalistas, não está incluído o meio ambiente. Portanto, o legislador ordinário não poderia estabelecer responsabilidades penais para a pessoa jurídica. Já, no artigo 225§ 3º da Constituição Federal("As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente de obrigação de reparar os danos causados") está expressamente prevista a responsabilidade penal da pessoa jurídica, demonstrando o rompimento da responsabilidade pessoal penal definindo conduta, para as pessoas físicas, e atividade, para as pessoas jurídicas, segundo a doutrina. Os argumentos favoráveis à responsabilidade penal da pessoa jurídica são vários, destacando-se que, para tanto, o princípio societas delinquere non potest não é absoluto e que, no direito moderno, deve ser analisada a responsabilidade social. Quanto ao princípio da culpabilidade, deve ser revisto, eis que a responsabilidade penal da pessoa jurídica não pode ser definida a partir do conceito tradicional de culpabilidade, considerando-se que a responsabilidade do ente coletivo há de ser associada à responsabilidade social da pessoa jurídica, que tem como elementos a capacidade de atribuição e exigibilidade. Nesse sentido, a responsabilidade social permite construir um juízo de reprovação sobre a conduta da pessoa jurídica, não se tratando de um fato psicológico, mas de um comportamento institucional, apresentando-se como compromisso que cada pessoa física ou jurídica possui. Certo é que, para o acolhimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica, há necessidade de uma reformulação da teoria geral do direito, no sentido de ser compatibilizada com a necessidade de repressão das atividades ilícitas por elas praticadas. A imputação deve distinguir a responsabilidade pessoal da coletiva, sob o aspecto do benefício almejado; assim, será responsabilizado somente o representante legal, quando este agir em benefício próprio, não visando proveito para a pessoa jurídica. Assim, se o representante agir visando obter vantagens para a sua empresa, sendo esta a beneficiada, deverá sofrer a imputação, podendo ocorrer a co-autoria. Quanto as conseqüências da punibilidade, a qual não poderá passar da pessoa do condenado, não pode servir de óbice à criminalização, uma vez que toda e qualquer pena é dirigida diretamente ao autor da violação da norma protetiva do bem jurídico, embora seus efeitos sejam sentidos por terceiros, como é o caso dos familiares de um condenado, que também sofrem com sua estada na prisão. Vladimir Passos de Freitas, dentre outros doutrinadores, sustenta que a utilização do direito penal é imprescindível para tutelar o meio ambiente. A justificação para a aplicação do direito penal na atividade ilícita da pessoa jurídica também está assentada em argumentos de que a tutela administrativa e civil não seria possível e eficaz para reduzir o curso da degradação do meio ambiente, além da interferência política e dos interesses envolvidos, favorecendo, muitas vezes, a impunidade. O direito civil nem sempre consegue valorar ou quantificar os danos causados etc. Os argumentos desfavoráveis á responsabilização penal da pessoa jurídica são os de que a sua natureza jurídica é incompatível com a dogmática jurídica, a forma de execução da pena e do procedimento penal a ser aplicado, além de que o direito penal não pode servir de panacéia para resolver os problemas sociais emergentes. Assim, o argumento mais respeitado é o da impossibilidade da aplicação da teoria do delito tradicional à pessoa jurídica, destacando-se René Ariel Dotti, Nelson Hungria, Luiz Régis Prado, César Bitencourt, dentre outros, considerando-se que a função do direito penal é a da prevenção e da ética-social, esta exercida através da proteção dos valores fundamentais - essenciais à vida social -, denominados de bens jurídicos, os quais reunidos formam a ordem social. Portanto, o direito penal se orienta dentro de uma escala de valores da vida em sociedade, destacando as ações que são contrárias à ordem social, definindo as ações como comportamentos que não devem ser praticados, de um imenso desvalor social, apresentando limites da liberdade individual, indispensáveis para o convício social harmônico. A violação dos limites pré-estabelecidos, somado ao princípio da culpabilidade, que significa a reprovabilidade, implica na responsabilidade penal do agente. O efeito preventivo está ligado a posterior violação das normas postas, que estabelecem as conseqüências jurídico-penal, em caso da sua não observância. O ente coletivo não tem conduta, mesmo no exercício de sua função, sendo somente possível falar-se em atividade. O direito penal normatiza condutas humanas direcionadas por decisões intencionais ou não, mas não as atividades. A norma existe para inspirar homens a exercer o limite da liberdade, originada num conceito ético, estabelecendo conseqüências à sua violação: retribuição e reposição. A reposição tem finalidade reparadora, com vistas a repor as coisas no estado anterior. A