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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 381.375-6 DA 4ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CURITIBA APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. APELADOS: AUTO VIAÇÃO REDENTOR LTDA E MUNICÍPIO DE CURITIBA. RELATOR: DES. MARCOS DE LUCA FANCHIN¨
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA E SONORA. EMPRESA RÉ QUE ATUA NO RAMO DE TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS DE ÔNIBUS. RECLAMAÇÃO DA COMUNIDADE QUE RESIDE NAS PROXIMIDADES DO PÁTIO DA EMPRESA, DESCONTENTES COM O DESLOCAMENTO DE POEIRA E O RUÍDO EXCESSIVO PROVOCADO PELO MOVIMENTO INTENSO E CONTÍNUO DOS ÔNIBUS DA EMPRESA, INCLUSIVE DURANTE O PERÍODO NOTURNO. MINISTÉRIO PÚBLICO QUE PRETENDE A RELOCAÇÃO DAS ATIVIDADES DA EMPRESA, POIS O LOCAL ONDE A MESMA SE ENCONTRA INSTALADA VIOLA A LEGISLAÇÃO MUNICIPAL DE ZONEAMENTO. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS, E DA ABSTENÇÃO DA PRÁTICA DA ATIVIDADE NAQUELE LOCAL. JUÍZA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS PEDIDOS. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. COMPETÊNCIA MUNICIPAL PARA LEGISLAR EM MATÉRIA DE DIREITO AMBIENTAL. LEIS MUNICIPAIS QUE NÃO VIOLAM A LEGISLAÇÃO FEDERAL QUE REGE A MATÉRIA. ALEGAÇÃO PROCEDENTE. EMPRESA RÉ E MUNICÍPIO DE CURITIBA QUE DEVEM OBSERVAR O DISPOSTO NA LEI MUNICIPAL Nº 10.625/2002 E NA LEI MUNICIPAL Nº 9.800/2000 QUE TRATAM, RESPECTIVAMENTE, DOS LIMITES AOS RUÍDOS URBANOS E DO ZONEAMENTO DO MUNICÍPIO. RECURSO PROVIDO NESTE ASPECTO. 2. POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA E SONORA COMPROVADA. LAUDOS EMITIDOS PELA SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE QUE DEMONSTRAM A POLUIÇÃO AMBIENTAL PROVOCADA PELAS ATIVIDADES DA EMPRESA REQUERIDA, POR MEIO DO DESLOCAMENTO DE POEIRA E RUÍDOS EXCESSIVOS PROVOCADOS PELA CONTÍNUA MOVIMENTAÇÃO DA FROTA DE ÔNIBUS. VIOLAÇÃO DA LEI MUNICIPAL Nº 10.625/2002 QUE ESTABELECE OS LIMITES PARA A PRODUÇÃO DE RUÍDOS DE ACORDO COM A ZONA EM QUE SE LOCALIZA O IMÓVEL. EMPRESA REQUERIDA QUE ULTRAPASSOU OS LIMITES ESTABELECIDOS NA LEGISLAÇÃO E SE COMPROMETEU A RELOCAR SUAS ATIVIDADES PARA A CIDADE INDUSTRIAL, ONDE ADQUIRIU TERRENO. CRONOGRAMA DE RELOCAÇÃO QUE NÃO FOI CUMPRIDO. RECURSO PROVIDO NESTE ASPECTO. 3. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO QUE NÃO PRETENDE A DESAPROPRIAÇÃO OU O FECHAMENTO DA EMPRESA, MAS APENAS O CUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL E A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E DA SAÚDE FÍSICA E MENTAL DOS MORADORES DA REGIÃO. RECURSO PROVIDO NESTE ASPECTO. 4. ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE NA RENOVAÇÃO DO ALVARÁ DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO CONCEDIDO PELO MUNICÍPIO À EMPRESA EM 30 DE MAIO DE 1966 E QUE SE ENCONTRA EM VIGOR ATÉ A PRESENTE DATA. ATUAL LEI DE ZONEAMENTO (LEI MUNICIPAL Nº 9.800/2000) QUE VEDA A PRÁTICA DE ATIVIDADES COMO AS EXERCIDAS PELA EMPRESA RÉ NAQUELA LOCALIDADE. VIOLAÇÃO DA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL CONFIGURADA. ALVARÁ, INDEVIDAMENTE, CONCEDIDO. RECURSO PROVIDO NESTE ASPECTO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA, APENAS PARA AFASTAR O PEDIDO DE PAGAMENTO DE DANOS MATERIAIS, QUE NÃO FICARAM COMPROVADOS.
I - RELATÓRIO: Trata-se de ação civil pública movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, através da Promotoria de Proteção ao Meio Ambiente, em face do MUNICÍPIO DE CURITIBA e da empresa AUTO VIAÇÃO REDENTOR LTDA, narrando o autor, na inicial, que no dia 04/05/01, foi registrada junto à Promotoria, representação de poluição atmosférica e sonora decorrentes da atividade de transporte público exercida pela empresa ré, o que desencadeou a instauração do procedimento investigatório preliminar de nº 083/01. Disse que, em razão da representação, expediu ofícios à Secretaria Municipal de Urbanismo e do Meio Ambiente solicitando as providências cabíveis, oportunidade em que foi informado acerca do alvará de localização fornecido às secretarias, permitindo a utilização do local para os fins a que se destinam, e cuja validade se estende desde o ano de 1961 até a presente data. Relatou que