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Acórdão
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APELAÇÃO CRIMINAL N. 352.174-4, DE ARAPONGAS - VARA CRIMINAL E ANEXOS APELANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO APELADA : ROSANA APARECIDA DO NAS- CIMENTO RELATOR : DES. ANTÔNIO MARTELOZZO
APELAÇÃO CRIMINAL - CASA DE PROSTITUIÇÃO - ART. 229 DO CÓDIGO PENAL - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - RECURSO INTERPOSTO PELO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - PLEITO CONDENATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE - LOCAL SITUADO NA ZONA DE MERETRÍCIO - ATIPICIDADE DA CONDUTA - ABSOLVIÇÃO COM FUNDAMENTO NO ART. 386, INC. III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - RECURSO DESPROVIDO. Não se caracteriza o delito de casa de prostituição, quando a boate destinada a encontros amorosos funciona na chamada zona do meretrício, com pleno conhecimento e tolerância das autoridades administrativas, bem como da sociedade local.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 352.174-4, da Comarca de Arapongas, Vara Criminal e Anexos, em que é apelante o Ministério Público e apelada Rosana Aparecida do Nascimento.
O ilustre representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Rosana Aparecida do Nascimento, brasileira, divorciada, portadora do RG nº 8.130.897-7/PR, natural de Maringá/PR, filha de Cícero Pedro do Nascimento e Maria Gomes dos Santos, residente e domiciliada na Rua Haiti, 71, Vila Morangueirinha, em frente ao Parque de Exposições, em Maringá/PR, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 218, 228 e 229 c/c art. 69, todos do Código Penal, em razão dos seguintes fatos delituosos: 1º fato "No dia 22 de dezembro de 2.002, por volta das 0 h. e 40 min., na Boate "Rosaninha", à Rua das Margaridas, nº 29, Antigo Miyaki, neta cidade e comarca de Arapongas/PR, a denunciada ROSANA APARECIDA DO NASCIMENTO, com animus delinquendi, dolosamente, mantinha, por conta própria, casa de prostituição no local mediante a mercancia do corpo, de pessoas do sexo feminino. É dos autos que a denunciada, ciente da reprovabilidade de sua conduta, facilitava a prostituição, mediante "programas amorosos", no interior da sobredita boate, da qual é proprietária, auferindo lucros com a venda de bebidas e que estes consumiam, bem como com a locação de quartos com os "fregueses" freqüentadores. Consta dos autos que a denunciada mantinha seis pessoas do sexo feminino no local as quais estavam ali com a finalidade da prática de prostituição mediante pagamento e conseqüente obtenção de lucro".
2º fato "No dia 22 de dezembro de 2.002, por volta das o h. e 40 min., na Boate "casa do Amor", à Rua das Margaridas, nº 29, Antigo Miyaki, nesta cidade e comarca de Arapongas/PR, a denunciada ROSANA APARECIDA DO NASCIMENTO, com animus delinquenti, dolosamente, dando cumprimento ao seu modus operandi descritos no primeiro fato, mantinha no local para a prática de atos sexuais mediante a mercancia do corpo, conhecido como "programa amoroso" a adolescente J.O, de 17 anos de idade, corrompendo-a à prostituição. É dos autos que a denunciada, ciente da reprovabilidade de sua conduta, mantinha a menor em seu estabelecimento na madrugada do sobredito dia, com o intuito de corromper e auferindo proveito econômico a sobredita adolescente o qual sendo constatado por policiais militares em patrulhamento ao local, lograram encontrar a adolescente que tentava evadir-se do local ao perceber a presença da milícia, sendo neste momento abordada, e a denunciada dado voz de prisão".