retributiva pode ter, ou não, reposição, consistindo em pena, de acordo com a definição no tipo penal. A responsabilização penal da pessoa jurídica, portanto, encontra, na realidade, a impossibilidade de submissão às regras de retribuição. Ainda, quanto à impossibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica, é a de que não há responsabilidade sem culpa, vez que o sistema penal trabalha com a noção de culpa individual. Nesse sentido, a pessoa jurídica não é dotada de inteligência e de vontade. Por si própria não pode delinqüir, necessitando agir sempre através de seus órgãos integrados por pessoas físicas, estas sim portadoras de consciência e vontade. O conceito material da culpabilidade finalista tem por base a capacidade de livre autodeterminação, tendo como elementos constitutivos a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. A imputabilidade significa a capacidade de culpabilidade, traduzida na aptidão para ser culpável, apresentando dois momentos específicos: um cognitivo e outro volitivo, vale dizer, a capacidade de compreensão do injusto e a determinação da vontade, em conformidade com essa compreensão. Essas qualidades são inerentes a pessoa natural, não presentes na pessoa jurídica. Ainda como elemento da culpabilidade temos a exigibilidade de conduta diversa, que exige um agente imputável que determina a potencial consciência da ilicitude. Outro argumento é o do princípio da personalidade das penas, isto é, pessoal de quem violou a norma penal. Na hipótese de aplicação de pena á pessoa jurídica, quem efetivamente cumprirá as penas impostas serão os seus sócios, independente de culpa, de acordo com o artigo 3º, da Lei 9605/98, pois a sociedade será condenada pela responsabilidade penal objetiva, passando a condenação, isto é, o caráter aflitivo da pena e as suas conseqüências a todos os seus sócios. Afastada a possibilidade da aplicação de pena privativa de liberdade, está prevista, no artigo 34, da Lei 9605/98, a possibilidade de ser aplicada a liquidação forçada, o que equivaleria a pena de morte à pessoa jurídica, sendo vedada pelo texto constitucional, exceto na hipótese de guerra declarada. Eis, portanto, em resumo, os argumentos doutrinários favoráveis e contra a responsabilização penal da pessoa jurídica. Na jurisprudência, restringindo-se à interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça, as decisões são divergentes: 1. Decisões favoráveis á responsabilização da pessoa jurídica: " CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL, REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. RECURSO PROVIDO. 1. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado, juntamente com dois administradores, foi denunciada por crime ambiental, consubstanciado em causar poluição em leito de um rio, através de lançamento de resíduos, tais como graxas, óleo, lodo, areia e produtos químicos, resultantes da atividade do estabelecimento comercial. II. A lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos causados ao meio ambiente. III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial. IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica,neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quanto houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. VIII. "De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado". IX. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A co-participação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na media de sua culpabilidade. X. A lei ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços á comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. XI. Não há ofensa ao princípio constitucional de que " nenhuma pena passará da pessoa do condenado...", pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física - que de qualquer forma contribui para a prática do delito -e uma jurídica, Ada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. XII. A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passiva da relação processual penal. XIII. Recurso provido, nos termos do voto do Relator"(STJ-RESP 564.960-SC. T5. Rel. Min. Gilson Dipp, unânime, j. 02.6.2005, DJU 13.6.2005). Recentemente, em sede de habeas corpus, o Min. José Arnaldo da Fonseca afastou a tese de constrangimento ilegal em face do recebimento de denúncia formulada contra pessoa jurídica: HABEAS CORPUS. CRIMES AMBIENTAIS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. EXAME DE PROVAS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CABIMENTO. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO 'SOCIETAS DELINQUERE NON POTET'. RESPONSABILIDADE SOCIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 225,§ 3º, DA CF/88 E DO ART. 3º, DA LEI 9608/98. POSSIBILIDADE DO AJUSTAMENTO DAS SANÇÕES PENAIS A SEREM APLICADAS À PESSOA JURÍDICA. NECESSIDADE DE MAIOR PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. Descabe acoimar de inepta denúncia que enseja a adequação típica, descrevendo suficientemente os fatos com todos os elementos indispensáveis,em consonância com os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, de modo a permitir o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Alegação de negativa de autoria do delito em questão não pode ser apreciada e decidida na via do hábeas corpus, por demandar exame aprofundado de provas, providência incompatível com a via eleita. Ordem denegada" (STJ-HAC 43751-ES. T5, DJU 17.10.2005). 