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Acórdão
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APELAÇÃO CRIME Nº 475.950-4, DA VARA CRIMINAL E ANEXOS DA COMARCA DE CRUZEIRO DO OESTE
APELANTE: ANTÔNIO MARTINEZ CEBRIAN
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RELATOR: Juiz Convocado MÁRIO HELTON JORGE
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. CONDENAÇÃO. HOMICÍDIO CULPOSO (ART. 121, §§ 3º E 4º, DO CÓDIGO PENAL). ABSOLVIÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. PROVA ROBUSTA QUE DEMONSTRA TER O RÉU CRIADO E INCREMENTADO RISCOS PROIBIDOS AO DEIXAR SUA PACIENTE AOS CUIDADOS DE AUXILIARES DE ENFERMAGEM SEM CAPACIDADE TÉCNICA PARA A REALIZAÇÃO DE PARTO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. O médico ausentado-se do hospital sem que existisse substituto, que pudesse cuidar de sua paciente, permanecendo a gestante aos cuidados tão-somente de auxiliares de enfermagem, os quais se viram obrigadas a realizar o parto, sem possuírem qualificação técnica para tanto, criou e incrementou riscos proibidos, sendo que a sua ausência, no momento do parto, foi determinante para o falecimento do infante.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime nº 475.950-4, da Vara Criminal e Anexos da Comarca de Cruzeiro do Oeste, em que é apelante ANTONIO MARTINEZ CEBRIAN e apelado o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. I - EXPOSIÇÃO DOS FATOS ANTONIO MARTINEZ CEBRIAN interpôs APELAÇÃO contra a sentença (f. 255) que o condenou como incurso nas sanções do artigo 121, §§ 3º e 4º, do Código Penal, à pena de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de detenção a ser cumprida em regime aberto, que foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistente em prestação pecuniária no valor de 20 salários mínimos, em favor vítima, e prestação pecuniária de 05 salários mínimos em favor de entidade a ser designada na audiência admonitória, pela prática dos seguintes fatos descritos na denúncia, verbis: "No dia 12 de dezembro de 2000, por volta das 18h00min, no Hospital do Sindicado Rural, nesta cidade e comarca, procedeu-se a internação de Andréia Aparecida de Oliveira Martins, em trabalho de parto, cujo acompanhamento foi realizado pelo denunciado ANTONIO MARTINEZ CEBRIAN, durante todo o período de gestação até o internamento hospitalar, momento em que, mediante um exame de rotina por volta das 19h30min, nada constatou de anormal e dirigiu-se para sua residência, incumbindo a auxiliar de enfermagem e também denunciada GERALDA DA CONCEIÇÃO GONÇALVES, de realizar o parto. Por volta das 22h00min, a bolsa da paciente se rompeu, sendo então encaminhada para sala de parto, onde a denunciada GERALDA DA CONCEIÇÃO GONÇALVES, com ajuda das auxiliares Luiza Gonçalves Cortez, e Cicera Ferreira de Miranda e sem a presença do médico, procedeu à realização do parto natural, que durou cerca de 50 minutos e culminou com o nascimento da vítima Renan Henrique Padial. No entanto, após o nascimento constatou-se que o bebê apresentava insuficiência respiratória, sendo atendido pelo médico Fidelcino Gonçalves que providenciou os primeiros atendimentos e o encaminhou para o Hospital São Lucas na cidade e comarca de Umuarama/PR, onde recebeu tratamento adequado, porém, em virtude de piora progressiva, veio a óbito no dia 14 de novembro de 2000. Desta forma, constata-se que a denunciada GERALDA DA CONCEIÇÃO GONLALVES, agiu com imperícia e sem observar os deveres objetivos de cuidado, uma vez que é apenas uma auxiliara de enfermagem (fls. 107 e 108), sem a capacitação necessária para a realização de partos, o qual pode ser incumbido aos enfermeiros portadores de Certificado de Curso Superior e desde que o quadro não apresente qualquer tipo de distocia (Decreto nº 94.406/1987, arts. 4º e 8º, inciso II, alínea 'l' - fls. 101 e 102); sendo-lhe portanto previsível a ocorrência do sinistro, ante a sua inabilidade profissional, posto que a mesma deveria ter solicitado a presença do médico responsável para a realização, mesmo