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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 540.130-5 - COMARCA DE GUARAPUAVA - 1ª VARA CÍVEL. APELANTE: MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA APELADA: CLEIA APARECIDA ALMEIDA DE LARA RELATOR: VALTER RESSEL
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO AO CARGO PÚBLICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE. ATO DE NOMEAÇÃO PARA CARGO PÚBLICO EDITADO NOS ÚLTIMOS 180 DIAS DE MANDATO DE PREFEITO. ILEGALIDADE RECONHECIDA E DECLARADA EM ATO POSTERIOR. EXERCÍCIO DO PODER DE AUTOTUTELA. DESNECESSIDADE DE PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO. INVERSÃO DA SUCUMBÊNCIA. 1) Verificada a ilegalidade do ato de nomeação da apelada, é correta a sua invalidação através de decreto que declara a nulidade, com base no poder de autotutela da Administração Pública. 2)Não se exige prévio processo administrativo para o exercício do contraditório e ampla defesa no caso de ilegalidade do ato de nomeação, vez que não se trata de apuração de ato atribuído à apelada, mas sim, exercício do poder de autotutela para invalidação de ato ilegal.3) Com a reforma da sentença, impõe-se a modificação da sucumbência, sendo esta integral da apelada. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 540.130-5 - COMARCA DE GUARAPUAVA - 1ª Vara Cível, em que é apelante MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA e apelada, CLEIA APARECIDA ALMEIDA DE LARA. RELATÓRIO. 1. Trata-se de apelação cível (fls. 201/216) contra sentença (fls. 190/198) que julgou parcialmente procedente pedido de reintegração em cargo público c/c indenização por danos morais e materiais em face do Município de Guarapuava. A sentença reconheceu a ilegalidade do decreto municipal 932/2005, que declarou nula a nomeação da autora para ocupar cargo público efetivo (servente de limpeza), bem como o condenou ao pagamento dos valores vencidos e vincendos referentes ao período em que a autora permaneceu afastada do trabalho por força da exoneração irregular; pelo dano moral, entendeu que não houve abalo capaz de molestar gravemente o equilíbrio moral da autora, indeferindo tal pedido. Ainda, considerando recíproca a sucumbência, condenou o Município ao pagamento de 2/3 e a autora, 1/3 das custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 750,00, com base no art. 20, § 4º c/c art. 21, § único, do CPC. 2. Na apelação (fls. 201/216), o Município alega: a) nulidade da nomeação da autora, vez que resultou em "aumento da despesa com pessoal expedido nos 180 dias anteriores ao final do mandato" (fl. 202); b) desnecessidade de anterior processo administrativo para que se declare a nulidade de ato administrativo viciado. Pede, ao final, a reforma da sentença e a declaração de legalidade do decreto que "declarou nula a nomeação da Apelada e consequentemente desobrigando o Município de Guarapuava a proceder o pagamento dos vencimentos pelo período em que a autora esteve afastada" (fl. 216). 3. Dispensado do preparo (art. 511, § 1º do CPC). Sem contra-razões (fl. 219). 4. A Procuradoria Geral de Justiça apresentou parecer (fls. 240/256), entendendo que o recurso deve ser conhecido, não sendo o caso de Reexame Necessário, vez que a condenação da municipalidade não ultrapassa R$ 5.000,00 (fl. 247). Sobre o mérito, opinou pelo provimento do recurso, com base na Súmula 473 do STF, que "assegura à Administração Pública o poder de anular seus próprios atos, de ofício, quando eivados de ilegalidade, sem a necessidade de instauração de procedimento administrativo próprio" (fl. 254), e que os atos de nomeação e posse da autora foram completamente ilegais, vez que ocorreram ao "final de mandato do então prefeito" (fl.255). V O T O
1. A controvérsia versa sobre legalidade de ato administrativo municipal que invalidou ato anterior, com fundamento no art. 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal e exigência de prévio processo administrativo para a edição de tal ato, com o fim de possibilitar o exercício do direito ao contraditório e ampla defesa. 2. Da Legalidade do Ato Administrativo
O Município alega que "os atos administrativos que nomearam a requerente são nulos de pleno direito por força do contido no parágrafo único do art. 21 da Lei Complementar 101/2000, que dispõe ser nulo de pleno direito o ato que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos 180 dias anteriores ao final do mandato". E tem razão. Através do poder de autotutela, a Administração Pública tem poder de anular, revogar e alterar seus próprios atos: "A anulação pode ser feita pela Administração Pública, com base no seu poder de autotutela sobre os próprios atos, conforme entendimento já consagrado pelo STF por meio das Súmulas nºs 346 e 437. Pela primeira, 'a Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos'; e nos termos da segunda, 'a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial" 1. No caso, a apelada foi nomeada para o cargo de servente de limpeza em Agosto/2004 (fl. 21), ou seja, dentro do período dos 180 dias anteriores ao término de mandato do então prefeito, o que é vedado pelo art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar nº 101/2000, verbis: Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda: (...) Parágrafo único - Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no artigo 20." Logo, correta a edição do decreto municipal 932/2005 (fl. 24), que se baseou em expressa disposição legal (art. 21 da Lei Complementar 101/2000) que veda o aumento de despesa com pessoal nos últimos 180 dias de mandato de prefeito. E esse é o entendimento deste Tribunal:
"(...)Nos termos do artigo 21, da Lei Complementar nº 101/2000, é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder Executivo. Restou devidamente provado nos autos que o ato de nomeação do aprovado no referido concurso, resultou aumento da despesa com pessoal expedido nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do Prefeito(...)"(TJPR - 5ª C.Cível. ACR 0380003-1. Des. Luiz Mateus de Lima. Unânime. Julgado em 04.03.2008).
