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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 363.111-4, DE MARINGÁ, 5ª VARA CÍVEL PELANTE: CONSTRUTORA VILLARC LTDA. PELADO: GILSON LAUREANO E OUTROS (3). ELATOR: DES. GLADEMIR VIDAL ANTUNES PANIZZI.
PELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO - ARREMATAÇÃO DE IMÓVEL - PREÇO VIL - CARACTERIZAÇÃO - AVALIAÇÃO - ERRO NOTÓRIO DO AVALIADOR JUDICIAL - PRECLUSÃO - INEXISTÊNCIA - APLICAÇÃO DOS ARTS. 683, I, E 620, DO CPC - DESCONSTITUIÇÃO DO ATO - DECISÃO REFORMADA - RECURSO PROVIDO. . O erro provado do avaliador judicial é causa de repetição da avaliação, nos termos do art. 683, I, do Código de Processo Civil; 2. "não se há de falar em preclusão, pois a notícia de uma eventual sub-avaliação é fato novo, acerca do qual não pode haver preclusão de manifestação pelas partes."; 3. Para se verificar se a alienação judicial se realizou por preço vil não basta que o lanço vitorioso esteja condizente com o valor da avaliação; deve, sim, ser condizente com o real valor de mercado do bem, e este, por sua vez, deve estar corretamente refletido na avaliação; 4. A anulação de hasta pública não implica negação da tutela jurisdicional ao exeqüente; ao contrário, é medida que vai justamente ao encontro dos interesses dos próprios credores, uma vez que a expropriação do bem pelo seu justo e maior valor tende a satisfazer uma maior quantidade de créditos que desse patrimônio dependem. 5. A efetividade da tutela jurídica no processo de execução não significa simplesmente dar atendimento ao direito do credor; refere-se, sim, à satisfação desse crédito, porém, sem injusta e excessiva onerosidade ao devedor. "Daí a necessidade de se instruir corretamente o processo para que a alienação do bem penhorado alcance preço tanto quanto possível mais próximo do valor de mercado." VISTOS, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 363.111-4, DA 5ª VARA CÍVEL DE MARINGÁ, em que é Apelante CONSTRUTORA VILLARC LTDA. e Apelado GILSON LAUREANO E OUTROS (3).
I) Trata-se de Apelação Cível interposta da sentença que julgou improcedente a Ação de Nulidade de Arrematação nº 778/2004 movida por CONSTRUTORA VILLARC LTDA. em face de GILSON LAUREANO, CESAR AUGUSTO DE FRANÇA, ROMERO DE SOUZA, E ENGEOMEC ENGENHARIA DE OBRAS ELETROMECÂNICAS LTDA. CONSTRUTORA VILLARC LTDA. ingressou com a referida demanda alegando, em síntese: que nos autos nº 148/2000, da Carta Precatória em apenso, procedeu-se à penhora e à arrematação do imóvel de sua propriedade, constituído pelo Lote com 5.072,65 m2, objeto da matrícula nº 4.356 do 2º Ofício do Cartório de Registro de Imóveis de Maringá; que o imóvel contém inúmeras benfeitorias consistentes em muro de quase 03 metros de altura, moradia do caseiro, campo gramado, depósito de materiais e salão para realização de eventos festivos; que, mesmo assim, foi avaliado pela quantia ínfima de R$ 99.120,65, tendo sido arrematado pelos requeridos GILSON LAUREANO, CESAR AUGUSTO DE FRANÇA, ROMERO DE SOUZA, na data de 22/04/2003, pela bagatela de R$ 60.000,00; que há avaliação idônea da Imobiliária Becchi de Maringá orçando o imóvel no valor de R$ 306.600,00; que o próprio Município de Maringá definiu o valor venal em R$ 145.796,18, na data de 06/06/2003, para fins de tributação; que nos autos da execução nº 664/99, da 6ª Vara Cível de Maringá, o mesmo imóvel foi avaliado em R$ 175.916,25; que o edital foi publicado em jornal de fora da Comarca, revelando indícios de fraude, principalmente por serem os arrematantes um Advogado, um Agente Fiscal da Receita Estadual e terceira pessoa não qualificada nos autos; que a arrematação padece de nulidade, sendo cabível