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Acórdão
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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 518.530-8, DE LONDRINA - 1.ª VARA CRIMINAL
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RECORRIDO : WILLIAN WILSON DOS SANTOS
RELATOR : JUIZ FRANCISCO CARDOZO OLIVEIRA
DECISÃO CONCESSIVA DO DIREITO À LIBERDADE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA (ART. 121, § 2.º INC. IV COMBINADO COM O ART. 14, II, DO CÓDIGO PENAL - ALEGADA CARACTERIZAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA - A GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO, O AUMENTO DA CRIMINALIDADE E A CREDIBILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO NÃO CONSTITUEM FUNDAMENTOS IDÔNEOS À PRISÃO CAUTELAR - A PRISÃO PREVENTIVA NÃO PODE SER INVOCADA PARA ATENDER ESCOPOS DE POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA, COM RISCOS DE PREJUÍZOS PARA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA - NÃO DEVE PREVALECER A PRISÃO PREVENTIVA NA SITUAÇÃO EM QUE A HEDIONDEZ DO CRIME INVESTIGADO NÃO CONTÉM SIGNIFICATIVIDADE DE GRAVIDADE CONCRETA A ENSEJAR ESPÉCIE DE CAUTELARIDADE SUBSTANCIAL - INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO INC. LVII DO ART. 5.º DA CONSTITUIÇÃO E DO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito nº 518.530-8 da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Londrina, em que é recorrente o Ministério Público do Estado do Paraná e recorrido Willian Wilson dos Santos. RELATÓRIO
1. Willian Wilson dos Santos está denunciado juntamente com Júlio César dos Santos nos autos de Ação Penal n.º 2007.7357-7 incurso nas sanções do art. 121, § 2.º, inc. IV, combinado com o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:
"No dia 19 de setembro de 2007, por volta das 23h10min, a vítima FERNANDO ALVES FERMINO encontrava-se em sua residência, situada à rua II, sem nº, no Jardim Primavera, neste município e comarca de Londrina-Pr, quando os denunciados WILLIAN WILSON DOS SANTOS e JULIO CÉSAR DOS SANTOS JÚNIOR, acompanhados de terceiro indivíduo ainda não identificado, adentraram abruptamente no referido local, portando armas de fogo (não apreendidas), e, cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, com intenção de matar, tendo um aderido à conduta do outro, de inopino, passaram a efetuar vários disparos de arma de fogo contra a vítima FERNANDO ALVES, logrando êxito em atingi-la e feri-la gravemente. O crime de homicídio pretendido pelos denunciados WILLIAN WILSON DOS SANTOS e JULIO CÉSAR DOS SANTOS JÚNIOR apenas não se consumou por circunstâncias alheias às suas vontades, em razão do eficiente socorro prestado pelo SIATE à vítima FERNANDO ALVES FERMINO." (fls. 28-29).
A defesa requereu a revogação da prisão preventiva. Após o recebimento da denúncia, o Ministério Público postulou pela manutenção da prisão preventiva do recorrido (fls. 39-40). O Juiz da causa concedeu ao recorrido o benefício da liberdade provisória (fl. 41). O Ministério Público interpôs Recurso em Sentido Estrito para atacar a decisão judicial concessiva do benefício da liberdade provisória, com fundamento no inciso V do art. 581, do Código de Processo Penal (fl. 46): nas razões de recurso alegou-se, em síntese, o seguinte: (a) o Juiz da causa, primeiramente, teria decretado a prisão preventiva do acusado reconhecendo a existência do fumus boni juris e do periculum in mora, bem como do risco à ordem pública e a necessidade de resguardar a aplicação da lei penal e a tranqüilidade do meio social; (b) posteriormente, sem qualquer fato novo desde o momento que havia decretado a prisão preventiva, o Juiz teria equivocadamente concedido a liberdade provisória ao acusado, o que veio a caracterizar manifesta contradição; (c) a prisão preventiva do acusado se faz necessária porque ainda estão presentes os requisitos da ordem pública e da conveniência da instrução criminal, em virtude da hediondez e gravidade do crime e da quantidade de homicídios praticados na cidade devendo-se considerar que manter a liberdade do acusado redundaria no total descrédito do Poder Judiciário. Requereu-se o restabelecimento da prisão preventiva do acusado (fl. 49-58). A Defesa do acusado William Wilson dos Santos formulou resposta para postular pelo desprovimento do recurso (fls. 55-61). O Juiz da causa manteve a decisão recorrida (fl. 62). Nesta instância, a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, por parecer do Procurador de Justiça Francisco Vercesi Sobrinho, pronunciou-se pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 76-82). ADMISSIBILIDADE 2. O recurso é tempestivo, conforme o que se observa do cotejo entre a certidão de fls. 45-v e a petição de interposição de fl. 46; presentes os pressupostos legais, o recurso deve ser conhecido.
