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Acórdão
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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 80.473-7/01, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA. IMPETRANTES: ÂNGELO JOSÉ BIZINELI E OUTROS IMPETRADO: GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ E PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARANÁ ASSISTENTE LITISCONSORCIAL: ESTADO DO PARANÁ LITISCONSORTE PASSIVO: PARANAPREVIDÊNCIA RELATOR: DES. MANASSÉS DE ALBUQUERQUE MANDADO DE SEGURANÇA - CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO MÉDICO-HOSPITALAR - ARTIGO 79, DA LEI 12.398/98 - ILEGALIDADE - OFENSA AO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE E DA LIVRE ASSOCIAÇÃO - SEGURANÇA CONCEDIDA. Mostra-se ilegal a exigência compulsória da contribuição para a formação do Fundo de Serviços Médico-hospitalares, instituída pelo art. 79 da Lei Estadual nº 12.398/98, pois ofende ao disposto no artigo 149, § 1º, combinado com os artigos 194 e 196, todos da Constituição Federal, atentando, ainda, ao princípio da autonomia da vontade e da livre associação. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança nº 80.473-7/01, em que são Impetrantes Ângelo José Bizineli e outros e Impetrado o Governador do Estado do Paraná e Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. I. R E L A T Ó R I O Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido liminar, impetrado por ÂNGELO JOSÉ BIZINELI E OUTROS contra ato do GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ e do PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARANÁ, que, com fundamento na Lei nº 12.398/98 e Decreto nº 721/99, determinou a implantação do desconto do percentual de contribuição para o custeio do Fundo de Serviços Medico-hospitalares. Em suas razões, sustentam os Impetrantes que referido ato impõe o custeio de assistência médica e hospitalar complementar ao dever do Estado, contrariando o disposto no artigo 196 da Constituição Federal, que garante a assistência à saúde de modo igualitário e de acesso universal, sendo certo que somente a atuação previdenciária estatal admite o caráter contributivo e filiação obrigatória. Salientaram que a instituição de regime próprio de previdência social com atribuição de prestação de serviços de assistência médica e financeira é vedada, consoante se extrai da Portaria/MPAS nº 4.992/99, que veio regulamentar a aplicação da Lei 9.717/98, que, por sua vez, estabeleceu normas gerais em matéria previdenciária. Asseveram que o artigo 12 do Decreto nº 721/99 e o artigo 79, da Lei Estadual nº 12.398/98 configuram-se em normas de efeitos concretos e que estão a atingir direito líquido e certo de que são titulares. Requereram, ao final, inclusive em sede liminar, fosse impedida a implantação do desconto do percentual de contribuição para o custeio do Fundo de Serviços Médico-hospitalares, desonerando-os do encargo. Acompanharam a petição inicial os documentos de fls. 10/49. Através do despacho de fls. 56/58 foi deferida a liminar pleiteada. Os Impetrados prestaram as informações de fls. 68/72 e 80/84, respectivamente, salientando a legalidade da contribuição instituída pela Lei 12.398/98. Citada, a PARANAPREVIDÊNCIA apresentou a defesa de fls. 276/282, pugnando pela denegação da ordem. A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por sua vez, manifestou-se pela concessão da ordem (fls. 225/253, 356/363 e 448). É o relatório. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Inicialmente, cumpre consignar que a segurança que ora se pleiteia foi impetrada por servidores ativos e inativos, mas, em razão da interposição da ADI nº 2189/PR, foi determinado o desmembramento e a formação de presentes autos apenas em relação aos postulantes em atividade. Posteriormente, sobreveio o despacho de fls. 371, datado de 20 de fevereiro de 2001 e exarado pelo então relator, e. Des. Fleury Fernandes, suspendendo o prosseguimento do presente feito até o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1920-BA, em curso perante o Supremo Tribunal Federal, que tratava de questão idêntica à apresentada nos autos. Referida ação acabou por ser julgada prejudicada pelo Pretório Excelso em 23.08.2006, consoante se verifica dos documentos de fls. 409/425, autorizando, agora, a apreciação do mandamus pelo Colegiado. 2. Insurgem-se os Impetrantes, em suma, contra a contribuição para custeio de serviços médico-hospitalares incidentes sobre seus rendimentos, instituídas pela Lei Estadual 12.398, de 30 de dezembro de 1998, e concretizada pelo Decreto nº 721, de 10 de maio de 1999, cuja cobrança se encontra suspensa desde julho de 1999, em virtude do Decreto nº 1.127/99. De fato, com a edição da Lei 12.398/98 foi criado o Sistema de Seguridade Funcional do Estado, compreendendo o Programa de Previdência e o Programa de Serviços Médico-hospitalares, tendo como beneficiários os agentes públicos estaduais, seus dependentes e pensionistas (art. 1º). Para o custeio de cada um dos programas foi instituído o Fundo de Natureza Previdenciária e o Fundo de Serviços Médico-Hospitalares, cujas receitas seriam constituídas, dentre outras fontes, pelas contribuições mensais do Estado, dos servidores ativos, inativos, dos militares da ativa, da reserva remunerada e reformados e respectivos pensionistas, consoante se extrai da redação do artigo 28, da referida legislação. Frise-se, por oportuno, que a segurança ora pleiteada refere-se apenas a servidores públicos em atividade, que se insurgem apenas em relação à exigência da contribuição para o custeio do Fundo de Serviços Médico-hospitalares. Sob essa ótica, não se pode olvidar da ilegalidade da exação pretendida. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 149, § 1º, da Constituição Federal, com redação anterior à Emenda Constitucional nº 41/2003, conferia-se aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a possibilidade de cobrar de seus servidores contribuição para custeio de sistema de previdência e assistência social, in verbis: Art. 149. (omissis) § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social - grifei. (omissis). Com o advento da Emenda Constitucional nº 41/2003 a redação do referido parágrafo foi alterada para prever a possibilidade de instituição de contribuição apenas para o custeio do regime previdenciário. Não obstante, estabelece o artigo 194, da Carta Magna, que a seguridade social "compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social", tornando clara a intenção do legislador constituinte em diferenciar as três frentes que compõe o sistema da seguridade social: a saúde, a previdência social e a assistência social. Tanto que, como bem salientou a douta Procuradoria Geral de Justiça, a cada um desses ramos da seguridade foi dedicada uma seção especial no texto constitucional, estabelecendo os seus objetivos e diretrizes. Aliás, do trecho do voto proferido pela Ministra Eliana Calmon, no RMS nº 12.811, a distinção se torna ainda mais evidente, senão vejamos: "A Saúde é garantida por políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196, CF). A Previdência Social, por sua vez, visa a atender, nos termos da lei, a cobertura de eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; proteção à maternidade e especialmente à gestante; proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda e pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes (art. 201, CF). A Assistência Social, por sua vez, tem por objetivo a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação de pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; a garantia de salário mínimo de benefício a pessoa portadora de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la promovida por sua família, nos termos da lei (art. 203, CF)" (STJ, RMS 12.811, rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 11.12.2006). Ora, da análise conjugada dos dispositivos em questão extrai-se que a contribuição para o custeio do sistema de assistência à saúde não se encontra dentre as atribuições previstas no artigo 149, § 1º, CF, obstando-se, assim, a sua instituição e cobrança dos servidores públicos estaduais. Saliente-se, ainda, que o desconto compulsório da contribuição para custeio dos serviços médico-hospitalares, exigida dos servidores em razão da Lei 12.398/98, afronta o disposto no artigo 196, da Constituição Federal, segundo o qual a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo-se o acesso universal e igualitário às ações e serviços destinados à sua promoção, proteção e recuperação, cujo exercício é atribuído ao Sistema Único de Saúde. Aliás, a exigência fere a própria liberdade de escolha conferida pela Constituição Federal no artigo 5º, incisos XVII1 e XX2, de onde se extrai que o cidadão tem liberdade de se associar ao plano de saúde que lhe seja mais benéfico e vantajoso. A manutenção de sistema próprio de assistência à saúde e o recolhimento da respectiva contribuição, nos moldes da Lei 12.398/98, somente poderiam ser exigidos daqueles que aderissem facultativamente ao programa, sendo ilegal a cobrança de forma compulsória e indiscriminada de todos os servidores. Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. LEI N. 12.398/98. ART. 79. PRINCÍPIO DA LIVRE ASSOCIAÇÃO. VIOLAÇÃO. PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTAS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF. LEI COMPLEMENTAR. DESNECESSIDADE. 1. O direito constitucionalmente garantido à saúde é executado pelo SUS. Situação distinta ocorre quando o particular, insatisfeito com a qualidade do serviço gratuito, opta por associar-se a outro plano de saúde, seja ele público ou particular. Nesse caso, é pleno o direito da parte de associar-se com quem entenda mais benéfico e vantajoso (art. 5º, XVII e XX, da CF/88). (STJ, RMS 16139/PR, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ 03.10.2005).
INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - PARANAPREVIDÊNCIA - LEI ESTADUAL 12.398/98 - CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DE SISTEMA DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE - ILEGALIDADE. 1. A contribuição instituída pelo art. 79 da Lei Estadual Paranaense 12.398/98 destina-se ao custeio de Sistema de Assistência à Saúde que tem como beneficiários os agentes públicos estaduais, dependentes e pensionistas. 2. A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à Saúde, à Previdência Social e à Assistência Social. 3. A assistência à saúde, efetivamente, não se confunde com assistência social, sendo ambas espécies do gênero Seguridade Social. 4. Se o Estado do Paraná não pode exigir de seus servidores, compulsoriamente, o pagamento dessa contribuição, não está obrigado a prestar serviços a quem não contribui para o custeio do sistema. 5. Possibilidade de manutenção do Sistema de Assistência à Saúde mediante contribuição dos servidores que, facultativamente, optarem pela adesão. 6. Ilegalidade do art. 79 da Lei Estadual 12.398/98. 7. Recurso ordinário parcialmente provido. (STJ, RMS 12811/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 11.12.2006). Diante do exposto, constatada a patente ilegalidade da exação, há que se conceder a segurança para o fim de confirmar a liminar concedida às fls. 56/58, afastando a cobrança a título de contribuição para o custeio do serviço médico-hospitalar, criada pela Lei Estadual nº 12.398/98. III. D E C I S Ã O: ACORDAM os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conceder a segurança, nos termos do voto. O julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador J. Vidal Coelho, sem voto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Jesus Sarrão, Wanderlei Resende, Mendonça de Anunciação, Idevan Lopes, Miguel Pessoa, Sérgio Arenhart, Rogério Kanayama, Lauro Augusto Fabrício de Melo, Rogério Coelho, Luiz Mateus de Lima, Paulo Roberto Hapner, Maria José de Toledo M. Teixeira. Curitiba, 31 de agosto de 2007. JOÃO LUÍS MANASSÉS DE ALBUQUERQUE Desembargador Relator
1 Art. 5º, inciso XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar.
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