a presente ação, na forma do art. 486 do CPC. ENGEOMEC ENGENHARIA DE OBRAS ELETROMECÂNICAS LTDA. apresentou contestação, relatando que ajuizou execução de título extrajudicial contra a empresa requerente perante a 1ª Vara Cível de Curitiba e que, por conta disso, foi expedida carta precatória à Comarca de Maringá, onde se realizou a penhora e a arrematação do imóvel. Argüiu, em preliminar, carência de ação, porque a empresa requerente deixou de impugnar a avaliação, bem como não interpôs embargos à arrematação, apesar de regularmente intimada de todos os atos, estando precluso o direito de alegar nulidade. No mérito, refutou a alegação de fraude, dizendo que o edital foi publicado no Jornal Folha de Londrina, que tem ampla circulação na Cidade de Maringá, e que o imóvel foi arrematado por 60% do valor avaliado, não havendo que se falar em preço vil. De sua vez, os requeridos GILSON LAUREANO, CÉSAR AUGUSTO DE FRANÇA E ROMERO DE SOUZA também contestaram, trazendo, em síntese, as mesmas razões apresentadas pela requerida ENGEOMEC e pedindo a condenação da requerente em litigância de má-fé. Em julgamento antecipado, o pedido foi julgado improcedente, reconhecendo-se a litigância de má-fé e condenando-se a autora a pagar multa de 1% sobre o valor da execução, bem como a indenizar a parte contrária na ordem de 3% (três por cento) sobre o valor da causa deste feito. Pela sucumbência, condenou a autora ao pagamento das custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa. Inconformada, CONSTRUTORA VILLARC LTDA. recorre, pedindo a reforma da decisão, retomando os argumentos iniciais e dizendo, ainda: que houve cerceamento de defesa, porque quando intimado para especificar provas reiterou seu pedido de prova testemunhal, pericial e depoimento pessoal; que se as provas tivessem sido produzidas ficaria demonstrado o motivo pelo qual se uniram para adquirir o imóvel em hasta pública um Agente Fiscal da Receita Estadual, um Advogado, com terceira pessoa não qualificada nos autos, além da empresa credora que publicou o edital em jornal de fora da Comarca de Maringá; que a arrematação padece de nulidade e a presente ação é via adequada para desconstituir o ato, na forma do art. 486 do Código de Processo Civil. Apresentadas as respectivas contra-razões, subiram os autos. É o relatório. II) Presentes os pressupostos de admissibilidade, é de ser conhecido o apelo. Ao que se denota, a apelante pretendia demonstrar, mediante as provas que especificou, a existência de fraude no procedimento de arrematação do imóvel decorrente de conluio entre as partes envolvidas. Contudo, não se pode olvidar que o seu real intento consiste no desfazimento do ato de arrematação, portanto, a não-produção das referidas provas somente teria relevância caso conduzisse a um efetivo prejuízo processual, o que não parece ocorrer. Além disso, sendo o juiz o destinatário precípuo das provas, a ele cabe examinar a pertinência dos atos de instrução requeridos pelas partes, podendo, por isso, indeferi-los quando se mostrarem irrelevantes à formação de seu convencimento. Assim, fica desde logo afastada a preliminar de cerceamento de defesa e, com isso, passo ao exame do mérito recursal. Nesta seara, diz a apelante que o valor atribuído ao imóvel não condiz com a realidade, havendo, ainda, indícios de fraude, devendo por isso ser desfeita a arrematação. A adequação da presente demanda anulatória encontra arrimo no entendimento doutrinário e jurisprudencial já formado, notadamente porque não interpostos embargos à arrematação, senão vejamos: "A jurisprudência do Eg. STJ admite a utilização da ação anulatória do art. 486 do CPC para desconstituir a arrematação (Resp 59.211/MG, REsp 442.238/PR, REsp 150.115/DF, REsp 35054/SP), ainda que tenha havido irresignação nesse sentido." (Resp 643320/SE, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 02/05/2005). Cumpre, então, examinar a correlação fática dos autos com a tese defendida pela autora/apelante. Primeiro, tenho que não se pode reputar qualquer irregularidade na publicação do edital da hasta pública, já que o jornal Folha de Londrina é veículo de reconhecido alcance, inclusive no Município de Maringá. Mas, por outro lado, há vários outros elementos nos autos que merecem atenção, a ver: A primeira avaliação procedida nos autos da carta precatória nº 148/2000 (Quinta Vara Cível) foi realizada em 19 de novembro de 2001 pelo Avaliador Judicial Marcelino Martins Fernandes, do 1º Ofício daquela Comarca, e atribuiu ao bem o valor total de R$ 99.120,65 (fls. 24). Já em data de 22 de julho de 2002, cumprindo determinação judicial para atualização da avaliação, esse mesmo Avaliador repetiu o laudo anterior, lançando o mesmo valor, apenas acrescentando a seguinte observação: "Procedi novas diligências e constatei que não houve alterações nas edificações e nem nos valores". (fls. 26) Portanto, a primeira conclusão que se impõe é a de que não houve efetiva atualização. Ocorre que, nessa mesma época, precisamente na data de 23 de maio de 2002, o mesmo imóvel foi objeto de avaliação judicial nos autos da execução nº 664/99 (da Sexta Vara Cível), onde foi orçado no valor total de R$ 175.916,25, conforme laudo do Avaliador Miguel Bittar, do 2º Ofício daquela Comarca (fls. 43). Curioso observar que os laudos - apesar de elaborados por avaliadores distintos, lotados em Ofícios distintos, e para processos distintos - são praticamente idênticos, especialmente quanto à descrição dos bens avaliados e, inclusive, no valor atribuído a cada uma das construções identificadas. A diferença no valor total reside, pois, na quantia atribuía para a terra nua, já que na primeira avaliação foi fixado o valor de R$ 50.720,65, sendo que na outra avaliação o valor foi de R$ 126.816,25. Aliás, de tantas similaridades, as avaliações acabaram incorrendo na mesma afronta ao Código de Normas, que assim determina: 3.15.4 - O laudo de avaliação descreverá pormenorizadamente o bem avaliado, enunciando as suas características e o estado em que se encontra, bem como os critérios utilizados para a avaliação, e as indicações de pesquisas de mercado efetuadas. Ora, sobre os pontos destacados os dois laudos são nitidamente omissos, deixando de fazer menção a qualquer critério técnico que tenha sido adotado para a avaliação dos bens, assim como não há qualquer indicação de parâmetro de mercado, o que leva à conclusão de que os valores foram atribuídos de maneira totalmente aleatória e subjetiva, o que, evidentemente, não pode ser admitido. Tudo isso ganha reforço pelo fato de que o próprio Fisco reconheceu ao imóvel valor maior do que aquele definido na avaliação, o que se verifica justamente pela incidência do ITBI - Imposto de Transmissão de Bens Imóveis decorrente da venda judicial aqui combatida, já que o valor venal foi estabelecido no montante de R$ 145.796,18 (fls. 39). Talvez essas circunstâncias até justifiquem, em certa medida, a gritante disparidade entre os valores atribuídos nas duas avaliações, mas não se prestam para afastar a incidência do art. 683, inciso I, do CPC, que prevê exatamente: Art. 683. Não se repetirá a avaliação, salvo quando: I - se provar erro ou dolo do avaliador;
Mais ainda porque, na linha do Código de Normas: 3.15.5 - O valor do bem corresponderá ao do valor de mercado na data do laudo, devendo ser expresso em moeda corrente.
