Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
APELAÇÕES CÍVEIS N.º 420243-9 e 429231-5, DA VARA CÍVEL DE GUARATUBA
Apelantes : RENATO ALCIDES TROMBINI E OUTRO
Apelado : INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ
Relator : Des. LEONEL CUNHA
E M E N T A
1) PROCESSUAL CIVIL. AÇÕES CAUTELARES PREPARATÓRIA E INCIDENTAL. REUNIÃO DE AÇÕES E JULGAMENTO SIMULTÂNEO. IDENTIDADE DE CAUSA DE PEDIR. ANÁLISE DO MÉRITO DA DEMANDA. IMPOSSIBILIDADE. a) É plausível o julgamento simultâneo da ação cautelar preparatória e da ação cautelar incidental, visando à prolação da decisão única para ambas, mormente se possuem causa de pedir e defesas idênticas, girando em torno da mesma questão.
b) No âmbito das ações cautelares não é dado ao Juízo competente analisar o mérito da ação principal, quando for possível sua dissociação, mas sim a presença do 'fumus boni juris' e do 'periculum in mora' que justifiquem a medida de urgência, pois o que se decide na cautelar é a existência ou não de risco para a efetividade ou utilidade do processo principal, sendo absolutamente irrelevante, nesse âmbito, perquirir se a parte tem ou não o direito subjetivo material.
2) APELOS AOS QUAIS SE NEGA PROVIMENTO.
RELATÓRIO CAUTELAR PREPARATÓRIA nº 216/93
1) RENATO ALCIDES TROMBINI ajuizou Medida Cautelar Inominada preparatória aos autos nº 286/93 em face do INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ - IAP - a fim de que lhe fosse autorizado dar prosseguimento à implantação, registro e comercialização do loteamento CASTELNOVO em Guaratuba. Para tanto, afirmou que: a) o Decreto nº 1.158/1992 do Município de Guaratuba aprovou o loteamento; b) o Instituto de Terras, Cartografia e Florestas do Estado do Paraná - ITCF - pela Autorização de Desmate nº 014, de maio de 1991, consentiu com a referida implantação, bem como, em abril de 1992, permitiu que o material lenhoso fosse aproveitado; c) por intermédio do Ofício nº 008/92, o ITCF indeferiu a solicitação do referido desmate, por se tratar de Mata Primária Atlântica, cujo corte é vedado pelo Decreto nº 99.547/90 e de Área de Preservação Permanente, nos termos da Lei 4.771/65; d) o Decreto 750/93 permite, excepcionalmente, a supressão de vegetação primária para execução de obras e atividades de interesse social ou utilidade pública.
2) Em despacho de f. 28, o Juízo a quo deixou de conceder a medida liminar ante a ausência do alegado periculum in mora. 3) O INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ contestou (fls. 36/41) aduzindo: a) impossibilidade jurídica do pedido, pois as leis regentes vedam a intervenção na Mata Atlântica; b) chamamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais - IBAMA - ao processo, uma vez que a aplicação da legislação regente e a defesa do patrimônio nacional são de sua responsabilidade; c) que não se pode admitir a existência de direito líquido e certo ou direito adquirido em contraposição a preceito constitucional; d) que a autorização tem caráter precário e discricionário. 4) O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA - foi intimado para, querendo, intervir no processo (f. 109). Em resposta de f. 114, o IBAMA entendeu não haver necessidade de intervenção.
5) Em despacho de f. 127, o Juízo a quo determinou a suspensão do processo ante a existência de ação principal (autos nº 286/1993) 6) O Ministério Público de Primeiro Grau se manifestou (fls. 129/130) pelo indeferimento do pedido, uma vez que não demonstrou possuir direito ao desmate e implantação do loteamento em questão.
7) A sentença (fls. 132/138) julgou improcedente a medida cautelar, condenando o Autor no pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais). O Juízo a quo, rejeitando a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, entendeu que: a) a autorização de parcelamento do solo pelo Município de Guaratuba não tem o condão de conferir direito de exploração econômica irrestrita ao meio ambiente, mesmo que em propriedade particular; b) o uso especial de bem público por particular (aproveitamento de material lenhoso) se submete à conveniência e oportunidade da Administração Pública; c) em que pese a classificação da vegetação ser objeto de ação principal, não há prova de que o órgão ambiental anuiu com a implantação do loteamento.
