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Acórdão
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CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO CUMULADA COM REIVINDICATÓRIA E PERDAS E DANOS - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ART. 486 - USUCAPIÃO - VÍCIO ALEGADO - FALTA DE CITAÇÃO DE CONFRONTANTES - SENTENÇA PROFERIDA ANTERIORMENTE À AQUISIÇÃO DOS IMÓVEIS, SUPOSTAMENTE LIMÍTROFES, PELA AUTORA - EFICÁCIA DA COISA JULGADA MATERIAL - ALIENANTES - EVENTUALIDADE DE RESPONDEREM PELA EVICÇÃO DE DIREITO - CIRCUNSTÂNCIA SEM EXPRESSÃO PARA LEGITIMÁ-LOS NO POLO ATIVO DA RELAÇÃO PROCESSUAL - INTERESSE MERAMENTE ECONÔMICO, E NÃO JURÍDICO (CPC, ART. 487, II) - VINDICAÇÃO DE DIREITO ALHEIO EM NOME PRÓPRIO - VULNERAÇÃO AO ARTIGO 6o. DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - COISA JULGADA E ILEGITIMIDADE - TEMAS QUE DEVEM SER CONHECIDOS, DE OFÍCIO, EM QUALQUER GRAU DE JURISDIÇÃO (CPC, ART. 267, § 3o.) - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. A nulidade da sentença proferida em ação de usucapião pode ser argüida com esteio no artigo 486 do Código de Processo Civil, mas apenas por aquele que, contemporaneamente à tramitação dela (ação), era confrontante da área usucapida e não foi citado, quando deveria tê-lo sido. Eventual responsabilidade pela evicção de direito não legitima o antigo confrontante, que vendeu o imóvel, para residir no polo ativo de relação processual em que se demanda a nulidade da sentença (CPC, art. 486); tampouco pode fazê-lo como terceiro, já que o seu interesse é meramente econômico, e não jurídico (art. 487, II, CPC).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL nº 120.191-4, da LAPA, em que são apelantes FAMOSSUL - FLORESTAL LTDA E OUTROS e apelados CLORMES JOSÉ ZANIN E OUTRO eVANILDA DZIERWA E OUTRO.
RELATÓRIO
Famossul Florestal Ltda., Serraria Minuano Ltda. e Comapa - Comércio de Madeiras Paraná Ltda. ajuizaram ação de nulidade de ato jurídico, cumulado com reivindicatória e perdas e danos, em face de Clormes José Zanin e sua mulher, Mariza Feres Zanin e Felix Dzierwa e sua mulher, Vanilda Dzierwa, objetivando a declaração de nulidade da sentença - proferida nos autos de ação de usucapião promovida pelos primeiros demandados -, em razão da falta de citação de um dos confrontantes, Indústrias Langer Ltda., das ora autoras e daquele em cujo nome estaria transcrito o imóvel usucapiendo, ou o reconhecimento da falta de requisitos dos autores da ação de usucapião para o exercício dos direitos de posse sobre o imóvel reivindicado, e a condenação dos segundos demandados a devolverem o imóvel objeto da lide.
Indeferido o pedido inicial, as autoras interpuseram apelação, que foi provida por esta Câmara para que o processo seguisse seus trâmites normais. Processada a ação, o Dr. Juiz a julgou improcedente. Embargos declaratórios opostos pelas partes foram julgados prejudicados (fl. 491).
Inconformadas, apelam as vencidas, pleiteando, preliminarmente, a distribuição do apelo a esta Câmara em razão da prevenção. No mérito aduzem, em síntese, que: 1) a perícia demonstrou que a área objeto da ação de usucapião encontra-se dentro do excesso de 380.443,90 m2., integrante de área maior adquirida pela primeira apelante às demais, e que as pessoas lá nominadas como confrontantes são falsas; 2) a referida área lhes pertence, ou - no mínimo -, as autoras são os reais confrontantes do imóvel usucapido, as quais não foram citadas; 3) persiste o interesse das alienantes, Serraria Minuano e Comapa, em ver declarada a nulidade da ação de usucapião, já que poderão responder pela evicção - fato reconhecido pelo Acórdão que determinou o recebimento da inicial; 4) não foram citadas como confrontantes, nem Indústrias Langer, nominada como tal na petição de usucapião; 5) não se promoveu a citação de Alvino Mayer, que foi quem vendeu o imóvel usucapido aos requeridos; 6) os requeridos Clormes José Zanin e sua mulher deixaram de atender à determinação (confirmada em sede recursal) no sentido de proceder à juntada de documentos comprobatórios da aquisição a Alvino Mayer, incidindo nas sanções do artigo 359 do Código de Processo Civil; 7) além de Famossul Florestal Ltda., são autoras, também, Serraria Minuano Ltda. e Comapa Comércio de Madeiras Ltda., as quais eram proprietárias e confrontantes à época da propositura da ação de usucapião, tendo em conseqüência legitimidade e interesse na declaração de nulidade, eis que não foram citadas para aquele ato (f. 525). Pedem, por fim, o provimento do recurso para que a ação seja julgada procedente, inclusive quanto ao pedido de reivindicação do imóvel e reparação das perdas e danos, invertendo-se os ônus da sucumbência.