porquê, o quadro apresentava uma distocia do objeto, já que a vítima estava com o cordão umbilical envolto em seu pescoço. No mesmo sentido, o denunciado ANTONIO MARTINEZ CEBRIAN, agiu com negligência, omitindo-se no seu dever profissional e sem a observância dos deveres objetivos de cuidado, ao permitir a realização de um parto por uma auxiliar de enfermagem inabilitada para o ato, ainda mais, considerando que o quadro, além de apresentar uma distocia do objeto, vez que a vítima estava com o cordão umbilical envolto em seu pescoço, o que exige a realização do parto pelo próprio médico; o bebê havia aspirado mecônio (cf. consta do atestado de óbito - "broncoaspiração de mecônio) que obstruiu as vias aéreas, impedindo a respiração; contudo, a distócia do objeto e aspiração de mecônio são perfeitamente previsíveis, caso seja realizado um bom pré-natal, com a identificação precoce dos riscos, com o monitoramento da viabilidade fetal antes e durante o parto, bem como, com o auxílio de uma equipe médica especializada e a presença de um pediatra na sala de parto (cf. parecer técnico de fls. 123/125) Por fim, constata-se que o denunciado ANTONIO MARTINEZ CEBRIAN, teve a possibilidade de prevenir e de prever o resultado, no entanto, não o previu e nem ao menos se fez presente no momento do parto, delegando essa função a uma auxiliar de enfermagem que não é habilitada para atuar nestas situações; por outro lado, a denunciada GERALDA DA CONCEIÇÃO GONÇALVES, praticou uma conduta voluntária para a qual não possuía a devida capacitação, sem ao menos requerer o atendimento médico ou de enfermeiro habilitado, desta forma, verifica-se que ambos agiram culposamente e suas condutas resultaram na morte do recém nascido Renan Henrique Padial, resultado previsível e que poderia ter sido evitado com a devida atenção." Em suas razões de recurso, o apelante pugnou por sua absolvição sob os seguintes fundamento: a) a imputação contida na denúncia de que não deu assistência no trabalho de parto não está de acordo com a prova dos autos, que demonstra que o "não permitiu nem delegou poderes para que terceiros executassem o parto, somente deixou determinação para que fosse chamado e comunicado sobre a evolução do parto" (f. 264) "não há elemento nos autos que possa demonstrar a recusa do Réu em atender ou dar atendimento adequado à gestante e à criança"; b) que não pode ser responsabilizado por ineficiência do estabelecimento hospitalar, tais como ausência de pediatra, ausência de plantonista; c) que a distócia (circulação do cordão umbilical em torno do pescoço do feto) só pode ser constatada através de ultra-sonografia de geração avançada, não havendo como penalizá-lo pelo fato de não ter sido disponibilizado à gestante o exame, eis que a mesma era atendida pelo SUS (f. 266). O Ministério Público, em suas contra-razões (fls. 271/278), pugnou pela manutenção da sentença condenatória. A douta Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo desprovimento do recurso interposto (fls. 288/294). É o relatório. II - O VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO Não existem óbices ao conhecimento do recurso, porquanto estão presentes os pressupostos processuais de admissibilidade. Não existem dúvidas quanto à autoria e a materialidade dos fatos delituosos, mas, tão-somente, acerca da tipicidade da conduta homicida. A propósito, o réu Antonio Martinez Cebrian, em seu interrogatório prestado em juízo, declarou, verbis:
"Que foi até o hospital do Sindicato dos Trabalhadores Rural para avaliar a gestante, verificando que a gestante estava com 02 centímetros de dilatação e sendo o primeiro filho dela, o parto natural iria ocorrer entre 06 e 18 horas mais tarde, conforme avaliou o interrogado, (...) que após examinar a parturiente o interrogado deixou o hospital, deixando anotado sobre a papeleta, em números grandes o seu celular; que Andréia foi internada pelo SUS; que o interrogado não foi procurado em casa e nem através do seu celular para prestar atendimento à gestante no parto ou sequer foi comunicado da evolução do trabalho de parto (...) que o interrogado mora na mesma quadra do hospital, inclusive sendo vizinho de muro e a distância de sua casa até o hospital é de 100 metros; que o interrogado sem ser chamado dirigiu-se ao hospital por volta das 22:30 horas e lá chegando encontrou a parturiente já parida e em bom estado de saúde, tendo sido informado que a criança tinha tido problemas respiratórios e foi atendida pelo Dr. Fidelcino Gonçalves e encaminhado para a UTI pediatra em Umuarama. Que a criança foi atendida em 05 minutos depois de nascida pelo DR. Fidelcino (...) que as enfermeiras informaram que não tinha sido possível contatar o interrogado e por isto ele não foi chamado...; " (f. 159) "que todas as enfermeiras sabem "de cor e salteado" o telefone da residência do interrogado" que o interrogado não tem conhecimento de falhas de telefonia celular na cidade de Cruzeiro do Oeste" (f. 161). A auxiliar de enfermagem, Luzia Gonçalves Cortez, em seu depoimento prestado em juízo, contrariando a versão apresentada pelo réu, afirma que tentaram contactar o réu, em sua residência, mas ninguém atendeu ao telefone, verbis: "que Andrea Aparecida de Oliveira chegou ao hospital em trabalho de parto; que a depoente esclarece que somente chegou ao hospital após a chegada de Andréia; que Andréia foi examinada pelo Dr. Antonio; que o Dr. Antonio pediu ao depoente que internasse Andréia; que o Dr. Antonio deixou o número de seu celular e foi embora na seqüência; que algum tempo depois Andréia começou a sentir fortes dores e a depoente foi tentar realizar ligação para residência do Dr. Antonio. Que ninguém atendia a chamada que não conseguiu ligar no celular para o celular do Dr. Antonio, uma vez que o telefone do hospital é bloqueado para telefones móveis (...) que perguntou a mãe de Andréia se queria que sua filha fosse atendida por outro médico, sendo que a resposta foi negativa; que então pediu para que o marido de Andréia fosse buscar Geralda que era auxiliar de enfermagem mais experiente em partos; que ao nascimento do neném, chamou o médico Fildecino; que ligou para o Posto de Saúde que era o local de plantão do Dr. Fildecino; que Fildecino somente chegou ao hospital dos trabalhadores cerca de 15 a 20 minutos depois do parto (...) que o Dr. Antonio falou à depoente que iria até a cidade de Umuarama, mas não sabe dizer se o médico realmente foi...; que o Dr. Antonio não ligou, em nenhum momento, para saber o estado de Andréia; que Geralda somente fez o parte de Andréia por estado de necessidade..." (fls. 181/182). A gestante Andrea Aparecida de Oliveira Martins, em seu depoimento, prestado em juízo, declarou, verbis: "que foi examinada pelo médico (ora recorrente) logo na seqüência por volta das 07:30 horas da noite; que o médico (Dr. Antonio Martinez Cebrian) lhe disse que o bebê nasceria por volta das 03,00 horas da madrugada; que na seqüência o médico foi embora e a declarante ficou internada desde aquele momento; que por volta das 08:0 horas da noite, a declarante começou a sentir fortes dores; que Luzia estava sozinha no Hospital dos Trabalhadores rurais; que por este motivo Luzia pediu ao marido da declarante que fosse procurar Geralda Conceição Gonçalves que era auxiliar de enfermagem e sabia realizar partos; que quando Geralda chegou, a declarante começou a sentir contrações muito fortes e Luzia disse que iria ligar para o médico;. Que Luzia disse que o bebê não nasceria através de parto normal, que seria necessário realizar uma cirurgia; que por volta das 09:30 horas da noite o médico ainda não havia chegado e as contrações foram diminuindo; que por volta das 10,00horas da noite a declarante teve uma contração muito forte sendo que Luzia e Geralda conseguiram realizar o parto; que no entanto, o bebê nasceu desacordado; que o médico não tinha chegado até esse momento que após o nascimento chegou outro médico, Dr. Fidelcino, ..." (f. 175) A auxiliar de enfermagem Geralda Conceição Alves, em seu depoimento, prestado em juízo declarou, verbis:
"... que é auxiliar de enfermagem (...) que a interrogada estava em casa e foi procurada pelo marido de Andréia Martins para levá-la ao hospital, para ajudar a enfermeira Luzia, na realização do parto de Andréia; que o médico de Andréia era o médico Antonio Cebrian; que Luzia disse que não havia conseguido falar com Antonio Cebrian; que a interrogada não sabe se o médico Fidelcino Gonçalves foi ou não chamado para realizar o parto, que a criança nasceu quando estavam apenas a parturiente e a depoente na sala de parto; que a criança nasceu com o cordão umbilical em volta do pescoço, tendo a interrogada cortado o cordão e aspirado as vias respiratórias da criança. Além de ter feito oxigenação; que logo que o neném nasceu, logo após cortar o cordão umbilical, a interrogada pediu que chamasse o DR. Fidelcino que demorou cerca de 10 a 15 minutos para chegar; que o Dr. Fidelcino continuou a aspirar e fez a reanimação da criança que não chorava, mas respirava com dificuldade. Que logo a seguir a criança foi encaminhada para Umuarama... que não é normal auxiliares de enfermagem fazerem partos que a interrogada e a auxiliar de enfermagem Luiza são muito experiente em auxiliar os médicos em partos, mas não tem experiência na realização de partos sozinhas; que o normal é os médicos serem chamados quando da entrada uma da parturiente, para que ela seja examinada e a seguir o médico deixa o hospital, sendo chamado novamente quando a parturiente apresenta boa dinâmica e dilatação em torno de 08 centímetros. Que a interrogada não sabe se a auxiliar de enfermagem Luzia entrou em contato com o Dr. Cebrian. Que todas as auxiliares de enfermagem sabem os telefones dos médicos, "de cor", da casa..." (f. 163). O informante Giberto Padial Martins, pai da vítima, prestou as seguintes declarações em juízo, verbis: "que levou sua esposa até o hospital (...) que quando chegou no hospital foi atendido pela auxiliar de enfermagem Luzia, a qual chamou o Dr. Antonio Cebrian; que o médico atendeu a sua esposa por volta das 07 00 horas da noite e disse que o neném nasceria por volta das 0300 horas da madrugada que na seqüência o médico foi embora e a sua esposa começou a ter contrações fortes; que Luzia pediu ao declarante que fosse chamar a auxiliar de enfermagem Geralda, uma vez que esta era mais experiente; que o declarante e o irmão de seu patrão foram até a residência de Geralda e a trouxeram ao hospital; que Luzia saia para fora da sala de parto inúmeras vezes para tentar localizar o médico. Que não sabe dizer se Luzia conseguiu contactar o médico. Que por voltada de 08:30 horas da noite, o neném nasceu; que somente depois Luzia consegui chamar um médico, O Dr. Fidelcino; que logo na seqüência chegou a criança para um hospital em Umuarama. Que a criança ficou internada por dois dias e faleceu por insuficiência respiratória (...) que Luzia pediu para o declarante chamasse Geralda porque não conseguia contactar o Dr. Antonio; que Luzia não comentou o local em que o Dr. Antonio residia (...) que o médico que fez o exame pré-natal de sua esposa foi o Dr. Antonio; que foi realizado exame de ultra-som; que estava satisfeito como atendimento médico até então; que viu a auxiliar de enfermagem Luzia ligar para o Dr. Antonio (...) que Luzia lhe disse que o Dr. Antonio não estava em sua residência" (f. 177) Da análise da prova dos autos, fica claro que o réu atendeu a gestante, quando chegou, por volta das 19h30m, no Hospital, e, após prever, com base na dilatação, que o bebê nasceria na madrugada, saiu do hospital deixando a paciente aos cuidados, tão-somente, da auxiliar de enfermagem Luzia Gonçalves Cortez. O parto de Aparecida de Oliveira Martins ocorreu por volta das 20h30m, sendo que, nos momentos que o antecederam, a auxiliar de enfermagem Luzia tentou, por diversas vezes, contactar o réu em sua casa, a fim de que o mesmo fosse até o hospital (fls. 163, 175, 177 e 181/182). Mas, como não foi encontrado, com a ajuda da auxiliar de enfermagem Geralda Conceição Alves, realizou