8) RENATO ALCIDES TROMBINI apelou (fls. 197/209) aduzindo: a) necessidade de substituição processual do Apelante pela empresa RAT Incorporações e Empreendimentos Ltda, que efetivamente promoveu os atos de implantação do loteamento; b) o objeto da controvérsia se limita à permissão de prosseguimento da implantação, registro e comercialização do loteamento, não havendo qualquer sobrestamento das respectivas obras; c) o terreno em questão se enquadra em zona eminentemente urbana, nos moldes do Plano Diretor - Lei Municipal nº 970/2000 - e não afeta o meio ambiente; d) o loteamento se apresenta consolidado, com a presença de moradores, de modo que o direito adquirido não pode sofrer alterações; e) a utilidade pública e o interesse social do empreendimento deflui dos benefícios que serão que promoverá a toda a população de Guaratuba.
9) O INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ - IAP - contra-arrazoou (fls. 215/239) alegando que: a) a Medida Cautelar Inominada nº 391/2001 e a Ação de Atentado nº 390/2001, todas originárias da Vara Cível de Guaratuba, devem ser julgadas em conexão à presente ação; b) o Apelante deve ser mantido no processo, pois à época das alterações no imóvel para a implantação do loteamento era proprietário do terreno, posteriormente alienado a outra Ré - RAT Incorporações e Empreendimentos, de cujo quadro social também participou até setembro de 2000; b) a autorização nº 014/91 emitida pelo IAP para desmate da vegetação e abertura de ruas se deu em época em que não existia as atuais restrições relativas à Mata Atlântica e a autorização nº 014/92 se limitava ao aproveitamento do material lenhoso caído ou seco, proveniente da anterior; d) que a autorização nº 770/96 de lavra da Prefeitura Municipal de Guaratuba (f. 199) se refere a outro imóvel; e) que não houve qualquer licença ambiental emitida para o loteamento em questão, mesmo porque o empreendimento não foi objeto de Relatório de Impacto Ambiental ou de Estudo de Impacto Ambiental, consoante exige o artigo 1º do Decreto Federal nº 750/93; f) que a supressão de Mata Atlântica é a exceção e deve ser precedida de decisão motivada do IAP, o que não ocorreu no caso; g) em que pese ter sido declarado de interesse público pelo Decreto Municipal nº 2102/99, o loteamento CASTELNOVO se destina a veranistas e objetiva tão-somente o lucro; h) que a implantação do loteamento desrespeitou ordem judicial e a legislação pátria vigente; i) que o Plano Diretor do Município de Guaratuba não foi aprovado pelo Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral Paranaense, em ofensa ao Decreto Estadual nº 2722/84; j) que o Apelante está discutindo razões de mérito da ação principal, o que não cabe em ação cautelar.
10) O Ministério Público, nesta instância, manifestou-se pelo não provimento do Apelo e pela condenação do Apelante por litigância de má-fé e danos morais coletivos por irregularidade ambiental (fls. 360/369).
É o relatório.
RELATÓRIO CAUTELAR INCIDENTAL nº 391/2001
1) O INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ - IAP - ajuizou Medida Cautelar Incidental ao autos de Ação Declaratória nº 286/93 em face de RAT - INCORPORAÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA e RENATO ALCIDES TROMBINI a fim de que fosse determinada a paralisação das obras relativas à implantação e comercialização do loteamento Balneário Castelnovo no Município da Guaratuba, devido às irregularidades no registro imobiliário e licenciamento ambiental, bem como à ausência de prévio Relatório e Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) posto se tratar de vegetação característica da Mata Atlântica. 2) A decisão de fls. 171/172 deferiu a medida liminar.
3) RAT INCORPORAÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA e RENATO ALCIDES TROMBINI contestaram (fls. 218/233), aduzindo: a) a ilegitimidade passiva do segundo Réu, por não ser mais proprietário do imóvel em que está se implantando o loteamento; b) a impossibilidade jurídica do pedido, já que as obras de implantação do loteamento já foram concluídas; c) que as obras no imóvel foram autorizadas por licenças ambientais concedidas pelo Autor e por autorizações emitidas pelo Município de Guaratuba; d) que os estudos e relatórios de impacto ambiental não são necessários, pois a área em questão é inferior a cem (100) hectares.