em 05/09/01, moradores do citado conjunto residencial e vizinhança, protocolaram nova reclamação junto à Promotoria, com abaixo-assinado, solicitando medidas eficazes para sanar a apontada poluição atmosférica. Afirmou que a poluição sonora ocorre durante o dia, mas principalmente por volta das 22:30 às 00:30 horas, quando os ônibus são estacionados para fins de manutenção, e são ligados, provocando forte barulho, trepidação nas paredes das casas e deslocamento de partículas de poeira, já que o imóvel onde está instalada a empresa não é pavimentado, sem contar a emissão de gases, derivados da queima de combustível. Disse que em 04/10/04 foi realizada audiência na Promotoria com as partes envolvidas, ocasião em que a empresa requerida informou que deslocaria suas atividades para um imóvel situado na Cidade Industrial, sem, no entanto, precisar a data em que isso ocorreria. Relatou, ainda, diversas providências que foram tomadas, inclusive com a notificação da ré, para que apresentasse o cronograma para a relocação de suas atividades, mas os problemas com a poluição atmosférica e sonora persistiram, sendo que, quanto a esta última, foram constatados níveis de ruído acima do limite estabelecido na Lei nº 10.625/02. Asseverou que a lei de zoneamento referente a área em questão, não permite o desenvolvimento da atividade realizada pela empresa ré, a qual exige confinamento em área própria. Discorreu acerca dos danos morais causados aos moradores da região, e sobre a ilegalidade da renovação automática do alvará de licença concedido, pelo Município, à empresa ré, apesar da poluição sonora e atmosférica causada pela mesma, desde 1997. Tratou das conseqüências nefastas causadas pelo barulho excessivo, pugnando pela concessão de liminar, determinando que a ré não exerça suas atividades no período noturno, das 22:00 às 7:00 horas, sob pena de multa diária, confirmando-a, ao final, quando também deverá ser condenada a se abster da prática de atividade poluidora no local, condenando-se, ainda, o Município, em não renovar, ou não conceder outro alvará de licença, além de cancelar o alvará de localização e funcionamento da empresa, bem como, condenação, solidária, em dinheiro, para pagamento de danos materiais, a serem apurados em perícia ou liquidação, e danos morais. A liminar pleiteada foi deferida (fls. 239/242). Às fls. 370/443 a ré contestou o feito, alegando preliminar de ilegitimidade ativa ad causam; a nulidade do procedimento adotado pelo Ministério Público, por violar o direito de propriedade da ré; e a impossibilidade jurídica do pedido, pois as portarias e legislações que regem a matéria afrontam os direitos e garantias constitucionais; no mérito, refutou os argumentos deduzidos na inicial. O Município de Curitiba apresentou contestação às fls. 565/576, alegando a existência de litisconsórcio necessário com a URBS; a não cumulatividade dos pedidos de obrigação de fazer, não-fazer e condenação em dinheiro; ausência de interesse recursal; no mérito, também refutou os argumentos da inicial. Às fls. 587/631 o Ministério Público se manifestou sobre a contestação. Foi proferida sentença às fls. 682/701, onde a MM. Juíza a quo afastou as preliminares argüidas pelos réus e julgou improcedentes os pedidos, por entender que os requeridos, não causaram danos ao meio ambiente. Inconformado, apela o Ministério Público às fls. 708/725, reiterando os fundamentos da inicial, mormente sobre a competência do Município para legislar sobre matéria ambiental; a ocorrência da poluição atmosférica e sonora provocada pelas atividades da ré; a ausência de lesão ao princípio da livre iniciativa; a ilegalidade da renovação reiterada do alvará de licença para funcionamento da empresa. Pugna pela reforma da sentença e acatamento dos pedidos deduzidos na inicial. Contra-razões às fls. 730/785 e 788/794. Em parecer de fls. 812/824, a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso. É O RELATÓRIO. II - VOTO: O recurso do Ministério Público merece ser provido. Vejamos. As matérias devolvidas a esta Corte podem ser assim sintetizadas: 1. Da competência do Município para legislar em matéria ambiental; 2. Da ocorrência da poluição atmosférica e sonora provocada pelas atividades da empresa ré. 3. Da ausência de lesão ao princípio da livre iniciativa; 4. Da ilegalidade da renovação reiterada do alvará de licença para funcionamento da empresa. Passemos a analisar, uma a uma, as matérias devolvidas. 