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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 534.622-1, DA 3ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA
APELANTE: ITAÚ SEGUROS S/A
APELADO: CONFIANÇA COMPANHIA DE SEGUROS
RELATOR: DES. RONALD SCHULMAN
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESSARCIMENTO - ACIDENTE DE VEÍCULOS - DENUNCIAÇÃO DA LIDE À SEGURADORA APELANTE - VERSÃO DOS FATOS ALTERADOS PELO RÉU EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO - BOLETIM DE OCORRÊNCIA NÃO DESCONSTITUÍDO - CULPA DO RÉU COMPROVADA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. A responsabilidade civil, para restar configurada, demanda a existência de uma conduta lesiva, capaz de gerar um dano na esfera patrimonial da vítima ou puramente moral, devendo haver um nexo causal entre o ato ilícito violador de um direito e o dano perpetrado. "O Boletim de Ocorrência expedido pela autoridade policial goza de presunção juris tantum de verdade dos atos jurídicos em geral, de forma que suas conclusões, não infirmadas por antiprova, servem para esteiar a composição do conflito". Não pode o réu, após apresentada a sua contestação, deduzir novas alegações acerca de fatos ocorridos anteriormente, em desrespeito ao disposto no art. 303 do CPC. Restou satisfatoriamente comprovada a tese desenvolvida na inicial em relação ao ato culposo do réu, não tendo este se desincumbido do ônus de comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora (artigo 333, I e II, do Código de Processo Civil). VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 534.622-1 da 3ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é Apelante Itaú Seguros S/A e Apelado Confiança Companhia de Seguros. Confiança Companhia de Seguros ajuizou a presente Ação de Ressarcimento contra Antonio Celso Gerber visando o ressarcimento pelos prejuízos causados em face do acidente de trânsito envolvendo o veículo da segurada Tatiani Nidi Albanaz Pauperio. Em sua contestação o requerente aduziu que a culpa pelo evento foi exclusiva da segurada, admitindo, eventualmente, a ocorrência de culpa concorrente. Denunciada à lide, a Itaú Seguros S/A apresentou contestação reiterando as razões da defesa e, se eventualmente procedente a lide, sejam observadas as garantias efetivamente contratadas e os valores máximos previstos na apólice. Ao sentenciar o MM. Juiz singular julgou procedente a presente ação principal e a lide secundária, condenando o réu ao pagamento de R$ 5.488,93 (cinco mil quatrocentos e oitenta e oito reais e noventa e três centavos), corrigidos monetariamente pelo INPC e juros de mora de 1% ao mês, contados a partir de 09 de fevereiro 2006, data do pagamento, bem como, condenou a litisdenunciada ao reembolso dos valores despendidos com a condenação. Inconformada, a Itaú Seguros S/A interpôs o presente recurso aduzindo que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da condutora do veículo segurado pela apelada. Que apesar da narrativa dos fatos apresentada com a inicial, de que na tentativa de virar a esquerda o carro de propriedade do requerido invadiu a contramão de direção, na audiência de instrução e julgamento o requerido declarou que não tinha iniciado a conversão, sendo atingido enquanto aguardava o melhor momento para iniciá-la, versão corroborada pelo local das avarias. Por fim, afirma que ambos os veículos apresentaram danos em seus pára lamas dianteiros esquerdos, portanto, se o acidente tivesse ocorrido após iniciada a conversão, o automóvel teria sido atingido em sua porção lateral direita, evidenciando a culpa exclusiva da condutora do veículo segurado pela requerente. Em contra-razões houve pedido de manutenção do decisum (fls. 134/138). É o relatório. Presentes os requisitos recursais intrínsecos e extrínsecos, impõe-se o conhecimento do apelo. É cediço que todo aquele que causar dano a outrem deve indenizar pelos prejuízos causados. A responsabilidade civil, para restar configurada, demanda a existência de uma conduta lesiva, capaz de gerar um dano na esfera patrimonial da vítima ou puramente moral, devendo haver um nexo causal entre o ato ilícito violador de um direito e o dano perpetrado. Necessário também é, no caso da responsabilidade civil subjetiva, que a conduta lesiva seja atribuída de forma culposa ao agente causador do dano, devendo restar cabalmente demonstrado, nessa hipótese, que este foi intencionalmente praticado, hipótese de conduta dolosa, ou que o agente causador inobservou alguma regra ou norma, agindo de forma imperita, negligente ou imprudente, hipótese de conduta culposa strito sensu. Fabrício Zamprogna Matiello leciona sobre o tema: "A responsabilidade subjetiva tem por base a comprovação da culpa do lesante, circunstância que se verifica pela constatação de ter havido imprudência, negligência ou imperícia no comportamento lesivo, estabelecendo um nexo de causalidade entre a violação do direito causadora de dano e a conduta ilídima. Desse liame subjetivo é que se extrai o dever de indenizar, porque revelador de direta associação entre o agir do sujeito e o resultado, daí surgindo a obrigação de indenizar. Isto ocorre ainda que o agente não deseje o resultado final produzido, bastando que se tenha portado com culpa para que sobre si recaia o encargo de repor a situação ao estado original" (Código Civil Comentado, editora LTr, p. 148). Valho-me, ainda, do escólio do ilustre jurista Rui Stoco: "A culpa genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nesta figura encontram-se dois elementos: o objetivo, expressado na iliceidade, e o subjetivo, do mau procedimento imputável. A conduta reprovável, por sua parte, compreende duas projeções: o dolo, no qual se identifica a vontade direita de prejudicar, configura a culpa no sentido amplo; e a simples negligência (negligentia, imprudentia, ignavia) em relação ao direito alheio, que vem a ser a culpa no sentido restrito e rigorosamente técnico. Numa noção prática, já o dissemos, a culpa representa, em relação ao domínio em que é considerada, situação contrária ao "estado de graça", que, na linguagem teológica, se atribui à alma isenta de pecado" (Tratado de Responsabilidade Civil, 5ª ed., RT, p.96). In casu, o ponto central dos autos reside em saber se o réu, condutor do veículo segurado pela litisdenunciada, ora apelante, agiu culposamente, invadindo a pista contrária, vindo a colidir com o veículo segurado pela autora. Conforme se extrai do espaço destinado à descrição dos fatos (fl. 12) no Boletim de Ocorrência anexado às fls. 10/17, "ambos veículos transitavam pela Rua Antonio Rebelatto, em sentidos opostos, sendo o V1 sentido Hauer e o V2 sentido Capão Raso, quando no entroncamento com a Rua Jorge Poli, envolveram-se num abalroamento transversal, conf. croqui e declaração (...)", tais dados foram fornecidos pelo próprio requerido e confirmados na contestação (fls. 61/73). Portanto, pelo croqui do Boletim de Ocorrência e demais informações, quem adentrou a faixa contrária foi o veículo dirigido pelo réu e não aquele conduzido pela segurada. A respeito do valor probante do Boletim de Ocorrência, já se pronunciaram nossos Tribunais: "O Boletim de Ocorrência expedido pela autoridade policial goza de presunção juris tantum de verdade dos atos jurídicos em geral, de forma que suas conclusões, não infirmadas por antiprova, servem para esteiar a composição do conflito" (RT 510/243; TJTJSP 28/83 e 31/100). "O Boletim de Ocorrência goza de presunção juris tantum de veracidade, prevalecendo até que se prove o contrário. Dispõe o artigo 364 do CPC que o documento público faz prova não só de sua formação, mas, também, dos fatos que o escrivão, o tabelião ou o funcionário declarar que ocorrem em sua presença" (RSTJ, 25/355). Entretanto, em audiência de instrução e julgamento o requerido alterou a sua versão dos fatos, declarando que "parou o veículo que conduzia na sua mão de direção, sem invadir a pista contrária..." e que "o Celta que vinha atrás do Fusca desviou dele, invadiu a contra mão de direção e acabou atingindo a lateral direita esquerda do automóvel conduzido pelo depoente" (fl. 119). Não pode o réu, após apresentada a sua contestação, deduzir novas alegações acerca de fatos ocorridos anteriormente, em desrespeito ao disposto no art. 303 do CPC. Em casos análogos já se decidiu: "Da mesma forma como o autor não pode, a partir da citação, modificar o pedido ou a causa de pedir (art. 264), o réu, apresentada a contestação, já não poderá alterá-la ou aditá-la, ainda que no prazo" (RT 505/178). "Segue-se que o direito preexistente deve ser articulado ou na inicial ou na contestação; não pode ser invocado posteriormente" (RT 624/151). "Fato anterior à contestação não gera direito superveniente, não autorizando seu aditamento com fundamento no inc. I do art. 303 do CPC" (RT 667/135). Não se pode acreditar que a vítima não soube explicar corretamente o acidente quando da sua declaração à Polícia Militar, pois a versão apresentada naquele momento e que, repita-se, foi confirmada por ocasião da contestação, difere, e muito, da prestada em juízo, pois primeiro afirmou já ter iniciado a conversão, depois, que estava parado em sua pista de rolamento quando foi abalroado pelo veículo que vinha em sentido contrário. Também não se pode afirmar que o declarado em audiência foi corroborado pelo local das avarias, pois o simples fato de ambos terem colidido em sua parte frontal esquerda não indica a responsabilidade da condutora do veículo segurado pela recorrida ou que esta tenha invadido a contra mão de direção. Convém ressaltar ainda os danos sofridos por ambos os veículos, quais sejam, pelo V1, segurado pela apelada, "pára-choque frontal, fronto lateral esquerda" e pelo V2, de propriedade do réu, "pára-choque frontal, fronto central, fronto lateral direita, fronto lateral esquerda" (fl. 10), não são suficientes para desconstituir as afirmações feitas na inicial e no Boletim de Ocorrência, ou então, fazer prevalecer a declaração prestada em audiência. Com efeito, restou satisfatoriamente comprovada a tese desenvolvida na inicial em relação ao ato culposo do réu, não tendo este se desincumbido do ônus de comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora (artigo 333, I e II, do Código de Processo Civil). Dessa forma, cabível, pois, a reparação por ato ilícito, vez que presentes os requisitos necessários para tanto: culpa, dano e nexo causal. Face ao exposto, deve ser desprovido o apelo, mantendo-se a sentença ora recorrida. ACORDAM os Desembargadores que integram a Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos em negar provimento ao apelo, nos termos do voto do relator. O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador Valter Ressel (com voto) e dele participou o Senhor Juiz Convocado Vitor Roberto Silva. Curitiba, 05 de março de 2009. Desembargador RONALD SCHULMAN Relator
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