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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL N. 567.162-1 DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA, 22.ª VARA CÍVEL
APELANTE: CRISTIANO TOSSULINO MACHADO
APELADA: ESIC - ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO COMERCIAL E MARKETING - ABCJ
RELATOR: JUIZ CONVOCADO ALBINO JACOMEL GUÉRIOS (EM SUBSTITUIÇÃO AO DES. RONALD SCHULMAN).
CONTRATO DE ENSINO. QUEBRA ANTECIPADA DO CONTRATO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. DANOS MATERIAIS E MORAL EM PARTE CARACTERIZADOS. RECURSO PROVIDO EM PARTE 1. Manifestando-se a ré, instituição de ensino, previamente, em desacordo com as condições contratuais originárias, que as parcelas do convênio internacional deverão ser pagas pelo aluno em Euros e não mais em Reais conforme ajustado contratualmente, ela, com esse comportamento, evidencia o seu propósito de não cumprir a prestação contratual, caracterizando os seus atos quebra antecipada do contrato a ensejar a resolução contratual e mais perdas e danos. 2. Havendo descumprimento do contrato e forçando o inadimplemento o aluno a transferir-se para outra faculdade na qual, pelas adaptações curriculares ocorridas no período em que freqüentara o curso oferecido pela ré, houve atraso de um ano e meio na conclusão do curso, esta deve responder pela indenização do dano consistente nas prestações a cargo do autor na nova instituição de ensino. 3. Somente se o autor provar que a não-complementação do curso universitário dentro do prazo esperado frustrou-lhe sérias chances de progressão funcional é que será possível, pela teoria da perda de uma chance, responsabilizar-se a ré pelo que ele poderia deixar de ganhar no novo cargo. 4. O dano moral consiste na violação a dimensões da dignidade da pessoa humana expressa o catálogo de direitos fundamentais, dentre os quais o direito à integridade psíquica e o direito à progressão funcional. Apelação em parte provida. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 567.162-1, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, 22.ª Vara Cível, em que é apelante Cristiano Tossulino Machado e apelada ESIC - Escola Superior de Gestão Comercial e Marketing - ABCJ. Acordam os Desembargadores e o Juiz Relator da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em prover em parte o recurso, nos termos deste julgamento. § 1. Cristiano Tossulino Machado demanda a ESIC - Escola Superior de Gestão Comercial e Marketing - ACBJ visando o ressarcimento de danos materiais e moral dizendo, em resumo, que foi atraído pela propagada da ré que prometia aos interessados no seu curso que os seus alunos poderiam participar de um convênio internacional com a Florida Altlantic University sem custos adicionais, apenas efetuando o pagamento das mensalidades no Brasil e em reais. Sustenta que em razão disso transferiu-se da Faculdade Curitiba para a ré. Sustenta que, no entanto, a ré alterou as condições contratuais iniciais, exigindo-lhe agora o pagamento em Euros da mensalidade da faculdade norte-americana, cerca de 14.000 Euros. Sustenta que houve descumprimento contratual que lhe acarretou sérios danos, materiais e moral. Sustenta que teve um atraso de um ano e meio no seu curso porque, em razão de adaptações curriculares na ré, terá de cursar, para complementar o curso de Economia, mais um ano e meio. Sustenta que transferiu-se para uma faculdade em Pato Branco. Sustenta que não conseguirá, em razão do atraso na conclusão do curso, progressão funcional no seu atual empregador, o SEBRAE/PR, perdendo a remuneração própria ao cargo de Analista de Negócios. Sustenta que sofreu dano moral. A ré contestou negando as condições contratuais mencionadas pelo autor e dizendo que este desistiu do curso por ela oferecido. Sustenta que o autor deixou também de realizar o teste de inglês necessário para o seu ingresso no convênio. Sustenta que não há provas dos danos. Sustenta que os valores pleiteados são excessivos. O MM. Juiz, após instrução probatória, desacolheu a demanda. Recorre o autor dizendo que há provas das condições contratuais originárias e que a réu descumpriu-as. Sustenta que os danos reclamados ocorreram. O recurso não foi contra-arrazoado. É o relatório. § 2. Causa de pedir Diz o autor que somente contratou porque a ré garantiu-lhe um ano letivo do curso de Economia em uma faculdade norte-americana sem custos adicionais, mediante apenas o pagamento, em Reais, das mensalidades no Brasil, isto é: cursaria a FAU - Florida Atlantic University pelo mesmo valor do curso de Economia prestado no Brasil pela ré, pagando a esta e aqui as mensalidades da FAU: ... o aluno pagaria à ESIC/Brasil mensalidade em parcelas fixas em reais e, estando matriculado no 5.