4) A sentença (fls. 386/393) julgou procedente o pedido do IAP, condenando os Réus ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios fixados em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). Afastou as preliminares de ilegitimidade passiva e impossibilidade jurídica do pedido e, no mérito, entendeu que: a) a plausibilidade do direito invocado decorre da limitação ao direito individual de propriedade em face do direito difuso ao meio ambiente; b) os licenciamentos ambientais concedidos aos Réus se limitaram a autorizar o desmate e o aproveitamento lenhoso, o que não se confunde com a prévia licença necessária à implantação do loteamento; c) a par das questões atinentes ao mérito da ação principal, ficou comprovado que, enquanto não houver licenciamento prévio ambiental, não poderá ser implantado ou comercializado o loteamento. 5) RENATO ALCIDES TROMBINI e RAT INCORPORAÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA apelaram (fls. 402/417), alegando que: a) a sentença ora recorrida dependia do julgamento do mérito da demanda principal; b) Renato Alcides Trombini deve ser afastado do pólo passivo da demanda pois não figura no contrato social da empresa RAT Incorporações e Empreendimentos Ltda, sendo irrelevante o fato de aquele figurar como parte na ação principal; c) a manutenção da sentença recorrida impõe aos Apelantes prejuízos perante os terceiros adquirentes dos lotes; d) não se evidencia o fumus boni iuris pois o objeto da presente ação ainda está pendente de julgamento nos Autos de Ação Declaratória nº 286/1993 e nº 05/2003, e) não há periculum in mora já que até a conclusão do empreendimento não havia qualquer impedimento judicial, bem como desde o ano de 2000 não foi realizada nenhuma obra no loteamento; f) o Plano Diretor do Município, instituído pela Lei nº 1.163/2005, indica que o imóvel integra a área de desenvolvimento urbano.
6) Em contra-razões de fls. 421/447, o INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ alegou que: a) o Autor Renato Trombini deve ser mantido como Réu neste processo, pois à época das alterações no imóvel para a implantação do loteamento era proprietário do terreno, posteriormente alienado a outra Ré - RAT Incorporações e Empreendimentos, de cujo quadro social também participou até setembro de 2000; b) a Medida Cautelar Inominada nº 216/93, a Ação Declaratória nº 286/93 e a Ação de Atentado nº 390/2001, todas originárias da Vara Cível de Guaratuba, devem ser julgadas em conexão à presente ação; c) a autorização nº 014/91 emitida pelo IAP para desmate da vegetação e abertura de ruas se deu em época em que não existia as atuais restrições relativas à Mata Atlântica e a autorização nº 014/92 se limitava ao aproveitamento do material lenhoso proveniente da anterior; d) os Apelantes não possuem licença ambiental, exigida, em especial, para atividades em floresta primária; e) o IBAMA se manifestou de forma contrária à expedição da licença prévia; f) o fato de os Apelantes terem devastado o terreno em questão, não descaracteriza sua natureza de mata atlântica; g) que a implantação do loteamento desrespeitou ordem judicial e a legislação pátria vigente; h) que o Plano Diretor do Município de Guaratuba não foi aprovado pelo Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral Paranaense, em ofensa ao Decreto Estadual nº 2722/84; i) que os Apelantes estão discutindo razões de mérito da ação principal, o que não cabe em ação cautelar. 7) O Ministério Público, nesta instância, manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 499/506).