Contra-razões pela manutenção do julgado. O parecer da Doutora Promotora de Justiça foi pelo provimento do recurso e o representante da douta Procuradoria Geral de Justiça opinou no sentido de que esta Câmara, de ofício, declare extinto o processo, sem julgamento do mérito, pela carência de ação dos autores, com fulcro no artigo 267, VI, c.c. o § 3º, do Código de Processo Civil.
VOTO
Conheço do apelo, que é tempestivo, adequado à espécie e foi oportunamente preparado. Em que pese, todavia, o longo arrazoado recursal, penso que a ação - embora por razões diversas daquelas contidas na r. sentença monocrática - efetivamente não tinha condições de prosperar, da mesma forma que o apelo.
É sem dúvida veraz que a falta de citação impede que a sentença transite em julgado, inviabilizando em conseqüência a rescisória por ausência do pressuposto inscrito no artigo 485 do Código de Processo Civil; a desconstituição dela, destarte, pode ser alcançada através da ação preconizada pelo artigo 486 do mesmo diploma legal. Mais: a sentença que vier a ser proferida em tal processo será ineficaz em relação àqueles que deveriam ter sido citados e não o foram, os quais não se sujeitam aos seus efeitos e por isso - em se tratando de ação de usucapião -, poderão socorrer-se não apenas da ação em apreço, mas igualmente da reivindicatória, de que é titular o detentor do domínio contra aquele que injustamente detenha a coisa (CC, art. 524).
A propósito, o Supremo Tribunal Federal proclamou quando do julgamento do recurso extraordinário 96.696-RJ:
Processo Civil. Usucapião. É ineficaz a sentença, proferida em ação de usucapião, na qual não foi citado aquele em cujo nome está transcrito o imóvel, se a ação correu à revelia. II - Ação de reivindicação pode intentá-la aquele que, devendo ser citado para a ação de usucapião, não o foi. III - Desnecessidade da ação rescisória. IV - Recurso extraordinário conhecido e provido (RTJ 104/826).
Já o extinto Tribunal Federal de Recursos teve oportunidade de assentar que
também poderá mover ação de nulidade, com base no art. 486 (Theotonio Negrão, CPC, 30a. ed., verbete 942:6).
E o mesmo Theotônio Negrão acrescenta:
Nessa ordem de idéias, o confrontante não citado para a ação de usucapião tem legitimidade para pleitear a nulidade da sentença proferida nesta (RT 609/59), porque: "A sentença na ação de usucapião vale contra todos, como ato de comando estatal, mas não faz coisa julgada contra aquele que deveria ter sido pessoalmente citado, e não o foi" (RBDP 48/153). Ocorre todavia que, na espécie vertente, Famossul Florestal Ltda. somente obteve o título de domínio depois de julgada a ação de usucapião.
Conforme acertadamente entendeu o Dr. Juiz, provado restou que, quando da aquisição dos imóveis pela autora Famossul Florestal Ltda., em novembro de 1 985, a ação de usucapião já fora julgada procedente, com sentença proferida aos 18 de outubro do mesmo ano; destarte, não havia como nem porque citá-la, já que confrontante não era à época em que promovida a referida ação. Falta-lhe, assim, interesse para a propositura da ação disciplinada pelo artigo 486 do Código Civil.
Aliás, o aspecto nem mesmo comporta discussão, já que idêntica ação intentada por Famossul Florestal Ltda. nos autos registrados sob n. 257/88, apensos, teve a petição inicial indeferida aos 23 de agosto de 1 988 exatamente por esse fundamento (f. 39v./40v.), e a autora conformou-se com tal decisão, precluindo o direito de questioná-la. Não tendo havido recurso, não mais podia Famossul Florestal renovar o pedido em ação diversa, já que a referida decisão tornou-se imutável por força do fenômeno da coisa julgada.
Tal situação não se altera pela tão só circunstância de ser a ação promovida também por Serraria Minuano Ltda. e Comapa Comércio de Madeiras Paraná Ltda. - que em verdade retrata não mais do que expediente de que se valeu a primeira autora na tentativa de se subtrair aos efeitos daquele primitivo pronunciamento judicial.
