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Acórdão
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8ª CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL Nº 360.240-8 FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA, FALÊNCIAS E CONCORDATAS
APELANTE: COMPANHIA DE HABITAÇÃO POPULAR APELADOS: EDITE AUGUSTA DOS SANTOS E OUTROS RELATOR: Des. Arno Gustavo Knoerr Juiz Conv. Gil Francisco de Paula Xavier Fernandes Guerra REVISOR: Des. Macedo Pacheco APELAÇÃO CÍVEL - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA COM COMPANHIA HABITACIONAL - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA - MORTE DO MUTUÁRIO -- TRANSFERÊNCIA DA TITULARIDADE À VIÚVA MEEIRA E AOS HERDEIROS COM A ABERTURA DA SUCESSÃO - PRINCÍPIO DA "SAISINE" - PRELIMINAR AFASTADA. SEGURO FACULTATIVO - AÇÃO PROPOSTA EM FACE DA COMPANHIA HABITACIONAL - PEDIDO PAUTADO NA EXISTÊNCIA DO PACTO SECURITÁRIO E NA SUPRESSÃO DA RECUSA DE PAGAMENTO PELA SEGURADORA - MATÉRIA ENVOLVENDO LIMITAÇÃO DE COBERTURA - POSSIBILIDADE DE AFETAÇÃO DA SEGURADORA - RELAÇÕES JURÍDICAS INTERDEPENDENTES - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO ENTRE ESTIPULANTE E COMPANHIA DE SEGUROS - RECONHECIMENTO - PROCESSO ANULADO DE OFÍCIO - APELAÇÃO PREJUDICADA. 1. Aberta a sucessão, os herdeiros e o cônjuge supérstite possuem legitimidade para as causas envolvendo direitos e obrigações referentes aos bens que compõem o espólio, independentemente de inventário. 2. Na forma do art. 46, inciso II, e art. 46, do CPC, há litisconsórcio necessário, em face da natureza jurídica da relação, quando os direitos ou as obrigações derivaram do mesmo fundamento de fato ou de direito. 3. O pedido de tutela jurisdicional que versa sobre existência do contrato de seguro, ainda que facultativo, ou cláusula limitativa de cobertura, exige a participação do estipulante e da seguradora em litisconsórcio necessário. Vistos, relatados e discutidos esses autos de Apelação Cível nº 360.240-8, em que é Apelante Companhia de Habitação Popular de Curitiba - COHAB-CT e Apelados Edite Augusta dos Santos e Outros, interposta nos autos nº 1099/2002, de ação ordinária, proveniente do Juízo de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. ACORDAM os integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em afastar a preliminar de ilegitimidade ativa argüida e decretar, de ofício, a nulidade do processo por ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário, segundo o voto do Relator. O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador Carvilio da Silveira Filho, sem voto, tendo dele participado os Senhores Desembargadores Macedo Pacheco e o Guimarães da Costa. Curitiba, 21 de agosto de 2008. Gil Francisco de Paula Xavier Fernandes Guerra Juiz Relator Relatório e Fundamentação Propuseram os apelados ação ordinária visando a quitação do contrato de compromisso de compra e venda firmado com a apelante, por meio de indenização proveniente do contrato de seguro, com cobertura por invalidez e por morte, que teria sido celebrado com o mutuário, esposo e pai dos postulantes. Regularmente citada, a apelante apresentou contestação alegando as preliminares de ilegitimidade ativa e de ausência dos documentos suficientes à comprovação dos fatos. No mérito, sustentou que o compromisso firmado não contemplava cobertura securitária, sendo que o valor cobrado do contratante, a título de seguro, foi feito a maior; e, que embora não houvesse pactuação, a seguradora quitaria o financiamento se o sinistro fosse diverso de doença, em razão do pagamento das prestações com acréscimo do prêmio, cuja importância foi de apenas R$ 143,64. Ouvido o representante do Ministério Público, independentemente de dilação probatória sobreveio a sentença que julgou procedente o pedido contido na petição inicial, condenando a apelante a dar quitação ao contrato de compra e venda celebrado, bem como no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios. Irresignada apela a ré alegando, em síntese: que os apelados são parte ilegítima para figurar no pólo ativo da ação, em razão da não abertura de inventário e nomeação de