2. Decisão desfavorável: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA. INÉPCIA. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Na dogmática penal a responsabilidade se fundamenta em ações atribuídas às pessoas físicas. Dessarte a prática de uma infração penal pressupõe necessariamente uma conduta humana. Logo, a imputação penal à pessoas jurídicas, frise-se carecedoras de capacidade de ação, bem como de culpabilidade, é inviável em razão da impossibilidade de praticarem um injusto penal. Recurso desprovido. (Precedentes do Pretório Excelso e desta Corte)(STJ-RESP 622724-SC. T5. Rel. Min. Félix Fischer, DJ 17.12.2004. A divergência central das doutrinas e da jurisprudência está assentada no dogma romano-germânico do 'societas delinquere non potest', pois segundo esse princípio,em conformidade com a Teoria da Ficção Legal de Savigny, a pesoa jurídica é totalmente destituída de uma personalidade jurídica e, logo, incapaz de manifestar vontade. Assim, seria impossível que mesmo que este ente, puramente ficto, viesse a praticar uma conduta que gerasse efeitos na esfera penal, pois, para isso, é necessário exatamente o atributo da vontade, requisito essencial para que haja, aliás, também, a culpabilidade. No entanto, há um fator que restou olvidado na doutrina mais conservadora. Note-se que o artigo 3º da Lei dos Crimes Ambientais, ao responsabilizar a pessoa jurídica pelos crimes ambientais, não menciona em nenhum momento o termo CONDUTA, destacado pelos doutrinadores. O artigo 225, § 3º, da CF/88, trouxe inovação não suficientemente ressaltada, isto é, a responsabilização da pessoa jurídica em decorrência de suas próprias atividades: "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoa físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Perde, pois, a relevância de a pessoa jurídica não poder praticar conduta, sendo pacífico de que a pessoa jurídica exerce atividade e é exatamente através dessa atividade que poderá ofender o meio ambiente. Nesse sentido, leciona SANTOS: "Destarte, a responsabilidade penal da pessoa jurídica está prevista constitucionalmente e necessita ser efetivada. Não há dúvida, que o processo para essa responsabilização tem de ser diverso do processo contra pessoas físicas calcado no dogma da culpabilidade, da responsabilidade subjetiva. É óbvio, também, que entre as sanções aplicáveis àquela, não poderão estar as sanções privativas de liberdade pertinentes à pessoa individual. Deverão ser previstas sanções apropriadas como as estabelecidas na Lei nº 9.605/98: multa, restritivas de direitos, prestação de serviços à comunidade, perda de bens e valores. Outras sanções podem ser estabelecidas, com por exemplo, a publicação da sentença penal condenatória (a exemplo do CDC). Há quem preconize a aplicação das medidas de segurança para as pessoas coletivas, ressalvando que as mesmas tem finalidade apenas preventiva e por isso melhor se coadunariam com a natureza dos entes coletivos. A idéia é refutada pelos que invocam o pressuposto da periculosidade pós-delitual para a aplicação das medidas. A Constituição de 1988, aderindo às modernas tendências do Direito Penal, no sentido de superação da ortodoxia dogmática revelado no princípio societas delinquere non potest, admitiu a responsabilidade das pessoas jurídicas, sendo implementada pela Lei nº 9.605/98. Não podem ficar sem resposta as atividades delituosas dos vários grupos que atuam protegidos pelo manto da personalidade coletiva, mais das vezes multinacionais, sem qualquer princípio ético a reger suas ânsias incontroláveis de lucro." (SANTOS, Celeste Leite dos. Crimes Contra o Meio Ambiente - Responsabilidade e Sanção Penal - 3ª Ed., São Paulo: Editora Juarez de oliveira, 2002, p. 33-34.) Estando, pois, expressamente prevista a responsabilização penal da pessoa jurídica, no que diz respeito aos crimes ambientais, no art. 3º, da Lei nº 9.605/98, a denúncia deve ser recebida, sendo a denunciada COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO DE MADEIRAS QUIGUAY LTDA, parte legítima passiva. Conclui-se, pois, pela reforma da sentença, para o recebimento da denúncia. III - DISPOSITIVO ACORDAM os integrantes da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, no termos da fundamentação. O julgamento foi presidido pelo Desembargador CAMPOS MARQUES, sem voto, e dele participaram o Senhor Desembargador ROGÉRIO KANAYAMA e a Senhora Juíza Convocada LILIAN ROMERO.
Curitiba, 15 de dezembro de 2005.
MÁRIO HELTON JORGE
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