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO SIMULTÂNEO A Ação Cautelar possui autonomia em relação à ação principal e às demais cautelares eventualmente propostas no transcorrer do processo, havendo, inclusive, situações em que o julgamento das ações, no que se refere à procedência ou não do pedido, não coincide. No entanto, há hipóteses em que se verifica que a controvérsia e as matérias debatidas são idênticas em umas e outras, e ainda, que o juízo a quo se manifestou de modo semelhante em todas elas, como é o caso dos autos. Outrossim, no caso em tela, verificou-se que tanto na Ação Cautelar Preparatória nº 216/93 como na Ação Cautelar Incidental nº 391/2001 a causa de pedir é a mesma, qual seja, a implantação do loteamento CASTELNOVO e a necessidade de regularidade dos licenciamentos ambientais. Assim, considerando que as sentenças prolatadas nos autos em apreço se fundamentaram em idêntico raciocínio, em face das quais as partes interpuseram os Recursos de Apelação ora analisados, entendo plausível o julgamento simultâneo, posto que não se afigura razoável a existência de decisões distintas entre as demandas. DOS LIMITES DA AÇÃO CAUTELAR Nos acertados termos da sentença "o que se decide na cautelar é a existência ou não de risco para a efetividade ou utilidade do processo principal, sendo absolutamente irrelevante perquirir se a parte tem ou não o direito subjetivo material" (f. 134). É dizer, no âmbito da ação cautelar, cabe ao Juízo competente apreciar a existência da plausibilidade objetiva do direito invocado e o risco da ineficácia da prestação jurisdicional, ou seja, o fumus boni juris e o periculum in mora, respectivamente. Consoante entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, "Em recurso especial contra acórdão que nega ou concede medida cautelar ou antecipação da tutela, a questão federal passível de exame é apenas a que diz respeito aos requisitos da relevância do direito e do risco de dano, previstos nos artigos 804 e 273 do CPC. Não é apropriado invocar, desde logo, e apenas, ofensa às disposições normativas relacionadas com o mérito da ação principal." (REsp 883887/DF. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI. DJ 02/08/2007).
Nesse aspecto, em se tratando de ações cautelares, e ainda, levando em conta que a sentença da Ação Principal nº 286/93 ainda não foi prolatada, a apreciação dos presentes Apelos se baliza nos requisitos acima declinados, não havendo necessidade de aguardar o julgamento do mérito da demanda principal. DO APELO DOS AUTOS Nº 216/1993
a) Da Substituição Processual
Alega o Apelante que, embora "seja a única pessoa a compor o pólo ativo da Ação Declaratória (nº 286/93) e da Medida Cautelar Inominada (nº 216/93) propostas contra o Instituto Ambiental do Paraná - IAP, ele não mais figura no contrato social da empresa RAT Incorporações e Empreendimentos Ltda, deixando de praticar, há bastante tempo, qualquer ato relativo à sua administração, o que recomenda a substituição processual" (f. 201).
Sem razão.
Consoante entendimento do Instituto Ambiental do Paraná - IAP - "a alegação do Sr. Renato Alcides Trombini, ora Apelante, de não mais ser proprietário do imóvel em questão não o exime de compor a presente ação, isto porquê, (sic), além de ter sido ele a propor a medida cautelar 216/1993, as alterações de fato no imóvel, com a sua devida implantação (abertura de ruas e venda de lotes) foram feitas com a sua participação, permanecendo no quadro social da empresa RAT - Incorporações e Empreendimentos Ltda, até a sua terceira alteração, que se deu em data de 15 de setembro de 2000" (f. 221).
O fato de o Apelante não mais figurar como sócio da empresa RAT em nada altera o pólo ativo da presente demanda, já que se discute fatos praticados por ele, cujas possíveis conseqüências, inclusive de ordem penal e administrativa, devem também ser suportadas pelo Apelante.
É bem de ver que as alterações no contrato social da RAT - Incorporações e Empreendimentos Ltda poderiam suscitar o ingresso da empresa na lide como litisconsorte (não requerido nos autos), mas não a retirada do Apelante do pólo ativo da presente demanda.
Por fim, não há que se falar em nulidade do julgado ante o fato de a RAT não compor a lide, pois, mutatis mutandi, "Em caso de litisconsórcio passivo voluntário, a anulação da citação de um dos réus não acarreta a nulidade do processo, quanto aos demais"(RT 597/86).
b) Do Mérito
O Apelante, na petição inicial, pretendia que lhe fosse autorizado prosseguir à implantação, registro e comercialização do loteamento CASTELNOVO, posto que o então denominado Departamento de Fiscalização e Licenciamento do Estado do Paraná, por intermédio do Ofício nº 008/92, havia negado o pedido de desmate da área "tendo em vista tratar-se de Mata Primária Atlântica, cujo corte é vedado pelo Decreto 99.547/90, a tratar-se de área de Preservação Permanente, restinga estabilizadora de mangue, conforme Art. 2º da Lei 4.771/65." (f. 83).