"É dever da Administração Pública anular os atos ilegais, sob pena de infringir o princípio da legalidade. Logo, se a Administração Pública está sujeita à lei, cabe-lhe, evidentemente, o controle da legalidade. Tal poder da Administração Pública está consagrado nas Súmulas nºs 346 e 473, ambas do Supremo Tribunal Federal. De acordo com o disposto no artigo 21, da Lei Complementar nº 21/2000, é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder Executivo. Resulta em aumento da despesa com pessoal a nomeação de servidores aprovados em concurso público nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do Prefeito de Tamarana. Não há falar em exoneração e muito menos reintegração no cargo pelo apelado, vez que o caso se trata de nulidade, pela Administração Pública, de ato ilegal". (TJPR - 5ª C.Cível. AC 0358549-5. Des. Luiz Mateus de Lima. Unânime. Julgado em 27.03.2007) Verificada a ilegalidade do ato de nomeação da autora, é correta a sua invalidação através de decreto que declara a nulidade, com base no poder de autotutela da administração pública, mesmo porque o ato ilegal não deve perdurar. Por estas razões, deve ser reformada a sentença, vez que não houve ilegalidade na edição do Decreto Municipal 932/2005, que declarou nula a nomeação da apelada para o exercício de cargo público. 3. Da Ausência de Processo Administrativo O Município afirma ser desnecessária a instauração de processo administrativo para a anulação da nomeação da apelada, vez que "agiu no âmbito de sua discricionariedade administrativa delimitada pelo legislador pátrio" (fl. 211). Com razão. O poder de autotutela garante à Administração Pública a possibilidade de controlar seus próprios atos, anulando os ilegais e revogando os inconvenientes ou inoportunos, "independentemente de recurso ao judiciário2". Verificada a ilegalidade da nomeação da apelada (e de mais outras 307 pessoas - fl. 203), o chefe do Poder Executivo Municipal editou o Decreto 932/2005, em que declarou nula a nomeação, considerando "a ausência de estimativa de impacto orçamentário-financeiro", "ausência de declaração do ordenador da despesa de que o aumento das despesas teve adequação orçamentário-financeira" e violação do parágrafo único do artigo 21 da Lei Complementar 101/2000 (fl. 24). A anulação da nomeação da apelada não ocorreu por ato atribuído à ela, caso em que haveria direito à instauração de processo administrativo, com direito ao contraditório e à ampla defesa. Aqui não se trata de exoneração, mas sim, de nulidade do ato de nomeação, com base no poder de autotutela da Administração Pública. Tal entendimento é corroborado pela Súmula 473 do STF, que dispõe: "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial". Assim, verificada a ilegalidade do ato, desnecessário o prévio processo administrativo, porque o ato de nomeação foi nulo, de pleno direito e por essa razão, pode ser assim declarado pela Administração Pública. 4. Da Sucumbência Com a reforma da sentença, que altera o resultado da demanda, impõe-se também a modificação da sucumbência, que agora passa a ser integral da apelada. Assim, valorando o zelo profissional dos procuradores do Município, que interpuseram petições e citaram jurisprudência e doutrina; o lugar de prestação do serviço, que não apresenta dificuldades para o trabalho dos patronos; a natureza e importância da causa, que versa sobre questão já sumulada pelo STF e o tempo de duração do processo, pouco mais de 3 anos, mantenho os honorários advocatícios fixados na sentença, mas com modificação da sucumbência. Mantenho também o benefício da Assistência Judiciária deferido à fl. 39, devendo-se observar a disposição do art. 12 da Lei 1.060/50.
DISPOSITIVO.
POR TAIS RAZÕES, voto pelo provimento do recurso para: 1) reformar a sentença e declarar a legalidade do Decreto Municipal 932/2005 que declarou nula a nomeação da apelada; 2) modificar os ônus de sucumbência, atribuindo-os integralmente à apelada. ACORDAM os Julgadores que compõem a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO DO MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA, REFORMANDO A SENTENÇA, nos termos do voto. Presidiu o julgamento o Desembargador LAURO Relator, dele participando o Desembargador ANTONIO RENATO STRAPASSON e o juiz substituto em 2º grau PERICLES BELLUSCI BATISTA PEREIRA. Curitiba, 20 de janeiro de 2009. Valter Ressel Relator
1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª edição. São Paulo: Atlas, 2007, pág. 219. 2 2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª edição. São Paulo: Atlas, 2007, pág. 64.
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