º período do mencionado curso, atendendo aos requisitos objetivos do programa, bem como estando em dia no pagamento das mensalidades, teria então o direito de ir aos Estados Unidos, independentemente de pagamento adicional ou complementar em dólares americanos ou Euros, e estudar na Florida Atlantic University, por um ano. No entanto, prossegue o autor: a ré descumpriu os termos do contrato de ensino ao exigir-lhe o pagamento de 14.000 Euros como condição para a realização do curso nos Estados Unidos, causando-lhe danos moral e materiais, estes consistentes (i) no que ele terá de despender em nova faculdade para completar o restante do curso, que sofreu atraso em um ano e meio devido a adaptações curriculares à grade de disciplinas da ré, e (ii) no que ele deixará de ganhar até completar o curso de Economia. 2.1. Fundamento jurídico O autor fundamenta os seus pedidos, expressamente, no Código do Consumidor e no descumprimento do contrato de ensino. Para ele: a proposta vinculou a ré, passando a integrar as condições contratuais, e obrigando-a a cumprir o prometido; descumprido e resolvido o contrato, a co-contratante deve indenizá-lo. 2.2. Provas produzidas O autor conseguiu gravar uma conversa entre ele e Fernando Eduardo Canziani Pereira, então professore preposto da ré (CD produzido com a inicial e juntado a fl. 559). Durante o diálogo Fernando Eduardo confirmou, diante de uma pergunta do autor, que de fato as partes ajustaram o pagamento das mensalidades em Reais e aqui no Brasil, dizendo logo em seguida que, no entanto, a faculdade americana e os diretores espanhóis da ré alteraram mais tarde o convênio. Disse também, Fernando Eduardo, que cinco estudantes da ré que encontravam-se na Espanha continuavam pagando as mensalidades em Reais aqui no Brasil, para após, dizer que o autor teria de desembolsar 14.000 Euros se quisesse cursar a FAU, mas, mostrando-se agora solidário com o aluno, assegurou-lhe que a ré teria de "achar um jeito de te compensar". Essa gravação tem eficácia probante. Não é prova ilícita ou imoral, porque feita em um ambiente de acesso público, o escritório do então professor da ré, e sem a interferência de terceiros: CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRAVAÇÃO DE CONVERSA POR UM DOS INTERLOCUTORES. PROVA LÍCITA. DESNECESSIDADE DE O JULGADOR DEBATER TODOS OS ARGUMENTOS LEVANTADOS PELA PARTE. ANÁLISE DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. I. A gravação de conversa realizada por um dos interlocutores que se vê envolvido nos fatos é prova lícita e pode servir de elemento probatório. Precedentes. II. O Poder Judiciário, para expressar sua convicção, não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos suscitados pelas partes, senão sobre os necessários ao deslinde da controvérsia. III. Nos termos da Súmula n. 7 desta Corte, a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. IV. Agravo regimental improvido (STJ, AgRg no Ag 962257 / MG AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2007/0228280-3) Assim, a gravação ambiental será lícita quando utilizada pelo interessado para defender direitos seus, o que é suficiente para configurar "justa causa" como excludente da ilicitude do ato... O Tribunal também já admitiu a gravação de diálogo transcorrido em local público, assentando não estar em causa a proibição constante do inciso XII do art. 5.º da Constituição1. Der qualquer forma, o que torna a discussão sobre a licitude da prova irrelevante, Fernando Eduardo admitiu ao ser ouvido em juízo, e de modo expresso e categoricamente, que "inicialmente o convênio pago em reais e aqui no Brasil; que mais tarde a matriz na Espanha modificou as regras e exigiu que fossem pagas em euros" (fl. 503). Desse modo: (i) pactuou-se inicialmente que as mensalidades devidas pelo curso na faculdade americana seriam pagas em Reais e aqui no Brasil; (ii) no entanto, no momento em que o autor procurava ingressar no intercâmbio, a ré exigiu-lhe o pagamento de 14.000 Euros, alterando as regras contratuais iniciais. 