inventariante; que não houve contratação de cobertura securitária no contrato de financiamento; que o valor cobrado a título de seguro se deu de forma indevida; que a obrigação quanto ao pagamento do seguro é de responsabilidade do Bamerindus Companhia de Seguro; e, que a seguradora não efetuaria a quitação do financiamento, tendo em vista que a causa da invalidez, que resultou na morte do mutuário, é decorrente de doença não coberta pelo seguro; requereu a reforma da decisão. Intimados, os autores apresentaram contra-razões. Vieram os autos ao Tribunal. Às fls. 122/127, o douto Procurador de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso, com a manutenção integral da sentença. É o relatório. Fundamentação. Trata-se de apelação interposta por Companhia de Habitação Popular de Curitiba - COHAB-CT em face de Edite Augusta dos Santos e Outros, contra a sentença que julgou procedente o pedido inicial, condenando a apelante a proceder à quitação do contrato de compra e venda objeto da demanda. Sustenta a recorrente, em apertada síntese, a ilegitimidade ativa dos apelados e inexistência de motivo para ensejar o pagamento do financiamento, pelos motivos antes relatados. 1. Da preliminar - ilegitimidade ativa Em relação ao aspecto subjetivo, argumenta a apelante que os apelados não têm legitimidade para propositura da ação, tendo em vista que não houve abertura de inventário e, como conseqüência, a nomeação de inventariante, que representa legalmente o espólio. Não lhe assiste razão, entretanto. Disciplina o art. 1.784, do Código Civil, que: "aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros". Esse dispositivo estatui o princípio da saisine, por meio do qual, com o falecimento do titular do direito, a herança como um todo se transmite desde logo aos herdeiros e a meação ao cônjuge sobrevivente, se também não figurar como herdeiro, segundo as regras que disciplinam a sucessão. No particular, o falecimento se deu antes da entrada em vigor no novo Código, regendo-se a ordem de vocação hereditária pelas regras do diploma revogado (art. 2.041, do CC/02). Em razão disso, embora a primeira apelada não suceda na qualidade de herdeira, tem legitimidade para postular a garantia de seus direitos na qualidade viúva-meeira e os demais apelados como herdeiros do mutuário. Portanto, não há como prosperar a preliminar em exame, principalmente porque a abertura de inventário é procedimento de jurisdição voluntária, de caráter administrativo, que visa, ao final, promover a partilha de bens para dissolver a universalidade de direito surgida com o passamento do de cujus, repartindo a cada um a cota que lhe cabe no espólio. Posto isso, sendo os apelados diretamente beneficiados por eventual quitação do financiamento, é de se rejeitar a preliminar argüida. 2. Do mérito ]No concernente ao mérito, os aspectos controvertidos são: a existência do contrato de seguro, a responsabilidade pelo pagamento da indenização, e, subsidiariamente, a previsão de cobertura contratual para o evento que gerou a invalidade do "segurado" e sua morte subseqüente. Preambularmente, no respeitante à alegação de que à Bamerindus Companhia de Seguros competiria o pagamento do seguro, em primeira análise não haveria como conhecer da apelação nesse particular aspecto, diante da inovação em sede recursal. Conforme se observa da contestação, em nenhum momento a ré alegou que não lhe incumbia efetuar o pagamento de eventual indenização derivada de contrato de seguro, razão pela qual a atribuição de responsabilidade não foi objeto de postulação e, como conseqüência, de decisão em primeiro grau de jurisdição. Por isso, em face do princípio do duplo de grau de jurisdição, a análise da matéria por esta Corte estaria obstada, sob pena de resultar em supressão de instância. No entanto, esse aspecto tangencia a legitimidade passiva ad causam em face da pretensão deduzida pelos apelados na petição inicial, vertida nos seguintes termos: "Diante do exposto, requer: c) por fim, que o feito seja julgado totalmente procedente condenando a requerida a efetivar a quitação do contrato de compra e venda firmado entre as