Como fundamento a sua pretensão cautelar, alegou que o fumus boni juris consistia no fato de o então Instituto de Terras, Cartografia e Florestas do Estado do Paraná - ITCF - ter autorizado o desmate e o aproveitamento de material lenhoso da área em que se pretendia instalar o loteamento CASTELNOVO, assim como o Município de Guaratuba, pelo Decreto nº 1.158/92, ter aprovado o empreendimento, composto de 42 (quarenta e duas) quadras e 833 (oitocentos e trinta e três) lotes.
Ainda, que o Decreto 750/93, ao revogar o Decreto Federal nº 99.547/90, permitiu a supressão de vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração no casos em que houver interesse social ou utilidade público, requisitos que no caso restaram demonstrados.
A título de periculum in mora, alegou que "os lotes caucionados reverterão ao Patrimônio Municipal, se as obras de infraestrutura não estiverem sido concluídos até o prazo de 20 (vinte e quatro) meses, a partir da data da assinatura do referido Decreto, ou seja, 05 de fevereiro de 1992" (f. 204).
Em sede de Apelo, interessa a análise do primeiro requisito (fumus boni juris), posto que o periculum in mora esvaiu-se com o transcurso do tempo.
b.1) Das Autorizações do ITCF e do Plano Diretor Municipal
O Apelante alega que "em virtude das autorizações anteriormente concedidas, houve a efetiva implantação do loteamento, com o início das obras, emergindo direito adquirido, o qual não pode sofrer alterações" (f. 204).
Sem razão. O fato de, à época da propositura da demanda, ainda que munido de autorizações concedidas pelo Instituto de Terras, Cartografia e Florestas do Estado do Paraná - ITCF - para aproveitamento de material lenhoso (nº 014/92) e desmate (fls. 11/12) restou expressamente vedado ao Apelante o "corte de vegetação, nem mesmo para transporte de produto florestal, para tal deverá esta será apresentada junto ao IBDF, para obtenção das Guias Florestais" (f. 43). Daí se extrai que, estando vigente a determinação constante do Ofício nº 008/92, o Apelante se encontrava impedido de dar seguimento à implantação, ao registro e à comercialização do loteamento CASTELNOVO, situação fática que não foi modificada após a propositura da Ação Cautelar nº 216/93, já que o Juízo a quo não concedeu a medida liminar requerida e ao final julgou improcedente o pedido declinado na exordial.
Nessas condições, a alegação do Apelante além de absurda, ofende a determinação imposta pelo então Departamento de Fiscalização e Licenciamento do Estado do Paraná e a função ambiental da propriedade.
Além disso, no âmbito da ação cautelar não há que se falar em direito adquirido ou certo, já que a efetiva comprovação de sua existência pressupõe o amplo debate e a produção probatória próprias do processo principal.
Por outro lado, dadas as provas trazidas aos autos, verifica-se que o Apelante promoveu a implantação do loteamento de modo irregular, posto que ausentes os respectivos e necessários licenciamentos ambientais.
Por outro lado, o Apelante também afirma que "com a instituição do Plano Diretor do Município de Guaratuba, Estado do Paraná, o imóvel ora objeto de discussão passou a integrar área de desenvolvimento urbano, o que revela, isto sim, a presença do fumus boni juris, restando evidente o direito de implantar, registrar e comercializar o referido loteamento" (fls. 205/206).
Novamente sem razão.
Oportuno lembrar que a Lei Federal nº 6938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. é clara ao determinar que:
"Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis." Disso se extrai que a exigência de prévio licenciamento ambiental recai sobre quaisquer atividades, obras ou projetos efetiva e potencialmente poluidores, independentemente da área em que se encontram: rural ou urbana, de modo que o advento do Plano Diretor do Município em nada afeta a apreciação da presente controvérsia. Vale dizer, é indiferente ao presente caso se o imóvel se localiza em zona urbana ou rural, mas sim se a vegetação que ali existe é protegida por legislação específica. Deve-se dissociar a questão do urbanismo da questão referente ao meio ambiente.
b.2) Do Interesse Público
O Apelante aduz que "o loteamento, além de localizar-se em área urbana, trará benefícios para toda a população do município de Guaratuba, evidenciando a presença dos requisitos previstos pelo Decreto, quais sejam, da utilidade pública e do interesse de toda a sociedade na implantação de referido projeto" (f. 206).