2.3. Contrato de ensino. Natureza jurídica O Código de Defesa do Consumidor diz que o contrato será de consumo sempre que dele participarem um consumidor e um fornecedor e o bem ou o produto destinar-se ao uso particular do primeiro: "No pólo ativo da relação de consumo figura o fornecedor, definido no art. 3º do CDC como sendo 'toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviço'. No pólo passivo da mesma relação estará o consumidor, definido no art. 2º do Código como sendo 'toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final'. Resulta daí que o consumidor terá sempre como traço marcante o fato de adquirir bens ou contratar serviços como destinatário final, isto é, para suprir uma necessidade própria, e não para o desenvolvimento de uma atividade negocial"2 -- requisitos presentes no contrato de ensino, em que existe (a) o aluno, que contrata os serviços para atendimento de uma necessidade própria, ou de um direito fundamental, e (b) o estabelecimento de ensino, que presta os mesmos serviços com habitualidade. Nesse sentido: ESTABELECIMENTO DE ENSINO - MENSALIDADE ESCOLAR - RENOVAÇÃO DE MATRICULA - CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - FALTA DE DEPOSITO - PRESTAÇÕES VENCIDAS - LEI Nº 8170, DE 1991 - ART. 2 - ART. 3 - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - Ação de consignação em pagamento. Cautelar incidental. Mensalidades escolares. Demanda que continua outras, anteriores, já julgadas. No caso, a decisão principal, precedente, que condiciona os interesses dos litigantes, não pode deixar de ser levada em conta. A Lei 8170/91 é valida, e não foi desconstituida, formalmente, pelo órgão máximo que exerce o controle da constitucionalidade dos atos normativos, na Federação. Liminar, na cautelar, de caráter satisfativo, autorizando a matricula dos estudantes litigantes, no ano seguinte ao da instauração da demanda. Sentença de procedência dos pedidos formulados na ação principal e na acessória. Apelação da ré, quanto ao decidido no feito básico. Valor das prestações escolares depositado regularmente, de acordo com os padrões de julgado judicial condicionante e com a lei. Relação contratual sujeita às regras dos arts. 2. e 3. da Lei nº 8078/90. A falta de deposito oportuno de prestações subseqüentes, não afeta os depósitos feitos em tempo. Julgado monocrático a merecer confirmação. Apelo improvido.3 Como conseqüências do reconhecimento da natureza de consumo do contrato: i) a oferta vincula o fornecedor (princípio da vinculação), que se obriga a cumprir o prometido; ii) descumprido o contrato, tem o consumidor uma das ações e pretensões enumeradas no artigo 35 do Código do Consumidor, dentre as quais a resolução contratual e mais perdas e danos; iii) o consumidor tem direito à efetiva recomposição do seu patrimônio material e moral (art. 6.º, VI e VIII, CDC). 2.4. Conseqüências do inadimplemento O descumprimento do contrato foi, no caso, substancial. O interesse do autor era, conforme por ele mencionado especialmente no seu depoimento pessoal e na gravação, o complemento dos seus estudos na faculdade norte-americana. Isso que o levou a contratar, e objetivamente era de fato um atrativo a mais para chamar a atenção dos alunos em geral pelo curso oferecido pela ré. Concorreram aqui dois fatores idôneos para a captação de estudantes, de qualquer estudante: a experiência e a evolução cultural que necessariamente acompanham os intercâmbios, mais ainda os realizados em países como os Estados Unidos; e, designadamente: o aspecto econômico-financeiro da oferta: sem ter de arcar com as mensalidades da faculdade estrangeira, pagando apenas as mensalidades ajustadas com a ré, e em Reais, o aluno poderia freqüentar um ano letivo em uma faculdade norte-americana. Esses atrativos, objetivamente falando, são suficientes para evidenciar o interesse substancial do autor -- e de qualquer outro aluno que procurasse a ré: obter as vantagens de um ensino apresentado e prometido como de alta qualidade. Prova maior de ser esse o interesse perseguido pelo autor que ele transferiu-se da Faculdade Curitiba para a ré mesmo tendo de regredir alguns períodos para adaptações curriculares. Esse sacrifício acadêmico -- certamente pensou o autor -- seria compensado pelo aprimoramento intelectual no exterior prometido pela ré. O inadimplemento, portanto, e por isso se diz que ele foi substancial, deixou de atender a esse interesse, frustrou-o. A mudança das condições contratuais e o conseqüente não cumprimento da prestação colocação do autor no intercâmbio sem ônus adicionais redundaram na perda do interesse do aluno na manutenção do vinculo contratual, sendo, por isso, legítimo o seu comportamento ao rescindir o contrato de