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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL N.º 419.655-2, DA VARA ÚNICA COMARCA DE MANOEL RIBAS APELANTE: BANCO DO BRASIL S.A. APELADO: HELENA DE ALMEIDA NOGUEIRA MOMPIAN RELATOR: JUIZ CONV. FÁBIO HAICK DALLA VECCHIA
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DO DEVEDOR. APELAÇÃO CÍVEL. NECESSIDADE DE RECONHECER DE OFÍCIO AUSÊNCIA DE UM DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. FALTA DE PROCURAÇÃO. ADVOGADA COM INSCRIÇÃO SUSPENSA NA OAB. SUBSTABELECIMENTO INVÁLIDO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. REMESSA DE CÓPIA DOS AUTOS À OAB. RECURSO PREJUDICADO. Por se tratar de matéria de ordem pública deve ser reconhecida ex officio a ausência de um dos pressupostos processuais, no caso em tela a falta de capacidade postulatória para litigar em juízo. Isto porque, não existe procuração nos autos da advogada que subscreveu a petição inicial, além disso sua inscrição estava suspensa perante a OAB, o que torna todos os seus atos nulos. O juízo a quo, atendendo ao disposto no art. 13 do Código de Processo Civil, determinou à embargante que nomeasse outro patrono para a causa, todavia, esta quedou-se inerte, vindo a advogada a "substabelecer" poderes que não possuía. Assim, diante da ausência de capacidade postulatória, a extinção do processo sem resolução do mérito é medida que se impõe, com fulcro no art. 267, IV do Código de Processo Civil, restando prejudicado o presente apelo.
1. RELATÓRIO VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 419.655-2, da Comarca de Manoel Ribas - Vara Única, em que é apelante BANCO DO BRASIL S.A. e apelada HELENA DE ALMEIDA NOGUEIRA MOMPIAN. Cuida-se de apelação cível interposta pelo BANCO DO BRASIL S.A. em face da sentença prolatada nos autos de embargos do devedor, sob n.º 158/2004, da Vara Única da Comarca Manoel Ribas, a qual julgou parcialmente procedente o pedido, para: a) declarar a ilegalidade da capitalização mensal de juros, sendo substituída pela capitalização semestral; b) afastar a cobrança de permanência; c) reduzir a multa contratual de 10% para 2%. Ainda, condenou o embargado ao pagamento das custas e honorários advocatícios que fixou em R$ 500,00 (quinhentos reais). Consta nas razões de apelação, em resumo, que a sentença merece ser reformada, para que seja: a) afastada a aplicação do Código de Defesa do Consumidor; b) mantida a prática de anatocismo mensal; c) declarada a legalidade da cobrança de comissão de permanência; d) mantida a multa contratual pactuda. Aduz que não existe relação de consumo, sendo que "o Banco do Brasil S.A não atua como fornecedor de produtos nem prestador de serviços, mas instituição financeira de crédito" (fl. 96) e, por isso, não seria aplicável o Código de Defesa do Consumidor. Assevera que não restou demonstrada a cobrança de capitalização de juros ou exigência de taxas em desconformidade com o ordenamento jurídico vigente. Alega que, com a Medida Provisória n.º 2.170-36, tornou-se legal a prática de anatocismo em período inferior a um ano. Ainda, argumenta que "não sendo potestativa a cláusula que prevê a comissão de permanência, não há que se falar em nulidade da mesma, ainda que de ofício, haja vista que esta tem previsão legal e, no máximo poderia, ter sido reduzida, mas jamais declarada nula." (fl. 100) Diz que a redução da multa contratual viola o princípio da pacta sunt servanda. Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do presente apelo, inclusive no que diz respeito à verba de sucumbência. A apelada deixou de apresentar contra-razões É a breve exposição.
