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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 418.959-1 - COMARCA DE UMUARAMA - 2ª VARA CÍVEL APELANTE (1): MUNICÍPIO DE IVATÉ APELANTE (2): FLÁVIO APARECIDO CACIOLATO APELADOS: OS MESMOS RELATOR: DES. ANNY MARY KUSS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - CRIAÇÃO DE COMARCA - APLICAÇÃO DO ART. 87, DO CPC - PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDITIONES - COMPETÊNCIA TERRITORIAL RELATIVA - DIREITO ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL - TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO - FESTA MUNICIPAL - SHOW PIROTÉCNICO - MUNÍCIPE ATINGIDO POR UM ROJÃO - INDENIZAÇÃO POR DANOS DEVIDA - IRRELEVÂNCIA DE NÃO SE AFERIR O AGENTE QUE OBROU COM CULPA - LUCROS CESSANTES INDEVIDOS - FALTA DE PROVA DA INCAPACIDADE PARA O TRABALHO OU DIMINUIÇÃO DO VALOR DA FORÇA LABORATIVA - ÔNUS QUE COMPETIA AO AUTOR (ART. 333, I, DO CPC) - SENTENÇA MANTIDA - AMBOS OS APELOS CONHECIDOS E IMPROVIDOS - REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO DE OFÍCIO - CAUSA CUJO VALOR SUPERA A 60 SALÁRIOS MÍNIMOS - SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO. A alteração de limites da divisão da circunscrição judiciária, pela criação de nova comarca através de novel lei de organização judiciária não determina necessariamente a alteração da competência nas ações já propostas, eis que já fixada a competência territorial e, no caso, relativa e disponível. Provado o fato, a realização da Festa Municipal; o dano, a perfuração do tímpano do autor por um rojão, bem como, demonstrado o nexo de causalidade entre eles, na medida em que o autor foi atingido no momento em que assistia a evento da festa na arena municipal, em se tratando de responsabilidade civil objetiva, é despicienda a prova da culpa do agente. O simples fato de a parte ter perdido a audição em um dos ouvidos não pode levar o julgador à conclusão de que será segregado do mercado de trabalho, fazendo jus ao pensionamento a título de lucros cessantes, daquilo que receberia caso não tivesse sofrido o infortúnio. Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL nº 418.959-1 da 2ª VARA CÍVEL da Comarca de UMUARAMA em que é apelante 1- MUNICÍPIO DE IVATÉ; 2- FLÁVIO APARECIDO CACIOLATO e apelado OS MESMOS. RELATÓRIO: Inconformados com a decisão singular que julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos pelo autor nestes autos de Ação de Indenização, recorrem ambos os litigantes objetivando sua reforma. O Município de Ivaté, em suas razões, aduz que com o advento da reforma do Código de Organização Judiciária do Estado do Paraná, em 01/01/04, o apelante passou a fazer parte da Comarca de Icaraíma, razão pela qual, deve ser anulada a sentença e determinada a remessa do processado àquela Comarca, para onde deveria ter sido enviado, logo que ocorreu dita reforma. No mérito, esclarece que não tem nada a ver com o caso em tela, vez que, nenhum nexo de causalidade existiu entre o evento danoso e o réu, ou seja, em festas tidas como populares, as pessoas indistintamente comemoram, a seu modo a euforia, sendo responsáveis por tais eventos a Polícia Militar e Civil, a quem cabe a mantença da ordem em lugares públicos, tanto que o Ministério Público requereu o arquivamento dos autos do processo crime. A sentença contraria as provas dos autos, o autor não se desincumbiu de provar o nexo de causalidade entre o dano e a culpa, motivo pelo qual deve ser reformado in totum o decisum. O autor apenas alega de forma aleatória ter sofrido dano sem, contudo, demonstrar e carrear aos autos comprovação da culpa do Município réu, bem como, o nexo causal entre a culpa e o dano, que venha de forma taxativa confirmar o delito. Requer o acolhimento e provimento do recurso. Também irresignado com a solução da causa, Flávio Aparecido Caciolato, alega em seu apelo ter requerido pensão equivalente a um salário mínimo mensal, face o aleijão sofrido que lhe gerou certeza de prejuízos e dificuldades durante toda vida, já que se tornou um deficiente auditivo por culpa da ré e seus prepostos. Contudo, tal pedido foi indeferido. Salvo melhor entendimento, por se tratar de pessoa de família humilde, a necessidade de pensão é presumida, sendo desnecessária prova neste sentido, em que pese, face das circunstâncias do caso e a situação do autor, essa realidade tenha ficado demonstrada nos autos. Ainda mais, face os danos graves ocasionados ao autor, que se transformou em deficiente