ensino, primeiro trancando a sua matrícula e posteriormente solicitando a sua transferência para uma faculdade em Pato Branco. Somente as condições contratuais originárias atenderiam ao interesse do autor. (E menciona-se o interesse substancial e a perda do interesse na contraprestação porque a resolução contratual somente se justifica em casos graves assim, em que a prestação debitória, isto é, aquela que constitui a razão de ser do contrato e que compõe o sinalagma, não é cumprida). Por certo que a oferta há de ser séria para vincular o fornecedor4. Seriedade quer significar credibilidade, examinada objetivamente e segundo a boa-fé objetiva e o padrão dos consumidores visados. Ela deve produzir a justa confiança de que poderá ser cumprida, de que não é fantasiosa (por exemplo: evidentemente não será crível, e por isso não poderá ser exigida, uma oferta que coloque à venda um veículo importado por um preço irrazoável, que qualquer pessoa possa crer na sua não seriedade por não ser possível a proposta de venda de um bem com aquelas características por preço ínfimo). E a seriedade da oferta endereçada ao autor, a sua credibilidade, é confirmada pelo teor da conversa gravada. Consta do diálogo que antes as condições eram aquelas e que somente mais tarde, em razão da mudança do convênio entre a matriz espanhola e a FAU, as condições foram alteradas: não mais valeria o pagamento em Reais feito no Brasil. Isso demonstra, primeiro, o propósito da ré de ofertar um determinado serviço com essas características e, conseqüentemente, confirma a seriedade da oferta. Naquele momento, era propósito da ré ofertar o curso no exterior em reais e cumprir a promessa contratual. Tinha o autor, portanto, diante de si uma situação que justificava a sua confiança no sentido e conteúdo da vontade negocial, na certeza de que poderia contratar esperando a contraprestação prometida, então perfeitamente verossímil. Por certo que o contrato pode ser resolvido ou ter a sua economia alterada caso a contraprestação torne-se excessivamente onerosa, de modo a romper drasticamente o sinalagma. Todavia, é necessário que a alteração escape por completo à álea normal do contrato, não componham os riscos naturais da operação e perfeitamente previsíveis pelo contratante ao tempo da contratação: A lógica, em suma, é sempre esta: cada contrato comporta, para quem o faz, riscos mais ou menos elevados; a lei tutela o contraente face os riscos anormais, que nenhum cálculo racional econômico permitiria considerar; mas deixa ao seu cargo os riscos tipicamente conexos com a operação, que se inserem no andamento médico daquele dado mercado. É óbvio, então, que o nível de risco correspondente à "álea normal do contrato" não se pode identificar, de modo geral e abstracto, para todo o tipo de relação contratual, mas varia em relação aos particulares tipos de negócio, aos particulares mercados, às particulares conjunturas econômicas5. No caso, não se sabe por que as condições contratuais foram alteradas pela ré, se isso adveio de alguma circunstância econômica própria ao convênio com a faculdade norte-americana e que a teria forçado, ela, ré, a submeter-se a nova condições contratuais ou se a alteração do convênio não se deveu a isso mas a uma simples negociação não forçada por circunstâncias econômicas supervenientes. Ainda: não se sabe a extensão dos efeitos dessas eventuais circunstâncias econômicas supervenientes sobre a contraprestação da ré, se a tornou excessiva ou não. De qualquer forma, faltaria ainda a alegação e a prova da anormalidade da situação ensejadora da mudança contratual, isto é: se a nova situação de fato não comporia a álea natural, ou, mais especificamente: da eventual falta de previsibilidade por parte da ré da eventual alteração das circunstâncias existentes ao tempo da contratação. Portanto, é de se rejeitar o argumento do descumprimento não-imputável e de se acolher o do descumprimento imputável do contrato, contrato que, por isso, foi regularmente extinto pelo autor ao solicitar, e obter, o trancamento da matrícula e mais tarde a sua transferência para outra faculdade. 2.5. Danos A ré sustenta que não era certa a aprovação do autor no teste de inglês necessário à admissão dele na faculdade norte-americana, teste sequer realizado, e que ele não reunia então, no ano de 2006, os requisitos necessários para participar do convênio, como, por exemplo, encontrar-se cursado o 5.