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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL N.º 549342-1, DA 4ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE LONDRINA APELANTE 1: BANCO CITICARD S/A APELANTE 2: ARNÓBIO MASSAYUKI TATIBANA APELADOS: OS MESMOS RELATOR: DES. EDGARD FERNANDO BARBOSA
APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CARTÃO DE CRÉDITO. INSERÇÃO NA SENTENÇA DE NOME EQUIVOCADO DA PARTE REQUERIDA. ERRO MATERIAL. RECONHECIMENTO E CORREÇÃO, DE OFÍCIO, PELO TRIBUNAL.
1. RECURSO DO AUTOR. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS EM 12% (DOZE POR CENTO) AO ANO. IMPOSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO DECRETO 22626/33 (LEI DA USURA) ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. RESTRIÇÃO, TODAVIA, AOS PERCENTUAIS MÉDIOS DE MERCADO, CASO DEMONSTRADO, EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA, QUE AS TAXAS PRATICADAS PELA OPERADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO FORAM SUPERIORES ÀQUELES. RESTRIÇÃO QUE RECAI, TÃO SOMENTE, AOS MESES EM QUE INEXISTE, NOS AUTOS, DEMONSTRAÇÃO DAS TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS PRATICADAS PELA RÉ. ÔNUS SUCUMBENCIAIS SUPORTADOS EXCLUSIVAMENTE PELA RÉ, EM VISTA DO DECAIMENTO MÍNIMO DO AUTOR QUANTO AO PEDIDO DEDUZIDO NA PETIÇÃO INICIAL. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. 1.1 JUROS REMUNERATÓRIOS. Decreto 22.626/33 (Lei da Usura). Limitação imposta da taxa de 12% ao ano que não se estende às instituições financeiras (Súmulas nºs 283 do Superior Tribunal de Justiça e 596 do Supremo Tribunal Federal). Liberdade de contratação livre do percentual, ressalvada a comprovação de abuso, configurado pela incidência de índices muito superiores às taxas médias praticadas pelo mercado financeiro. Súmulas nºs 296 e 382 do Superior Tribunal de Justiça. Artigo 192, § 3º, da Constituição da República. Auto-aplicabilidade afastada pelo Supremo Tribunal Federal, através da Adin nº 04 e Súmula Vinculante nº 07. Revogação do texto constitucional, ademais, pela Emenda Constitucional nº 40/2003. Em que pese inexistir nos autos, tanto o contrato quanto a totalidade das faturas mensais, é incontroverso que sobre o capital disponibilizado pela instituição financeira houve incidência de remuneração. Todavia, a não-apresentação do contrato não autoriza a aplicação dos percentuais de juros legais, tampouco aqueles praticados pela instituição financeira sem que se conheça quais sejam. Devem, portanto, incidir as taxas médias de mercado divulgadas pelo Banco Central do Brasil, para todo período analisado, salvo se constatado que a taxa efetivamente aplicada tenha sido menor do que a praticada no mercado para o respectivo período, hipótese em que deverá prevalecer a menos onerosa ao consumidor. Homenagem aos princípios da boa-fé e justiça contratual. 1.2. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. Perícia judicial que atestou a incidência de capitalização de juros e de lançamento de débito na fatura do autor sem a demonstração de origem. Cobrança indevida. Valores que serão apurados em fase de liquidação de sentença e que deverão ser restituídos ao autor, juntamente com valores a título de juros remuneratórios, caso os valores cobrados ultrapassem a taxa média de mercado. 1.3 ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. Considerando que o autor decaiu de parcela mínima das pretensões deduzidas na petição inicial, incide o disposto no art. 21, parágrafo único, do Código de Processo Civil, devendo o réu suportar a integralidade dos ônus sucumbenciais. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