1. Da competência do Município para legislar em matéria ambiental. Trata-se de ação civil pública movida pelo Ministério Público em face da empresa Auto Viação Redentor Ltda. e do Município de Curitiba, visando combater a alegada poluição atmosférica e sonora, denunciada por moradores vizinhos à garagem da empresa requerida, que se dizem prejudicados por essas espécies de poluição ambiental, que estariam sendo produzidas pela empresa. Trata-se, portanto, de matéria afeta ao direito ambiental. A esse respeito, a Juíza sentenciante entendeu que, apesar de os entes municipais possuírem legitimidade para legislar acerca de matéria ambiental de interesse local, tal prerrogativa deve ser limitada aos parâmetros estabelecidos na legislação federal que rege a matéria (fl. 695, primeiro parágrafo). Todavia, no caso em apreço, as leis municipais não contrariam a legislação federal, conforme se verá. O artigo 23, VI da CF é expresso em estabelecer que é da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios "proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas". Por sua vez, o art. 24, VI da CF estabelece a competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre proteção do meio ambiente e controle da poluição. No dizer de Alexandre de Moraes "A Constituição brasileira adotou a competência concorrente não-cumulativa ou vertical, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais, devendo os Estados e Distrito Federal especificá-las, através de suas respectivas leis. É a chamada competência suplementar dos Estados-membros e Distrito Federal (CF, art. 24, § 2º)" (in Direito Constitucional, 11ª ed., p. 298). Da mesma forma ocorre com os Municípios, aos quais, por disposição expressa do art. 30, II da CF compete "suplementar a legislação federal e estadual no que couber". Essa competência suplementar consiste "na autorização de regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar sua execução a peculiaridades locais" (in Alexandre de Moraes - Direito Constitucional, 11ª ed., p. 303). Por evidente que tal competência suplementar não autoriza os Municípios a contraditar a legislação federal e estadual na sua essência, no entanto, cabe aos entes municipais adaptar a execução dessa legislação ao interesse local, requisito primordial da fixação de competência desse ente federativo. A respeito da competência comum dos entes federativos para legislar em matéria ambiental, o Superior Tribunal de Justiça assim já se manifestou: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME AMBIENTAL. LEI Nº 9.605/98. COMPETÊNCIA COMUM DA UNIÃO, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS. DELITO PRATICADO EM ÁREA PARTICULAR. INEXISTÊNCIA DE ESPECIAL INTERESSE DA UNIÃO OU DE SUAS ENTIDADES AUTÁRQUICAS OU EMPRESAS PÚBLICAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A partir da edição da Lei nº 9.605/98, os delitos contra o meio ambiente passaram a ter disciplina própria, não se definindo, contudo, a Justiça competente para conhecer das respectivas ações penais, certamente em decorrência do contido nos artigos 23 e 24 da Constituição Federal, que estabelecem ser da competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios proteger o meio ambiente, preservando a fauna, bem como legislar concorrentemente sobre essas matérias. (...) (STJ, CC 30260/MG, Relator Min. Fontes de Alencar, S3-Terceira Seção, DJ 14/06/06). No mesmo sentido, esta Corte também já decidiu: AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO DE SEGURANÇA REPRESSIVO CONTRA LEI MUNICIPAL QUE RESTRINGE O USO DE HERBICIDA A BASE DE 2.4-D - ALEGADA OBSTRUÇÃO AO DIREITO DE COMERCIALIZAR - COMPETÊNCIA MUNICIPAL SUPLETIVA PARA LEGISLAR SOBRE MATÉRIA AMBIENTAL - INTERESSE LOCAL - POSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE 'FUMUS BONI IURIS'. ALEGADO PREJUÍZO FINANCEIRO - DEMONSTRAÇÕES PUBLICITÁRIAS - LAVRATURA DE AUTO DE INFRAÇÃO - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DO 'PERICULUM IN MORA' - RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO, POR MAIORIA. 