Não tem razão.
O Decreto 750/93, ao dispor sobre o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica, determinou que:
"Art. 1º. Ficam proibidos o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica. Parágrafo único. Excepcionalmente, a supressão da vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica poderá ser autorizada, mediante decisão motivada do órgão estadual competente, com anuência prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), informando-se ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), quando necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social, mediante aprovação de estudo e relatório de impacto ambiental."
Denota-se do dispositivo retro transcrito que o fato de determinada obra ou atividade ser considerada de interesse público não é suficiente à imediata autorização de corte da mata atlântica. Para tanto, são necessários estudos de impacto ambiental, bem como decisão motivada do órgão estadual competente, com anuência prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o que não se observou no caso dos autos. Da Informação nº 435/01-PROJU (fls. 319/330 dos autos nº 391/2001) bem como do Ofício nº 843/2001/IAP/GP (f. 334 dos autos nº 391/2001) extrai-se que o IAP expressamente se pronunciou acerca da impossibilidade de conceder o licenciamento ambiental para o loteamento. O IBAMA, por sua vez, também se manifestou negativamente ao pedido (f. 342 dos autos nº 391/2001). Portanto, não se evidencia qualquer direito que justifique a pretensão cautelar do Apelante. DO APELO DOS AUTOS Nº 391/2001
Como fundamento à pretensão recursal, os Apelantes alegam: a) necessidade de afastar Renato Alcides Trombini do pólo passivo da demanda; b) a manutenção da sentença recorrida impõe aos Apelantes prejuízos perante os terceiros adquirentes dos lotes; c) não se evidencia o fumus boni iuris pois o objeto da presente ação ainda está pendente de julgamento nos Autos de Ação Declaratória nº 286/1993 e nº 05/2003, d) não há periculum in mora já que até a conclusão do empreendimento não havia qualquer impedimento judicial, bem como desde o ano de 2000 não foi realizada nenhuma obra no loteamento; e) o Plano Diretor do Município, instituído pela Lei nº 1.163/2005, indica que o imóvel integra a área de desenvolvimento urbano.
Assim, os itens "a" e "e" já foram objeto de apreciação quando da análise do Apelo interposto nos autos nº 216/93, de modo que me remeto à fundamentação ali declinada.
a) Da Manutenção da Sentença
Em referência à ação principal, os Apelantes aduzem que "não obstante a extensa e profícua fundamentação levada a efeito pelo ínclito magistrado a quo, a sentença proferida não poderá produzir seus efeitos jurídicos enquanto não forem julgadas as demandas acima referidas, sob pena da ocorrência de incalculáveis prejuízos tanto aos Apelantes como a terceiros que adquiriram lotes e construíram suas residências no Loteamento Balneário CASTELNOVO, razão pela qual, inclusive, não se pode reconhecer a presença do fumus boni iuris suscitado pelo Apelado em seu pedido cautelar" (f. 413).
Sem razão.
É da própria essência das ações cautelares que a prestação jurisdicional vise a proteção de direito controverso, ante a possibilidade de seu perecimento ou degradação antes do efetivo e final pronunciamento do juízo competente.
Como bem explicitado pelo Juízo a quo, "toda tutela cautelar possui natureza preventiva ou de garantia, servindo de medida à prevenção de situações fáticas ou jurídicas que possam utilizar o resultado do processo principal, no caso de resultar favorável ao interessado" (f. 389).
Eventuais prejuízos a serem suportados pelas partes ou terceiros interessados podem advir da concessão da medida cautelar, já que tais lesões não superam a gravidade do bem da vida que se pretende proteger com a medida de urgência. Nesses casos, compete ao Juízo apreciar e ponderar os interesses que merecem prevalecer sobre os demais.
