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Acórdão
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HABEAS CORPUS CRIME N.º 474.593-5, DE MARINGÁ, 3ª VARA CRIMINAL. IMPETRANTE - WALTER BARBOSA BITTAR PACIENTES - ATSUSHI YOSHII, HIROSHI ITIKAWA e SILVIO IWAO MARAGUCHI RELATOR - DES. TELMO CHEREM
HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - ACIDENTE DE TRABALHO - ACUSAÇÃO DE HOMICÍDIO CULPOSO DIRIGIDA A SÓCIOS DAS EMPRESAS ENVOLVIDAS NA SUBCONTRATAÇÃO DA OBRA EM QUE OCORREU O FATO - ATIPICIDADE PENAL EM RELAÇÃO A ALGUNS DOS DENUNCIADOS - ORDEM CONCEDIDA. - Inadmissível, por falta de tipicidade, a acusação de co-autoria em homicídio culposo irrogada a sócios de pessoa jurídica que subcontratou a execução de serviços com duas outras empresas, se incontroverso que nenhum desses sócios detinha a posição de garante quanto à evitação do acidente de trabalho que vitimou o empregado da última subcontratada. - Incidência, ademais, dos princípios do risco permitido, da confiança e da proibição de regresso, a inviabilizar a co-responsabilização penal retrospectiva dos sócios da empresa que ocasionou a subcontratação, por outra pessoa jurídica, da empregadora da vítima. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de HABEAS CORPUS CRIME N.º 474.593-5, DE MARINGÁ, 3ª VARA CRIMINAL, em que é IMPETRANTE: WALTER BARBOSA BITTAR e PACIENTES: ATSUSHI YOSHII, HIROSHI ITIKAWA e SILVIO IWAO MARAGUCHI. 1. O advogado Walter Barbosa Bittar impetrou habeas corpus em favor de Atsuhi Yoshii, Hiroshi Itikawa e Silvio Iwao Maraguchi, os quais, segundo a inicial, estariam sofrendo constrangimento ilícito por ato do Dr. Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Maringá, consistente na intimação dos Pacientes para que comparecessem à audiência de proposta de suspensão condicional do processo, derivada do oferecimento de denúncia nos autos da ação penal (nº 2004.1986-0) em que lhes é atribuída, sem justa causa, a perpetração em co-autoria do homicídio culposo de certo empregado de uma empresa por eles subcontratada para execução de serviços de mão-de-obra em unidade da "Bunge Alimentos S/A". Indeferida a liminar postulada (f. 273/274) e colhidas as informações da digna Autoridade impetrada (confirmando, em síntese, o fato subjacente à tese da impetração - f. 310/317), a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo Dr. WANDERLEI CARVALHO DA SILVA, pronunciou-se, preliminarmente, pelo não conhecimento do writ, pois a denúncia formulada contra os Pacientes ainda pendia de recebimento; no mérito, pela sua denegação (f. 294/304). 2. Conforme cópia do despacho encartado na contracapa dos autos, a denúncia foi recebida no dia 07 de março p.p., restando prejudicada, assim, a recomendação da d. Procuradoria Geral de Justiça pelo não conhecimento do writ. 3. Eis o teor da denúncia recebida: "Consta dos autos que a empresa BUNGE ALIMENTOS S/A contratou a empresa YOSHII ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA (fls. 65/73), de responsabilidade dos sócios ATSUSHI YOSHII, HIROSCHI ITIKAWA e SILVIO IWAO MURAGUCHI, para execução de todas as obras civis em regime de empreitada global, sendo também responsável pela segurança, saúde, e prevenção de acidentes, devendo exercer severa vigilância, bem como assegurar a prevenção contra acidentes coletivos, conforme consta da cláusula vigésima do contrato de fl. 71. Todavia, a empresa YOSHII ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA (fls. 65/73), contratou a empresa METALSOMA ESTRUTURAS METÁLICAS LTDA (fls. 74/80) para execução e montagem das estruturas metálicas, tendo como responsável pela execução da obra, o engenheiro civil, também denunciado, ELCIO EDER BONDARCHUK, tendo a referida empresa contratado a empresa B.J.M. METALÚRGICA LTDA (fls. 81/86) para montagem da tulha ferroviária, ficando a mesma responsável pelas conseqüências de acidente de qualquer natureza com materiais, funcionários e aparelhagem, seu ou de terceiros na