1. Não há que se cogitar a hipótese de incompetência do Agravado para legislar sobre matéria ambiental. Isso porque, nos termos da Constituição Federal, o Município pode legislar de forma suplementar, adequando as legislações federal e estadual às peculiaridades locais, regulamentando e disciplinando as regras de utilização e armazenamento do agrotóxico, não podendo apenas, proibir seu uso. 2. Quanto ao alegado prejuízo econômico, disso não resta dúvidas caso se tratasse de proibição ao uso, no entanto, por tratar-se de restrição, deveria a Agravante ter feito prova, ao menos, do alegado prejuízo de 'grande monta', demonstrando os prejuízos que já sofrera como referência ao alegado prejuízo que poderá vir a sofrer, mas não o fez. (...) (TJ/PR, AI 308.487-5, 4ª Câmara Cível, relator Ruy Fernando de Oliveira, DJ 09/06/06). Fica claro, assim, que o Município pode e deve ajustar a legislação federal e estadual, de acordo com os interesses locais, que é a razão maior a justificar a competência suplementar desses entes da federação. Por isso, no caso dos autos, a sentença recorrida não pode negar aplicabilidade à Lei Municipal nº 10.625/2002 que dispõe sobre ruídos urbanos, proteção do bem estar e do sossego público, nem à Lei Municipal nº 9.800/2000, que alterou o zoneamento de toda cidade de Curitiba, sob o fundamento de que não podem contrariar a legislação federal que rege a matéria. Na verdade, tais leis apenas ajustaram as normas gerais estabelecidas na legislação federal, às peculiaridades do local em que serão aplicadas, exercendo, assim, o Município, a competência suplementar que lhe foi atribuída constitucionalmente. Por essa razão, as referidas leis devem ser observadas pela empresa requerida, tanto no tocante a sua instalação de acordo com a lei de uso e ocupação do solo, quanto no tocante ao controle da poluição ambiental, consistente na produção de poeira e ruído observando os níveis estabelecidos na legislação municipal, tópicos estes, que serão a seguir analisados. Assim, o recurso deve ser provido neste aspecto. 2. Da ocorrência da poluição atmosférica e sonora provocada pelas atividades da empresa ré. Como dito acima, tendo em vista que a legislação municipal deve ser observada pela requerida, resta saber se houve ou não o descumprimento das mencionadas leis, por parte da empresa. E a resposta é positiva. O Ministério Público apresentou farta documentação demonstrando que as atividades desenvolvidas pela ré, que possui uma frota de 261 veículos, estando 231 em operação, provoca poluição atmosférica por meio do deslocamento de poeira, decorrente da intensa e contínua movimentação de ônibus que efetuam manobras no chão de saibro do pátio da empresa, além de provocar ruídos excessivos, perturbando o sossego dos moradores, principalmente no período de descanso noturno. Veja-se que a Promotoria de Proteção ao meio ambiente, instaurou o Processo Investigatório Preliminar nº 083/2001 (fl. 40 e seguintes), no decorrer do qual foram oficiadas a Secretaria Municipal do Meio ambiente e a Secretaria Municipal de Urbanismo, que apresentaram laudos para retratar os efeitos ambientais provocados pelas atividades da empresa, além de terem participado, por meio de seus representantes, das audiências realizadas na Promotoria, com a presença de representantes da requerida e também dos moradores da região. Esses laudos atestam a presença de poluição atmosférica, uma vez que o pátio da empresa não é pavimentado, e com a circulação dos veículos há desprendimento de pó (fls. 47/48), o que também pode ser verificado pelas fotografias de fls. 56/63, que demonstram, claramente, como ficam cobertos de poeira, os carros dos moradores e as janelas dos prédios vizinhos ao pátio da requerida. Consta também à fl. 48, informação prestada pela URBS acerca da impossibilidade da implantação de pavimentação no pátio da empresa, "devido ao custo e devido à futura transferência da empresa para outro local". Veja-se que já no ano de 1999 a empresa informou que havia adquirido imóvel na Cidade Industrial de Curitiba para onde promoveria a relocação do