º semestre do curso. O segundo argumento -- relacionado com período, ou semestre, do curso -- além de tudo é irrelevante. Primeiro, nada nos autos diz que o aluno somente poderia ingressar no intercâmbio se estivesse no 5.º semestre do curso; ao que parece o requisito era a aprovação para o penúltimo ano letivo do curso, conforme consta do folder de fl. 433, requisito preenchido pelo autor, como bem comprova o documento de fl. 318: um requerimento de matrícula do autor para o primeiro semestre de 2005 na ESIC, no qual ele aparece como aluno do 4.º período, o que leva a concluir que no ano de 2006, quando da tentativa de ingresso no intercâmbio, o autor encontrava-se no 5.º ou 6.º período. Segundo, pelo diálogo gravado tudo indica que faltavam apenas o teste de inglês e alguns documentos a serem preenchidos pelo autor, nada falando Fernando Eduardo sobre o período ou o semestre do curso, circunstância que confirma que o autor preenchia todos os demais requisitos necessários para o convênio. Terceiro, o que importa é que com a alteração das condições contratuais o autor, mesmo que estivesse no ano de 2006 cursando o 4.º período, não mais poderia participar do convênio no futuro, ou seja, no momento em que eventualmente preenchesse o suposto requisito, porquanto: (i) as condições contratuais originárias não fixavam um limite de tempo para o aluno participar do convênio; a condição era apenas o ingresso do estudante no 5.º período; (ii) a mudança das regras contratuais impediria o autor de participar do intercâmbio em qualquer momento; mesmo que ele pudesse candidatar-se ao convênio no ano seguinte, ainda assim teria de pagar os 14.000 Euros, e não as mensalidades em Reais. O primeiro argumento, da falta do teste de inglês, também não convence, muito embora ele seja de fato um argumento plausível, ao menos in abstracto. Se o autor não lograsse aprovação no teste de inglês, ele não seria admitido no convênio; e, portanto, reprovado no teste não poderia exigir o adimplemento da contraprestação; conseqüentemente, pouco importaria o valor das prestações do curso na faculdade estrangeira: de qualquer modo, fosse em Reais ou em Euros a mensalidade, o autor não faria jus à contraprestação devida pela ré, qual seja: de manter o convênio em Reais. Ocorre que tudo se verificou antes do teste de inglês, criando uma situação de probabilidades: o autor afinal seria aprovado no teste de inglês? Mas em contrapartida a ré, logo naquele momento, quando dos atos iniciais para o ingresso no convênio, disse que se o autor satisfizesse todos os requisitos ele, mesmo assim, não receberia os benefícios prometidos inicialmente; as mensalidades na faculdade norte-americano teriam de ser pagas em Euros, 14.000 Euros. Isso coloca a questão em termos de quebra antecipada do contrato. O momento para a contraprestação seria o seguinte, quando o autor estivesse pronto para seguir para o intercâmbio. Contudo, antecipando-se, a ré declarou que, mesmo que isso ocorresse, ela, de qualquer forma, não cumpriria com o avençado originariamente, e a quebra antecipada do contrato ocorre exatamente nessas circunstâncias, como se vê na doutrina: É possível o inadimplemento antes do tempo, se o devedor pratica atos nitidamente contrários ao cumprimento ou faz declarações expressas nesse sentido, acompanhada de comportamento efetivo, contra a prestação, de tal sorte se possa deduzir, conclusivamente, que não haverá o cumprimento. Se esta situação se verificar, o autor poderá propor a ação de resolução. O incumprimento antecipado ocorrerá sempre que o devedor, beneficiado com um prazo, durante ele pratique atos que, por força da natureza ou da lei, faça impossível o futuro cumprimento6. A antecipação do comportamento da ré dizendo que não cumpriria o contrato no futuro, mesmo se e quando o autor reunisse todos os requisitos para ingressar no intercâmbio, torna irrelevante a verificação da probabilidade da aprovação, ou não, do aluno no teste de inglês. O comportamento da ré se sobrepõe a tudo e aponta para o inadimplemento e para o direito do autor de resolver o contrato, nos termos do artigo 35 do Código do Consumidor, sendo que do inadimplemento resultaram danos, como será visto. a) Danos emergentes De acordo com o autor, a sua transferência para a Esic redundou na adaptação curricular e no atraso na conclusão do curso em um ano e meio, com custos econômicos na nova faculdade. A ré não impugnou essas alegações. Disse, e apenas isto, que o autor optou pela transferência da Faculdade Curitiba para a Esic ciente da adaptação curricular. A opção