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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 343314-9 COMARCA DE PONTA GROSSA - 4 VARA CÍVEL APELANTE : MIGUEL DE PAULA XAVIER NETO
APELADO: BUNGE FERTILIZANTES S/A
RELATOR ORIGINÁRIO: DESEMBARGADOR GUIDO DÖBELI
RELATORA DESIGNADA PARA LAVRAR ACÓRDÃO: JUÍZA MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA
APELAÇÃO CÍVEL. MEDIDA CAUTELAR ATÍPICA INCIDENTAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE PROCESSO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL, ATÉ FINAL JULGAMENTO DE AÇÃO DE CONHECIMENTO DESTINADA A DESCONSTITUIR OS TÍTULOS EXECUTIVOS (DUPLICATAS). MATÉRIA QUE NÃO FOI OBJETO DE EMBARGOS DO DEVEDOR. INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO. PRESENÇA DO "FUMUS BONI JURIS" E DO "PERICULUM IN MORA". PROCEDÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO (POR MAIORIA DE VOTOS - VENCIDO O RELATOR).
O fato do executado não ter proposto embargos à execução não constitui óbice ao manejo de ação autônoma em que busque a desconstituição dos títulos executivos, em razão da inexistência de preclusão. Sendo assim, presentes os requisitos dos artigos 798 e 799 do Código de Processo Civil, possível a concessão de medida cautelar para a suspensão do processo de execução.
Vistos, examinados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 343314-9, da 4ª Vara Cível da Comarca de Ponta Grossa, em que é Apelante Miguel de Paula Xavier Neto, sendo Apelado Bunge Fertilizantes S/A.
Trata-se de um recurso de apelação cível interposto por Miguel de Paula Xavier Neto contra a r. sentença de fls. 49/51, proferida nos autos de Medida Cautelar Atípica Incidental sob nº 196/2005, que julgou improcedente o pedido inicial e condenou o autor no pagamento das custas do processo e honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.200,00.
Em suas razões, defende o Apelante a reforma da sentença para que seja julgada procedente a medida cautelar e determinada a suspensão do processo de execução, considerando que não existiu preclusão consumativa, que somente surte efeitos dentro do processo.
Nas contra razões (fls. 65/70), o Apelado contrariou os argumentos do Apelante e defendeu a necessidade de manutenção da sentença.
Vieram os autos a este Tribunal.
Durante o julgamento a Câmara entendeu, por maioria de votos, no sentido de se dar provimento ao apelo, ficando vencido o Relator Guido Döbeli, que votou para que fosse negado provimento ao recurso.
Esta Revisora, então, foi designada para lavrar o Acórdão.
É o relatório. Voto.
Observados os pressupostos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido. Cuida-se de um recurso de apelação cível interposto por Miguel de Paula Xavier Neto em que pretende a reforma da sentença para que seja julgada procedente a medida cautelar e determinada a suspensão do processo de execução, considerando que não existiu preclusão consumativa, que somente surte efeitos dentro do processo.
Infere-se dos autos que o Apelado move contra o Apelante uma ação de execução perante o Juízo da 1ª Vara Cível de Ponta Grossa.
No sentido de desconstituir os títulos executivos, consistentes em duplicatas mercantis, o ora Apelante propôs uma ação de nulidade de aceite e desconstituição de títulos de crédito, nº 662/2004. E, de modo a suspender o prosseguimento do processo de execução, ajuizou esta medida cautelar.
O Juízo "a quo" considerou que teria ocorrido preclusão da matéria referente à validade dos títulos executivos, em especial do aceite, considerando que deveria ter sido alegada em sede de embargos do devedor. Em razão disso, entendeu ausente o "fumus boni juris" e, por conseqüência, julgou improcedente o pedido cautelar.
Sem dúvida, a sentença merece reforma.
Segundo orienta a doutrina: "A preclusão é fenômeno exclusivamente processual, vinculado à idéia de que passo a passo os atos processuais vão acontecendo subseqüentemente no processo, realizando o modelo procedimental que se tenha adotado em cada caso" (WAMBIER, Luiz Rodriguez. Curso Avançado do Direito Processual Civil. Vol. 1 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 214).