2. RECURSO DA RÉ. INEXISTÊNCIA DE CAPITALIZAÇÃO DE JUROS NAS OPERAÇÕES REALIZADAS ATRAVÉS DE CARTÃO DE CRÉDITO. ALEGAÇÃO INFIRMADA PELA PROVA PERICIAL. AFASTAMENTO DO ANATOCISMO ANTE A AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO E DE PREVISÃO LEGAL QUE AUTORIZEM A SUA INCIDÊNCIA. INAPLICABILIDADE DA LEI DA USURA ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. SUJEIÇÃO DO CONSUMIDOR AOS TERMOS GERAIS DO CONTRATO. RELATIVIZAÇÃO, POR TRATA-SE DE CONTRATO PADRÃO. RECURSO DESPROVIDO. 2.1 CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. Inadmissibilidade, como regra (Súmula nº 121 do Supremo Tribunal Federal). Possibilidade de sua incidência com peridiocidade inferior a um ano, em caráter excepcional, para contratos celebrados após a edição da Medida Provisória nº 1963-17, de 30/03/2000, reeditada pela Medida Provisória nº 2.170, de 23/08/2001, desde que haja legislação específica que a autorize e que sua incidência tenha sido expressamente avençada no contrato, de forma clara (artigo 54, § 3º, do Código de Processo Civil). Contratos que, além de firmados antes da aludida Medida Provisória, não previram expressamente a sua incidência. Eventual capitalização que deve ser afastada. 2.2 INAPLICABILIDADE DA LEI DA USURA. Ausência de interesse recursal, eis que, nesse aspecto, a própria sentença recorrida afastou a sua incidência. 2.3 SUJEIÇÃO DO CONSUMIDOR AOS TERMOS GERAIS DO CONTRATO. Os instrumentos contratuais juntados aos autos constituem modelo padrão, utilizado em operações dessa natureza, de forma que, ausente a qualificação e subscrição de quaisquer das partes, não possuem, em regra, força para compelir o autor/recorrido às suas condições. Disso decorre a possibilidade de revisão das cláusulas contratuais e o direito à repetição de eventual indébito. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 549342-1, da 4ª Vara Cível da Comarca de Londrina, em que são apelantes Banco Citiicard S/A e Arnóbio Massaiuki Tatibana e apelados, os mesmos. 1. RELATÓRIO Arnóbio Massaiuki Tatibana propôs Ação Declaratória de Inexistência de Débito cumulada com repetição de indébito em desfavor de Federal Card S/A Administradora de Cartões de Crédito e da Caixa Econômica Federal. Alertado pelos despachos de fs. 27 e 38, de que "Federal Card" seria apenas um produto oferecido pela Caixa Econômica Federal, o Autor emendou a inicial (fs. 39), pedindo a exclusão de FEDERAL CARD S/A ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO e a inclusão, em seu lugar, de CREDICARD S/A ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO. Regularmente citada, Credicard S/A Administradora de Cartões de Crédito apresentou contestação às fs. 46/62. Por sua vez, a Caixa Econômica Federal contestou o feito às fs. 150/159, alegando, preliminarmente, sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo da demanda. Instruído o processo, inclusive com a realização de prova pericial (fs. 231/293) adveio a sentença do Juízo Federal da 3ª Vara Cível de Londrina, excluindo da relação processual a Caixa Econômica Federal e dando-se por incompetente para julgar a causa (fs. 312/315). Interposto recurso (fs. 322/341) contra essa decisão, o autor Apelante, em grau de recurso (fs. 357), desistiu do apelo, pedido este homologado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (fs. 358). Encaminhados os autos ao juízo competente, postulou o autor a assistência judiciária gratuita, bem como o julgamento antecipado da lide (fs. 385), considerando que as provas já tinham sido produzidas, reafirmando os pedidos deduzidos na petição inicial. Sobreveio, então, a sentença de fs. 395/398, qualificando como requerida FEDERAL CARD S/A ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO, a despeito do aditamento à petição inicial realizado para constar no pólo passivo Credicard S/A Administradora de Cartões de Crédito. O juízo de 1º grau acolheu parcialmente a pretensão do autor, para determinar à ré que excluísse do saldo do contrato a capitalização de juros constatada na perícia, bem como condená-la à restituição, de forma simples, do que eventualmente haja sido pago a maior. Opostos pelo autor embargos de declaração (fs. 399/400), foram estes rejeitados (fs. 402). Ambas as partes recorreram da sentença. 