VOTO 3. Trata-se de Recurso em Sentido Estrito em que é recorrente o Ministério Público do Estado do Paraná e recorrido William Wilson dos Santos. O recurso tem por escopo precípuo obter tutela para o restabelecimento do decreto de prisão preventiva do acusado. Consta dos autos que o Juiz da causa, levando em consideração a manifestação da Autoridade Policial, teria decretado a prisão preventiva do acusado William Wilson dos Santos; o recorrente, contudo, não juntou nos autos cópia do decreto de prisão -; posteriormente, a Defesa do acusado William Wilson dos Santos teria formulado pedido de revogação de prisão preventiva; na decisão, o Juiz da causa deferiu o benefício da liberdade provisória ao acusado, com base nos seguintes fundamentos, do que é significativo:
"O Requerente WILLIAN WILSON DOS SANTOS, através de seu ilustre procurador, requer a REVOGAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA, alegando entre outros motivos, que o mesmo é trabalhador, réu primário e tem residência fixa, não representando ameaça à sociedade. O ilustre Doutor Promotor de Justiça, intervindo neste procedimento, opina pelo indeferimento, pois ainda permanecem presentes os requisitos constantes do Artigo 312 do Código de Processo Penal, alegando ainda que o réu apresenta ameaça à sociedade. Alega ainda que não resta dúvida quanto à materialidade e a autoria do delito, bem como que, em caso de concessão da liberdade provisória, o réu pode furtar-se da aplicação da Lei Penal, entendendo assim que deve ser vedada a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança, uma vez que estão presentes os requisitos constitucionais e processuais exigidos. Destarte, entendendo a ausência das circunstâncias autorizadoras da segregação cautelar, defiro o pedido de liberdade provisória, sem fiança, com fulcro na ausência dos pressupostos do artigo 312 do CPP, uma vez que o réu não representa ameaça à sociedade, não se faz vistas à intenção do réu de furtar-se da aplicação da lei penal, bem como não se faz comprovada a autoria do crime por parte do acusado, em favor do requerente WILLIAN WILSON DOS SANTOS." (fl. 41)
Primeiramente, cumpre destacar que a prisão preventiva, espécie de prisão cautelar, somente é admitida excepcionalmente, de modo a preservar o princípio constitucional de presunção de inocência. Nesse contexto, a manutenção da prisão somente se justifica quando materializada situação cautelar, no plano processual e no plano substancial. Nesse sentido, conforme assevera Antonio Scarance Fernandes, "Ao longo dos tempos, com as mudanças de ideologias, de culturas, de filosofias, alguns avanços interessantes foram observados em relação à prisão processual, talvez o mais importante tema do processo penal, pois envolve a liberdade do cidadão antes de ser condenado e de estar demonstrada a sua culpa. Uma importante mudança nesse caminho foi a de que a liberdade passou a ser vista como a regra e a prisão, a exceção, invertendo o pensamento que predominou durante longo período de que a pessoa deveria ficar presa durante o processo. Cuida-se de mudança que levou à afirmação constitucional do princípio da presunção da inocência. A pessoa não culpada deve ficar livre e só poderá ser presa quando haja necessidade de custódia." (Funções e limites da prisão processual, in: RBCC n. 64, 2007, jan.-fev, p. 250-251). O objetivo da prisão no curso do processo é garantir o resultado útil do direito penal material, o que pressupõe referência expressa a elementos concretos que possam por em risco a garantia da ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal. Conforme dispõe o artigo 312 do Código de Processo Penal, "a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria". Segundo o deduzido no recurso, o periculum libertatis do acusado William Wilson dos Santos residiria na garantia da ordem pública e da instrução criminal, em virtude da hediondez e gravidade do crime praticado e da quantidade de homicídios perpetrados na cidade de Londrina contexto em que, a manutenção da liberdade dele conduziria a total descrédito do Poder Judiciário. A situação cautelar em torno da configuração de risco para a garantia da ordem pública pode ocorrer no plano estritamente processual como também no plano processual. No caso em julgamento, embora se faça menção ao art. 312 do Código de Processo Penal, o risco para a garantia da ordem pública, segundo o assinalado nas razões do recurso surgiria no plano substancial na medida em que correlacionado a hediondez do delito, aumento da criminalidade e descrédito do Poder Judiciário. Considerado o que consta