2. FUNDAMENTAÇÃO Primeiramente, deve-se reconhecer a nulidade dos presentes embargos do devedor, ante a ausência de um dos pressupostos processuais, matéria de ordem pública, que pode ser apreciada de ofício, conforme demonstra o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSO CIVIL - AÇÃO MONITÓRIA - CARÊNCIA DE AÇÃO - RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO TRIBUNAL A QUO - POSSIBILIDADE. 1. As questões de ordem pública referentes às condições da ação e aos pressupostos processuais podem ser conhecidas de ofício pelos Tribunais de segundo grau. Precedentes. 2. O reconhecimento da ausência de uma das condições da ação impede a apreciação das demais questões suscitadas pelas partes, "ex-vi" do disposto no art. 267, VI, do CPC. 3. Um dos pressupostos de admissibilidade da ação monitória é a existência de documento escrito em que se possa inferir, razoavelmente, a existência de crédito afirmado pelo autor. In casu, conforme assentado pelas instâncias ordinárias, inexistente o crédito reclamado. 4. Recurso especial não conhecido. (Superior Tribunal de Justiça, REsp 279.295/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 23.08.2005, DJ 12.09.2005 p. 332)
"Em se tratando de matérias apreciáveis de ofício pelo juiz (condições da ação, pressupostos processuais, perempção, litispendência e coisa julgada - arts. 267, §3.º e 301, §4.º, do Código de Processo Civil), mesmo que a parte não tenha provocado sua discussão na petição inicial ou na contestação ( conforme se trate de autor ou de réu), podem elas ser apreciadas na segunda instância" (Superior Tribunal de Justiça, REsp 170129/MG, 4.ª Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 1. 29.10.1998, DJ 1.º.3.1999, p. 331, RSTJ 122/335 - Decisão: por unanimidade, deram provimento ao recurso)."1 Passo a fundamentar tal conclusão. Da detida análise dos autos, depreende-se que não houve a juntada de procuração da embargante - Helena de Almeida Nogueira Mompian - à advogada Suely Lopes Ricken, patrona que subscreveu a peça inicial, infringindo-se o disposto no art. 37 do Código de Processo Civil, in verbis:
"Art. 37. Sem instrumento de mandato, o advogado não será admitido a procurar em juízo. Poderá, todavia, em nome da parte intentar ação, a fim de evitar decadência ou prescrição, bem como intervir, no processo, para praticar atos reputados urgentes. Nestes casos, o advogado se obrigará, independentemente de caução, a exibir o instrumento de mandato no prazo de quinze (15) dias, prorrogável até outros quinze (15) por despacho do juiz. Parágrafo único. Os atos, não ratificados no prazo, serão havidos por inexistentes, respondendo o advogado por despesas e perdas e danos."
Sobre o referido artigo, cito BEDAQUE: 1. Procuração e processos incidentes: A representação exercida pelo advogado é demonstrada mediante o instrumento de procuração, com cláusula ad juditia. Nele está consubstanciado o mandato outorgado pela parte, com todos os poderes necessários ao exercício da função pelo profissional. Sem o instrumento, prova documental do vínculo com a parte e dos poderes por ela conferidos, o advogado não pode atuar em processo judicial.2
Portanto, a falta de procuração nos autos resulta na ausência de capacidade para postular em juízo. A aludida capacidade se trata de um dos pressupostos processuais subjetivos para constituição e desenvolvimento válidos e regulares do processo, conforme elucida a doutrina:
"IV: 5. Pressupostos processuais. Ausente algum ou alguns deles, o processo não se encontra regular, de sorte que se impõe a sanação da irregularidade. A lei é que diz qual a conseqüência para o não preenchimento de pressuposto processual. (...) São pressupostos processuais de existência da relação processual: a) jurisdição; b) citação; c) capacidade postulatória (CPC 37 par. ún.), apenas quanto ao autor; d) petição inicial. (...)"3
Por isso, sua ausência enseja na extinção do processo sem resolução do mérito, com fulcro no art. 267, IV do mesmo Código de Processo Civil. Sobre a matéria:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - INEXISTÊNCIA DE INSTRUMENTO DE PROCURAÇÃO - PRESSUPOSTO DE DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO - FALTA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA - APELO NÃO CONHECIDO. (TJPR - Apelação Cível 358.926-2 - 9ª Câmara Cível - Relator: Edvino Bochnia - Julgado em: 12/4/2007 - Publicado em: 27/4/2007)
AUSÊNCIA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA - INTIMAÇÃO DA PARTE RECORRENTE - INÉRCIA - RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. Intimada a restabelecer sua capacidade postulatória, constata-se, portanto, que a parte não mais se encontra regularmente representada nos autos, faltando-lhe a capacidade postulatória, uma vez que o instrumento de mandato constitui em pressuposto objetivo de recorribilidade. Recurso especial não conhecido. (Superior Tribunal de Justiça, REsp 282.809/SP, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 19.02.2004, DJ 06.09.2004 p. 192)
Além disso, consoante certidão de fl. 49, foi informado ao juízo que a patrona da causa estava com sua inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil suspensa pelo período de 12 meses. Portanto, a Dra. Suely Lopes Ricken, além de não estar munida de procuração para litigar nos presentes embargos, estava com sua inscrição suspensa perante a Ordem dos Advogados do Brasil, não podendo vir a exercer atividade exclusiva dos advogados, consoante o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, em seus artigos 4.º, 37 e 42, , in verbis:
"Art. 4.º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas. Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por advogado impedido - no âmbito do impedimento - suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia. "
"Art. 37. A suspensão é aplicável nos casos de: I - infrações definidas nos incisos XVII a XXV do art. 34; II - reincidência em infração disciplinar. §1.º A suspensão acarreta ao infrator a interdição do exercício profissional, em todo o território nacional, pelo prazo de trinta dias a doze meses, de acordo com os critérios de individualização previstos neste capítulo."
"Art. 42. Fica impedido de exercer o mandato o profissional a quem forem aplicadas as sanções disciplinares de suspensão ou exclusão."