partes, ante a ausência de qualquer limitação expressa no contrato de seguro firmado." Como é de se ver, além do pleito implícito, formulado no âmbito da fundamentação jurídica, sobre a necessidade de reconhecimento da existência do contrato do seguro, cuja apreciação é permitida ao julgador por força orientação jurisprudencial assente, a tutela jurisdicional buscada pelos apelados intenta superar a recusa do pagamento da indenização securitária, alegando inexistir limitação contratual expressa sobre invalidez por doença. A partir daí, inarredável se apresenta a participação da seguradora na relação jurídica processual, pelas razões que se passa a expor. Infere-se da documentação trazida à colação, ainda que sem mais aprofundado exame, que há indícios da existência do contrato de seguro, tanto que houve recusa do pagamento por ausência de cobertura, com referência expressa ao número da apólice - "939-6", portanto, é ilógico imaginar oposição de cláusula de uma convenção inexistente. De outro ponto, no mesmo documento, há menção sobre a COHAB figurar como estipulante do contrato de seguro, até porque é usual, em casos tais, que o pacto seja celebrado em grupo. Esse fato ganha força com a informação prestada à Promotoria de Justiça (fls. 34/35), em que a apelante revela a oferta de Seguro Prestamista ao compromissário comprador o imóvel. De outro ponto, embora não seja possível, como linha de princípio, a responsabilização da estipulante por eventos relacionados ao seguro, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça definiu hipóteses em que a obrigação pode ser-lhe atribuída - REsp nº 791.222/DF e REsp 538.822/MG - especialmente quando se está frente a uma relação de consumo em que há quebra dos princípios da confiança e da boa-fé objetiva; aliás, em situações análogas, este Tribunal decidiu, inclusive, pela responsabilidade solidária, o que, em tese é admissível. Diante dessas constatações, é de se concluir pela plausível existência de um pacto securitário, tendo como seguradora a Bamerindus Companhia de Seguros e como estipulante a ora apelante, bem como a responsabilidade, por hipótese argumentativa, do estipulante, o que justifica a participação de ambos na relação jurídica processual. Em especial, retomando o foco do pedido contido na petição inicial, eventual quitação do contrato pela apelante poderá ensejar ação regressiva em face da seguradora, que, portanto, indubitavelmente será diretamente afetada pelo resultado desta ação, a despeito de não lhe ter sido oportunizado opor ao segurado limitação contratual, o que daria ensanchas à responsabilização sem ato ilícito. De mais a mais, eventual reconhecimento da existência do seguro, sem sombra de dúvida, gerará reflexos à seguradora, e o pronunciamento neste sentido é impositivo, mercê da causa de pedir e termos da defesa apresentada. Pois bem, disciplina o Código de Processo Civil, no seu art. 46, que: "Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide; II - os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito; III - entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir; IV - ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito." E, no art. 47: "Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo." Infere-se da interpretação desses dispositivos, que o primeiro disciplina as hipóteses em que há formação de litisconsórcio facultativo, enquanto o segundo define critério em que ele é obrigatório. Sobre a questão orienta o escólio de Celso Agrícola Barbi: "O sistema do Código é de reunir no art. 46 os casos em que o litisconsórcio pode ser facultativo; e, no art. 47, especificar as condições para que ele seja necessário. Desse modo, um caso em que haja comunhão de direitos ou obrigações só acarretará litisconsórcio necessário se ocorrerem também os requisitos do art. 47." (BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. v. 1, p. 261). No particular, observa-se que toda a discussão gira em torno da existência de contrato de seguro relacionado com o financiamento celebrado pelo marido e progenitor dos apelados, como conseqüência, envolve direitos e obrigações