o parto, que teve complicação, vez que a criança estava com o cordão umbilical em volta do pescoço. A quebra do dever de cuidado, por parte do réu, está devidamente configurada, pois ele infringiu o art. 36, do Código de Ética Médica, que veda que o médico "afaste-se de suas atividades profissionais, mesmo temporariamente, sem deixar outro médico encarregado do atendimento de seus pacientes em estado grave", bem como o art. 37, que proíbe que o médico abandone o plantão "sem a presença de substituto". Por outro lado, embora seja possível a realização do parto, sem distócia por obstetriz, ou por enfermeiros (art. 1º, da Resolução nº 223/99, do COFEN), no caso o réu deixou a gestante aos cuidados da auxiliar de enfermagem Luzia, a qual junto com outra auxiliar de enfermagem, a despeito de não possuírem capacidade técnica para tanto, por estado de necessidade, realizaram o parto diante da ausência do médico. A própria auxiliar de enfermagem Geralda, em juízo, confirma a imprescindibilidade do auxílio médico na realização do parto ao afirmar, verbis: "que a interrogada e a auxiliar de enfermagem Luiza são muito experiente em auxiliar os médicos em partos, mas não têm experiência na realização de partos sozinhas" (f. 163). Consoante o parecer do Conselho Regional de Medicina do Paraná, a despeito de o obstetriz ou o enfermeiro poderem realizar parto, sem distócia, "a responsabilidade sobre a paciente recai sobre o médico de plantão ou sobre o médico da paciente, devendo este, estar ciente do que esteja acontecendo e conivente com a situação" (f. 104). Ou seja, mesmo nas hipóteses de pessoas tecnicamente preparadas para realizarem o parto (o obstetriz ou o enfermeiro), o médico é o responsável pelo parto. Ademais, de acordo, ainda, com o parecer do Conselho Federal de Medicina "Não é possível permitir que o Enfermeiro, a Enfermeira e a Obstetriz atuem sós e de maneira autônoma em situações que podem exigir a presença de outro profissional - o médico - para solucionar situações para as quais os mesmos não estão capacitados" (f. 102). Se, mesmo nas hipóteses de pessoas tecnicamente preparadas para realizarem o parto (o obstetriz ou o enfermeiro), o médico é o responsável pelo parto, bem como se o médico não pode permitir que o enfermeiro e a obstetriz realizem o parto com distócia de forma autônoma, obviamente o fato de o médico deixar que, auxiliares de enfermagem, realizem o parto, sem capacidade para tanto, configura manifesta criação e incremento de riscos proibidos. As afirmações do réu de que "não permitiu nem delegou poderes para que terceiros executassem o parto, somente deixou determinação para que fosse chamado e comunicado sobre a evolução do parto" (f. 264) e de que "não há elemento nos autos que possa demonstrar a recusa do Réu em atender ou dar atendimento adequado à gestante e à criança", são irrelevantes, pois ainda que não tivesse delegado poderes para a realização do parto, não se encontrava no hospital, na hora em que era imprescindível a sua presença, e por essa ausência é que as auxiliares de enfermagem tiveram que agir, visto que, caso se omitissem, a gestante teria que parir sem qualquer auxilio. Desse modo, tendo o réu, médico, se ausentado do hospital, sem que existisse substituto que pudesse cuidar de sua paciente, permanecendo a gestante aos cuidados, tão-somente, de auxiliares de enfermagem, que se viram obrigadas a realizar o parto, mesmo não possuindo qualificação técnica para tanto, fica comprovado que criou e incrementou riscos proibidos, sendo que sua ausência no momento do parto foi determinante para o falecimento do infante. III - DISPOSITIVO ACORDAM os integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos em negar provimento ao presente recurso, nos termos do voto e sua fundamentação. O julgamento foi presidido pelo Desembargador OTO LUIZ SPONHOLZ (com voto), e dele participou o Desembargador CAMPOS MARQUES. Curitiba (PR), 19 de junho de 2008. MÁRIO HELTON JORGE Juiz Relator
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