auditivo, com escorrimento purulento do ouvido afetado, óbvio que ficou marginalizado socialmente, não tendo sucesso em seus objetivos laborais, razão que obviamente, causou-lhe sérios prejuízos financeiros que se estenderão por toda sua existência, evidenciando a necessidade do pensionamento. Requer seja apreciado o presente recurso, dando-lhe provimento para reformar a respeitável sentença recorrida, concedendo ao apelante indenização a título de pensão alimentícia, bem como, seja-lhe reconhecida a benesse da assistência judiciária gratuita. Recebidos os apelos, apenas o segundo recorrente contra-arrazoou pelo improvimento do primeiro recurso. Remetidos os autos a esta Corte, a douta Procuradoria Geral de Justiça entendeu pela inexistência de interesse público nos autos a justificar a elaboração de parecer. É o relatório. VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: Presentes os requisitos de admissibilidade, ambos os recursos serão conhecidos, assim como, aplica-se à sentença o disposto no art. 475, do CPC, portanto, será objeto de reexame necessário apreciável ex officio. A preliminar de incompetência do juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Umuarama, levantada em sede recursal pelo Município de Ivaté não prospera, aplicando-se ao caso o disposto no art. 87, do CPC, que prevê: "Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia". Este dispositivo consagra o princípio da perpetuatio jurisdicionis e aponta suas duas exceções, impondo a alteração de competência em caso de supressão de órgão de Poder Judiciário e alteração posterior da competência no que se refere a matéria e hierarquia ou a competência territorial se for absoluta. Pode-se, então, questionar acerca da criação de nova comarca, se tal fato quebraria dito princípio, porém a doutrina e jurisprudência se quedam no sentido de que não há cisão da perpetuatio jurisditionis se as demandas puderem continuar tramitando na comarca em que estavam, ou seja, prima-se pela estabilidade processual em caso de argüição de incompetência relativa. Resta claro, pois, que a alteração de limites da divisão da circunscrição judiciária, pela criação de nova comarca através de novel lei de organização judiciária não determina necessariamente a alteração da competência nas ações já propostas, eis que já fixada a competência territorial e, no caso, relativa e disponível. "A transferência de Município de uma para outra comarca não altera a competência, desde que relativa, para as causas anteriormente ajuizadas (RJTJESP 118/454, com citação, pelo relator, de grande número de acórdãos nesse sentido)" (NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 37. ed. atual. até 10/02/05 - São Paulo: Saraiva. 2005. p. 209). Não há, portanto, fundamento para sustentar a argüição de nulidade da sentença monocrática a qual merece, inclusive, manutenção no que tange a análise de mérito do pedido de reparação de danos fundado na responsabilidade civil da Administração Pública em razão da prestação do serviço público (lazer/entretenimento público). Nos autos está provado o fato, a realização da Festa Municipal; o dano, a perfuração do tímpano do autor por um rojão, bem como, restou demonstrado o nexo de causalidade entre eles, na medida em que o autor foi atingido no momento em que assistia a evento da festa na arena municipal, tendo sido socorrido, inclusive, pela ambulância da municipalidade que se encontrava de prontidão no local. Em se tratando de responsabilidade civil objetiva, é despicienda a prova da culpa do agente. Ponto em que se mostra absolutamente equivocado o primeiro recorrente quando insiste na ausência de demonstração de nexo de causalidade entre o evento danoso e a culpa do réu. A teoria do risco administrativo dá sustentação à responsabilidade objetiva do Estado pelos danos que seus prepostos, nesta qualidade, causarem a terceiros, como explicitado no art. 36, § 7º, da CF/88, e sobre a matéria calha destacar o brilhante voto do Ministro Carlos Velloso, no RE nº 113.587-SP: "Em trabalho doutrinário escrevi sobre o Tema (Responsabilidade Civil do Estado", Rev. de Informação Legislativa, 96/233), lembrei que a teoria do risco administrativo fez surgir a responsabilidade objetiva do Estado. Segundo essa teoria, o dano sofrido pelo indivíduo deve ser visualizado como conseqüência do funcionamento do serviço público, não importando se esse funcionamento foi bom ou mau. Importa, sim, a relação de causalidade entre o dano e o ato do