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Acórdão
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Incidente de Declaração de Inconstitucionalidade nº 174723-7/01, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Suscitante: Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Interessado (1): Fadaleal Supermercados Ltda. Interessado (2): Estado do Paraná. Relator: Des. Sérgio Arenhart. Relator Convocado: Des. Luiz Mateus de Lima.
INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PLEITO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE ARTIGOS DE LEI ESTADUAL E DECRETO QUE DISCIPLINAM A ONERAÇÃO DO ICMS INCIDENTE SOBRE A ENERGIA ELÉTRICA NA ORDEM DE 27%. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE EM RAZÃO DA ESSENCIALIDADE DO PRODUTO. CRITÉRIO QUE CABE À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AFERIR, SOB A ÓTICA DA DISCRICIONARIEDADE. PODER JUDICIÁRIO INCOMPETENTE PARA AFERIR TAL SITUAÇÃO, SOB PENA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INSTITUIÇÃO DE ALÍQUOTA NA ORDEM DE 27% QUE NÃO AFRONTA DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADO IMPROCEDENTE, PARA O FIM DE DECLARAR A CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 14 DA LEI ESTADUAL Nº 11.580/1996 E 15, DO REGULAMENTO DO ICMS NO ESTADO DO PARANÁ, APROVADO PELO DECRETO Nº 5.141/2001. A Constituição Federal faculta o critério da seletividade do ICMS, entretanto, se adotado deverá ocorrer de acordo com a essencialidade das mercadorias e serviços, e não de acordo com critérios outros. Levando-se em conta a essencialidade do produto ou serviço, a seletividade do tributo deve ser observada sob a ótica da discricionariedade dos Poderes Executivo e Legislativo, não cabendo ao Poder Judiciário intervir em tal questão. Franquear ao Poder Judiciário a aferição do grau de essencialidade da energia elétrica para a aplicação do princípio da seletividade, ou seja, interferir sobre o critério de fixação da alíquota da energia elétrica atentaria obliquamente contra o princípio da separação dos poderes. Optando o legislador pela adoção do princípio da seletividade em função da essencialidade do tributo no Estado do Paraná, a fixação de alíquota incidente sobre a energia elétrica em 27%, a fim de promover o equilíbrio econômica-social-político governamental, não há falar em violação a Carta Magna, ainda mais quando esta autoriza que se adote tal posição, ou seja, de tratamento desigual entre partes desiguais, sendo, portanto, constitucionais os artigos 14 da Lei Estadual nº 11.580/1996 e 15, do Regulamento do ICMS no Estado do Paraná, aprovado pelo Decreto nº 5.141/2001.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 174723-7/01, do For Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é suscitante Primeira Câmara Cível do Estado do Paraná, interessados Fadaleal Supermercados Ltda. e Estado do Paraná. Fadaleal Supermercados Ltda., ajuizou ação ordinária de repetição de indébito tributário em face do Estado do Paraná, pretendendo a suspensão da exigibilidade da cobrança do ICMS no patamar de 27% incidente sobre as faturas de energia elétrica, com o deferimento do pedido do depósito dos valores a serem cobrados nas faturas vincendas, subtraindo 7% que o mesmo reconhece como devido, além da adaptação para que conste nas faturas futuras apenas a alíquota de 7%. Além disso, requereu seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 14 da Lei Estadual nº 11.580/1996 e do art. 15, do Regulamento do ICMS no Estado do Paraná, aprovado pelo Decreto nº 5.141/2001, naquilo que disciplinam a oneração do ICMS incidente sobre a energia elétrica na ordem de 27%. Sobreveio a r. sentença (fls. 153/167), tendo o Doutor Juiz julgado "improcedente o pedido inaugural formulado pelo Fadael Supermercados Ltda em desfavor do Estado do Paraná, por reconhecer que inexistiu no caso qualquer inconstitucionalidade a ser declarada na situação, atinente à legislação estadual que instituiu a alíquota de 27% (vinte e sete por cento) incidente sobre a energia elétrica". Houve a interposição de recurso de apelação por Fadaleal Supermercados Ltda (fls. 170/205), o qual por unanimidade de votos dos membros integrantes da Primeira Câmara Cível deste Tribunal, suspendeu-se "o julgamento do recurso, para ser apreciado pelo Órgão Especial o incidente de inconstitucionalidade, pela via difusa, do art. 14 da Lei Estadual nº 11.580/96, em razão do que estatui o art. 97 da CF, art. 112 da Constituição Estadual, art. 469, inc. III e 482 do CPC e, finalmente, art. 83, inc. V., alínea "e" e 206 do RITJ, tendo em vista que não tem aplicação no cão o art. 209 do TITJ." (fls. 267/274) A Douta Procuradoria-Geral de Justiça, por meio do parecer subscrito pelo SubProcurador - Geral de Justiça, Doutor João Carlos Madureira, manifestou-se