Nesse passo, importa observar a correta conceituação do que seja "preço vil", nas hipóteses de expropriação judicial. Sobre isso, não é de hoje a orientação da Corte Superior de Justiça no sentido de que: "(...) O conceito de preço vil resulta da comparação entre o valor de mercado do bem penhorado e aquele da arrematação. É incorreto afirmar que determinada arrematação deixou de ser vil, apenas porque o lance vitorioso cobriu parte do crédito em execução." (REsp 57.083/SP, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, DJ 19.12.1994 p. 35292) destacamos. Também: "A arrematação por preço vil malfere o princípio da economicidade tanto mais que a execução deve operar-se de forma menos onerosa para o devedor. Não obstante a vileza do preço, inúmeros precedentes estabelecem o critério norteador na aferição dessa anomalia econômica. In casu, o preço da arrematação correspondeu a apenas 14,36% (quatorze vírgula trinta e seis por cento) do valor do bem." (Resp 643320/SE, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 02/05/2005). destacamos
Portanto, para se verificar se a alienação judicial se realizou por preço vil não basta que o lanço vitorioso esteja condizente com o valor da avaliação; deve, sim, se aproximar o máximo possível do real valor de mercado do bem, e este, por sua vez, deve estar corretamente refletido na avaliação. De toda sorte, ainda que assim não fosse, a questão se enquadra propriamente na hipótese de sub-avaliação, que, igualmente, seria fundamento válido para abonar a tese da apelante. Então, ainda que não se possa verificar dolo, não há como negar que há evidente erro na avaliação que estipulou o valor do imóvel em R$ 99.120,65, razão suficiente para se determinar que seja refeita. Mas, não bastasse isso, há ainda que se considerar outro fator atinente à arrematação, especificamente com relação à participação do apelado CÉSAR AUGUSTO DE FRANÇA1 no certame. Neste aspecto, de se ver que muito embora a lei não exclua expressamente a legitimidade do procurador da parte exeqüente para lançar, o seu impedimento encontra fundamento na ordem moral. Dos julgados deste Estado se colhe o seguinte: "O arrematante figurou nos autos de execução como advogado do exeqüente, permanecendo o impedimento ético que decorre da interpretação do art. 690, II, do Código de Processo Civil". (AI nº 222.211-1, Oitava CCv. (extinto TA), rel. Hélio Henrique Lopes Fernandes Lima, DJ 02/05/2003). Já se disse, inclusive, que a participação do advogado da exeqüente em ato dessa natureza configuraria infração ética, ensejando comunicação ao órgão de classe.2 Mais ainda no presente caso, pois o seu ato está até mesmo prejudicando o interesse de sua própria cliente, como ficará demonstrado na seqüência. Assim, reprovável o fato de o advogado da exeqüente, em nome próprio, ter arrematado o imóvel, ainda que juntamente com um funcionário da Receita Estadual e outra pessoa de profissão não conhecida. De qualquer forma, o prejuízo se evidencia pela manifesta incorreção no valor atribuído ao imóvel. Por isso, veja-se: a presente decisão não implica negação da tutela jurisdicional ao exeqüente; ao contrário, a anulação da hasta pública é medida que vai justamente ao encontro dos interesses dos próprios credores, uma vez que a expropriação do bem pelo seu justo e maior valor tende a satisfazer uma maior quantidade de créditos que desse patrimônio dependem. E, no caso presente, essa circunstância se reveste de contornos ainda mais nítidos, uma vez que se vislumbra a formação de concurso de credores sobre o produto da venda judicial e em face do que até mesmo a própria credora/apelada ENGEOMEC restaria preterida, não só pela existência de penhoras anteriores mas também e principalmente porque há nos autos notícia da existência de crédito privilegiado3. Assim, a par do interesse do devedor, está-se a proteger o próprio direito dos credores, o que se revela como razão mais do que suficiente para reconhecer como imperiosa a necessidade de anular a alienação judicial realizada. Nem se diga que se trata de decisão