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Acórdão
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 535399-1, DE FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 12ª VARA CÍVEL AGRAVANTE : NELSON LINHARES VIANNA RELATOR : DES. JOSÉ CICHOCKI NETO DIREITO DAS SUCESSÕES. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ATO DE PARTILHA DE BENS PERPETRADO POR ASCENDENTE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO A HERDEIROS NECESSÁRIOS. VALIDADE. EXEGESE DO ART. 2.018 DO CÓDIGO CIVIL. DIFERENÇA CONCEITUAL ENTRE PARTILHA EM VIDA DE BENS DE ASCENDENTE E PACTO DE CORVINA. REFORMA DO DECISUM. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO. Inconfundíveis os institutos cíveis da partilha de bens de ascendente e o denominado pacto de corvina. Equivocada a decisão que declara a nulidade de pacto de transação, realizada por interessados, com objetivo precípuo de por fim a inúmeros litígios estabelecidos entre os interessados e que obedece rigorosamente a prescrição disposta no art. 2.018 do Código Civil. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 535399-1, de Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - 12ª Vara Cível, em que são Agravantes NELSON LINHARES VIANNA e outros. I - Trata-se de Agravo de Instrumento interposto em face de decisão proferida simultaneamente nos autos sob nºs 23.137/2001, 29.879/2006, 29.897/2006, 30.633/2006 e 31.643/2007, proferida pelo Juízo de Direito da 12ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Região Metropolitana de Curitiba, que substancialmente, decretou a nulidade do acordo entabulado pelas partes, expresso através de escritura pública, pelo fato de terem transigido sobre herança de pessoa viva, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, além de exibirem pretensão de lesar o fisco, com o esvaziamento dos inventários em curso, revendo pagamento de terceiros com o patrimônio do espólio. Inconformadas, recorrem as partes conjuntamente, descrevendo, inicialmente, a intrincada situação jurídica vivenciada, resumidamente nos seguintes termos (fls. 04-05/TJ): "DÓRIS, separada judicialmente, mãe de NELSON e CLÁUDIO, é a única filha de EDGARD e MARIA, falecidos, respectivamente, em 2000 e 2005. DÓRIS e CLÁUDIO moram no Rio de Janeiro desde os anos 70. NELSON, que morava nos Estados Unidos, mudou-se para Curitiba em 1997 com sua família para tomar conta dos avós EDGARD e MARIA, à época já bastante idosos e carentes de cuidados. Mercê da proximidade com os avós, NELSON passou a administrar todo o patrimônio dos progenitores e acabou recebendo, destes, várias doações, além de ter sido constituído herdeiro testamentário de toda a parte disponível da herança de sua avó. Logo após a morte de EDGARD, MARIA ingressou com ação de registro do testamento que EDGARD fez em seu favor e DÓRIS, concomitantemente, pediu a abertura de inventário e ingressou com ações judiciais questionando atos praticados pelos pais e pelo filho (especificamente a constituição da sociedade PRESTIGE, para onde foram vertidos os bens imóveis do casal, e a outorga do poder de controle desta sociedade para NELSON), atos estes que, em sua opinião, lesavam sua legítima. Tempos depois, DÓRIS ingressou com novas medidas, dentre elas um pedido de interdição de sua mãe MARIA (obtendo, liminarmente, a interdição, com a nomeação de seu outro filho, CLÁUDIO, como curador da avó interditada), e questionando inclusive o testamento que esta fez, poucos anos antes, em favor do neto NELSON. Com a morte de MARIA em 2006, houve pedido de registro do testamento feito por MARIA em favor de NELSON e a abertura do respectivo inventário. Praticamente todo o patrimônio de EDGARD e MARIA acabaram vertidos, antes e durante o curso dos litígios, para duas sociedades anônimas de capital fechado, com patrimônio muito semelhante, denominadas PRESTIGE e PREMIER, cujo poder de controle (e grande