Decisão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Decisão monocrática. Eventuais imagens serão suprimidas.
Trata-se de habeas corpus cível impetrado por Jacir Ballão em favor de Jair Pischarka contra ato coator do Juiz de Direito da Comarca de Mallet, consubstanciado no cumprimento de ordem de prisão por depositário infiel, face o magistrado haver entendido que a execução se fundaria em acordo judicial, no qual o executado teria se comprometido a entregar o caminhão em questão em 30 dias, sob pena de multa diária; que, no mesmo acordo, haveria disposição de ocorrendo perda total do bem nesse período caber-lhe-ia pagar o valor do bem em dois pagamentos, de 30 e 60 dias; que o depositário nada disso teria feito, alegando ainda que não haveria prova da perda total do caminhão, sustentando que inexistiria título executivo; que seria uma manobra para protelar o cumprimento da advertência de possibilidade de prisão; que teria sido constatada litigância de má-fé por parte do executado e que, em que pese a decisão do STF a respeito do depositário infiel, ousaria em divergir, ao entendimento de que sua aplicação não poderia contrariar o princípio constitucional da efetividade das decisões judiciais. Alega o impetrante, basicamente, que a figura da prisão por infiel depositário, embora prevista na Constituição, teria sido expurgada do sistema jurídico brasileiro desde a internalização do Pacto de San José da Costa Rica. A liminar foi concedida pelo Relator Substituto, às fls. 30/32. A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pela negação da ordem. É, em síntese, o relatório. Embora a questão seja de grande relevância, por afetar diretamente o jus libertatis do paciente e esta relatoria já ter se manifestado em outros julgamentos aplicando o atual posicionamento quanto à prisão civil, verifico que a ordem, neste específico caso, não pode ser concedida, em razão da incompetência desta Corte para analisar a questão. Antes de enfrentar a questão da competência, quero deixar claro que, especialmente após o voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343/SP, a possibilidade de prisão civil de depositário infiel tem sido combatida, por força do art. 7º, alínea 7 do Pacto de San José da Costa Rica, norma considerada supralegal em razão de seu tema humanístico. O referido Recurso Extraordinário foi, há poucos meses (03/12/2008), julgado pelo pleno do STF, juntamente com o Recurso Extraordinário nº 349.703, quando se firmou o entendimento já manifestado pelo voto condutor do Ministro Gilmar Mendes, de que as normas decorrentes desses tratados são parâmetros para análise de "convencionalidade", impondo sua observância por todo o restante da legislação infra-constitucional, dada sua força supralegal. Esta Relatoria já julgou no mesmo sentido: "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DEPÓSITO - AÇÚCAR MASCAVO ORGÂNICO PARA BENEFICIAMENTO - ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA FÁTICA - AUSÊNCIA DE PROVAS NESSE SENTIDO. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO A DEMONSTRAR EFETIVO DEPÓSITO - NOTAS FISCAIS E PROVA TESTEMUNHAL - INSUBSISTÊNCIA DA TESE DE GESTÃO FRAUDULENTA. TEMA QUE NÃO CABE DISCUSSÃO NESTES AUTOS - QUESTIONAMENTO QUANTO A QUALIDADE DO PRODUTO - NOTA FISCAL NÃO INDICARIA SER PRODUTO ORGÂNICO OU CONVENCIONAL - INOVAÇÃO RECURSAL - QUESTÃO PREJUDICADA. MATÉRIA NÃO CONHECIDA - PRISÃO CIVIL - MEDIDA DETERMINADA PELO JUÍZO A QUO COMO MEIO DE COERÇÃO PARA CUMPRIMENTO DA SENTENÇA - IMPOSSIBILIDADE - NOVA ORIENTAÇÃO DO STF - MAIOR FORÇA NORMATIVA AOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS - PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA - NORMA COM STATUS SUPRALEGAL - ALTERAÇÃO DO MEIO COERCITIVO - MULTA DIÁRIA - PREÇO BASE PARA FIXAÇÃO DO EVENTUAL ADIMPLEMENTO POR EQUIVALENTE EM DINHEIRO - O PREÇO DO QUILO DO AÇÚCAR DEVE SER O QUE ERA PRATICADO À ÉPOCA, DEVIDAMENTE CORRIGIDO - APELO PARCIALMENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO NA PARTE CONHECIDA. 1. A prova constante nos autos é robusta no sentido da existência do depósito reclamado. 2. Eventual irregularidade na administração da cooperativa deve ser apurada em feito adequado, que não é o presente. 3. Após o julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários 466.343 e 349.703, ocorrido em 03/12/2008, a jurisprudência muda de paradigma, atribuindo maior força normativa aos tratados internacionais que versem sobre de direitos humanos. 4. Como já havia sido afirmado no julgamento do HC 90.172/SP, julgado pela 2ª Turma do STF, de acordo com o art. 7º, alínea 7 do Pacto de San José da Costa Rica, incorporado ao nosso sistema jurídico com status de norma supralegal, a prisão civil deve se limitar às obrigações alimentícias. 5. Por força do art. 461-A, §3º, c/c o art. 461, §5º, ambos do CPC, substituo a prisão civil pela incidência de multa diária como meio de coerção para entrega da mercadoria. 6. O valor base para eventual pagamento do equivalente em dinheiro deve ser o praticado à época, devidamente corrigido, e não o atualmente praticado. RECURSO ADESIVO - ALTERAÇÃO DO PERCENTUAL DE JUROS DE MORA - NÃO RECOLHIMENTO DE CUSTAS RECURSAIS - DESERÇÃO - RECURSO NÃO CONHECIDO." (Apelação Cível nº 525.869-5, TJPR, 6ª Câmara Cível, Rel. Prestes Mattar, DJ 02/02/2009) Porém, no específico caso não há como conceder a ordem em virtude da incompetência da presente Corte para analisar a matéria. Ao que consta dos autos, às fls. 22/23-TJ, a decisão que determinou a prisão do depositário é oriunda do Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Pouso Alegre, no estado de Minas Gerais, tendo sido encaminhada para cumprimento via carta precatória à cidade de Mallet, no Paraná. Constata-se, assim, que o ato dito ilegal não foi do Juízo de Mallet, submetido ao TJPR, mas sim do Juízo de Pouso Alegre, que tem os atos revistos pelo TJ de Minas Gerais. Nesse sentido já foi decidido no STJ: "Habeas corpus. Autoridade coatora. Carta Precatória. Juízo deprecante ou Juízo deprecado. Prisão civil. Alienação fiduciária. Depositário infiel. Ação de depósito. 1. Decretada a prisão civil do paciente pelo Juiz de Direito deprecante, que preside a ação de depósito, o habeas corpus deve ser impetrado junto ao Tribunal ao qual aquele está vinculado. Nesse caso, o Juízo de Direito deprecado, não estando presentes as hipóteses do art. 209 do Código de Processo Civil, não pode ser considerada autoridade coatora e o Tribunal respectivo não tem competência para processar e julgar o writ. 2. Habeas corpus denegado. Liminar cassada." (HC 17427 / DF, Terceira Turma, STJ, Rel. Menezes Direito, 28/08/2001) Dessa forma, é evidente a incompetência absoluta deste Tribunal de Justiça do Paraná, devendo a questão ser submetida ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Ainda, dada a incompetência absoluta, casso a liminar deferida. Pelo exposto, em se tratando de matéria de ordem pública, com base no art. 557 do CPC, não conheço do habeas corpus, cassando a liminar deferida às fls. 30/32. Curitiba, 15 de julho de 2009. Desembargador PRESTES MATTAR- Relator.
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