estabelecimento, num prazo de dois anos (fl. 50). Verifica-se, no entanto, que mesmo transcorridos mais de cinco anos da instauração do Processo Investigatório, e apesar das incessantes diligências empreendidas pela Promotoria, o cronograma de relocação da empresa ré não foi cumprido, e esta continua operando no mesmo local, e causando os mesmos problemas aos moradores da região, decorrentes da poluição ambiental provocada por suas atividades. Além da poluição atmosférica, causada pelo deslocamento de poeira, as medições efetuadas pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, demonstraram que os níveis de ruídos emitidos pelos ônibus da empresa, ultrapassam os limites estabelecidos pela legislação municipal, que leva em consideração a área ocupada pela apelada, que é uma ZR4 (fls. 128/129). Ficou comprovado, portanto, que as atividades da empresa, realizadas no local, onde ainda se encontra instalado o pátio que abriga sua frota de ônibus, viola, frontalmente, a Lei Municipal nº 10.625/02 que no seu artigo 1º estabelece que "É proibido perturbar o sossego e o bem estar público com sons, ruídos e vibrações que causem incômodo de qualquer natureza ou que ultrapassem os limites fixados nesta lei" (fl. 161). Tanto é assim, que a própria Secretaria Municipal do Meio Ambiente, por meio do Ofício de fl. 144, concluiu que "Os problemas de ordem ambiental da comunidade vizinha, principalmente na questão do incômodo pela poluição sonora, somente será solucionado definitivamente com a relocação daquela Empresa para outra localidade". Diante desse quadro fático, não há como negar que a apelada, durante anos, vem provocando poluição ambiental, do tipo atmosférica e sonora, prejudicando toda uma comunidade, que vem sofrendo danos à saúde, muitas vezes irreversíveis, tais como a perda da audição, a interferência na comunicação, dor, interferência no sono e sobre a execução de tarefas, incômodo, dentre tantos outros já catalogados pela Organização Mundial da Saúde. E não se diga, como afirmado na sentença à fl. 695, segundo e terceiro parágrafos, que os agentes apontados como responsáveis pela poluição atmosférica estão dentro da legalidade, por que os manuais de manutenção dos veículos da requerida, possuem a chancela do CONAMA. Ora, é evidente que referidos manuais retratam a realidade de veículos novos, recém saídos de fábrica, e analisados de forma isolada, conforme bem observado pelo Ministério Público à fl. 719, segundo parágrafo: Os manuais juntados aos autos referem-se a qualidade dos veículos novos, testados nas fábricas e considerados como "pontos individuais móveis", isto é, os carros em circulação pelas ruas da cidade; porém a sentença não considerou a hipótese da frota toda reunida ou grande parte dela se movimentando e acelerando motores, já com tempo considerável de uso e fazendo manobras 24h por dia, considerando assim "ponto fixo". É necessário analisar o problema que atinge a comunidade que reside na região onde se encontra o pátio da requerida, que é o objeto desta ação civil pública, e não verificar se os ônibus estão emitindo poluentes dentro das normas de controle de qualidade, quando circulam pela cidade, pois não é disso que se trata, a toda evidência. Por isso, o recurso deve ser provido, também neste aspecto. 3. Da ausência de lesão ao princípio da livre iniciativa. Não se verifica, com a propositura da presente demanda, nenhuma lesão ao princípio da livre iniciativa, ou mesmo ao direito de propriedade da empresa apelada. Conforme esclareceu o recorrente, não se trata aqui de desapropriação, ou de pretensão de provocar o fechamento da empresa, mas, sim, o que busca o agente ministerial, é a proteção do interesse coletivo, preservando-se a saúde física e mental dos moradores da região, não sendo lícito à empresa, em nome do princípio da livre iniciativa, provocar danos ambientais, durante anos, descumprindo a legislação, inobservando, assim, a função social da propriedade. Não é de se olvidar, que já em 1999 a empresa comprometeu-se a relocar seu estabelecimento para a CIC, onde adquiriu terreno, deixando claro, com isso, que tal medida era plenamente viável, não havendo justificativa plausível, mesmo diante de eventuais entraves burocráticos e administrativos, para que, até o presente momento, o cronograma de relocação não tenha sido cumprido. O recurso deve ser provido, pois, neste aspecto. 