pela "rejeição do pedido de inconstitucionalidade do artigo 14 da Lei Estadual nº 11.580/1996. (Constituição Federal art. 155, § 2º, inciso III)". (fls. 300/309). É o relatório. VOTO E SEUS FUNDAMENTOS A presente ação visa a declaração da inconstitucionalidade dos artigos 14 da Lei Estadual nº 11.580/1996 e 15, do Regulamento do ICMS no Estado do Paraná, aprovado pelo Decreto nº 5.141/2001, naquilo que disciplinam a oneração do ICMS incidente sobre a energia elétrica na ordem de 27%. Dispõe o artigo 155, § 2º, inciso III, da Constituição Federal que o imposto de operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação - ICMS poderá ser seletivo, em função da essencialidade do produto ou serviço. Logo, é facultado o critério da seletividade do ICMS, entretanto, se adotado deverá ocorrer de acordo com a essencialidade das mercadorias e serviços, e não de acordo com critérios outros. Sobre o princípio da seletividade leciona José Afonso da Silva: " (...) princípio da seletividade do imposto, aplicável obrigatoriamente ao imposto sobre produtos industrializados, nos termos do art. 153, inciso IV e, § 3º, I, segundo o qual esse imposto será seletivo em função da essencialidade do produto, sendo facultada a sua aplicação ao imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços, em função da essencialidade desses objetos (art. 155, § 2º, III), o que permite o estabelecimento de alíquotas diversas para esses produtos, mercadorias e serviços tributados, tendo em vista sua necessidade, utilidade e superficialidade, fatores que caracterizam genericamente graus de essencialidade. Logo, não mais existe o princípio da uniformidade da alíquota próprio do ICMS, princípio oposto ao da seletividade". (Curso de Direito Constitucional Positivo, 26ª ed.,p. 718) Além disso, a Constituição Federal de 1988, ao incluir a seletividade na metodologia atual do ICMS, tornou-o além de um instrumento de fiscalidade, com o fito de prover os cofres públicos para consecução de seus objetivos, ferramenta de extrafiscalidade, ou seja, meio de estimular ou inibir comportamentos havidos por convenientes ou não ao interesse público. A seletividade pode ser alcançada com o emprego de qualquer técnica de alteração quantitativa da carga tributária como alíquotas diferenciadas, variação de base de cálculo ou até concessão de incentivos fiscais. Logo, sempre que houver tributação diferenciada, há que se ter um critério para essa discriminação, não se podendo admitir o estabelecimento aleatório das alíquotas, sob pena de violação aos princípios da isonomia, justiça fiscal e da capacidade contributiva. Entretanto, no caso do ICMS, não há que se questionar acerca deste critério, uma vez que a Constituição Federal foi expressa em determinar a essencialidade das mercadorias e serviços tributados como parâmetro da seletividade para tal. Logo, em razão da essencialidade do produto, a alíquota do ICMS poderá variar. A Constituição Federal de 1988 facultou aos Estados, ao exercerem a competência tributária que lhes foi atribuída, instituir ICMS com caráter seletivo alíquotas diferentes para mercadorias e serviços diversos, de acordo com a essencialidade dos mesmos. Nesse sentido bem observou o SubProcurador - Geral de Justiça, Doutor João Carlos Madureira, o que faço de suas palavras minha fundamentação por reportação: (fl. 303) "(...) Adotado o critério da seletividade prevista no artigo 155, § 2º, inciso III da Constituição Federal, resta sua aferição na conformidade com a essencialidade do produto ou serviço. No que pertine à energia elétrica, justamente porque essencial, é que se reserva ao legislador adotar alíquota, como mecanismo de controle da demanda de consumo que entenda suficiente para preservar o alcance do produto ao maior número possível de usuários, diversamente do caso de redução, que por ser essencial poderia incorrer em elevação do consumo. Seria até contraditório pensar que, por se tratar de bem essencial, não pudesse a tributação ser realizada de forma que exercesse efetivo controle do consumo, na conformidade com critério político-sócio-econômico em determinado momento histórico. (...)" Entretanto, levando-se em conta a essencialidade do produto ou serviço, a seletividade do tributo deve ser observada sob a ótica da discricionariedade dos Poderes Executivo e Legislativo, não cabendo ao Poder Judiciário intervir em tal questão. Assim, cabe à Administração Pública, de forma discricionária, escolher, de acordo com a conveniência e oportunidade, as questões de natureza política-econômica-social, utilizando-se, caso necessário, do ICMS, tributo com função extrafiscal, de maneira que, sem a demonstração efetiva de desvio de finalidade ou poder na legislação ou ato administrativo, não é possível ao Poder Judiciário intervir nesta questão. Franquear