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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL No 528.143-8, DA 4ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA, FALÊNCIAS E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA APELANTE: CLAIR ANTÔNIO BERWANGER APELADO: ESTADO DO PARANÁ RELATORA DESIG.: DESa. DULCE MARIA CECCONI
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CAMPANHA DE VACINAÇÃO TRÍPLICE VIRAL. REAÇÃO ADVERSA. ORQUITE DECORRENTE DE CAXUMBA PÓS-VACINAL. PROVA PERICIAL ROBUSTA. NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADO. VACINA MINISTRADA A 90,1% DA POPULAÇÃO. INFLAMAÇÃO OCORRIDA NO PERÍODO DE VACINAÇÃO, CONSIDERANDO O TEMPO DE INCUBAÇÃO DA DOENÇA. INFERTILIDADE DEMONSTRADA. ATUAÇÃO LÍCITA DO ESTADO QUE GERA O DEVER DE INDENIZAR. LESÃO INDIVIDUAL. DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DECORRENTES DE AÇÃO LEGÍTIMA QUE BENEFICIA A COLETIVIDADE. INDENIZAÇÃO FIXADA EM CINCO MIL REAIS. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. CARÁTER PEDAGÓGICO NÃO CONSIDERADO EM RAZÃO DA LICITUDE DA CONDUTA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS INCIDENTES A PARTIR DO ARBITRAMENTO. DANOS MATERIAIS NÃO COMPROVADOS. AUTOR QUE CONCORDOU EXPRESSAMENTE COM O JULGAMENTO ANTECIPADO DO FEITO. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. - "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento" (Súmula 362, do Superior Tribunal de Justiça). Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº 528.143-8, da 4ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, em que ERVIDES PIZATTO recorre da sentença que julgou improcedente o pedido de indenização por ele formulado em face do ESTADO DO PARANÁ. Na inicial, o autor afirmou ter-lhe sido ministrada a vacina tríplice viral em razão de campanha de vacinação do Estado, promovida por sua Secretaria de Saúde entre outubro e novembro de 1998, na região de Curitiba. Em decorrência dessa vacina, o autor teria sofrido o inchamento de seus testículos e fortíssima inflamação, tendo sido internado por seis (6) dias no Hospital Campina (RS) e impedido de exercer o seu trabalho. Após a alta hospitalar, foi submetido a perícia realizada em sede de cautelar de produção antecipada de provas, quando constatou ter ficado estéril. Requereu, nessa trilha, indenização por danos materiais, físicos e morais. Contestando, o requerido aduziu, preliminarmente: a) a inépcia da inicial pela falta de determinação e certeza dos pedidos, o que inviabilizaria sua defesa nos autos, e b) sua ilegitimidade passiva, pois as vacinas foram adquiridas e distribuídas pelo Ministério da Saúde, vinculado à União. Requereu, ainda, a denunciação da lide à União, de modo a exercer futuramente seu direito de regresso, em caso de condenação. No mérito, defendeu que o autor não demonstrou a ilicitude do ato por ele impugnado, tampouco o nexo de causalidade entre sua suposta esterilidade e a culpa do funcionário da Secretaria de Saúde que lhe ministrou a vacina. Impugou, por fim, os danos que o autor sustentou experimentar. O magistrado ditou a improcedência dos pedidos iniciais ao entendimento de que "não há qualquer evidência de que o autor tinha laudos comprovando sua fertilidade antes do evento citado, a fim de possibilitar a constatação de que existe liame de causalidade entre sua vacinação e sua ulterior infertilidade" (fl. 146). Inconformado, o autor interpôs o presente recurso de apelação, onde reitera os termos de sua inicial e acrescenta, em síntese, que: a) o Juízo a quo desconsiderou a perícia oficial, atendo-se apenas ao laudo apresentado pelo assistente técnico do apelado; b) não mais possui sua carteira de vacinação, pois é documento muito antigo, recebido no "início de sua vida" (fl. 151); c) "sofreu a lesão há quase 10 (dez) anos e nesse período nunca engravidou sua mulher, que pelo decurso do tempo seria de alto risco para ela se fosse possível ela engravidar de seu marido ora Apelante" (fl. 152); d) a fertilização in vitro tem custo elevado; e) a campanha de vacinação foi pública e, finalmente, f) a perícia foi conclusiva no sentido de que o apelante adquiriu caxumba pós-vacinal, que lhe causou oligospermia. O apelado apresentou contra-razões às fls. 156/168, e o Ministério Público, em parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça Nelson Antônio Muginoski, manifestou-se pela ausência