Existem três tipos de preclusão conforme a classificação doutrinária: temporal, consumativa e lógica, sendo oportuno destacar:
"A preclusão temporal é aquela que decorre do simples descumprimento do prazo para a prática de determinado ato processual. (...) A preclusão consumativa ocorre quando o ato que se deveria praticar o é, no prazo legal, não podendo ser, portanto, repetido. (...) A preclusão lógica não depende diretamente do fator tempo no processo, mas é resultado da prática de outro ato, incompatível com aquele que se deveria realizar no prazo processual respectivo (...)" (Ibidem, p. 215).
Observa-se, então, que a preclusão consiste em fenômeno intra-processual, ou seja, não surte efeitos para fora do processo em que se verifica, como ocorre com o fenômeno da coisa julgada.
Nesse sentido é a lição de TEREZA ARRUDA ALVIM WAMBIER, em sua obra "O novo regime do agravo, RT, 1995, p. 297":
"A nota mais marcante relativa ao fenômeno da preclusão, e que o afasta definitivamente da decadência, da coisa julgada e mesmo da prescrição (exceto, em certa escala, da prescrição intercorrente, que ocorre dentro do processo mas, como gera sentença de mérito, espaira seus efeitos para fora do processo em que ocorreu) é a circunstância de a preclusão ter lugar, exclusiva e necessariamente, dentro do processo (endoprocessualmente), e de seus efeitos só dizerem com aquele processo em que ocorreu."
Diante desses postulados, inegável reconhecer que não houve a alegada preclusão, logo, não havendo óbice ao executado, ora Apelante, no sentido de apresentar a matéria de defesa que entende pertinente em ação autônoma, máxime porque, não tendo sido oferecidos os embargos do devedor, não se pode cogitar de coisa julgada.
Sobre a matéria, é conveniente destacar o entendimento de ROSALINA P. C. RODRIGUES PEREIRA:
"Proposta a ação autônoma de conhecimento na pendência do processo executivo, sem a oposição dedos embargos, duas são as situações possíveis: a ação autônoma pode ser proposta antes do prazo dos embargos ou após a perda do prazo dos embargos. (...) No segundo caso, se a execução não for embargada não há coisa julgada capaz de impedir a propositura da ação autônoma de conhecimento. Em assim ocorrendo, o executado pode ajuizar ação autônoma, alegando toda a matéria cabível nos embargos, porque não há preclusão quando na execução não foram opostos embargos do devedor, e mesmo quando tais embargos, embora opostos, não forem recebidos ou apreciados no seu mérito, porque inexiste, no caso, coisa julgada material (...)" (In: Ações Prejudiciais à Execução, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 492).
É exatamente isso que no caso se verifica, em que, perdida a oportunidade para oferecer embargos do devedor, vem buscando o Apelante valer-se de ação própria contra o Apelado para invalidar os títulos exeqüendos.
E, quanto ao manejo dessa ação paralela, não se tem dúvida sobre a viabilidade jurídica, considerando que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", nos termos do artigo 5º, Inciso XXXV, da Constituição Federal.
O que se discute aqui é a possibilidade de se conceder por meio de tutela cautelar efeito suspensivo à execução até o julgamento da ação proposta pelo Apelante, em que busca a invalidação dos títulos exeqüendos.
Nesses termos, em tese, nada impede o deferimento da cautela pretendida, desde que presentes os requisitos dos artigos 798 e 799 do Código de Processo Civil, quais sejam o "fumus boni juris" e o "periculum in mora".
E é nesse sentido que deve ser apreciada a pretensão cautelar, sendo equivocado o fundamento contido na sentença que amparou a improcedência exclusivamente na idéia da preclusão.
O que se deve ter em vista, portanto, é a presença do "fumus boni juris" e do "periculum in mora".