ao Poder Judiciário a aferição do grau de essencialidade da energia elétrica para a aplicação do princípio da seletividade, ou seja, interferir sobre o critério de fixação da alíquota da energia elétrica, atentaria obliquamente contra os princípios da separação dos poderes e da legalidade, e, em especial, contra as vedações expressas no art. 150, § 6º, da Constituição de 1988 e no art. 97 do Código Tributário Nacional. Nesse sentido é a orientação do Superior Tribunal de Justiça: "TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. DECRETO-LEI Nº 1.199/71. ART. 4º. SELETIVIDADE DO TRIBUTO. DIFERENCIAÇÃO DE ALÍQUOTA. PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. I - Originariamente, cuida-se de Mandado de Segurança preventivo impetrado visando impedir o recolhimento de IPI sobre as safras de açúcar referentes à safra de 2000/2001. II - No presente Recurso Especial, sustentou-se que o Decreto nº 2.917/98 violou o art. 4º do Decreto-Lei nº 1.199/71, porquanto teria o Poder Executivo desconsiderado as regras previstas neste último preceito, ante a ausência de expressa motivação quanto à seletividade do IPI. Afirma-se, ainda, que o Administrador Público desconsiderou a essencialidade do produto, ainda nos termos do referido art. 4º do Decreto-Lei nº 1.199/71. III - Esta Egrégia Primeira Turma, no julgamento do Recurso Especial nº 704.917/RS, em tudo aplicável à espécie, relatado pelo Eminente Ministro JOSÉ DELGADO, aderiu à seguinte conclusão, verbis:"O Decreto nº 2.501/98 regulamentou a matéria na forma desejada pelo Governo Federal, que mantém a intervenção no setor, ainda que de forma mitigada. Cabe a ele, de forma discricionária, escolher os rumos da política sucroalcooleira, utilizando-se, caso necessário, do IPI, tributo com função extrafiscal, de maneira que, sem a demonstração cabal de vícios de legalidade na norma regulamentadora, não é possível ao Poder Judiciário imiscuir-se nesta seara. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles, "Os agentes políticos (...) são as autoridades públicas supremas do Governo e da Administração na área de sua atuação, pois não estão hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais de jurisdição." (Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros. 29ª ed. p. 77)." (DJ de 27/06/2005) IV - No mesmo sentido, é a orientação firmada no âmbito da Colenda Segunda Turma desta Corte: REsp nº 439.059/PR, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de 22/03/2004. V - Recurso Especial improvido." (REsp 781653 / RS ; RECURSO ESPECIAL 2005/0152246-3, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma, DJ. 13.02.2006, p. 711) Assim, tendo em vista que as alíquotas do ICMS somente podem ser estabelecidas pelo legislador ordinário de cada Estado-Membro, cabe a este aferir o grau de essencialidade do produto, no caso, da energia elétrica. Portanto, optando o legislador pela adoção do princípio da seletividade em função da essencialidade do tributo no Estado do Paraná, a fixação de alíquota incidente sobre a energia elétrica em 27%, a fim de promover o equilíbrio econômica-social-político governamental, não há falar em violação à Carta Magna, ainda mais quando esta autoriza que se adote tal posição, ou seja, de tratamento desigual entre partes desiguais. Logo, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nas normas constantes dos artigos 14 da Lei Estadual nº 11.580/1996 e 15, do Regulamento do ICMS no Estado do Paraná, aprovado pelo Decreto nº 5.141/2001, quando disciplina a oneração do ICMS incidente sobre a energia elétrica na ordem de 27%. Portanto, julgo improcedente o incidente de declaração de inconstitucionalidade, para o fim de declarar a constitucionalidade dos artigos 14 da Lei Estadual nº 11.580/1996 e 15, do Regulamento do ICMS no Estado do Paraná, aprovado pelo Decreto nº 5.141/2001, quando disciplina a oneração do ICMS incidente sobre a energia elétrica na ordem de 27%. Pelos motivos expostos, ACORDAM os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar improcedente o incidente de declaração de inconstitucionalidade, a fim de declarar a constitucionalidade do artigo 14 da Lei Estadual nº 11.580/1996 e do art. 15, do Regulamento do ICMS no Estado do Paraná, aprovado pelo Decreto nº 5.141/2001, nos termos do voto. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Tadeu Costa (presidente, com voto), Ulysses Lopes, Telmo Cherem, Ângelo Zattar, Jesus Sarrão, Wanderlei Resende, Ruy Fernando de Oliveira, Ivan Bortoleto, Celso Rotoli de Macedo, Mario Rau, Waldomiro Namur, Idevan Lopes, Airvaldo Stela Alves, Rogério Kanayama, Manasses de Albuquerque, Tufi Maron Filho, e Marcos de Luca Fanchin. Curitiba, 17 de novembro de 2.006. LUIZ MATEUS DE LIMA. Desembargador Relator
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