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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL N° 499.758-2, DA VARA CÍVEL E ANEXOS DA COMARCA DE NOVA ESPERANÇA.
APELANTE: ANAP - Papelaria e Informática - ME.
APELADOS: Maria Angela Silveira Benatti e Outro
RELATOR: Fábio André Santos Muniz - Juiz Convocado. APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA - PREGÃO ELETRÔNICO - REVOGAÇÃO DE LICITAÇÃO ANTES DA HOMOLOGAÇÃO E ADJUDICAÇÃO - DESNECESSIDADE DE OBSERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA- RECURSO DESPROVIDO. A revogação da licitação, quando antecedente da homologação e adjudicação, é perfeitamente pertinente e não enseja contraditório. O art. 49, § 3º, da Lei de Licitações somente se aplica quando o procedimento licitatório foi homologado ou adjudicado o seu objeto. Não há direito a ser tutelado antes de tais momentos quando ato de revogação é praticado de forma motivada. Ato que tem presunção de veracidade e legitimidade que não é afastada pelas provas dos autos. Vistos, relatados e discutidos esses autos de apelação cível nº 499758-2 em que é apelante ANAP - Papelaria e Informática - ME e apelados Maria Ângela Silveira Benatti e outro. I. Trata-se de recurso de apelação interposto pela ANAP - Papelaria e Informática - ME, contra os termos da sentença de fls.274/281, proferida nos autos de Mandado de Segurança n.º148/2007, que julgou denegou a segurança e condenou a impetrante ao pagamento das custas processuais de acordo com o artigo 20 do Código de Processo Civil, e revogou a liminar concedida. Em suas razões (fls.283/303) alega que as autoridades coatoras, ao revogarem a licitação sem oportunizar ampla defesa e contraditório, lhe causaram prejuízos; que ao contrário do sustentado pela sentença, a simples oportunidade de interpor recurso contra a decisão que revoga a licitação não atende a contento as exigências do contraditório e da ampla defesa; que a Lei de Licitações prevê no art. 49, §3º explicita que nos casos de revogação ou anulação do processo licitatório, o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório está garantido; que não se aplica o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado diante de interesse público secundário; que é ilegítima a regovação; que inexiste fato superveniente. Requer o prequestionamento do art. 5º, LV da Constituição Federal, dos artigos 3º, 45 e 49,§ 3º da Lei nº 8666/93. Contra-razões às fls.308/325. Parecer da Procuradoria Geral de Justiça às fls. 394/402, pelo conhecimento e desprovimento do recurso. É o relatório. II. Trata-se de mandado de segurança através da qual pretende a empresa apelante reverter a revogação do procedimento licitatório. Denota-se dos autos que a licitação foi revogada sob o fundamento de que a concorrência e a vantagem econômica não foram atingidas. Tal ato possui presunção de legitimidade e veracidade. A presunção de veracidade e legitimidade do ato administrativo não pode ser afastada com base nos fundamentos do recurso. No âmbito do exercício de sua competência os atos emanados da autoridade pública gozam de presunção de veracidade e legitimidade. Neste sentido é a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, 12ª Ed. Malheiros, São Paulo, 2000, p. 358-9 e de Odete Medauar, in. Direito Administrativo Moderno, 6ª Ed., RT, São Paulo, 2002, p. 158-9, dentre vários outros. Mantida tal presunção não há razão para concessão de liminar. MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO ensina que: "A presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei; em decorrência desse atributo, presumem-se, até prova em contrário, que os atos administrativos foram emitidos com observância da lei. A presunção de veracidade diz respeito aos fatos; em decorrência desse atributo, presumem-se verdadeiros os fatos alegados pela Administração" (Direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p 164). Destarte, quando a Administração afirma que não houve vantagem econômica na licitação revogada, isso deve ser aceito como verdade. Não