O primeiro requisito alude à plausibilidade objetiva da ação principal. Assim, cuida-se de verificar se a parte que invoca a tutela cautelar tem o direito de ação, ou melhor, direito ao processo principal a ser tutelado.
Isto porque a cautela é concedida em função da necessidade de assegurar eficácia e utilidade ao provimento do processo principal, e não em razão da possibilidade de êxito da pretensão material da parte, cuja análise, como se disse, é própria da ação principal.
Sobre a questão, é oportuno citar o escólio de Humberto Theodoro Junior:
"Em suma, o requisito da ação cautelar, tradicionalmente apontado como o 'fumus boni juris' deve, na verdade, corresponder, não propriamente à probabilidade de existência do direito material - pois qualquer exame a respeito só é próprio da ação principal -, mas sim à verificação efetiva de que, realmente, a parte dispõe do direito de ação, direito ao processo principal a ser tutelado. Naturalmente, se pela própria narração da pretensão geradora da lide se deduz que o autor não irá ganhar a ação principal, o pedido deve ser considerado juridicamente inadmissível e por isso não caberá a tutela jurisdicional de mérito (o caso será de indeferimento liminar da petição inicial da ação principal, segundo a regra do art. 295, parágrafo único, nºs II e III). Carecendo da ação principal, como é óbvio, não fará jus também à tutela cautelar" (Processo Cautelar. 14ª Ed., São Paulo: Leud, 1993, p. 76/77)
No caso dos autos, a ação principal destina-se ao reconhecimento da nulidade das duplicatas mercantis exeqüendas, em razão de que o aceite teria sido lançado por pessoa que não tinha poderes para tanto. Em vista do que objetivamente alega, não há olvidar que o Apelante tem legítimo interesse em pugnar, na ação principal, pela nulidade das cambiais diante da alegada falta de aceite válido, sendo certo que a existência ou inexistência do direito alegado constitui questão a ser dirimida no mérito daquela demanda.
Neste sentido, é impossível negar que a apelada tinha direito à ação principal anunciada. E mais, tinha direito de que o provimento final dessa demanda lhe fosse útil.
Inegável, portanto, reconhecer presente o "fumus boni juris".
De seu turno, o "periculum in mora" refere-se ao risco de ineficácia do provimento final da ação principal, em razão de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação que a não concessão da cautela pode ocasionar.
Embora não se tenha na r. sentença dispensado maior fundamentação acerca do requisito em exame, oportuno destacar que ele também está presente.
Com efeito, o prosseguimento da ação de execução poderá induzir em prejuízos ao Apelante, visto que poderá ter seus bens leiloados, sendo certo que, em caso de êxito na ação principal poderia ver inviabilizada a restituição deles, visto que em tal caso podem existir interesses de terceiros adquirentes de boa-fé.
Não é demais destacar que eventual prejuízo causado ao Apelado por conta da paralisação do processo de execução poderá ser facilmente contornado, considerando que o Apelante ofereceu caução real em valor suficiente à satisfação do crédito perseguido na execução.
Assim, em vista da autonomia da medida cautelar e por estarem presentes os requisitos legais, voto no sentido do provimento do recurso para que seja reformada a sentença monocrática, para que o pedido inicial seja julgado procedente, suspendendo-se o processo de execução até final julgamento da ação de nulidade de aceite e desconstituição de títulos de crédito nº 662/2004, em trâmite pelo Juízo "a quo", devendo ser invertido o ônus da sucumbência.
Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em conhecer da apelação e dar-lhe provimento, ficando vencido o Relator, que negava provimento, com declaração de voto.
Presidiu o julgamento o Desembargador Glademir Vidal Antunes Panizzi (com voto), tendo dele participado o Desembargador Guido Döbeli (Relator).
Curitiba, 09 de agosto de 2006.
MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA Relatora Designada
DESEMBARGADOR GUIDO DÖBELI Relator Originário
ApCível nº 343314-9 Décima Quarta Câmara Cível Juíza Maria Aparecida Blanco de Lima fls. 7
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