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Acórdão
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CUMULAÇÃO DE PEDIDOS - PLEITOS DE ÍNDOLE CAUTELAR E DECLARATÓRIO, FORMULADOS NA AÇÃO PRINCIPAL - INADMISSIBILIDADE DA SUBSISTÊNCIA DA LIMINAR, PARA CONFERIR "INITIO LITIS" A PROVIDÊNCIA DE CUNHO CAUTELAR PLEITEADA PELA AUTORA - AFRONTA AO ART. 292, § 1º, III, DO CPC - DECISÃO CASSADA - AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. É pacífico o entendimento, emanado de diversos pronunciamentos do Superior Tribunal de Justiça, de que "a jurisprudência dominante e a doutrina não admitem a cumulação de ações cautelar e principal, sob a regra do art. 292, § 1º, III, do Código de Processo Civil, descabendo, neste caso, a cobertura do § 2º do mesmo artigo." (Ac. un. da 3ª Turma, de 27/8/96, no REsp nº 48.175-MG, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, in RSTJ 89/205).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 124.841-5, de Curitiba - 3ª Vara da Fazenda Pública, em que é agravante BANESTADO LEASING S/A - ARRENDAMENTO MERCANTIL e agravada ATLANTA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ROUPAS LTDA. 1. Banestado Leasing S/A - Arrendamento Mercantil manifestou o presente agravo de instrumento contra a decisão do Dr. Juiz de Direito em exercício na 3ª Vara da Fazenda Pública desta Capital, exarada às fls. 219 vº, nos autos de ação declaratória de nulidade de cláusulas contratuais, cumulada com pedidos de depósito incidental e de manutenção de posse, sob nº 17.729, que lhe é movida por Atlanta Indústria e Comércio de Roupas Ltda., através da qual deferiu, em caráter liminar, o depósito das parcelas do contrato de arrendamento mercantil firmado entre as partes, em conformidade com os cálculos elaborados por esta última, bem como ordenou a permanência em suas mãos do veículo basculante marca Mercedes Benz, modelo LK 1621, ano 1992, chassi nº 9BM386045NB952846, objeto da avença, aduzindo ele, nas respectivas razões de recurso, que o decisório em apreço não pode subsistir, na medida em que, primeiramente, contém a eiva da nulidade, por afrontar o disposto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, visto que despido de qualquer fundamentação, já que o magistrado não esclareceu as razões do seu convencimento, além do que o pleito conferido em favor da sua adversária tem conteúdo cautelar, até porque está fundamentado no artigo 798 da lei processual civil, que não pode ser cumulado com o processo principal, por esbarrar na regra estampada no artigo 292, § 1º, inciso III, daquele dispositivo de lei, caso em que deveria a petição inicial ter sido emendada, para dela se excluir dito pedido, sob pena de seu indeferimento, fato que em mais robora a necessidade da reforma de tal "decisum"; argumentou a agravante, em continuação, que o poder cautelar geral não é ilimitado, não podendo ser conferido pelo magistrado quando implica em antecipar a prestação jurisdicional a ser concedida no processo principal, pois se assim fosse tal providência teria efeito satisfativo, que se revela descabido em medida cautelar, obtemperando que, na hipótese presente, sua adversária encontra-se inadimplente desde 6 de outubro de 1997, ensejando a plena rescisão do contrato, por força de cláusula resolutória expressa nele contida, o que propiciou o ingresso de ação de reintegração de posse contra a mesma, perante a 4ª Vara da Fazenda Pública desta Capital (autos nº 29.555), na qual foi concedida a liminar, que não foi ainda cumprida ante o óbice criado pela decisão aqui agravada, que lhe cerceia o direito de ação, de índole constitucional, enfatizando, de outra banda, que os valores que estão sendo depositados pela parte contrária se mostram muito aquém daquilo que é devido, porque calcados em cálculos unilaterais equivocados, não estando ela, arrendadora, a cobrar mais do que aquilo que foi previsto na relação contratual, seja com respeito ao reajuste das parcelas convencionadas, que é feito com base na taxa referencial, e que é legítima, e não na taxa Anbid, não se podendo cogitar com a limitação de juros prevista no artigo 192, § 3º, da Carta