4. Da ilegalidade da renovação reiterada do alvará de licença para funcionamento da empresa. Outro ponto que suscitou discussão nos autos foi quanto ao alvará de localização e funcionamento, concedido à requerida em 30 de maio de 1966, e vigente até a presente data. A Juíza monocrática entendeu que o Município possui poder vinculado, tanto ao interesse público, quanto às regras procedimentais do CONAMA, e que uma vez preenchidos os requisitos legais para concessão do alvará, este deve ser concedido. Ocorre que, conforme visto, a empresa não mais preenche os requisitos legais para a concessão do alvará, já que vem, há muito, desrespeitando a legislação municipal. Observe-se que referido alvará foi liberado para a requerida no ano de 1966, ficando claro que vem sendo renovado automaticamente ao longo dos anos, sem revisão, pela municipalidade, acerca do preenchimento ou não dos requisitos para a manutenção da empresa naquela localidade. A renovação automática fica evidente, porque, mesmo depois do advento da nova lei de zoneamento - Lei Municipal nº 9.800/2000 que revogou a anterior Lei Municipal nº 5.234/75 - o alvará concedido à apelada permaneceu válido, apesar de a atividade desenvolvida pela empresa, não ser contemplada pela nova legislação, para aquele lote (fl. 141). Portanto, se a atividade desenvolvida pela ré não pode mais permanecer sendo exercida naquele local, por contrariar as normas de zoneamento, uso e ocupação do solo, o alvará está sendo renovado de forma irregular, por contrariar a legislação municipal. Não se aplica ao caso, a previsão do Conselho Municipal de Urbanismo - CMU de considerar a aplicação da antiga lei de zoneamento, desde que comprovado que a atividade desenvolvida pela pessoa jurídica no local, não repercute em desfavor de interesses e direitos de terceiros, de maneira relevante, a ponto de causar prejuízos de ordem irreversível, como mencionado na sentença à fl. 697, quarto parágrafo. Ora, a atividade desenvolvida pela requerida, como sobejamente demonstrado, repercute, sim, em desfavor de interesses e direitos de terceiros de maneira bastante relevante, provocando diversos danos, muitos deles irreversíveis, em toda uma comunidade, o que afasta a aplicação da anterior legislação, e obriga a empresa, e também a municipalidade, a dar cumprimento a nova lei, em vigor desde o ano 2000. Portanto, diante de todos os fundamentos expostos, o recurso deve ser parcialmente provido, para: a) condenar a empresa ré a se abster da prática de sua atividade naquele local, para o que fixo o prazo razoável de 90 (noventa dias) (parte final do parágrafo 4º do artigo 461 do Código de Processo Civil), sob pena de multa de R$1.000,00 (um mil reais) diária. b) condenar o Município a não conceder ou não renovar o alvará, que contrarie a legislação municipal em vigor, cancelando, via de conseqüência, o atual alvará de localização e funcionamento, que autoriza a empresa a exercer a atividade no endereço em que se encontra atualmente, sob pena do pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), com fulcro no art. 11 da Lei nº 7.347/85. Das verbas da condenação Além disso, condeno os requeridos a pagar, solidariamente, indenização por danos morais, ressaltando que os danos materiais não são devidos. Danos materiais Os danos materiais não são devidos por que não ficaram comprovados nos autos. Danos morais Quanto aos danos morais, observo que os mesmos são devidos, tendo em vista todo o incômodo e transtornos causados aos moradores da região, pelo contínuo deslocamento de poeira e produção de barulho excessivo, inclusive durante o período noturno, decorrente das atividades da empresa requerida. Assim, para a fixação da indenização por danos morais, deve ser levada em consideração, a dor efetiva do lesado e, ainda, por outro lado, as condições de quem deve pagar, sem, no entanto, gerar o enriquecimento ilícito. Por isso, o valor fixado deve proporcionar à vítima do dano moral, um abrandamento do impacto psicológico. Confira-se, a respeito, a jurisprudência: 3. A fixação do valor da indenização deve ter em conta: a) a repercussão na esfera do lesado; b)o potencial econômico social do lesante; c)as circunstâncias do caso. (...) 