pela transferência deveu-se à oferta do intercâmbio feita pela ré, oferta que, se cumprida, manteria o autor no curso até o final -- se houvesse cumprimento do contrato tal como inicialmente prometido certamente o autor permaneceria na Esic e completaria o curso; como isso não ocorreu, ao resolver o contrato extrajudicialmente, isto é, trancar a matrícula e posteriormente transferir-se para outra instituição de ensino, exercendo, portanto, um direito, o autor sofreu um dano consistente exatamente na necessidade de ter de arcar com um número maior de mensalidades para concluir o curso em outra faculdade. b) Lucros cessantes Os lucros cessantes, por sua vez, decorreriam da perda da oportunidade de, uma vez concluído o curso, o autor progredir profissionalmente no SEBRAE, então seu empregador, passando a ocupar um cargo com uma remuneração no valor de R$ 2.893,75 (dois mil oitocentos e noventa e três reais e setenta e cinco centavos), salário que não receberá, segundo ele, por um ano e meio, ou seja, até completar o curso na nova faculdade. A evolução funcional do autor no SEBRAE não dependia exclusivamente da conclusão do curso. Outras condições eram necessárias, como, por exemplo: "Previsão da necessidade no Planejamento Estratégico de Pessoal (PEP) da Unidade; Existência de vaga para o Espaço Ocupacional, dentro da estrutura da empresa; Disponibilidade orçamentária da empresa" (fl. 154), além de ter o candidato à movimentação vertical de se submeter à avaliação pelo Comitê Certificador (fl. 137). Isso quer dizer que a falta da conclusão do curso não determinou necessariamente, e por si só, a não evolução profissional do autor. A questão, portanto, resume-se à avaliação da perda de uma chance, teoria assim resumida pela doutrina: Quando se fala em chance, estamos perante situações em que está em curso um processo que propicia a uma pessoa a oportunidade devir a obter no futuro algo benéfico. Quando se fala em perde de chances, para efeitos de responsabilidade civil, é porque esse processo foi interrompido por um determinado fato antijurídico e, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída. Nestes casos, a chance que foi perdida pode ter-se traduzido tanto na frustração da oportunidade de obter uma vantagem, que por isso nunca mais poderá acontecer, como na frustração da oportunidade de evitar um dano, que por isso se verificou. No primeiro caso poderemos falar em frustração da chance de obter uma vantagem futura, no segundo em frustração da chance de evitar um dano efetivamente acontecido (portanto, dano presente). Ambos os casos têm como ponto de referência inicial um momento do passado, em que existia a oportunidade agora frustrada, e a partir dele são feitas projeções sobre o que viria a acontecer, se não fosse o fato antijurídico verificado. Por um lado, num caso havia a possibilidade de seguir um caminho que levaria à vantagem almejada (que, como veremos adiante, podia consistir tanto num benefício direito como na eliminação de uma perda a ocorrer no futuro) e no outro havia a possibilidade de evitar o prejuízo que depois aconteceu. Mas, por outro lado, nos dois casos a aferição do valor do dano depende de elementos que se projetam para um momento futuro, com relação a esse ponto de referência inicial: a determinação da verossimilhança da vantagem esperada depende do grau de probabilidade que havia em obtê-la no futuro, tal como, inversamente, a avaliação do prejuízo que efetivamente aconteceu depende do cômputo do grau de probabilidade que havia em ele poder ser evitado. Como se vê, nos casos em que se fala em perda de chances parte-se de uma situação real, em que havia a possibilidade de fazer algo para obter uma vantagem, ou para evitar um prejuízo, isto é, parte-se de uma situação em que existia uma chance real, que foi frustrada. Já a situação vantajosa que o lesado podia almejar, se tivesse aproveitado a chance, é sempre de natureza mais ou menos aleatória. Todavia, apesar de ser aleatória a possibilidade de obter o benefício em expectativa, nestes casos existe um dano real, que é constituído pela própria chance perdida, isto é, pela oportunidade que se dissipou, de obter no futuro a vantagem,ou de evitar o prejuízo que veio a acontecer. A diferença em relação aos demais danos está em que esse dano será reparável quando for possível calcular o grau de probabilidade, que havia, de ser alcançada a vantagem que era esperada, ou inversamente, ou o grau de probabilidade de o prejuízo ser evitado. O curso