Portanto, são nulos os atos praticados pela advogada da embargante, diante de sua suspensão. Nesse sentido, colaciono o seguinte precedente:
PROCESSUAL CIVIL - FALTA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA - ADVOGADO SUSPENSO EM ENTIDADE DE CLASSE ('OAB/PR') - INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE PARA QUE REGULARIZE A REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL - DECURSO, 'IN ALBIS', DO PRAZO ASSINALADO - EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO - CONJUGAÇÃO DOS ARTS. 13, I E 267, III, § 1º, AMBOS DO 'CPC' - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (TJPR - Apelação Cível 1.0170.951-5 - 9ª Câmara Cível - Relator: Marco Antonio de Moraes Leite - Julgado em: 31/8/2006 - Publicado em: 22/9/2006)
PROCESSUAL CIVIL. ADVOGADO. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL IRREGULAR. NULIDADE DO ATO PRATICADO. LEI 8906/94, ART. 4º , PARÁGRAFO ÚNICO. 1. A teor do parágrafo único do art. 4o da Lei 8906/94, são nulos os atos praticados por advogado impedido, suspenso ou licenciado do exercício das atividades profissionais. 2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 421.843/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 16.11.2004, DJ 17.12.2004 p. 477)
Ainda, cito decisão monocrática proferida no Agravo de Instrumento n.º 382.063-5, de relatoria do eminente Des. Hayton Lee Swain Filho:
"Compulsando os autos, verifico que há defeito na representação da agravante, na medida em que sua procuradora carece de capacidade postulatória, por estar suspensa do exercício profissional, conforme se depreende da informação de fl. 67-TJ, fato que, inclusive, acarreta nulidade do ato de recorrer, consoante interpretação do disposto no parágrafo único do art. 4.º do Estatuto da Advocacia e da OAB, Lei 8.906, de 04.07.1994, assim redigindo: São também nulos os atos praticados por advogado impedido - no âmbito do impedimento - suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia."
Corroborando com esse entendimento:
"Os atos praticados por advogado suspenso do exercício profissional são nulos e não podem ser ratificados. Assim, a inicial ajuizada por subscritor nessa condição impele o processo para a extinção, sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, IV, do Código de Processo Civil (Lex-JTA 154/184). No mesmo sentido, não conhecendo do recurso subscrito por advogado suspenso: JTJ 234/255."4
Diante disso, foi determinado pelo douto magistrado que a embargante viesse a constituir novo procurador, cumprindo o disposto no art. 13 do Código de Processo Civil, quedando-se inerte. Como se não bastasse, para solucionar o problema da suspensão, a Dra. Suely Lopes Ricken substabeleceu seus "poderes" ao Dr. Maurílio Viana Pereira, sendo mais um ato nulo da patrona da embargante. (fl. 53) Isto porque, já que o substabelecimento trata da transferência de poderes de um mandato do procurador a outra pessoa não existiam poderes a serem substabelecidos nos presentes autos, diante da ausência de procuração e de sua suspensão perante a classe dos advogados. A respeito:
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. INSCRIÇÃO INDEVIDA NO SPC. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REDUÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL POR ADVOGADO IRREGULARMENTE CONSTITUÍDO. INADMISSIBILIDADE. I. Constatado que o substabelecimento da procuração era vedado, de nenhum valor a representação do advogado substabelecido, que assinou o recurso, eis que carece de capacidade postulatória. II. Recurso especial não conhecido. (Superior Tribunal de Justiça, REsp 693.078/PR, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 01.03.2007, DJ 23.04.2007 p. 272)
Destarte, como restou demonstrado, a capacidade postulatória consiste pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo e a sua ausência acarreta a extinção do processo, sem resolução do mérito, na forma do art. 267, inciso IV, do Código de Processo Civil, o que ocorre in casu. Condeno a embargante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, no valor de R$ 2.400,00, conforme o artigo 20, § 4.º do Código de Processo Civil. Ainda, determino que se oficie à Ordem dos Advogados do Brasil, com cópia desta decisão, em virtude do evidente descaso da ora advogada no exercício de sua atividade profissional, incorrendo na infração disposta no artigo 34, I do Estatuto da OAB:
Art. 34. Constitui infração disciplinar: I - exercer a profissão, quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos, proibidos ou impedidos;
Diante do exposto, reconhecida a nulidade, tenho por prejudicado o recurso.
3. DISPOSITIVO Diante do exposto, acordam os Desembargadores da Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em reconhecer, de ofício, a ausência de um dos pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo, sendo o caso de extinção do processo, sem resolução do mérito, na forma do art. 267, inciso IV, do Código de Processo Civil, restando o presente apelo prejudicado. O julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Hamilton Mussi Côrrea (sem voto) e dele participaram, acompanhando o voto do Relator os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Jurandyr Souza Júnior e Luiz Carlos Gabardo. Sala de Sessões da Décima Quinta Câmara Cível, 11 de julho de 2007.
Fábio Haick Dalla Vecchia Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau Relator Convocado
1 SANTOS, Nelton dos. 12. Apreciação de ofício, pelo juiz. In: Código de Processo Civil Interpretado. Antônio Carlos Marcato (coord.) 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 816. 2 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. 1. Procuração e processos incidentes. In: Código de Processo Civil Interpretado. Antônio Carlos Marcato (coord.) 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 133. 3 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado: e legislação extravagante. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 628.
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