agente público. É que, segundo a lição de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, com apoio em AMARA CAVALCANTI, PEDRO LESSA, AGUIAR DIAS, OROZIMBO NONATO e MAZEAUD et MAZEAUD, positivado o dano, "o princípio da igualdade dos ônus e dos encargos exige a reparação. Não deve um cidadão sofrer as conseqüências do dano. Se o funcionamento do serviço público, independentemente da verificação de sua qualidade, teve como conseqüência causar dano ao indivíduo, a forma democrática de distribuir por todos a respectiva conseqüência conduz à imposição à pessoa jurídica do dever de reparar o prejuízo, e, pois, em face de um dano, é necessário e suficiente que se demonstre o nexo de causalidade entre o ato administrativo e o prejuízo causado" (CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, "Instituições de Direito Civil", Forense, 1961, I/466, nº 116). GEORGE VEDEL leciona que o dano causado pela Administração ao particular "é uma espécie de encargo público que não deve recair sobre uma só pessoa, mas que deve ser repartido por todos, o que se faz pela indenização da vítima, cujo ônus definitivo, por via do imposto, cabe aos contribuintes." (G. VEDEL e P. DELVOLVE, "Droit Administratif", Presses Univeritaires de France, 9ª ed., 1984, ps. 448-449). Para L. DUGUIT, a atividade do Estado se exerce no interesse de toda a coletividade; as cargas que dela resultam não devem pesar mais fortemente sobre uns e menos sobre outros. Se, da intervenção do Estado, assim da atividade estatal, resulta prejuízo para alguns, a coletividade deve repará-lo, exista ou não exista culpa por parte dos agentes públicos. É que o Estado é, de um certo modo, assegurador daquilo que se denomina, freqüentemente, de risco social, ou o risco resultante da atividade social traduzida pela intervenção do Estado. (L.DUGUIT, "Las Transformaciones del Derecho Publico", Madri, 2ª ed., ps. 306 e ss.). Na linha das opiniões acima indicadas, as lições de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO ("Elementos de Direito Administrativo", Ed. Rev. dos Tribs., 1980, ps. 252-253), YUSSEF SAID CAHALI ("Responsabilidade Civil do Estado", Ed. Rev. dos Tribs., 1982) e WEIDA ZANCANER BRUNINI ("Da Responsabilidade Extracontratual da Administração Pública", Ed. Rev. dos Tribs., 1981). Pode-se afirmar, em síntese, que a responsabilidade civil do Estado, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade do Estado, ocorre, em síntese, vale repetir, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa." (RTJ 140/636). A manutenção ou reforma do decisum passa, pois, pela análise pormenorizada dos fatos descritos nos autos e da prova nele coligida, de forma a verificarmos a coexistência destes três elementos essenciais à caracterização da responsabilidade civil da requerida, quais sejam, o dano, a ação da Municipalidade, e o nexo de causalidade entre eles, bem como, se inexistiu algum dos excludentes de responsabilização, quais seja, a culpa exclusiva da vítima ou caso fortuito ou força maior. Neste ponto, é irrelevante que a Ação Penal tenha sido arquivada por não ter sido apurada a autoria do fato criminoso, pois naquela persecução é imprescindível a individualização da ação, bem como, determinar se o autor agiu com dolo ou culpa, elementos desnecessários na esfera de responsabilização civil, aplicada a teoria objetiva. Suficiente, neste processado, a prova de que a queima de fogos de artifício, por ocasião da festa municipal, não foi uma ação isolada de algum particular, mas sim, uma das atrações da celebração do aniversário da emancipação política do lugar, sói no ano anterior. E não se diga que as respostas evasivas dadas pelos integrantes da comissão organizadora da festa, por ocasião do inquérito policial, uníssonas no sentido de que qualquer um deles foi o responsável pela soltura dos fogos, bastem para endossar a tese de que a Administração Municipal não patrocinou o chamado Show Pirotécnico. O temor em responder pessoal e criminalmente pelos danos causados ao ora autor torna compreensível aquele discurso uniforme dos organizadores no sentido de se esquivarem. Chega-se a esta conclusão a partir da leitura do depoimento de José Chalergre, funcionário da Prefeitura que foi colaborador na organização dos eventos alusivos ao 7º aniversário do Município e que declarou perante a autoridade policial: ..."Que em uma das noites da festa, noite esta em que o declarante se encontrava no interior do Parque do Rodeio, o declarante ficou sabendo