consta dos autos qualquer prova que afaste tal presunção, ao contrário, no parecer que orientou a revogação do procedimento licitatório constou que as empresas desclassificadas apresentaram propostas com valor inferior aos apresentados pela impetrante, o que foi inclusive confirmado segundo notícia de f. 322 em razão de procedimento licitatório posterior. Assim, a prerrogativa da Administração Pública de desfazer seus atos decorreu do interesse público. O poder-dever de rever os próprios atos está disposto na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: Súmula 473. A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. Hely Lopes Meirelles também explana sobre a questão, ministrando que: "A anulação dos atos administrativos pela própria Administração constitui a forma normal de invalidação de atividade ilegítima do Poder Público. Essa faculdade assenta no poder de autotutela do estado. É uma justiça interna, exercida pelas autoridades administrativas em defesa da instituição e da legalidade de seus atos. (...) Pacífica é, hoje, a tese de que, se a Administração praticou ato ilegal, pode anulá-lo por seus próprios meios (STF, Súmula 473). Para a anulação do ato ilegal (não confundir com ato inconveniente ou inoportuno, que rende ensejo a revogação, e não a anulação) não se exigem formalidades especiais, nem há prazo determinado para a invalidação, salvo quando norma legal o fixar expressamente."1 A Administração Pública quando procedeu a revogação de licitação atendeu ao Regime Jurídico Administrativo a que está adstrita, e observou o artigo 3º da Lei de Licitações e Contratos Públicos (Lei 8.666/1993): Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos. A Administração Pública pode revogar a licitação, conforme previsto no art. 49 da Lei 8.666/1993: "A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado." Marçal JUSTEN FILHO discorre acerca da revogação do ato administrativo: "Na revogação, o desfazimento do ato administrativo não decorre de vício ou defeito. Aliás, muito pelo contrário. Somente se alude à revogação se o ato for válido e perfeito: se defeituoso, a Administração deverá efetivar sua anulação. A revogação se funda em juízo que apura a conveniência do ato relativamente ao interesse sob tutela do Estado. No exercício de competência discricionária, a administração desfaz seu ato anterior por reputá-lo incompatível com as funções atribuídas ao Estado. A revogação pressupõe que a Administração disponha da liberdade para praticar um certo ato ou para determinar alguns de seus aspectos. Após praticado o ato, a Administração verifica que o interesse coletivo ou supra-individual poderia ser melhor satisfeito por outra via. Promoverá, então, o desfazimento do ato anterior. A isso se denomina revogação."2 É válida e legítima a revogação de licitação que não atinge vantagem econômica, tendo em vista a autorização legal, em razão da auto-tutela administrativa, e porque feita de forma motivada. Conclui-se, como sustenta Alexandre de MORAES, que: "A Administração Pública tem o dever de zelar pela legalidade, moralidade e eficiência de seus atos, condutas e decisões, bem como por sua adequação ao interesse público, e pode anulá-los se considerá-los ilegais ou imorais e revogá-los caso entenda que os mesmos são inoportunos e inconvenientes, independentemente da atuação do Poder Judiciário."3 Nos processos licitatórios de qualquer espécie, antes da homologação ou da adjudicação do objeto do certame, os concorrentes têm expectativa de direito à definição do resultado a cargo da Administração. Não há direito de qualquer natureza na fase anterior a ser assegurado no caso dos autos, não é possível falar em direito adquirido. Verifica-se, pelos documentos acostados aos autos, que o procedimento licitatório ainda estava em curso e, ao titular de mera expectativa, não se abre o contraditório. Assim, inaplicável a exigência do § 3º do art. 49 da lei de Licitações, que dispõe para desfazimento do processo licitatório a presença do contraditório e da ampla defesa.