Magna, que não é auto-aplicável, porque dependente de regulamentação por lei complementar, não estando por ela sendo exigidos juros excessivos ou indevidos; narrou a agravante, também, que os requisitos do "fumus boni juris" e do "periculum in mora" não se fazem presentes na espécie, até porque o caminhão arrendado, tipo basculante, só pode ser utilizado para o transporte de grãos, areia, pedra britada, etc., ou para tarefas afetas à construção civil, mas nunca para uso em empresa que se dedica à fabricação e ao comércio de roupas, tal como é a atividade a que se dedica a agravada, não sendo verdadeira a afirmativa de que retirá-lo de suas mãos implicaria em provocar a sua paralisação, ilustrando suas diversas teses com menção a julgados de pretórios pátrios, em vista do que pugnou pela atribuição de suspensividade a este recurso, julgando-se-o, ao final, no sentido do seu provimento, para ser cassada a decisão afrontada. O recurso foi devidamente preparado e processado, a ele se atribuindo efeito suspensivo (fls. 272), vindo a agravada a oferecer resposta, opinando, em linhas gerais, pela integral confirmação do decisório atacado, com base nos argumentos nela expostos exaustivamente (fls. 275/340). 2. Cumpre destacar, por primeiro, que o argumento inicial posto neste recurso, de que nula é a decisão agravada, porque despida de fundamentação, se mostra de inegável pertinência. Não obstante a longa motivação dada pela agravada, na petição inicial, o magistrado, para conferir a tutela pleiteada, não lhe deu qualquer fundamentação, limitando-se, simplesmente, a enfatizar que presentes se faziam os requisitos do "fumus boni juris" e do "periculum in mora" (fls. 263 vº), sem externar qualquer análise, com um mínimo de objetividade, de tais pressupostos em relação ao caso concreto, gerando, com essa postura, óbvia perplexidade, e vulnerando, com solar evidência, as regras contidas no artigo 165 do Código de Processo Civil e no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. Embora patente a nulidade da decisão referida, é de se ver, no entanto, conforme adiante será exposto, que este recurso mostrar-se-á favorável à agravante, em vista do que, com base no que dispõe o artigo 249, § 2º, da lei processual civil, não é ela pronunciada na oportunidade presente. Relativamente ao segundo tópico enfocado no recurso, de que a decisão agravada, porque lastreada em providência cautelar, afronta a disposição estampada no artigo 292, § 1º, inciso III, do Código de Processo Civil, sem dúvida que se mostra tal argüição relevante e de todo pertinente. Com efeito, na petição inicial da demanda que aforou contra a agravante (fls. 47/202), que nominou como "ação declaratória de nulidade de cláusulas contratuais", pretende a agravada o reconhecimento de que o contrato de arrendamento mercantil firmado entre os contendores contém cláusulas abusivas e ilegais, envolvendo juros e encargos indevidos (cobranças da taxa Anbid, da taxa referencial, de juros capitalizados e superiores à limitação constitucional, etc.), declarando-se, em final sentença, a nulidade das mesmas, fazendo-se a devida revisão de cada uma delas, inclusive para se reconhecer que o indexador da correção monetária incidente na relação obrigacional seja o IGP-M, decretando-se "... a quitação do contrato, com lastro no cálculo apresentado por empresa especializada, computando em favor do Autor todos os pagamentos efetuados na amortização do saldo devedor, devidamente corrigidos a contar das datas respectivas, de modo a ser apurado o crédito ou o débito exato dos valores, podendo ser restituído via repetição do indébito ou compensado." (fls. 200/201). Concomitantemente com aquela pretensão, e em caráter cautelar inominado antecipado e incidental, solicitou também a agravada, com base no artigo 798 do Código de Processo Civil, que lhe fosse concedida a faculdade de depositar as parcelas dos valores contratuais que entendeu como devidos, segundo os cálculos que apresentou, e bem assim para continuar na posse do veículo, objeto do arrendamento mercantil, a pretexto de que poderia vir a sofrer dano irreparável e de difícil