obra, conforme consta da cláusula 11.2, letra 'f', do contrato de fls. 84. Consta também dos autos que no dia 02 de fevereiro de 2004, a vítima Josuel Aparecido Diniz da Silva foi admitida pela empresa B.J.M METALÚRGICA LTDA, de propriedade dos denunciados BENEDITO ROBUSTI e MARCOS ROBERTO ROBUSTE, para exercer a função de auxiliar de montagem. Ocorre que no dia 04 de março de 2004, por volta das 18h00min, a vítima Josuel Aparecido Diniz da Silva trabalhava no local da obra (empresa Bünge), localizada na Rodovia PR 317, Km 05, nesta cidade, quando veio a cair de uma altura de aproximadamente 15 (quinze) metros, tendo a vítima, em decorrência do acidente, sofrido os ferimentos descritos no laudo de exame cadavérico de fls. 13/3v., os quais resultaram em sua morte. Assim, os denunciados BENEDITO ROBUSTI, MARCOS ROBERTO ROBUSTE, ATSUSCHI YOSHII, HIROSCHI ITIKAWA, SILVIO IWAO MURAGUCHI e ELCIO EDER BONDDARCHUK agiram mediante inegável NEGLIGÊNCIA, uma vez que estes não dotaram a vítima das mínimas e necessárias condições de segurança para o desempenho de sua atividade laboral, violando um dever objetivo de cuidado, pois a mesma estava utilizando somente de cinto de segurança e de dois talabartes, e ainda devida a falta de infra-estrutura mínima de segurança no posto de trabalho (passarela, plataforma, cabo-guia, rabo de vida, etc.), além de ausência de treinamento para utilização dos equipamentos de proteção individual (uso indevido de cinto de segurança como equipamentos de rapel e ponto de ancoragem); deficiente orientação e supervisão por parte das lideranças envolvidas diretamente (empresas A YOSHII ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA e B.J.M. METALÚRGICA LTDA) aos colaboradores em atividade de risco, inclusive com falta de repasse do manual de segurança da empresa BÜNGE ALIMENTOS S/A; envolvimento deficiente do encarregamento da empresa B.J.M. METALÚRGICA LTDA, na implantação de procedimentos seguros; falta de autorizações formais (Permissão para Trabalhos Perigosos -PTP, Ordens de Serviço, etc).), emitidas pela empresas BÜNGE ALIMENTOS S/A e/ou contratada/subcontratadas e política de segurança da empresa A YOSCHII ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA ainda não totalmente implementada.' Com tais procedimentos, incorreram os denunciados BENEDITO ROBUSTI, MARCOS ROBERTO ROBUSTE, ATSUSCHI YOSHII, HIROSCHI ITIKAWA, SILVIO IWAO MURAGUCHI e ELCIO EDER BONDDARCHUK nas sanções do artigo 121, § 3º, combinado com artigo 29, caput, ambos do Código Penal. (...)" Como se vê, a inicial acusatória atribui aos Pacientes, em resumo, a omissão dos deveres de garante assumidos pela empresa "YOSHII ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA." (de que são sócios) ao ser contratada pela "BUNGE ALIMENTOS S/A", no concernente à adoção das medidas de prevenção de possíveis acidentes de trabalho na execução das obras pactuadas. Teriam contribuído, assim, segundo o Órgão da Acusação, para que a vítima Josuel Aparecido Diniz da Silva (empregado da empresa "B.J.M. METALURGICA LTDA.", que empreitou parte das obras subcontratadas pelos Pacientes à empresa "METALSOMA ESTRUTURAS METÁLICAS LTDA.") fosse realizar serviço perigoso sem o devido treinamento e desprovido de condições de segurança, sofrendo, daí, a queda que provocou seu óbito. Estribando-se essa acusação em imputação que contém o necessário à sua compreensão, inepta não é, valendo recordar que a inépcia consiste num vício formal da peça acusatória justamente por restringir-se a um deficit narrativo impediente do conhecimento das circunstâncias relevantes do fato imputado. Formalmente apta, a acusação irrogada aos Pacientes, entretanto, não sobrevive ao crivo de sua aparente legitimidade jurídico-penal, e isso sem necessidade de se controverter a versão factual em que se baseia a denúncia. Segundo a própria inicial acusatória, o dever de garante, de cuja omissão adviria o quinhão de co-responsabilidade penal atribuído aos