E assim é porque interesse não é sinônimo e nem se confunde com legitimidade ad causam. O fato de as alienantes, Serraria Minuano Ltda. e Comapa Comércio de Madeiras Paraná Ltda., eventualmente, poderem vir a ser chamados a responder pela evicção - com o respeito devido à existência de precedente em sentido contrário -, não é bastante para legitimá-las no polo ativo da relação processual, já que estariam aí a vindicar direito alheio em nome próprio, pretensão que esbarra no veto do artigo 6o. do Código de Processo Civil. Frise-se que não há, a todas as luzes, litisconsórcio, posto que não se encarta o caso em qualquer das hipóteses elencadas pelo artigo 46 do Código de Processo Civil. Cumpre ressaltar que o fim colimado pela ação é a declaração de nulidade da sentença proferida nos autos da ação de usucapião, bem como a reivindicação da posse sobre o imóvel, mas sempre em benefício de Famossul Florestal Ltda., e não das demais autoras.
Nem se diga que Serraria Minuano e Comapa estariam legitimadas na condição de terceiros juridicamente interessados, nos termos do inciso II do artigo 487 do Código de Processo Civil, porque o interesse decorrente da evicção seria meramente econômico e mediato, e não jurídico. Conforme já decidiu o Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul,
é preciso ser juridicamente interessado; não basta o simples interesse econômico para legitimar o terceiro a propor ação rescisória (Theotônio Negrão, ob. cit., verbete 487:2).
O mesmo raciocínio, desenvolvido a contrario sensu da orientação firmada pelo colendo Supremo Tribunal Federal, demonstra a inviabilidade da ação reivindicatória, pois se quando da prolação da sentença no usucapião a autora não tinha título registrado, foi ela alcançada pela eficácia daquela sentença, não lhe sendo dado socorrer-se da ação de domínio, seja porque ausentes os pressupostos que lhe são inerentes, inscritos no artigo 524 do Código Civil, seja porque sujeita aos efeitos da coisa julgada material (CPC, art. 467).
É oportuno ainda registrar que a relevância da discussão desenvolvida nos autos acerca da natureza da compra e venda realizada entre a primeira e as duas últimas autoras - se ad corpus ou ad mensuram -, restringe-se à própria compra e venda, tendo expressão bastante para dar ação quanti minoris ou redibitória (CC, art. 1.136), mas não reivindicatória contra terceiro.
Consigne-se que tanto a ilegitimidade, enquanto condição da ação, como a coisa julgada, constituem matérias que devem ser conhecidas de ofício e em qualquer grau de jurisdição, ex vi do § 3o. do artigo 267 do Código de Processo Civil.
Impende frisar ainda que a superposição de áreas deve ser objeto de investigação aprofundada, com a execução de trabalhos topográficos abrangentes, hábeis a demonstrá-la de forma a permitir não apenas a constatação do fato, mas sim e principalmente a depuração dos respectivos títulos, e isso não se fez na perícia levada a efeito. Os trabalhos realizados restringiram-se ao exame da documentação encartada nos autos e vistoria nos imóveis, não sendo em conseqüência possível, aprioristicamente, afirmar-se qual o título que deverá ser reconhecido como válido. A isso acrescente-se que apenas por força da anunciada superposição é que Serraria Minuano e Comapa podem ser consideradas confrontantes, não sendo lícito ignorar que ela resulta de excesso de área verificado relativamente ao título dominial detido pelas apelantes. O título é pertinente à área de 58.86 alqueires paulistas, ou 1.424.502 m2, tendo sido apurado unilateralmente um excesso de 15 alqueires paulistas, ou 380.443.9 m2. A superposição corresponderia à área excedente ao título.
Por derradeiro, gize-se que o V. Acórdão que reformou a primitiva decisão proferida nestes autos, indeferindo a petição inicial desta ação, louvou-se substancialmente em razões de conveniência (f. 141), limitando-se a determinar a recepção da petição inicial, mas não espancou a possibilidade de que fossem enfrentadas questões relacionadas às condições da ação, como sóem ser o interesse processual, a legitimidade das partes e a coisa julgada.
Nestas condições, pelos fundamentos expostos, voto no sentido de que se declare, de ofício, a ilegitimidade ad causam de Serraria Minuano Ltda. e Comapa Comércio de Madeiras Paraná Ltda. para residirem no polo ativo da relação processual, por vulneração ao artigo 6o. do Código de Processo Civil, e a autora Famossul Florestal Ltda. carecedora de ação, extinguindo-se o processo sem julgamento de mérito, tudo com esteio jurídico nos incisos V e VI do artigo 267 do Código supracitado, mantida a sentença no que concerne às verbas da sucumbência.
ACORDAM os Juízes integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, declarar, de ofício, a ilegitimidade "ad causam" de Serraria Minuano Ltda. e Comapa, e a autora Famossul carecedora de ação.
Participaram do julgamento os eminentes Juízes CARVÍLIO DA SILVEIRA FILHO, Presidente com voto, e ANNY MARY KUSS. Curitiba, 20 de setembro de 1999.
MENDES SILVA Relator
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