Neste sentido, vale destacar os seguintes julgados: "ADMINISTRATIVO - LICITAÇÃO - MODALIDADE PREGÃO ELETRÔNICO - REVOGAÇÃO - CONTRADITÓRIO. 1. Licitação obstada pela revogação por razões de interesse público. 2. Avaliação, pelo Judiciário, dos motivos de conveniência e oportunidade do administrador, dentro de um procedimento essencialmente vinculado. 3. Falta de competitividade que se vislumbra pela só participação de duas empresas, com ofertas em valor bem aproximado ao limite máximo estabelecido. 4. A revogação da licitação, quando antecedente da homologação e adjudicação, é perfeitamente pertinente e não enseja contraditório. 5. Só há contraditório antecedendo a revogação quando há direito adquirido das empresas concorrentes, o que só ocorre após a homologação e adjudicação do serviço licitado. 6. O mero titular de uma expectativa de direito não goza da garantia do contraditório. 7. Recurso ordinário não provido." (STJ - RMS 23.402/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/03/2008, DJe 02/04/2008) (destacou-se)
"ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 49, § 3º, DA LEI 8.666/93. 1. A autoridade administrativa pode revogar licitação em andamento, em fase de abertura das propostas, por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado. 2. É salutar que o sistema de comunicações possa ser executado de modo que facilite a concorrência entre empresas do setor e possibilite meios de expansão do desenvolvimento da região onde vai ser utilizado. 3. Revogação de licitação em andamento com base em interesse público devidamente justificado não exige o cumprimento do § 3º, do art. 49, da Lei 8.666/93. 4. Ato administrativo com a característica supramencionada é de natureza discricionária quanto ao momento da abertura de procedimento licitatório. 5. Só há aplicabilidade do § 3º, do art. 49, da Lei 8.666/93, quando o procedimento licitatório, por ter sido concluído, gerou direitos subjetivos ao licitante vencedor (adjudicação e contrato) ou em casos de revogação ou de anulação onde o licitante seja apontado, de modo direto ou indireto, como tendo dado causa ao proceder o desfazimento do certame. 6. Mandado de segurança denegado." (MS 7.017/DF, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 18/12/2000, DJ 02/04/2001 p. 248) "MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. PREGÃO ELETRÔNICO. REVOGAÇÃO. DESFAZIMENTO DO CERTAME LICITATÓRIO ANTE A VERIFICAÇÃO DE RESTAR CARACTERIZADO FALTA DE COMPETITIVIDADE. CONSTATAÇÃO PELA AUTORIDADE SUPERIOR QUE SOMENTE A IMPETRANTE PARTICIPOU EFETIVAMENTE DA LICITAÇÃO. É DO INTERESSE PÚBLICO CELEBRAR UM CONTRATO MAIS VANTAJOSO PARA A ADMINISTRAÇÃO, PRESERVADA A OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA COMPETITIVIDADE. ATO ADMINISTATIVO QUE NÃO PODE SER ENTENDIDO COMO ILEGAL OU ABUSIVO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO." (TJPR - Órgão Especial - MSOE 0343188-9 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Ângelo Zattar - Unânime - J. 15.09.2006)
Por tudo, não houve violação ao art. 5º, LV da Constituição Federal nem ao art. 45 da Lei de Licitações. Em consonância com a doutrina e a jurisprudência colacionada, por não haver comprovação por parte da Apelante de ser ilegal ou abusiva a revogação da licitação, constata-se a ausência de direito líquido e certo, motivo pelo qual o voto é pelo conhecimento e desprovimento do Apelo, denegando a segurança pretendida, com manutenção integral da sentença recorrida.
III. Pelo exposto, acordam os Integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.
O julgamento foi presidido pelo Desembargador Abraham Lincoln Calixto, sem voto, e dele participaram a Desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima e o Juiz Substituto de Segundo Grau Eduardo Sarrão. Curitiba, 19 de maio de 2009. Fábio André Santos Muniz Relator - juiz convocado
1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33. ed. atual. até Emenda Constitucional 53, de 19.12.2006, e Lei 11.448, de 15.1.2007 por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 207/208. 2 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005. ps. 462/463. 3 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo. São Paulo: Atlas, 2002, p. 118.
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