Pacientes, recaiu todo na pessoa jurídica "YOSHII ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA" - não na pessoa física dos seus sócios -, já que foi essa empresa que assumiu (cláusula 20ª do contrato reproduzido a f. 92/100) as obrigações de prevenir a ocorrência de acidentes de trabalho, de fornecer equipamentos de segurança e de evitar que funcionários fossem expostos a riscos na execução das obras contratadas. Aqui é importante ressaltar que a única fonte de risco que poderia inserir a "YOSHII" na cadeia dos antecedentes causais do evento lutuoso foi a celebração do mencionado contrato com a "BUNGE ALIMENTOS S/A" em que não se cogitou da possibilidade de que algum dos Pacientes desempenhasse função relacionada à prevenção de acidentes de trabalho no âmbito da empresa. Ademais, as obrigações pertinentes às normas de segurança, assumidas no contrato pela "YOSHII", dizem com a adoção de medidas voltadas à proteção dos seus empregados, tal como se infere dos enunciados da referida cláusula 20ª e seus §§ 2º e 3º (f. 98/99), sem que nenhuma delas preveja sua extensão à tutela dos empregados de empresas eventualmente subcontratadas, tanto que, em relação a esses últimos, o único encargo da "YOSHII" foi o de incluí-los na apólice do seguro de vida em favor dos seus próprios empregados (§4º da cláusula 19ª do instrumento contratual - f. 98). Por outro lado, mesmo à luz da moderna teoria da imputação objetiva, na qual o papel do nexo de causalidade não tem caráter decisivo ao juízo de tipificação penal, máxime nos crimes omissivos impróprios, o resultado que consuma o delito só pode ser imputado a quem criou ou incrementou o risco juridicamente proibido. Ora, subcontratar a execução de serviços com empresas que estão obrigadas a observar a legislação trabalhista e a prevenir acidentes que possam sofrer seus próprios empregados, tal como se deu in casu na terceirização de algumas das obras com as empresas "METALSOMA" e "B.J.M." (cf. contratos reproduzidos a f. 101/107 e 108/113), não constitui criação ou incremento de um risco juridicamente proibido, senão atividade empresarial comum e socialmente útil que, quando muito, teria gerado um risco tolerado pela ordem jurídica. E ainda que o risco desencadeado por essas subcontratações fosse juridicamente defeso, os princípios da confiança ("Vertrauensgrundsatz") e da proibição de regresso ("Regressverbot") interromperiam a cadeia retrospectiva de imputação do resultado quando esta remontasse à empresa "METALSOMA", que subcontratou autonomamente a empregadora da Vítima. Mostra-se mesmo irrelevante, segundo os mencionados princípios, alguém contribuir à geração de um risco quando lhe é lícito, nas circunstâncias, confiar em que os demais intervenientes cumprirão com deveres próprios e hábeis à evitação do dano, ou quando esses terceiros intervenientes criam, na seqüência, uma fonte autônoma de risco juridicamente proibido, justamente a que culminou no resultado desaprovado. Portanto, nem a "YOSHII", nem os Pacientes, podem ser responsabilizados criminalmente pelo óbito noticiado nos autos, pois nada indicava que não pudessem confiar nos critérios de subcontratação da "METALSOMA"; tampouco existe qualquer elemento indiciário apontando para alguma espécie de ingerência da "YOSHII" e/ou dos Pacientes na execução do serviço terceirizado pela mesma "METALSOMA" à empresa "B.J.M.". Evidente, assim, a atipia penal do fato atribuído aos Pacientes, de rigor a concessão da ordem de habeas corpus. ANTE O EXPOSTO: ACORDAM os integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em CONCEDER o habeas corpus, para o fim de trancar a ação penal instaurada em face dos Pacientes. O julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Desembargador OTO SPONHOLZ e dele participaram os Excelentíssimos Desembargador CAMPOS MARQUES e Juiz Convocado MÁRIO HELTON JORGE. Curitiba, 03 de abril de 2008. TELMO CHEREM - Relator
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