oriundas do mesmo fundamento de fato e jurídico (art. 46, inciso I). Para além disso, não há dúvida que a natureza da relação jurídica material, constituída por segurado-mutuário/seguradora/financiadora-estipulante, exigem a formação do litisconsórcio (art. 47, caput), pois são interdependentes. De fato, é preciso definir, inicialmente, a exixstência formal do contrato securitário, caso em que o direito à quitação dele advirá (se atendida a hipótese de incidência); de outro lado, se infirmada a contratação, deverão ser analisadas as consequências da cobrança do prêmio, pela financiadora, sendo certo que, ao menos na primeira hipótese, tem a seguradora direito de debater a existência, validade e abrangência do afirmado contrato de seguro. Sobre a conveniência ou imposição da formação do litisconsórcio, oportuno citar: "'É perfeitamente admissível o litisconsórcio alternativo, formado entre a seguradora e o intermediário do seguro, pois, não podendo saber a quem será imputada a responsabilidade, move ação contra os que entende responsáveis, para que, na eventualidade, de um ser exonerado, seja o outro considerado obrigado à reparação' (RT 589/132)". (NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto F. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 39 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.186) "O litisconsórcio necessário 'tem lugar se a decisão da causa propende a acarretar obrigação direta para o terceiro, a prejudicá-lo ou a afetar seu direito subjetivo' (STF-RT 594/248)" (Ob. cit. p. 188) Na mesma toada, ainda que fazendo referência à hipótese de seguro obrigatório, elucidativa a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "Razão pela qual a discussão sobre indenização securitária, com repercussão direta no financiamento, enseja o litisconsórcio passivo entre agente financeiro e seguradora, bem como a aplicabilidade do CDC. Em ações que tem como objetivo o pagamento do prêmio, a cobertura propriamente dita, do contrato de seguro, em função de morte ou invalidez permanente do mutuário, a Seguradora é litisconsorte passivo necessário, pois é ela que detém o poder de conceder ou negar o direito pleiteado. A cláusula que permite ao agente financeiro o recebimento direto do valor da indenização securitária, ao invés do mutuário, decorre justamente do fato de se tratar - o contrato de seguro - de verdadeira estipulação em favor de terceiro. Mas o papel de estipulante exercido pelo agente financeiro não tem o condão de, em ações objetivando justamente o direito à cobertura do seguro, elidir o litisconsórcio necessário da Seguradora. Apenas quando a discussão cinge-se aos valores das taxas de seguro é que se torna dispensável sua participação, caso em que o agente financeiro - a quem compete cobrar do mutuário, receber e repassar respectivos valores à seguradora - tem legitimidade para figurar sozinho na lide" (TRF4ª R. - AC nº 200070070012042 - PR - 4ª T. - Rel. Min. Valdemar Capeletti - DJ 19.03.2007) Postas as coisas dessa maneira, é de reconhecer a necessidade de citação da Bamerindus Companhia de Seguros S/A, ou de sua sucessora, para vir compor o pólo passivo da ação, e, por conseguinte, decretar a nulidade do processo a partir das fls. 70, momento em que deveria ocorrer o saneamento do processo com a apreciação das questões processuais pendentes. Como conseqüência, com o retorno dos autos à primeira instância, incumbe ao magistrado determinar a intimação da parte autora para que promova a citação da seguradora, sob pena de extinção do processo (CPC, art. 47, caput). Isso, de modo a propiciar a composição da lide de forma equânime, mediante a participação de todos que detém legítimo interesse a defender no conflito de interesses estabelecido. Voto Em face do exposto, voto no sentido de afastar a preliminar de ilegitimidade ativa argüida e decretar, ex officio, a nulidade do processo para determinar a formação de litisconsórcio passivo necessário, nos termos da fundamentação. Curitiba, 21 de agosto de 2008. Gil Francisco de Paula Xavier Fernandes Guerra Juiz Relator
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