das razões de recurso é necessário ter presente que a noção de ordem pública está presente em várias disposições da Constituição de 1988. No que diz respeito mais especificamente à questão de política criminal, o art. 144 da Constituição afirma que a segurança pública, que é dever de todos e responsabilidade do Estado, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. A concepção de ordem pública, portanto, extrapola os limites da legislação ordinária para produzir efeitos no texto da Constituição da República. A questão da ordem pública que remonta a vida política romana, nas situações em que o Senado emitia o senatus consultum ultimum para pedir a todos os cidadãos que tomassem qualquer medida para salvar o Estado e dava lugar ao iustitium, ou seja, à suspensão do direito, recebe refinamento conceitual no pensamento de Carl Schmitt quando ele coloca a questão do estado de exceção na modernidade. A consolidação do traço autoritário da noção de ordem pública que veio a repercutir na ordem jurídica dos Estados europeus no começo do séc. XX, observado o que escreve Giorgio Agamben (Estado de Exceção, São Paulo, Boitempo Editoral, 2004) pode ser localizada na Revolução Francesa quando a idéia de estado de sítio se emancipa da sua relação com as situações de guerra para ser usado como medida de polícia extraordinária em casos de desordem e sedições, assumindo, assim, primeiro caráter político e depois jurídico. Ocorre que, no Estado Democrático de Direito da atualidade permanece a necessidade de pensar o problema da ordem pública e do estado de exceção como limites entre o político e o jurídico. Observado, no plano normativo, o contexto principiológico da Constituição de 1988, não se trata de denunciar o caráter autoritário da noção de ordem pública, principalmente quando relacionada à questão da segurança pública, mas de reconhecer que o trabalho de interpretação deve enfrentar a questão mais difícil e mais complexa de compatibilizar a regulação jurídica da ordem pública, que ainda constitui o limite do jurídico e do político, em linha de complementaridade funcional com os direitos fundamentais. Não se trata mais de uma concepção de ordem pública que opõe lei e ordem e os interesses da estatalidade à dignidade da pessoa humana e aos interesses sociais subjacentes à vida na sociedade complexa pós-moderna. Nesse sentido, a noção de ordem pública, no texto da Constituição, principalmente quando atrelada à segurança pública e a questões de política criminal, deve ser concebida como aquela situação que preserva a vida digna em sociedade e os interesses sociais, com um mínimo de prejuízo para os interesses particulares de uma determinada pessoa. Inverte-se, portanto, o sentido de ordem pública. Se numa concepção autoritária ordem pública dizia respeito a primazia dos interesses abstratos do Estado, hoje, no Estado Democrático de Direito, ordem pública é construção do espaço da sociabilidade que pressupõe a participação ativa e interessada das pessoas em sociedade, no sentido daquela preservação do homem e do humano, do mundo da vida, a que se refere a teoria habermasiana, da sistematização alienante da sociedade de massas e seu aparato tecnológico. É esta noção de ordem pública renovada que, a partir da Constituição de 1988, penetra a legislação ordinária para produzir efeitos no bojo do sistema do direito processual penal. Faz sentido, portanto, a decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública, desde que a ordem pública venha informada pelos interesses da cidadania. O recurso, entretanto, postula espécie de correlação abstrata entre a gravidade do delito e a garantia da ordem pública, do mesmo modo que introduz questionamentos em torno de uma concepção de política de segurança pública a que a prisão do acusado deve prestar contas. Uma tal correlação abstrata evidencia toda a dificuldade assinalada por Karl Engisch na perspectiva de passagem do abstrato-concreto que marca o problema da concretização do Direito (La Idea de Concreción en el Derecho y en la Ciência Jurídica Atuales, Editorial Comares). Nesse sentido, o problema da gravidade do delito se resolve na perspectiva da tipicidade penal e, portanto, com o decreto de condenação e a conseqüente aplicação de pena; tentar solucionar o problema da gravidade do delito por meio de uma espécie de resposta imediata pela prisão preventiva contraria a principiologia do Estado Democrático de Direito que deve ser afirmada como única forma de manter-se a procedimentalidade democrática. Ademais, não pode prevalecer o decreto de prisão preventiva que, com base no