teratológica. Trata-se, antes, de medida orientada com a moderna concepção do processo civil, que tem preconizado a releitura dos princípios, com mitigação do seu rigor, e a renúncia a dogmas processuais que acabam por obstaculizar o alcance a um resultado justo e tempestivo do processo, sem que isso implique repúdio a tradicionais institutos do direito processual, tal qual a segurança jurídica. Nessa ótica, aliás, tem sido a leitura da execução civil moderna por DINAMARCO, e a interpretação que propõe ao art. 620 do Código de Processo Civil, afirmando: "É indispensável a harmoniosa convivência entre o direito do credor à tutela jurisdicional para a efetividade de seu crédito e essa barreira mitigadora dos rigores da execução, em nome da dignidade da pessoa física ou da subsistência da jurídica. E conclui: "Ao juiz impõe-se, caso a caso, a busca da linha de equilíbrio entre essas duas balizas, para não frustrar o direito do credor nem sacrificar o patrimônio do devedor além do razoável e necessário".4 Como bem resumiu EGAS D. MONIZ DE ARAGÃO: "Não se alcança a efetividade do processo com o sacrifício de direitos."5 Na mesma linha, de há muito destacava ARNALDO RIZZARDO: "Fundamentalmente, objetiva a lei a proteção ao patrimônio alheio, dando-lhe a exata dimensão quando expropriado para saldar dívidas. Não mais é o instrumento da venda judicial um meio de enriquecimento de especuladores sempre atentos aos editais para assenhorarem-se de possíveis riquezas, a preço vil, mas sim de satisfação do crédito existente. Atualmente...a anulação da venda realizada em hasta pública ou leilão judicial busca a satisfação de uma exigência da própria lei: que o processo de execução realize o direito do credor, na ordem do art. 646, já referido. Não logrando este objetivo, deixa de prevalecer a alienação. Por razões como as expostas no entendimento acima, concretizavam-se enormes injustiças. Despojavam-se os devedores de suas economias, conseguidas a muito custo, e que serviam para o sustento e o da família, para realizar um pequeno crédito. Não importava tanto a finalidade para a qual nascera o ato expropriatório, e sim a obediência a uma série de formalidades processuais. A forma para aferir a realização ou não do objetivo primordial do processo executório é a lesão. Ocorrendo ela, faz-se da justiça um meio para atingir um fim diametralmente oposto ao visado pela lei. Acentua-se mais o desequilíbrio social. Não é recomposta uma situação alterada por um comportamento antijurídico." 6 Ademais, o extinto Tribunal de Alçada deste Estado já abarcava situações como a presente, asseverando que: "(...) não se há de falar em preclusão, pois a notícia de uma eventual sub-avaliação é fato novo, acerca do qual não pode haver preclusão de manifestação pelas partes." (AI nº 242.495-3, rel. Juiz Edson Vidal Pinto, 5ª CCv TAPR, DJ 28/11/2003). Por isso, é necessário ter em mente que a efetividade da tutela jurídica no processo de execução não significa simplesmente dar atendimento ao direito do credor; refere-se, sim, à satisfação desse crédito, porém, sem injusta e excessiva onerosidade ao devedor. E, no presente caso, não é difícil constatar que, em persistindo a arrematação, o único interesse que se terá por atendido será o dos arrematantes, que serão abençoados com a graça de agregarem patrimônio por valor notavelmente vantajoso, em detrimento do devedor e - repita-se - dos próprios credores (inclusive da cliente de um dos arrematantes). Além disso, não se verifica a possibilidade de prejuízo a terceiros, pois, consoante se denota dos autos, não houve o levantamento do valor arrecadado, que permanece depositado e, assim, logrando a incidência de juros e correção monetária. Em definitivo, e para bem ilustrar essa linha de raciocínio, anote-se o notável pronunciamento do Ministro João Otávio de Noronha, em caso que se amolda à hipótese dos autos: "PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. BEM PENHORADO. NOVA AVALIAÇÃO. ART. 13, § 1º, DA LEI 6.830/80. 1. A regra insculpida no art. 13, § 1.