1.1 Do Recurso de Apelação interposto pelo autor, Arnóbio Massayuki Tatibana: Igualmente inconformado com a sentença, insurge-se o autor mediante as razões recursais de fs. 425/435. Pugna pela limitação dos juros aos percentuais legais, já que inexiste contratação expressa a esse respeito; alternativamente, requer a incidência das taxas médias de mercado. Alega que a perícia contábil constatou incidência de juros remuneratórios em percentuais superiores à média praticada no mercado. Postula ainda a exclusão de um débito no valor de R$ 90,00, cuja origem não foi encontrada pela perícia, sendo seu lançamento indevido. Quanto à repetição de valores, afirma que em vista de "um inexistente saldo devedor imposto ao apelante, obrigando-o ao parcelamento, o que foi feito e devidamente liquidado, conforme laudo pericial (fls. 237), deixou o MM. Juiz de observar a impossibilidade de saldos credores serem abatidos em favor da Apelada quando, ao contrário, tivesse observado a liquidação do parcelamento, restaria na r. sentença, após os expurgos das irregularidades, na determinação da devolução também dos valores parcelados, já que o resultado da perícia apontou saldo credor em favor do apelante e não devedor no momento daquele parcelamento o que, necessariamente implica em devolução daqueles valores, pois inexistente saldos devedores". Por fim, pugna pela inversão do ônus de sucumbência e, em sendo este mantido em seu desfavor, requer a aplicação da suspensão prevista no art. 12 da Lei 1060/50, por ser o apelante beneficiário da assistência judiciária. O réu/apelado Banco Citicard S/A apresentou resposta ao recurso às fs. 438/459. É o relatório. 1.2 Do Recurso de Apelação interposto pela ré, Banco Citicard S/A, atual denominação social de Credicard S/A Administradora de Cartões de Crédito: O Banco Citicard S/A, atual denominação social de Credicard S/A Administradora de Cartões de Crédito, interpôs recurso de apelação às fs. 395/398, sob a alegação de que o sistema utilizado nos contratos de cartão de crédito corresponde ao denominado crédito rotativo. Segundo aduz a apelante, nesse sistema "é obrigação do titular pagar o valor total da dívida apresentada em sua fatura mensal na data de seu vencimento. Neste momento, lhe é apresentada outra opção, caso não pretenda efetuar o pagamento integral: o financiamento do saldo devedor. Para tanto, basta pagar o valor mínimo, que a administradora entenderá como exercida a opção pelo financiamento do saldo devedor" (f. 407). Dessa forma, sustenta não ser possível a cobrança de juros sobre juros no crédito rotativo. Ainda sobre a capitalização de juros, o Apelante afirma a legitimidade de sua incidência invocando a Medida Provisória nº 2.170/36, de 2001 e a Emenda Constitucional nº 32. Fundamenta a inaplicabilidade do Decreto nº 22.626/33 (Lei da Usura) às operações em que figurem como parte instituição financeira pública ou privada do sistema nacional. Ademais, alega que a aplicação da Lei da Usura constitui violação ao art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, porquanto implica desvantagem excessiva à instituição financeira apelante. Reafirma a impossibilidade da compensação e da repetição do indébito. Por fim, aduz serem legítimos os encargos contratuais decorrentes da mora. O autor não ofertou resposta ao recurso da ré. É o relatório. 2. VOTO Preliminarmente, cumpre examinar e corrigir, de ofício, o erro material da sentença ao declinar o nome da parte passiva. A despeito da emenda à petição inicial (fs. 39), realizada no intuito de excluir do pólo passivo FEDERAL CARD S/A ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO, eis que não se trata de pessoa jurídica, mas tão-somente de produto oferecido pela Caixa Econômica Federal, o magistrado sentenciante o qualificou como réu, ignorando o fato de figurar no pólo passivo a CREDICARD S/A ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO. Considerando-se que o apelante BANCO CITICARD S/A, nova denominação social de CREDICARD S/A ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITOS, interpôs recurso de apelação da sentença, sem argüir qualquer irregularidade, presume-se que houve mero erro material. Vale dizer, a condenação imposta na sentença foi direcionada à apelante, cujo recurso comporta, por esse motivo, conhecimento. Assim sendo, com