Decisão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Decisão monocrática. Eventuais imagens serão suprimidas.
Trata-se de Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por José Batista Ornieski, contra a decisão interlocutória (fls. 09-TJPR), pela qual a MM. Juíza de Direito, em Ação Ordinária, sob nº 572/2003, decidiu nos seguintes termos: "Nos termos do disposto no art. 2º do CDC, Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. In casu, o autor celebrou contrato para fornecimento de leitões a ré. Assim, evidentemente não se trata de relação de consumo, razão pela qual há que se falar em aplicação do CDC e conseqüente de inversão do ônus da prova. Manifeste-se o Senhor Perito, no prazo de cinco dias, sobre o pedido de redução dos honorários." Almejando à reforma da decisão a quo, insurge-se o agravante em relação ao indeferimento do pedido de inversão do ônus da prova, alegando que a Juíza monocrática não atendeu à condição de hipossuficiência, do agravante. Sintetiza, informando que as partes celebraram "Contrato de Integração para Produção de Leitões" em 1999; que desde o início de sua vigência, a agravada não cumpriu devidamente com suas obrigações, causando prejuízos de grande monta ao agravante; que a empresa agravada procedeu o protesto de notas promissórias havidas entre as partes; que em ato contínuo, o agravante interpôs Cautelar de Sustação de Protesto e, em seguida a presente Ação Ordinária com o fim de ser indenizado pelos danos morais e matérias sofridos, porém como se vê no despacho agravado o pedido de aplicação das normas do CDC foram negadas, impossibilitando o reconhecimento da hipossuficiência do agravante no sentido de inverter-se o ônus da prova; que o agravante não tem nenhuma condição de ter acesso aos arquivos de documentos da agravada, tornando impossível a produção de provas. Ao final, o agricultor agravante requer seja dado ao presente agravo de instrumento o efeito suspensivo, nos termos do artigo 558, do CPC, sendo dado provimento ao mesmo para reformar o despacho agravado, reconhecendo-se a aplicabilidade do CDC ao caso, permitindo, assim a inversão do ônus da prova. É o relatório. Trata-se de agravo de instrumento contra r. decisão que indeferiu a inversão do ônus da prova, em ação ordinária. O agravante pretende o reconhecimento da aplicação do art. 2º do CDC, e conseqüente inversão do ônus da prova. Preliminarmente, é imprescindível conceituar o termo consumidor, conforme por FÁBIO KONDER COMPARATO, muito antes da promulgação da Lei nº 8.078/90: "Consumidor é, pois, de modo geral, aquele que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, dos empresários. É claro que todo produtor, em maior ou menor medida, depende, por sua vez, de outros empresários, como fornecedores de insumos ou financiadores, por exemplo, para exercer a sua atividade produtiva; e, nesse sentido, é também consumidor. Quando se fala, no entanto, em proteção ao consumidor quer-se referir ao indivíduo ou grupo de indivíduos, os quais, ainda que empresários, se apresentam no mercado como simples adquirentes ou usuários de serviços, sem ligação com a sua atividade empresarial própria." (in "Revista de Direito Mercantil - Industrial, Econômico e Financeiro" v. 15-16, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1974, pp. 90/91) Especificamente no que toca às pessoas jurídicas, segundo ARNOLDO WALD: "...o legislador pátrio, ao incluí-las como consumidoras no art. 2º do CDC, cuidou de 'certas pessoas jurídicas de direito civil sem caráter empresarial, como as fundações e as associações, ou admitiu que as pessoas jurídicas de direito comercial também pudessem invocar a proteção da lei especial, ...A conclusão à qual se chega é, pois, que no Direito brasileiro, compatibilizando-se a letra e o espírito da lei e atendendo-se à lição do Direito Comparado, a pessoa jurídica, tão-somente, pode ser considerada 'consumidor' ou a ele equiparada, nos casos em que não atua profissionalmente, ou seja, quando a empresa não opera dentro de seus fins sociais." (In O direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições financeiras, in "Revista dos Tribunais" v. 666, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, abr./1991, p. 14) Portanto, no presente caso não se deve falar em consumo final, mas sim, intermediário. O desequilíbrio de forças entre as partes é tão evidente, que somente com a aplicação do CDC ao caso em tela, que assegura à parte hipossuficiente da relação jurídica uma tutela especial, poderia se restabelecer um equilíbrio e uma igualdade entre as partes. É da jurisprudência do STJ: CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE FORNECIMENTO DE ENERGIA - DESPACHO SANEADOR - RELAÇÃO DE CONSUMO - ART. 2º DO CDC. ILEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM"... No tocante ao segundo aspecto - inexistência de relação de consumo e conseqüente incompetência da Vara Especializada em Direito do Consumidor - razão assiste ao recorrente. Ressalto, inicialmente, que se colhe dos autos que a empresa-recorrida, pessoa jurídica com fins lucrativos , caracteriza-se como consumidora intermediária, porquanto se utiliza do serviço de fornecimento de energia elétrica prestado pela recorrente, com intuito único de viabilizar sua própria atividade produtiva. Quer dizer, não se deixa de perquirir acerca do uso, profissional ou não, do bem ou serviço; apenas, como exceção e à vista da hipossuficiência concreta de determinado adquirente ou utente, não obstante seja um profissional, passa-se a considerá-lo consumidor. Ora, in casu, a questão da hipossuficiência da empresa recorrida em momento algum foi considerada pelas instâncias ordinárias, não sendo lídimo cogitar-se a respeito nesta seara recursal, sob pena de indevida supressão de instância (Precedentes: REsp. 541.867/BA, DJ 10.11.2004).(REsp nº 661145/ES, rel. Min. Jorge Scartezzini, 4ª T., DJ 28.03.05, STJ). grifei Portanto, é inegável, apesar da atividade lucrativa intermediária exercida pelo agravante, que o mesmo é hipossuficiente economicamente frente a empresa agravada, devendo ser considerado consumidor. Em relação à hipossuficiência jurídica ou econômica do agravante, por considerá-lo consumidor, invertendo o ônus da prova, corroboro, com a jurisprudência: "PROCESSUAL CIVIL - ACÓRDÃO - OMISSÃO. OCORRÊNCIA - CONSUMIDOR - ÔNUS DA PROVA - INVERSÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 6º, VIII DA LEI Nº 8.078/90.1 . A inversão ou não do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII da Lei nº 8.078/90, depende da análise de requisitos básicos (verossimilhança das alegações e hipossuficiência do consumidor),aferidas com base nos aspectos fático-probatórios peculiares de cada caso concreto. Omisso o acórdão quanto a este mister, reconhece-se violação ao art. 535, II do CPC. Recurso conhecido e provido para, anulando o acórdão, determinar ao Tribunal de origem o suprimento da mácula."(REsp 435572/RJ, rel. Min. Fernando Gonçalves, 4ª T., DJ 16.08.04, STJ). No caso em tela, apesar da complexidade do contrato existente entre as partes, vê-se que o agricultor agravante, ao mesmo tempo, adquire da agravante os insumos para programar sua atividade rural, qual seja, criação de leitões que, após aquisição do peso ideal para abate, os revendia para a empresa agravada. Que o mérito gira em torno da sua imposição econômica frente a empresa agravada a partir do momento em que não compete ao agricultor agravante a contabilidade entre crédito/débito por estas transações comerciais, por não ter acesso aos documentos em posse da empresa. O Código Civil determina: "Art. 423, Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. " Assim, merece reparo a decisão singular. Ex positis, nos termos do artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, dou provimento ao recurso, monocraticamente, para o fim de determinar a aplicação do CDC ao presente caso, reconhecendo a condição hipossuficiência do agravante e conseqüente inversão do ônus da prova. Curitiba, 08 de junho de 2006. DES. ERACLÉS MESSIAS Relator
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