de interesse público a exigir sua intervenção no feito. É o relatório. VOTO Presentes os requisitos de admissibilidade, de rigor o conhecimento do recurso que, no mérito, merece parcial provimento. Inicialmente, mister destacar que a atuação do Estado, no presente caso, foi lícita, pois a campanha de vacinação por ele promovida visava o controle epidemiológico da população. Nem por isso, contudo, se exclui o dever de indenizar do Estado, haja vista que a reação adversa experimentada pelo apelante configura um ônus pessoal decorrente de uma atuação lícita do Estado no sentido de promover a saúde coletiva da população. Celso Antônio Bandeira de Mello aprecia essa questão com bastante propriedade: "Pelo contrário, caberá falar em responsabilidade do Estado por atos lícitos nas hipóteses em que o poder deferido ao Estado e legitimamente exercido acarreta, indiretamente, como simples conseqüência - não como finalidade própria - a lesão a um direito alheio. Vale dizer: há casos em que o Estado é autorizado pelo Direito à prática de certos atos que não têm por conteúdo próprio sacrificar direitos alheios, violando-os, como mero subproduto, como simples resultado ou seqüela de uma ação legítima." (in Curso de Direito Administrativo, 26ª Ed., Ed. Malheiros, 2009, p. 985). Trago ainda à colação o magistério de Maria Silvya Zanela Di Pietro: "Ao contrário do direito privado, em que a responsabilidade exige sempre um ato ilícito (contrário à lei), no direito administrativo ela pode decorrer de atos ou comportamentos que, embora lícitos, causem a pessoas determinadas ônus maior do que o imposto aos demais membros da coletividade" (In Direito Administrativo, 20ª Ed., Ed. Atlas, 2007, p. 595). O nexo de causalidade entre a vacina e o dano experimentado pelo apelante (orquite) restou devidamente comprovado. A Secretaria Estadual de Saúde informou que, entre 24.10.1998 a 30.11.1998, foi procedida na região metropolitana de Curitiba, uma vacinação contra sarampo, rubéola e caxumba "para a faixa etária de 15 a 39 anos, de forma indiscriminada, e para menores de 15 anos, seletivamente, mediante carteira de vacinação" (fl. 77, original sem destaque). Manifestando-se sobre o laudo pericial, a Secretaria de Estado da Saúde afirmou que "foram vacinadas 881.568 pessoas na faixa etária de 1 a 39 anos, perfazendo um total de 90,1% de cobertura da população de Curitiba e dos oito municípios da região metropolitana" (fl. 93, original sem destaque). Vê-se, pois, que de acordo com informações prestadas pelo próprio Estado, no período de uma semana foi vacinada 90,1% da população de Curitiba contra sarampo, caxumba e rubéola. Os eventos adversos foram relacionados também pela Secretaria de Saúde à fl. 80, indicando que houve 112 casos de orquite, que "é a inflamação do testículo, que é manifestada por edema, rubor, hipersensibilidade da bolsa escrotal, e é usualmente de origem infecciosa, tais como tuberculose, caxumba, enterovírus, sífilis, ou certas doenças fúngicas" (fl. 95, original sem destaque). Ao lado disso, observe-se que o apelante foi acometido de orquite justamente no período de vacinação, como bem destacou o perito: "Há nos autos provas objetivas de ocorrência do desenvolvimento do programa vacinal, no qual foi ministrado para quase um milhão de pessoas a vacina tríplice viral em Curitiba e região metropolitana, sendo, portanto, possível que o autor tenha sido um dos receptores da vacina. Os documentos juntados aos autos pelo autor com a inicial guardam perfeito nexo de desenvolvimento temporal, em dias, antecedendo-se a campanha vacinal e sucedendo-se o evento complicativo (orquite) previsível e conhecido nos meios científicos. O tratamento recebido pelo autor foi para orquite" (fls. 27/28) Ainda da perícia se extrai o seguinte trecho: "3.2) é possível determinar com precisão a época em que tais lesões foram contraídas? Resposta do perito: os dados disponíveis apontam para o evento de orquite compatível como decorrente de caxumba pós-vacinal"
3.3) quais são as causas comumente apresentadas para tais lesões? Resposta do perito: caxumba pós-vacinal
3.4) é possível afirmar, sem margem de erro, que existe nexo de causalidade entre a aplicação da mencionada vacina e as lesões apresentadas elo requerente, ou seja, que essas lesões têm como causa direta e imediata a aplicação dessa vacina? Resposta do perito: sim.
(...)