fundamento no art. 463, I, do Código de Processo Civil, impõe-se corrigir de ofício o erro material da sentença, para que em seu dispositivo passe a constar como requerido e condenado BANCO CITICARD S/A. Acerca da possibilidade de correção de ofício de erro material pelo órgão jurisdicional ad quem, assim se pronunciou o STJ: "DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. ART. 463, I, DO CPC. PRECEDENTE DO STJ. PEÇA OBRIGATÓRIA. CÓPIA COMPLETA DO ACÓRDÃO RECORRIDO. AUSÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o erro material constatado em decisum pode ser corrigido de ofício a qualquer tempo, nos termos do art. 463, I, do CPC. Hipótese em que a ementa transcrita na decisão agravada não se refere ao acórdão recorrido, mas àquele prolatado pelo Tribunal de origem em sede de embargos infringentes. 2. A ausência da cópia completa do acórdão recorrido, peça obrigatória nos termos do art. 544, § 1º, do CPC, impede o conhecimento do agravo de instrumento. Precedente do STJ. 3. Agravo regimental improvido." (AgRg no Ag 953.044/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 19/06/2008, DJe 04/08/2008). Grifou-se. Feita a correção, passa-se ao exame dos recursos. Para facilitar a compreensão dos temas controvertidos na lide, analisar-se-á primeiramente o recurso do autor. 2.1 Do Recurso de Apelação interposto pelo autor, Arnóbio Massayuki Tatibana: O recurso apresenta todos os requisitos de admissibilidade, devendo ser conhecido. Trata-se de contrato de cartão de crédito, firmado entre as partes, segundo demonstram os documentos de fls. 14/24, e sobre o qual recai a alegação de abusividade da cobrança de encargos, no período compreendido entre 1994 e 2000. O contrato usualmente realizado pela administradora de cartão de crédito ré, denominado de "contrato de prestação de serviços de administração de cartão de crédito do sistema Credicard", foi juntado aos autos, por cópias, às fs. 31/32 e fs. 34/36, os quais, representando apenas um modelo padrão utilizado em operações dessa natureza, não apresentam data nem a subscrição de quaisquer das partes e, por isso, não têm, de rigor, força para compelir o autor e recorrente às suas condições. De qualquer sorte, vê-se que os aludidos contratos, excetuando-se pequenas alterações, foram redigidos com as mesmas condições gerais. Informam as cláusulas 12ª e 18ª, relativas aos contratos de fs. 31/32 e 34/36, respectivamente, que na hipótese de inadimplemento ou atraso no pagamento de qualquer fatura, sujeita-se o titular ao pagamento de atualização monetária sobre o débito ou indenização por perdas e danos pelos custos nos quais a operadora tenha incorrido, além do pagamento de juros de mora de 1% ao mês, multa moratória e de natureza remuneratória, honorários advocatícios, além de despesas com a cobrança. A incidência de juros remuneratórios reserva-se para as hipóteses de opção de parcelamento do pagamento da fatura ou de existência de saldo devedor, segundo a previsão das cláusulas 9ª (contrato de f. 31/32), 10ª (ambos os contratos) e 16ª (contrato de fs. 34/36), quando então serão cobrados do titular do cartão "encargos contratuais", cujo percentual máximo será informado mensalmente através das respectivas faturas. Na situação dos autos, infere-se das faturas juntadas aos autos que esses encargos contratuais variam entre 9,8 e 13,13% ao mês, sendo certo, no entanto, que tais encargos compreendem a "(...) remuneração pela garantia prestada e pelos serviços de administração do financiamento", além de representarem o "custo do financiamento". É o que consta do item 10.5 da cláusula 10ª. Vale dizer, os encargos não se referem exclusivamente aos juros remuneratórios. Por outro lado, informou a perícia judicial realizada quando o processo ainda se encontrava em trâmite na Justiça Federal (fs. 231/293), que: 1º) - "Não há nos contratos cláusula específica que autorize à CREDICARD a capitalizar os juros como também não há taxa de juros especificada no referido instrumento" - resposta ao quesito nº 06, do autor (f. 242); 2º) - "Os juros são capitalizados