restauração, estando presentes os pressupostos do "fumus boni juris" e do "periculum in mora." (fls. 188/198). Ora, sem a menor dúvida, tal pleito, que objetiva precipuamente garantir o resultado útil da pretensão principal buscada pela ação, não pode ser confundido e nem interpretado como sendo uma eventual tutela antecipada (art. 273 do CPC), a qual visa o adiantamento dos efeitos a serem obtidos com a acolhida final da demanda, conforme se poderia desenganadamente interpretar. Bem a propósito ensina Humberto Theodoro Júnior que "tanto a medida cautelar propriamente dita (objeto de ação cautelar) como a medida antecipatória (objeto de liminar na própria ação principal) representam providências, de natureza emergencial, executiva e sumária, adotadas em caráter provisório. O que, todavia, as distingue, em substância, é que a tutela cautelar apenas assegura uma pretensão, enquanto a tutela antecipatória realiza de imediato a pretensão. A antecipação de tutela somente é possível dentro da própria ação principal. Já a medida cautelar é objeto de ação separada, que pode ser ajuizada antes da ação principal ou no seu curso." ("Curso de Direito Processual Civil", vol. I, 19ª ed., Forense, pág. 368). Assim, se a liminar reclamada tem cunho eminente cautelar, não pode ela ser agilizada dentro do próprio processo principal, pois que não se confunde com a tutela antecipada, não podendo mencionado pleito ser cumulado com aquele contido na ação propriamente dita, sob pena de vulnerar a regra do artigo 292, § 1º, inciso III, da lei processual civil. A esse respeito, comungando da tese da inacumulabilidade desses pedidos, farta é a jurisprudência pátria (RTFR 152/29, RT 498/92, JTA 47/74 e RJTJERGS 153/285), inclusive do próprio Superior Tribunal de Justiça (RSTJ 68/381), reputando-se que: "Recurso especial. Cumulação de pedidos. Processo cautelar e processo principal. 1. A jurisprudência dominante e a doutrina não admitem a cumulação de ações cautelar e principal, sob a regra do art. 292, § 1º, III, do Código de Processo Civil, descabendo, neste caso, a cobertura do § 2º do mesmo artigo. ..." (Ac. da 3ª Turma, de 27/8/96, no REsp nº 48.175-MG, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, in RSTJ 89/205). Em outro pronunciamento mais recente, ressaltou aquela Corte que: "I - A antecipação de tutela serve para adiantar, no todo ou em parte, os efeitos pretendidos com a sentença de mérito a ser proferida ao final. Já a cautelar visa a garantir o resultado útil do processo principal. Enquanto o pedido de antecipação da tutela pode ser formulado na própria petição inicial da ação principal, a medida cautelar deve ser pleiteada em ação separada, sendo vedada a cumulação dos pedidos principal e cautelar num único processo." (Ac. da 2ª Turma, de 4/9/97, no REsp nº 60.607-SP, rel. Min. Adhemar Maciel, in RSTJ 106/169). Em vista dessa exposição, abstraída qualquer análise acerca do mérito da liminar conferida à agravada, o certo é que, descabida a cumulação de pedidos cautelar e declaratório, contidos na demanda principal, num mesmo processo, já que cada qual tem natureza e procedimento próprios e inconfundíveis, não há como admitir-se a sua manutenção. De outro lado, é de se realçar que não houve, em primeira instância, a oportunidade para que a agravada, ante a imperfeição existente, pudesse emendar a petição inicial da ação, hipótese em que, ausente também prejuízo para a parte contrária, se mostra recomendável que dela seja expungido, pura e simplesmente, o pedido cautelar em questão, com o provimento deste recurso, mantendo-se intangível, quanto ao mais, as pretensões nela lançadas. O provimento deste agravo, por conseguinte, é providência que se impõe, para o fim de ser cassada a decisão censurada, conforme a exposição feita no corpo deste aresto. ISTO POSTO: ACORDAM os Juízes integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso, para os fins explicitados no bojo deste julgado. Participaram do julgamento os Senhores Juízes TUFI MARON FILHO e ARNO KNOERR.
Curitiba, 31 de março de 1999.
DUARTE MEDEIROS - Presidente e Relator
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