pelo motorista da ambulância, Sr. Humberto Milani, que os fogos que foram soltados no parque de exposição, atingiram um rapaz"(fls. 28). De igual forma, declarou Cícero Rogério da Silva: "... Que o declarante no dia do sinistro, se encontrava na barraca da festa. Que o declarante no dia seguinte, ficou sabendo que os fogos de artifício atingiram um rapaz, o qual não sabe relatar o nome deste. Que o declarante não sabe indicar quem soltou ou possa ter soltado os fogos. Que o declarante aduz que não sabe precisar a metragem que medeia entre o local que fora solto os fogos, do local onde se encontrava o rapaz, vez que, não sabe dizer onde o rapaz estava na hora do fato. Que o declarante não reparou o local onde estes fogos eram soltos. Que o declarante salienta que o mesmo fazia parte da comissão organizadora, porém ele não "mexeu" com nada, salientando que embora fizesse parte da comissão, em nada ajudou. Que pode dizer com precisão que estes fogos de artifício não foram soltos por nenhum dos integrantes da comissão organizadora, pois este assunto não fora cogitado pelos mesmos" (fls. 42). Os fogos de artifício, soltos dentro das dependências da festa, foram citados por todos que testemunharam como acontecimento corriqueiro, normal e, até mesmo, esperado. Ninguém se surpreendeu com a explosão que irrompeu os céus na noite festiva, portanto, é óbvio que se tratava de um de seus componentes, previamente programado pela organização daquela comemoração cívica de responsabilidade da Administração Pública Municipal. Aliás, não remanesce dúvida sobre tal assertiva após a leitura do depoimento da vice-prefeita do Município, à época dos fatos, que em juízo, à luz do contraditório, afirmou textualmente: "Que acredita que os próprios integrantes da comissão organizadora do evento teria se encarregado de acender os fogos, dando início ao show pirotécnico; que acredita que não foi contratado nenhum pessoal treinado em lidar com fogos para fazer esse show, já que se tratava de um rodeio pequeno, que normalmente dava prejuízo; (...) Que desconhece se os organizadores do evento comunicaram que pretendiam fazer um show pirotécnico naquela festa ao corpo de bombeiros ou a alguém que tivesse habilidade nessas questões; (...)" (fls.124). Repita-se, muito embora a prova colhida na instrução do procedimento criminal ou nestes autos de processo cível, não tenha apontado para o nome do indivíduo que acendeu o estopim da bateria de fogos de artifício, não há dúvidas de que o show pirotécnico foi patrocinado em razão das comemorações municipais. E tal importa na responsabilidade civil da Administração Pública pelos danos que um daqueles rojões gerou em munícipe que participava da festa. Resta evidenciado que não se tratou de um rojão isolado, solto por um munícipe entusiasmado com os festejos pelo 7º aniversário da emancipação política da municipalidade, como quer fazer crer o primeiro apelante, ao frisar que não pode ser responsabilizado pelo modo como "as pessoas comemoram sua euforia". Foi apresentado na época um "show pirotécnico", uma dentre as atrações da festa promovida pelo Município-réu, não sendo crível, muito menos está demonstrado nos autos, que dito espetáculo teve origem alheia à organização do evento público. Assim, provado o dano, a ação da administração e o nexo causal entre eles, incumbia ao primeiro recorrente demonstrar culpa exclusiva da vítima ou caso fortuito como excludentes de sua responsabilidade pela indenização pleiteada, ônus do qual não se descurou (art. 333, II, do CPC). O autor, por seu turno, insurge-se contra o indeferimento do pedido de condenação do réu ao pagamento de indenização por lucros cessantes no valor estimado de um salário mínimo mensal, desde a data do acidente, até que a vítima completasse setenta anos, em decorrência da perda auditiva. Ocorre que, como bem fundamentou o MM. Juiz singular, não logrou o autor demonstrar através do conjunto probatório produzido nos autos que em decorrência dos danos alegados, sofreu ou sofrerá eventual incapacidade que lhe impeça de exercer atividade geradora de renda, impedindo-o de auferir seus próprios ganhos, portanto, não faz jus aos chamados lucros cessantes. Veja-se que, diferentemente do que foi destacado no apelo, não se trata a questão de provar o desempenho de atividade lucrativa pela vítima, ao tempo do sinistro. Por certo que, aos quatorze anos, não seria exigível que o menor desempenhasse atividade laboral e contribuísse - em tão tenra