parte das ações) pertencia a NELSON. De resto, DÓRIS promoveu ações visando indisponibilizar o patrimônio dessas empresas e anular os seus atos constitutivos". Sustentam mais, que, devido ao extremo desgaste familiar entre contendores em razão de mais de 10 anos de litígio, deveria o acordo, lavrado por escritura pública perante o 1º Tabelionato de Notas de Curitiba e que envolveu todos os interessados, dispor também a respeito da sucessão de DÓRIS, por antecipação de partilha em vida, consoante permite o artigo 2.018 do Código Civil, pondo fim aos diversos litígios já existentes, além de prevenir novas desavenças. Ao mais, aduzem não existir possibilidade de lesão ao fisco, posto que necessária a expedição de formal de partilha para concretização dos atos, com o pagamento dos impostos devidos. Pode o fisco, se for o caso, arbitrar os valores que entende devidos, caso conclua que a avença visa diminuir a base de cálculo da tributação, adotando as mais diversas práticas antielisivas a sua disposição. Não requereram as partes a homologação da transação, mas tão somente a anunciaram, requerendo a suspensão do feito pelo prazo de 30 dias, a fim de que pudessem adotar as providências necessárias à finalização do inventário, inclusive apresentação de ativos e passivos, seguido de plano de partilha para, ao final, ser encaminhado ao fisco para tributação devida. Concluem que, sendo os direitos disponíveis, as partes capazes e o objeto lícito, deve ser reformada a decisão recorrida, com a validação do acordo entabulado nos autos. Requerem a concessão de medida de urgência e o provimento do recurso. Às fls. 2451-2452/TJ foi concedido o efeito suspensivo pleiteado pelas partes. Informações judiciais às fls. 2462/TJ, mantendo a decisão agravada. Não houve apresentação de contra-razões ante a circunstância de terem ambos os interessados se insurgido, conjuntamente, em face da decisão proferida. Em parecer de fls. 2470-2477/TJ manifestou-se a douta Procuradoria Geral de Justiça pelo conhecimento e provimento do recurso. É o relatório. II - Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. III - Substancialmente, o r. juízo prolator da decisão agravada reconheceu, no ato de transação celebrada pelas partes, através da escritura pública de fls. 2373-2382/TJ lavrada perante o 1º Tabelionato de Notas desta Capital, a manifestação de vontade dos subscritores agressiva ao preceito do art. 426 do Código Civil e, por isso, de ofício, declarou a nulidade do referido instrumento contratual, além de dispor sobre outras providências de caráter administrativo. O decisum recorrido se sustentou no fundamento de ter sido pactuado pelos interessados "herança de pessoa viva", além de manifestar intenção de lesão aos direitos do Fisco; em razão disso, declarou ex officio a nulidade do ato transacional. As partes, inconformadas, recorreram conjuntamente. IV - No que se refere o presente inconformismo, tem a decisão recorrida, in fine, o seguinte teor: "VI - Assim, diante dos vícios apontados e nulidade de ordem absoluta que implica na impossibilidade de aproveitamento, ainda que parcial da referida transação, é que deixo de homologá-la e declaro, de ofício, a nulidade da Escritura Pública de transação lavrada perante o 1º Tabelionato Giovannetti, livro 1494-N, folhas 111/118, protocolo 102147, páginas 001/008, datada de 29.08.2008". V - Na realidade, ao contrário do que concluiu o digno juízo da causa, a ordem jurídica nacional (art. 2018 do atual CCv.) admite, a disposição do que se denominou "partilha em vida", como suporte fático hipotético à disposição contratada, na espécie, pelos interessados. A doutrina não a considera como contrato sucessório e, por isso, a considera "partilha-doação" ou "doação inter-vivos" ou, simplesmente "doação"1. Não se confunde, portanto, com o chamado Pacto de Corvina, defeso às partes, na forma do artigo 426 do Código Civil.