pressuposto da garantia da ordem pública, faz correlação abstrata entre a necessidade da prisão preventiva e o propósito de evitar descrédito para a Justiça; a credibilidade da Justiça não está atrelada a manutenção ou não de prisões, mas à correta interpretação e aplicação das normas do ordenamento jurídico. Sobre o tema, deve-se ter em conta o que afirma Antônio Augusto Cançado Trindade no sentido de que "El Estado - hoy se reconoce - es responsable por todos sus actos - tanto jure gestionis como jure imperii - así como por todas sus omisiones. Creado por los propios seres humanos, por ellos compuesto, para ellos existe, para la realización de su bien común. Como me permití recordar en mi Voto Concurrente en la Sentencia de la Corte Interamericana en el caso Barrios Altos versus Perú (fondo, Sentencia del 14.03.2001), el Estado existe para el ser humano, y no viceversa. Ningún Estado puede considerarse por encima del Derecho, cuyas normas tienen por destinatarios últimos los seres humanos." (Las cláusulas pétreas de la protección internacional del ser humano, In: Seminario "El sistema interamericano de protección de los derechos humanos en el umbral del siglo XXI", 2. ed. - San José, C.R.: Corte Interamericana de Derechos Humanos, 2003, p. 33-34, n. 79). No mesmo sentido, Albin Eser aduz que desde um ponto de vista baseado nos Direitos Humanos "es el ser humano que se anticipa al Estado y le otorga primero la propia justificación de su existencia. En este sentido, no es el que tiene que ser justo con el Estado, sino que el Estado el que tiene ser justo con el ser humano, y ello tanto de cara a la protección de la víctima como en lo que respecta al tratamiento del autor." (Una justicia penal a la medida del ser humano en la época de la europeización y la globalización, In: "Modernas tendencias en la ciencia del derecho penal y la criminología, Madrid: UNED, 2000, p. 18.). O que de fato assegura a proteção dos direitos humanos no caso é a efetividade da justiça é a correta atuação do Poder Judiciário no sentido de investigar, instruir o processo e punir os eventuais culpados pela morte da vítima. Cabe ao Poder Judiciário - em função do compromisso Republicano - garantir os alicerces do Estado Democrático de Direito e a efetividade dos direitos fundamentais assegurados na Constituição, dentre eles, o da presunção de inocência (CR, art. 5.º, LVII); de outro lado, o Poder Judiciário deve estar atento para assegurar no caso a efetividade da punição, acaso reconhecida a culpa do paciente, o que, diga-se de passagem, não guarda dependência direta, pelo menos nesse momento, com a manutenção da prisão preventiva. Como se observa, no plano jurisdicional não pode existir vinculação direta com escopos de políticas de segurança pública, sob pena de comprometer-se a procedimentalidade democrática, com riscos para a preservação de direitos fundamentais da pessoa, e as formas de acoplamento estrutural via Constituição entre o sistema político e o sistema jurídico. O direito penal somente de forma subsidiária pode ser instrumentalizado para dar conta de políticas criminais; nunca, porém, pode substituir políticas sociais necessárias para a redução do potencial de criminalidade; invocar o direito penal para substituir políticas sociais significa desonerar a sociedade do compromisso que ela deve ter com o incremento de recursos materiais e humanos para alteração da realidade social. Ao mesmo tempo, os escopos de política criminal que possam afetar o direito penal devem estar alinhados com a premissa de valores do Estado Democrático de Direitos. Nesse sentido é preciso ter em conta a advertência de Winfried Hassemer quando trata da relação entre direito penal e política criminal no sentido de que "O princípio fundamental do Direito Penal material correspondente ao princípio geral de proporcionalidade é o princípio de culpabilidade, o qual limita a espécie e a medida da pena à gravidade do injusto e da culpabilidade. Este princípio está particularmente ameaçado em um sistema jurídico-penal que está preso ao efeito preventivo e por isso está interessado em obter no caso concreto, através da ênfase e do abalo, efeitos benéficos - não só em relação aos envolvidos, senão também em relação ao público informado pela mídia." (Desenvolvimentos previsíveis na dogmática do direito penal e na política criminal, Revista de Estudos Criminais - PUCRS, n.º 29, abr-jun-2008, p. 9-20). Na mesma direção Francisco Munõz Conde que a relação entre política criminal de dogmática penal deva estar marcada pela preservação dos direitos fundamentais da pessoa (La relación entre sistema del derecho penal y política criminal - historia de una relación atormentada, Revista de Estudos Criminais - PUCRS, n.