4. Considerando que a indenização por dano moral visa compensar e consolar de algum modo a parte lesada, minimizando-lhe a dor, o sofrimento, a tristeza decorrente da ofensa sofrida, não deve o juiz fixá-la em valor exorbitante, que constitua fator de enriquecimento fácil e indevido, nem valor irrisório de modo a agravar o sofrimento e o inconformismo da parte lesada (III Congresso de Magistrados Paranaenses, proposição n. 1). (Acórdão 6761 5ª Câm.Cív. do extinto TAPr relator Juiz Noeval de Quadros, julgado em 08/10/97). Em outras palavras, para a fixação do quantum, deve-se levar em conta a carga de repercussão ou perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentidos e nos afetos de uma pessoa, refletida em decorrência da repulsa ao ato. Como ensina OZÉIAS DE JESUS DOS SANTOS, citando José Raffaelli Santini: O critério de fixação do dano moral não se faz mediante um simples cálculo aritmético. O parecer a que se referem é que sustenta a referida tese. Na verdade, inexistindo critério previsto por lei, a indenização deve ser entregue ao livre arbítrio do julgador que evidentemente, ao apreciar o caso concreto submetido a exame fará a entrega da prestação jurisdicional de forma livre e consciente, à luz das provas que forem produzidas. Verificará condições das partes, o nível social, o grau de escolaridade, o prejuízo sofrido pela vítima, a intensidade da culpa e os demais fatores concorrentes para a fixação do dano, haja vista que costumeiramente a regra do direito pode se revestir de flexibilidade para dar a cada um o que é seu. (in REPARAÇÃO DO DANO MORAL - 2ª edição - Ed. Julex-Campinas - SP ) Por outro lado, há que se analisar as condições financeiras das partes. O Ministério Público representa uma comunidade de pessoas, em defesa dos interesses difusos e coletivos. O primeiro réu é o Município de Curitiba, pessoa jurídica de direito público, o que dispensa maiores avaliações acerca de sua capacidade econômica, e a segunda ré é empresa que tem por objeto social a exploração do serviço de transporte rodoviário coletivo urbano regular de passageiros em ônibus, e seu capital social, segundo alteração do contrato social feita em 2003, é de R$ 22.090.648,30 (fl. 254), donde se conclui que possui grande capacidade econômica. Diante dessas circunstâncias, fixo o valor dos danos morais em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a ser pago, solidariamente, pelos réus, valor este que guarda pertinência com os parâmetros a serem observados para o arbitramento da indenização imaterial, e o valor deverá ser depositado no Fundo Estadual de Defesa aos Interesses Difusos - FEID, criado em atendimento ao artigo 13 da Lei Federal nº 7.347/85 e da Lei Estadual nº 11.987/98, regulamentada pelo Decreto nº 4.620/98. Dos ônus da sucumbência Tendo em vista que os réus sucumbiram do pedido, devem os mesmos arcar, ainda, solidariamente, com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes de 15% sobre o valor da condenação, atendendo ao disposto nas alíneas "a", "b" e "c" do § 3º do art. 20 do CPC, ao qual faz remissão o § 4º do mesmo artigo, considerando que a demanda tramita desde março de 2004, e tendo em vista a natureza e importância da causa e o trabalho realizado nos autos. O valor das verbas de sucumbência deverá ser recolhido ao Fundo Especial do Ministério Público do Estado do Paraná - FUEMP. Diante disso meu voto é pelo PROVIMENTO PARCIAL do recurso de apelação. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso, nos termos do voto, observando-se apenas, que o Desembargador Abraham Lincoln Calixto entende que não são devidos honorários ao Ministério Público, em ação civil pública. Participaram do julgamento a Desembargadora ANNY MARY KUSS, Presidente em exercício, sem voto, o Desembargador ABRAHAM LINCOLN CALIXTO e a Desembargadora MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA. Curitiba, 30 de outubro de 2007. MARCOS DE LUCA FANCHIN Relator
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