Tanto isso é certo que, segundo CAHALI et alii: "Verifica-se, pois, que, embora qualificada como 'partilha em vida', inserida em capítulo sobre partilha do título de inventário e partilha, esse instituto não se identifica com a partilha, no sentido de divisão, amigável ou judicial, do acervo hereditário. Tanto assim é que, na primeira hipótese, não se promove sequer a abertura do inventário, e, na segunda, dá-se cumprimento a testamento deixado pelo falecido com o pagamento dos legados. E, em qualquer situação, não contemplando a disposição a integralidade do patrimônio, sobre o que restar será dado o destino, aí sim, do inventário e partilha, para como tal ser tratado". Vê-se, portanto, que a r. decisão agravada pecou na definição do elemento conceitual do instituto analisado. Com efeito, segundo MAURO ANTONINI, "a partilha em vida se faz pela mesma forma reclamada para a doação (...). Com exceção dos absolutamente incapazes, cuja aceitação é dispensada porque presumida (art. 543), os demais herdeiros devem participar da doação, aceitando-a" (Código Civil Comentado, 2ª Ed., Ed. Manole, Coordenador Ministro Cezar Peluso, 2007, p. 2125). Foi o que ocorreu na hipótese dos autos, onde, utilizando-se da prerrogativa estabelecida pelo artigo 2.018 do Código Civil e mediante escritura pública, dispuseram as partes, dentre outros assuntos de interesse dos envolvidos, sobre o destino do patrimônio da agravante DÓRIS BITTENCOURT LINHARES, com a presença de seus herdeiros necessários no ato de transação, mediante "partilha inter-vivos", solucionando diversos litígios pendentes e prevenindo outros, presumíveis, devido à desgastada relação familiar reconhecida por todas as partes envolvidas. A questão foi bem resumida pela douta Procuradoria Geral de Justiça, nos seguintes termos: "(...) por meio de escritura pública, consensualmente resolveram a partilha do espólio de Edgar e Maria, pais e avós dos agravantes, além de partilhar em vida os bens da ora agravante Dóris, mãe dos demais agravantes, tudo isso para pôr fim a um litígio que já perdura por anos e evitar maiores complicações quanto à futura herança da agravante Dóris, já que se encontra com 75 anos de idade, além do que os outros dois agravantes são os únicos herdeiros legítimos, sendo que tal transação não prejudicou direitos de terceiros nem as suas legítimas. Desta forma, deve ser reconhecida a validade da escritura pública de transação, feita por pessoas maiores e capazes, cujo objeto são bens disponíveis e com o objetivo de apaziguar um conflito familiar, uma vez que houve partilha em vida patrocinada pelo ascendente em, prol de seus descendentes necessários e não transação de bens de uma futura herança, como entendeu o Magistrado singular" (fls. 2476/TJ). Como bem asseveraram os agravantes nas razões recursais, a fim de evitar percalços no ato de transação, optaram pela "convalidação dos atos já praticados, o que se deu pela desistência das ações que os questionavam. Isso feito, as situações anteriores se cristalizaram finalmente, não havendo mais a possibilidade de discussão quanto aos atos já praticados" (fls. 33-34/TJ). A estratégia de negociação é perfeitamente legal, relegando a disposição de patrimônio para esfera privada dos titulares, com a posterior efetivação das compensações de valores que melhor acomodavam o interesse das partes. Não há, aí, qualquer irregularidade. Do ato participaram todos os interessados. Eram as partes capazes, o objeto lícito e a forma, a pública, atendendo aos diversos preceitos estabelecidos pela legislação civil. VI - Não há que se falar, por outro lado, em lesão aos interesses do Fisco, tampouco tal fato tem o condão de invalidar, por si só, negócio jurídico privado. Além de natural incidência dos impostos de transmissão causa mortis no âmbito dos inventários, quando da expedição do respectivo formal de partilha, também poderá ocorrer incidência fiscal no ato de doação de patrimônio entre as partes, conforme previsto pela legislação específica. Possui o Fisco instrumentos aptos para impedir eventual evasão fiscal mediante autuações, lançamentos de ofício, etc., caso entenda-se lesado nos seus interesses arrecadatórios. Como bem asseveraram os agravantes, sequer "(...) houve, nos autos de inventário (processo onde foi proferida a decisão agravada), pedido de homologação da transação. As partes limitaram-se, nos autos de inventário, a informar que realizaram acordo para pôr fim às inúmeras demandas, requerendo, ali, tão-somente a suspensão do processo pelo prazo de 30 dias, para que fossem tomadas as providências necessárias para a finalização do inventário, inclusive apresentação de ativos e passivos, seguido de plano de partilha para, ao final, ser encaminhado ao fisco para tributação devida" (fls. 35/TJ). VII - Sendo legal o ato de transação entabulado pelos envolvidos, voto por conhecer e dar provimento ao recurso para o fim de cassar da decisão recorrida, determinando-se o regular prosseguimento do feito, com os demais atos necessários decorrentes do reconhecimento de validade e eficácia do ato de transação celebrado pelas partes e mencionado no presente instrumento recursal. VIII - DECISÃO: Diante do exposto, acordam os Desembargadores integrantes da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto de relator. Participaram da sessão e acompanharam o voto do Relator os Excelentíssimos Senhores Desembargadores, CLAYTON CAMARGO, Presidente, e ANTONIO LOYOLA VIEIRA. Curitiba, 04 de fevereiro de 2.009. Des. JOSÉ CICHOCKI NETO Relator
1 Por todos, veja-se FRANCISCO JOSÉ CAHALI e GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA. Direito das Sucessões, 3ª Ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, p. 10 e SS.
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