No caso dos autos, eventuais prejuízos causados aos Apelantes e ainda aos adquirentes moradores ou veranistas do loteamento não podem ser considerados mais graves que aqueles causados ao meio ambiente, que é direito de uso comum do povo. b) Do Fumus Bonis Juris
Os Apelantes atestam que "não se pode afirmar a presença do fumus boni iuris a consubstanciar o pedido formulado pelo Apelado. A este respeito, vale aduzir que a regra contida no artigo 225 da Constituição Federal de 1988 eleita pelo ilustre Juízo a quo como fundamento da fumaça do bom direito do pedido do Apelante não se presta ao caso presente, pois não importa em ofensa ao meio ambiente" (f. 412).
Novamente sem razão.
A questão que se põe decorre, exclusivamente, de danos de ordem ambiental.
Outra não poderia ser a fundamentação adotada pelo Juízo a quo, já que o direito ao meio ambiente tem status constitucional, haja vista que o artigo 225 da Constituição Federal de 1988 estabelece complexo teor de direitos, mensurado pela obrigação do Poder Público e da sociedade na garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, já que se trata de um bem de uso comum do povo que deve ser preservado e mantido para as presentes e futuras gerações.
Acrescente-se a isso o fato de que, consoante fundamentação adotada na apreciação do Apelo interposto nos autos nº 216/93, parte integrante da análise da presente Apelação, o fumus boni juris da pretensão cautelar do ora Apelado (IAP) deflui naturalmente das conclusões ali declinadas. c) Do Periculum in Mora
Os Apelantes defendem a inexistência de periculum in mora que justifique a manutenção da sentença recorrida, pois, até a conclusão do empreendimento não havia qualquer impedimento judicial, bem como desde o ano de 2000 não foi realizada nenhuma obra no loteamento.
Sem razão.
Olvidam os Apelantes que o então denominado Departamento de Fiscalização e Licenciamento do Estado do Paraná, por intermédio do Ofício nº 008/92, negou o pedido de desmate da área "tendo em vista tratar-se de Mata Primária Atlântica, cujo corte é vedado pelo Decreto 99.547/90, a tratar-se de área de Preservação Permanente, restinga estabilizadora de mangue, conforme Art. 2º da Lei 4.771/65." (f. 83 dos autos nº 216/1993).
Nessas condições, o fato de não existir impedimento judicial à conclusão do empreendimento não justifica o descumprimento do ato administrativo exarado pelo Departamento de Fiscalização e Licenciamento do Estado do Paraná.
Isso porque, os atos administrativos são dotados de presunção de legitimidade e validade, o que lhes confere prerrogativa iuris tantum de que estão de acordo com a lei até que se prove o contrário. Não há notícia nos autos de que o Ofício em questão foi objeto de declaração de nulidade capaz de sustar ou afastar seus efeitos jurídicos. Nessa qualidade, o Ofício nº 008/1992 também goza de auto-executoriedade, ou seja, seu cumprimento era compulsório e independente de qualquer pronunciamento judicial. Disso, se conclui que, até ulterior decisão declarando sua nulidade, era dever dos Apelantes observar os estritos termos do referido Ofício.
Veja-se, portanto, que os Apelantes confessam que promoveram a implantação do loteamento de modo irregular, o que, por si só, é argumento suficiente para afastar suas razões recursais. Ademais, o periculum in mora era evidente ante o descumprimento, pelos Apelantes, do Ofício nº 008/92 e a possibilidade de o meio ambiente ser objeto de constantes e irreversíveis prejuízos. ANTE O EXPOSTO, voto por que seja a) negado provimento ao Apelo de Renato Alcides Trombini, nos autos de Ação cautelar Inominada nº 216/1993; b) negado provimento ao Apelo de Renato Alcides Trombini e RAT Incorporações e Empreendimentos Ltda nos autos de Ação Cautelar Incidental nº 391/2001; D E C I S Ã O
ACORDAM os integrantes da Quinta Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em negar provimento aos Apelos nº 420243-9 e nº 429231-5. Participaram do julgamento os Desembargadores RUY FERNANDO DE OLIVEIRA, Presidente sem voto, LUIZ MATEUS DE LIMA e o Juiz Convocado JURANDYR REIS JUNIOR.
CURITIBA, 27 de novembro de 2007.
Desembargador LEONEL CUNHA Relator
|