º, da Lei de Execuções Fiscais, tem por escopo assegurar a possibilidade de qualquer das partes impugnar o laudo de avaliação e, se impugnação houver, descreve o procedimento para que o juiz proceda nova avaliação dos bens penhorados. No entanto, daí não se deve defluir esteja o juiz impedido de determinar, de ofício, tal providência, propugnando, dessa forma, para que "a execução se faça pelo modo menos gravoso para o devedor" Princípio da Economicidade CPC, art. 620, in fine. 2. Dentre os poderes que o Código de Processo artigos 125, I; 130, ambos c/c art. 598 confere ao juiz na direção do processo de execução, subsome-se o de determinar atos instrutórios necessários para que a execução se processe de forma calibrada, justa, de modo a não impor desnecessários sacrifícios ao devedor. Daí a necessidade de se instruir corretamente o processo para que a alienação do bem penhorado alcance preço tanto quanto possível mais próximo do valor de mercado. 3. Dentre as razões que fizeram o legislador avultar os poderes de comando do juiz no processo de execução, está a de não permitir que na realização da praça se aceite o oferecimento de preço vil (CPC, art. 692). Quer o legislador, em última análise, que a execução se ultime sempre de forma justa. 4. Se o processo de conhecimento é instruído com o escopo de permitir que o juiz o encerre com a formulação da regra aplicável ao caso concreto, ou seja, profira a sentença; o processo de execução, na modalidade por quantia certa, é instruído de modo a possibilitar a satisfação do direito do credor, o que se consegue com a alienação do patrimônio contristado, mas, frise-se, sempre pelo preço justo. 5. No processo de execução, em face da incidência do princípio da responsabilidade patrimonial agasalhado pelo art. 591 do Código de Processo Civil, cabe ao juiz a tarefa indeclinável de adequar o débito à responsabilidade do executado, visto ser a execução nos dias atuais parcial, vale dizer, limita-se ao necessário e suficiente para satisfazer a obrigação. Razão por que o valor do bem penhorado deve ser sempre corretamente aferido. 6. Recurso especial a que se nega provimento." (REsp 71.960/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 25.03.2003, DJ 14.04.2003 p. 206)
Forte nessas razões é que entendo pela procedência do recurso, ao fim de declarar nula a arrematação de fls. 100, ocorrida nos autos da carta precatória nº 148/2000, da Quinta Vara Cível de Maringá, determinando a repetição da avaliação do imóvel, inclusive com isenção das custas, conforme estabelece o Código de Normas: 3.15.10 - Nas hipóteses de atualização de avaliação ou de nova avaliação, ressalvado o caso em que nova avaliação se deva a erro cometido pelo avaliador na primeira, o avaliador terá direito às custas normais do ato. Em decorrência, de se excluir obviamente a condenação por litigância de má-fé.
III) Ante o exposto, ACORDAM os Magistrados integrantes da Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso, para reconhecer a procedência do pedido da ação anulatória e declarar desconstituída a arrematação bem como os demais atos subseqüentes, determinando a repetição da avaliação do imóvel, nos termos do voto. Quanto à sucumbência, os apelados responderão integralmente e de forma solidária, nos termos do art. 21, parágrafo único, do Código de Processo Civil. O julgamento foi presidido pelo Desembargador Edson Vidal Pinto, sem voto, e participaram os Desembargadores Guido Döbeli (Revisor) e Celso Seikiti Saito.
Curitiba, 04 de abril de 2007.
GLADEMIR VIDAL ANTUNES PANIZZI Relator
1 Ver substabelecimento de fls. 95 dos autos da Carta Precatória nº 148/2000, em apenso. 2 Ver RT 632/177. 3 Ver fls. 273 dos autos da carta precatória nº 148/2000, em apenso. 4 Nova era do processo civil. 1ª edição, 2ª tiragem. São Paulo: Ed. Malheiros, 2004, p. 290/291. 5 Efetividade do processo de execução in Revista de Processo nº 72, p. 21. 6 Da ineficácia dos atos jurídicos e da lesão no direito. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1983, p. 159/160.
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