º 27, out-dez-2007, p. 9-41). Na questão do exame de risco para a ordem pública no caso de prisão preventiva, de modo a preservar a principiologia do Estado Democrático de Direito, pode ser o caso de manter-se a auto-referencialidade do sistema do direito penal de modo a contornar as pressões de políticas criminais de segurança comprometidas com riscos e as incertezas decorrentes da própria configuração da sociedade de massas pós-moderna e periférica como a brasileira, no sentido do preconizado por Cláudio do Prado Amaral (Bases Teóricas da Ciência Penal e Contemporânea - Dogmática, Missão do Direito Penal e Política Criminal na Sociedade de Risco, São Paulo, IBCCRIM, 2007), que podem não guardar sentido imediato apenas com o cometimento de um determinado delito. Também não é o caso de configuração de situação cautelar, no plano de cautelaridade substancial, tendo em conta o problema da hediondez do crime investigado. Nesse sentido, um primeiro aspecto a ser ressaltado é o de que a inafiançabilidade a que se refere o inc. XLIII do art. 5.º da Constituição que diz respeito ao benefício da liberdade provisória não chega a atingir a prisão preventiva principalmente na situação de medida que não encontra sentido de cautelaridade. De qualquer modo, a significatividade da hediondez do crime cuja prática é atribuída ao acusado pode não chegar a configurar cautelaridade substancial a por em risco da garantia da ordem pública, o que não acarreta afirmação de que não tenha ocorrido situação de qualificação no fato descrito na denúncia, embora não esteja claro na narrativa o que no contexto veio a dificultar a defesa do ofendido; a matéria, contudo, ainda depende de instrução probatória e, por depender de comprovação, não se afigura desde logo uma gravidade tamanha que possa extrapolar a ordinariedade, nem por isso menos perversa, dos crimes da natureza do investigado no processo. No mesmo sentido, não é certo que a concessão do direito à liberdade ao acusado possa provocar risco para a garantia da instrução criminal; pelo menos, para além da correlação abstrata feito no recurso no mesmo sentido do assinalado para o suposto risco de garantia da ordem público, não está evidenciado que haja disposição de inviabilizar os atos de investigação. Assim, conforme o já assinalado, conclui-se que não existe fato concreto a justificar a manutenção da prisão do recorrido. A jurisprudência da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná é firme no sentido de que, sem a demonstração de fato concreto a exigir a custódia cautelar, não se sustenta o decreto de prisão cautelar; nesse sentido, observe-se o seguinte julgado:
"[...] 1. Por se tratar de prisão cautelar (medida de exceção), impõe-se demonstração inequívoca da necessidade e utilidade da medida para o processo-crime, não bastando a presença do fumus commici delicti (prova da materialidade e indícios suficientes de autoria - art. 312, 2.ª parte, do CPP). É requisito intransponível, ainda, a explicitação clara e precisa de pelo menos uma das situações fáticas precursoras do periculum libertatis, previstas no artigo 312, 1ª parte, do Código de Processo Penal. Inexistindo, in casu, a demonstração de dados concretos a justificar a prisão cautelar do paciente, impõe-se o reconhecimento da nulidade do decreto prisional por ausência de fundamentação. Assim, confirma-se a liminar e concede-se a ordem em definitivo [...]" (TJPR, HCC 0482046-6 - Londrina - Rel.: Des. Oto Luiz Sponholz - Unânime - J. 28.08.2008). Assim, não se materializa situação cautelar, no plano substancial e no plano processual, a justificar a manutenção da prisão preventiva do paciente. A conclusão que se impõe é a de que o acusado William Wilson dos Santos, tem direito ao benefício da liberdade provisória, o que não impede novo decreto de prisão acaso evidenciada situação cautelar. Vota-se, portanto, para CONHECER do Recurso em Sentido Estrito e para NEGAR-LHE PROVIMENTO. ACORDAM os Senhores Desembargadores e o Senhor Juiz de Direito Substituto de 2.º Grau integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, CONHECER do Recurso em Sentido Estrito e NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator. Participaram do julgamento o Senhor Desembargador Telmo Cherem e o Senhor Juiz de Direito Substituto de 2.º Grau Luiz Osório Moraes Panza. Curitiba-Pr, 12 de fevereiro de 2009
FRANCISCO CARDOZO OLIVEIRA Juiz Relator
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