era uma das condições para a evolução; a sua falta, assim, não acarretaria de per se o dano, mas apenas se somada a outras circunstâncias, donde a necessidade de indagar-se se: (i) existiam, por exemplo, vagas ao tempo em que o autor concluiria o curso se não fosse o atraso; (ii) se havia probabilidade da sua aprovação na avaliação pelo Comitê Certificador, prova que incumbia-lhe? Isto é: tinha o autor o ônus de provar a situação de probabilidade de progressão profissional, especialmente a existência de vagas, passando-se após para o exame da probabilidade da sua aprovação na avaliação etc., ônus descumprido, especialmente quanto aos critérios objetivos existência de vagas, dotação orçamentária etc. Desse modo, os lucros cessantes, ou, melhor dizendo, o dano originado da perda de uma chance, não pode ser deferido. c) Dano moral Esse dano consiste na lesão a direitos fundamentais. O direito fundamental em questão refere-se à imagem e à intimidade psíquica do autor, seguindo-se aqui a divisão proposta pelo Professor Miguel Reale: Sem excluir a possibilidade de uma divisão tripartida do dano, penso que já podemos distinguir claramente entre o dano moral objetivo (aquele que atinge a dimensão moral da pessoa no meio social em que vive, envolvendo a sua imagem) e o dano moral subjetivo que se correlaciona com o mal sofrido pela pessoa em sua subjetividade, em sua intimidade psíquica, sujeita a dor ou sofrimento intransferíveis porque ligados a valores de seu ser subjetivo, que o ato ilícito penosamente subverter, exigindo inequívoca reparação.7 E o autor sofreu repercussões dessa ordem. Com o comportamento da ré ele foi forçado a retardar a conclusão do seu curso, decorrendo daí, certamente, id quod plerumque accidit, frustrações pela perda de oportunidades de trabalho ainda que em outras empresas e especialmente a frustração pela não-realização do curso nos Estados Unidos, causas de um sofrimento anímico relevante. Além disso, há o aspecto da ofensa ao direito fundamental de progressão funcional, um aspecto da dignidade humana, um requisito para o desenvolvimento do homem como pessoa. Decorrendo o dano moral da lesão a interesses não-patrimoniais, apenas a extensão e a gravidade da ofensa deveriam servir como critérios para a sua compensação, sem se pensar em uma função punitiva ou preventiva8, aliás, como estabelece o artigo 944, parágrafo único, do novo Código Civil. Entretanto, o uso das duas funções, ressarcitória e punitiva, ao lado do efeito dissuasivo, é aceito na doutrina, majoritariamente, e nos tribunais quase que unanimemente, e afina-se a um senso ético-moral mínimo que quer que o ilícito seja de algum modo punido. "O professor Carlos Alberto Bittar encontrou o ponto de equilíbrio ao fazer a simbiose entre o caráter punitivo do ressarcimento do dano moral e o caráter ressarcitório. A conjunção de ambos os critérios é apontado em diversos julgados dos Tribunais do País. A gravidade da lesão, a magnitude do dano e as circunstâncias do caso, além do efeito dissuasório da indenização devem ser observados, de forma conjugada e com bastante rigor na fixação do montante indenizatório"9. E reconhecida a necessidade da indenização cumprir aqueles papéis, os critérios mais adequados e corretos para a sua fixação devem ser: (i) os inerentes à lesão em si, ou seja, aqueles que retratam a extensão desta (como a essencialidade do bem atingido, o sofrimento causado à vítima quando isso ocorrer); (ii) os relacionados ao comportamento do ofensor, ao lado de dados econômico-financeiros e sociais, muito embora esses dados não devam relacionar-se à vítima, por não se coadunarem "com a noção de dignidade, extrapatrimonial, na sua essência, quaisquer fatores patrimoniais para o juízo de reparação"10. O efeito dissuasório deve ser empregado quando a atividade danosa do ofensor puder repetir-se, quando a situação de fato indicar a necessidade de refrear-se possíveis condutas semelhantes e igualmente ilícitas. Mas a função ressarcitória é a prevalecente, por ser próprio do Direito dos Danos o princípio da ressarcibilidade da vítima, enfim, por consistir a compensação do dano a própria razão de ser da indenização. As outras duas funções, embora relevantes, são secundárias, mas mesmo assim devem interferir na fixação da indenização. E ao lado de critérios gerais como a incomensurabilidade do dano moral, o atendimento à vítima, à minoração do seu sofrimento, o contexto econômico do País etc., a doutrina recomenda o exame: (i) da conduta