Encerrada a instrução criminal, o douto juízo "a quo" prolatou a sentença de fls. 62/70, julgando improcedente a denúncia para absolver a ré Rosana Aparecida do Nascimento, das imputações descritas na exordial acusatória com fundamento no art. 386, inc. VI, do Código de Processo Penal. Inconformado, o representante do Ministério Público apelou (fl. 75) e, em suas razões (fls. 76/80), sustenta a reforma da sentença recorrida ao argumento de que há provas suficientes a ensejar um decreto condenatório quanto ao crime de casa de prostituição, tendo em vista que a prova haurida sob o crivo do contraditório comprova a habitualidade na prática delituosa; que a própria apelada confessou ser proprietária da dita boite a mais de seis anos, lá mantendo quatro quartos destinados a encontros amorosos entre os freqüentadores do local e as mulheres residentes na própria boite; que a apelada responde a outros processos criminais pela corrupção de menores do sexo feminino, por meio da sua introdução à prostituição; que o juízo monocrático ignorou a circunstância de estar a casa de prostituição em foco instalada no antigo Miyaki, local notoriamente conhecido como zona do baixo meretrício. Requer a condenação da apelada Rosana Aparecida do Nascimento pela prática do crime previsto no art. 229 do Código Penal. Contra-arrazoado o recurso (fls. 82/86), vieram os autos a este Tribunal. Nesta instância a douta Procuradoria Geral de Justiça, em o r. parecer de fls. 98/106, opinou pelo desprovimento do recurso. É o relatório. Em que pese o inconformismo do apelante, a sentença absolutória é a melhor solução, ainda que equivocados os fundamentos trazidos na decisão monocrática em sua motivação. Aplicar o crime descrito no art. 229 do Código Penal, nos dias atuais, significaria ressuscitar uma moral já ultrapassada, pondo em cheque o ideal de justiça. A existência de estabelecimentos destinados à promoção de encontros sexuais é percebida em todo o país, sob as mais diversas denominações e fachadas, desde casas de massagens, motéis e até os prostíbulos situados nas zonas dos meretrícios. Tais casas noturnas abrem diuturnamente sob os olhos do Estado-Administração, que, no entanto, não as vê como nocivas, tanto que lhes concede alvarás de autorização para funcionamento e beneficia-se com os tributos oriundos dessa atividade. Essa realidade social supera e afasta a ilicitude da conduta daquele que, por conta própria ou de terceiro, mantém uma casa de prostituição, ou um lugar destinado a encontros para fins libidinosos. Conforme entendimento jurisprudencial: "A jurisprudência dos Tribunais é torrencial no sentido de que a exploração de casa de prostituição em zona de meretrício não configura o delito previsto no art. 229 do CP" (TJPR, ac., rel. Des. Munhoz Gonçalves, RT 557/386, 504/336 e RJTJSP 47/305).
TJSP: "Crimes contra os costumes, Casa de prostituição e rufianismo. (...) A exploração de casa de tolerância em zona de meretrício não constitui crime" (RT 504/336).
"Casa de prostituição. Descriminalização por força social. À sociedade civil é reconhecida a prerrogativa de descriminalização do tipo penal configurado pelo legislador. A eficácia da norma penal nos casos de casa de prostituição mostra-se prejudicada em razão do anacronismo histórico, ou seja, a manutenção da penalização em nada contribui para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, e somente resulta num tratamento hipócrita diante da prostituição institucionalizada com rótulos como "acompanhantes", "massagistas", motéis, etc, que, ainda que extremamente publicizada, não sofre qualquer reprimenda do poder estatal, haja vista que tal conduta, já há muito, tolerada, com grande sofisticação, e divulgada diariamente pelos meios de comunicação, não é crime, bem assim não serão as de origem mais modesta e mais deficiente economicamente. Apelação improvida. Unânime" (TJRS - Apelação-Crime nº 70000586263, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, rel. Des. Aramis Nassif, julgado em 16/02/2000). No caso presente, o estabelecimento comercial da apelada denominado Boate Rosinha, antigamente chamada de Casa do Amor, funcionava na chamada zona do meretrício, há mais de 5 (cinco) anos, sob o olhar da autoridade administrativa. Pelo exposto, nega-se provimento ao apelo para manter a absolvição da apelada, com fundamento no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores MIGUEL PESSOA, Presidente com voto, e LUIZ ZARPELON. Curitiba, 19 de outubro de 2006. ANTÔNIO MARTELOZZO - Relator AC nº 352.174-4 f. 7
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