idade - para o sustento da família. O que reclama o MM. Juiz no decisum é a falta de prova da incapacidade para desenvolvimento atual ou futuro de qualquer espécie de trabalho remunerado. O simples fato de a parte ter perdido a audição em um dos ouvidos não pode levar o julgador à conclusão de que será segregado do mercado de trabalho, fazendo jus ao pensionamento a título de lucros cessantes, daquilo que receberia caso não tivesse sofrido o infortúnio. Ainda que se possa cogitar que, devido à seqüela do traumatismo, possa haver uma diminuição do trabalho ou uma depreciação da força laborativa da vítima, não há como se aferir o grau da dificuldade que enfrentará para inserção no mercado de trabalho e não é admissível que as decisões se pautem em presunções ou suposições. Nesta senda, era mister que o segundo recorrente tivesse demonstrado nos autos a perda de capacidade laboral ou a impossibilidade de desenvolver atividade remunerada no futuro, do contrário, correto o indeferimento do pedido a título de lucros cessantes. "AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - ACIDENTE NO TRABALHO - EXPLOSÃO DE UMA BALANÇA - PROBLEMAS DE AUDIÇÃO - DANOS MORAIS E MATERIAIS - DENUNCIAÇÃO DO INSTITUTO DE RESSEGUROS DO BRASIL - OBRIGAÇÃO DAS SEGURADORAS. A partir da edição da Lei nº 6.367/76, nos casos de acidente do trabalho, é devida a indenização de Direito Comum pelo empregador que para o mesmo tenha concorrido com culpa, em qualquer grau. Não ficando demonstrada a impossibilidade do trabalhador para o exercício da profissão, e da mesma forma, que a seqüela tenha gerado esforço maior que implicasse redução de sua capacidade laborativa ou mesmo perda material, não deve ser concedida a pensão mensal e vitalícia. A diminuição auditiva, mesmo que não prejudique o exercício de um trabalho, impõe restrição que não pode ser regenerada. O dano moral é espécie de dano pessoal, portanto, se o contrato de seguro não excluir expressamente sua cobertura, é de rigor a sua reparação, pelo valor constante até o limite estipulado na apólice. (...)" (Tribunal de Alçada de Minas Gerais - Ac 0361796-9 - Sétima Câmara Cível - Rel. Juiz José Affonso da Costa Côrtes - Julg.29/08/2002 - grifamos). "ACIDENTE DE TRÂNSITO - PEDIDO DE PENSIONAMENTO - DEPENDÊNCIA ECONÔMICA - AUSÊNCIA DE PROVA - PROBLEMAS DE FALA E AUDIÇÃO PARCIAIS - AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE - AUTOR MAIOR E CAPAZ - RECEBIMENTO DE APOSENTADORIA - TRABALHO REMUNERADO - INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PENSÃO. (...) Os autores demonstraram, apenas, que o terceiro deles sofre de disacusia neurossensorial bilateral acentuada, tendo dificuldades para falar, não chegando a ser completamente surdo, e, muito menos, mudo. Isso, por si só, não é suficiente para impedir que alguém trabalhe, como não é, também, para que exerça, por si só, os atos da vida civil, tendo o CCB de 1916 deixado claro, ser incapaz apenas o surdo-mudo que não pode exprimir sua vontade. Atualmente, existe uma tendência crescente a integrar as pessoas que sofrem de alguma deficiência física, não incapacitante, no mercado de trabalho, tendo-se, inclusive, editado leis que estabelecem reserva de vagas para tais indivíduos em cargos públicos e empregos privados. O CCB de 2002 sequer lista os surdos-mudos nas hipóteses de incapacidade, pelo que apenas serão considerados incapazes se incidirem em alguma das outras previsões legais. Restando sobejamente demonstrado que o autor é maior, capaz, tem suas próprias fontes de renda, especialmente remuneração pelo trabalho e aposentadoria, deve ser totalmente rejeitada a alegação de dependência econômica, em relação aos pais falecidos, não havendo que se falar em deferimento de pensão" (Tribunal de Alçada de Minas Gerais - Ac. 0387690-2 - Quinta Câmara Cível - Rel. Juiz Mariné da Cunha - Julg.: 27/02/2003 - grifamos). Em face do exposto, nosso voto é no sentido do conhecimento e improvimento de ambos os apelos voluntários, mantendo na íntegra a decisão objurgada em sede de reexame necessário. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento aos recursos, mantendo a sentença em grau de reexame necessário conhecido de ofício. Participaram do julgamento os eminentes Desembargadores REGINA AFONSO PORTES, Presidente sem voto, ABRAHAM LINCOLN CALIXTO e MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA. Curitiba, 10 de dezembro de 2007. ANNY MARY KUSS Relator
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