reprovável, (ii) da intensidade e duração do sofrimento; (iii) a capacidade econômica do ofensor e (iv) as condições pessoais do ofendido11. Primeiro, a conduta da ré alterando as condições iniciais foi de todo injustificável. Não se deduziu nenhuma razão para a mudança do critério do pagamento da mensalidade. Ao que parece, ela e a faculdade norte-americana simplesmente resolveram alterar um acordo anterior sem motivos fortes e convincentes, sem que algum fator razoável justificasse a alteração. Segundo, as conseqüências para o autor foram graves, pela necessidade de ter ele de aguardar mais um ano e meio para adquirir condições de progredir funcionalmente, de ao menos habilitar-se para progressão no seu emprego. Terceiro, houve lesão a aspectos da dignidade humana, consistentes no direito à educação e evolução profissional e no direito à integridade psíquica. Quarto, além desse direito fundamental, um outro foi violado, o direito do autor de consumidor, igualmente um direito fundamental. Quinto, a condição econômico-financeira do autor, ao que tudo indica, não é boa. A da ré, no entanto, afigura-se excelente, sendo ela uma instituição de ensino internacional. Sexto, agora quanto ao aspecto dissuasório da indenização: a ré atua em um segmento do mercado que atrai centenas de consumidores; e nessa medida, a indenização deve ser suficientemente idônea para alertá-la das conseqüências da reiteração de condutas como essa, essencialmente lesivas ao consumidor, e que geralmente são adotadas em troca do benefício patrimonial: quer dizer, o fornecedor sem pestanejar troca a de direitos do consumidor pelo lucro, prometendo e não cumprido com o prometido. Desse modo, a indenização deve ser fixada em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), com correção monetária a contar da data deste julgamento e juros de mora também deste momento, nos termos de precedentes desta Câmara. § 3. PELO EXPOSTO, a Câmara, por unanimidade, provê em parte o recurso para condenar a ré ao pagamento dos danos emergentes pleiteados, consistentes no pagamento das mensalidades escolares indicadas na inicial, com juros e correção monetária a partir do momento em que o autor despendeu os valores ao quitar as mensalidades na nova faculdade, e no pagamento da indenização do dano moral, arbitrada em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), com juros e correção monetária a contar deste julgamento. Com o acolhimento parcial da demanda, condena-se a ré ao pagamento de 2/3 (dois terços) das custas e despesas processuais e dos honorários de advogado, estes fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, mantida a condenação do autor ao pagamento dos honorários fixados na sentença por ter ele decaído de um dos pedidos, o relacionado com os lucros cessantes, arcando ainda, o autor, com o pagamento do restante das custas e despesas processuais. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Valter Ressel (Presidente - Revisor) e o Juiz Convocado Vitor Roberto Silva, que acompanharam o voto do Relator. Curitiba, 08 de outubro de 2009. Albino Jacomel Guérios Juiz Relator Convocado
1 MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires e GONET BRANCO, Paulo Gustavo, Curso de direito constitucional, 2.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 645; e MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz, Comentários ao Código de Processo Civil, 1.ª ed., São Paulo: revista dos Tribunais, 2000, v. 5, t. I, p. 169. 2 CAVALIERI FILHO, Sergio, Programa de responsabilidade civil, 2.ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 361.
3 Grifos nossos, TJRJ - AC 4528/97 - (Reg. 120298) - Cód. 97.001.04528 - Nilópolis - 5ª C.Cív. - Rel. Des. Ronald Valladares - J. 30.10.1997.
4 CAVALIERI FILHO, Sergio, Programa de direito do consumidor, ob. c., p. 122. 5 ROPPO, Enzo, O contrato, Coimbra: Almedina, 1988, p. 261. 6 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado, Extinção dos contratos por incumprimento do devedor,Rio de Janeiro: Aide Editora, 1991, p. 128. 7 O dano moral no direito brasileiro, in Temas de direito positivo, São Paulo: RT, 1992, p. 23. 8 MORAES, Maria Celina Bodin de, Danos à Pessoa Humana, Uma Leitura Civil Constitucional dos Danos Morais, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 303 e seguintes. 9 SANTOS, Antonio Jeová, ob. c., p. 162. 10 MORAES, Maria Celina Bodin de, ob. c., p. 306. 11 SANTOS, Antonio Jeova, p. 180 e seguintes.
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