Ao sexto (6) qual é o período de incubação das doenças a que se referia a vacina? Resposta do perito: variável, podendo ser entre quatro a 10 dias." Aliás, considerando esse período de incubação e a data do exame laboratorial que comprovou o processo infeccioso, qual seja, 15.12.2008, é possível afirmar que o apelante foi infectado justamente no período de vacinação (fl. 21). Essa também foi a conclusão do perito: "Fl. 12 - resultado de exame laboratorial de dosagem de imunoglobinas (IgG/5,6 e IgM/ 12,8 - reagentes), datada de 16.12.98, para fins de constatação de vigência de processo inflamatório agudo, cujos resultados revelaram foram [sic] elevados e revelaram que o autor esteve portador de processo infeccioso viral no período posterior e da mesma época da vacinação em questão" (fl. 21). Em resumo: a orquite tem como uma de suas causas mais comuns a caxumba, doença esta que integrou a campanha de vacinação ministrada pelo Estado em 90,1% da população justamente no período em que o recorrente desenvolveu o processo infeccioso. Nesse quadro, impossível deixar de vislumbrar nexo causal entre a vacina e a orquite que acometeu o apelante, provocando sua infertilidade, como também se extrai das conclusões periciais. Por outro lado, não é razoável exigir, como fez o magistrado, que o autor demonstrasse ser fértil antes da campanha de vacinação, pois essa preocupação só surge diante do insucesso reiterado em reproduzir-se, mormente porque a regra é a fertilidade do ser humano, sendo a exceção a infertilidade. Passa-se, portanto, à fixação do quantum indenizatório moral, tarefa esta que o julgador deve empreender tendo em vista os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de modo a proporcionar à vítima um lenitivo em razão da dor e sofrimento que experimentou sem, contudo, causar seu enriquecimento sem causa. Há de se considerar, ainda, a licitude da conduta do Poder Público, pelo que a presente condenação não pode se revestir de caráter pedagógico. Diante disso, sopesadas as particularidades do caso concreto, como a natureza fortuita do evento, a ausência de ilicitude e as conseqüências do ato danoso, este colegiado fixa a indenização moral em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor este que deve ser corrigido monetariamente a partir da presente data, posto que é a partir desse momento que passa a sofrer os efeitos da desvalorização de seu poder de compra. Nesse sentido: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRISÃO ILEGAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. EVENTO DANOSO. REFORMA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. REFORMATIO IN PEJUS CONFIGURADA. SÚMULA 45/STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA A PARTIR DA DATA DO ARBITRAMENTO DO VALOR INDENIZATÓRIO. SÚMULA 362/STJ. RECURSO PROVIDO. (...) 3. Nas ações de reparação de danos morais, o termo inicial de incidência da correção monetária é a data do arbitramento do valor da indenização. A respeito do tema, a Corte Especial editou recentemente a Súmula 362/STJ: "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento." 4. Recurso especial provido." (STJ, REsp.813.067/PR, 1ª T., Rel. Min. Denise Arruda, DJ 16.02.2009, original sem destaque). Os juros moratórios, por sua vez, incidem a partir do arbitramento da indenização, pois antes desse momento é impossível ao devedor adimplir a obrigação de ressarcimento. Essa, aliás, a orientação traçada pelo Superior Tribunal de Justiça, nos termos da Súmula 362: "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento". Por fim, no tocante aos danos materiais, forçoso reconhecer que o apelante deixou de demonstrá-los. Com efeito, anunciado o julgamento antecipado da lide (fl. 134), em decisão do qual foi regularmente intimado (fl. 135), o apelante não apresentou qualquer insurgência. Antes, concordou com a providência, como se verifica de sua petição de fl. 140. Diante disso, outra não pode ser a solução nesse ponto, senão a improcedência da pretensão. Por tais motivos, o meu voto é no sentido de dar parcial provimento ao apelo, para condenar o apelado ao pagamento de indenização por danos morais ao apelante, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor este a ser corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora a partir da presente data. DECISÃO ACORDAM os Magistrados integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em dar parcial provimento ao apelo, na forma do voto relatado, vencido o ilustre Juiz Substituto Sérgio Roberto N. Rolanski. Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores: Desembargadora DULCE MARIA CECCONI (presidente, com voto), Juiz Substituto em Segundo Grau FERNANDO CÉSAR ZENI e Juiz Substituto em Segundo Grau SÉRGIO ROBERTO N. ROLANSKI. Curitiba, 18 de agosto de 2009. DULCE MARIA CECCONI - Presidente e Relatora.
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