quando não há o pagamento da fatura, ou ainda se o pagamento foi inferior ao montante de juros ou encargos financeiros cobrados na fatura" - resposta ao quesito 22, da ré (f. 249); 3º) - Indagada pelo juízo se "houve capitalização mensal de juros", respondeu a perita que "sim, na forma como explicado no quesito 4 do autor" - f. 250. No referido quesito (f. 241), informou a perita que há a incidência de juros capitalizados quando: "1. Quando a fatura não é paga e o montante (que já contém juros) é novamente refinanciado; 2. quando ocorre atraso no pagamento, neste caso a capitalização ocorre apenas para o número de dias de atraso"; 4º) - excluída a capitalização de juros e de "... um débito não comprovado referente ao período de mar- set/96 (vencimento 20.10.96) no valor de R$90,00", apurou-se a inexistência de um saldo devedor e a existência de um saldo credor em favor do autor. É o que consta às fs. 238/240, 242 e 250. Como se vê, afirmou a perícia que houve a incidência, na situação dos autos, de capitalização de juros, inexistindo, no entanto, a previsão contratual do percentual cobrado a título de juros remuneratórios. No entanto, ao contrário do que pretende a recorrente, não é possível limitar a taxa dos juros remuneratórios no percentual de 12% ao ano. De início, cumpre registrar que, em contratos dessa natureza, estendem-se às administradoras de cartão de crédito as prerrogativas concedidas aos bancos quanto à não limitação da taxa de juros remuneratórios. Esse, aliás, é o teor da Súmula nº 283 do Superior Tribunal de Justiça: "Súmula 283. As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, não sofrem a limitação da Lei de Usura". Recentemente, quando do julgamento da Apelação Cível nº 552603-4, desta Câmara e de minha relatoria, assentou-se toda a divergência legislativa e doutrinária acerca da questão dos juros remuneratórios exigidos pelas instituições financeiras. Na oportunidade, anotou-se estar consolidado nos tribunais o entendimento acerca da impossibilidade da sua limitação nas relações contratuais estabelecidas com instituições financeiras, sendo lícita a liberdade de contratar, ressalvada a situação de o devedor comprovar inequivocamente a prática de abuso, configurado pela incidência de índices muito superiores à taxa média praticada pelo mercado financeiro. Tal entendimento fundamentou-se, inicialmente, na inaplicabilidade, às instituições financeiras, do Decreto 22.626/33 - "Lei de Usura" - que veda a estipulação de juros superiores a 12% ao ano. Com o advento da Lei n.º 4.595/1994, diploma que veio disciplinar de forma especial o Sistema Financeiro Nacional, caberia ao Conselho Monetário Nacional limitar os juros nas relações contratuais envolvendo as instituições financeiras. Essa conclusão sedimentou-se no Supremo Tribunal Federal, através da Súmula 596, assim enunciada: "As disposições do Decreto n.º 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional." Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a limitação da taxa dos juros passou a constar do seu art. 192, § 3º, cujo texto gerou enorme discussão acerca da sua aplicabilidade, em face da exigência, no caput, de lei complementar. Através do julgamento da ADIN nº 4, pelo STF, pacificou-se o entendimento de que art. 192, § 3º da CF não era auto-aplicável, entendimento esse que restou sedimentado em definitivo através da Súmula Vinculante 7, cujo teor é o seguinte: "A norma do § 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar.". Por fim, com a revogação do art. 192, § 3º da Constituição da República, pela Emenda Constitucional nº 40/03, passou a ser totalmente descabida a limitação da taxa dos juros remuneratórios. Ainda, também em face do Código de Defesa do Consumidor foi firmado o entendimento de que as instituições financeiras têm liberdade remuneratória no que se refere às taxas dos juros, ressalvada a situação de o devedor comprovar inequivocamente a prática de abuso, configurado pela incidência de índices muito superiores à taxa média praticada pelo mercado financeiro. Nesse sentido, deste Tribunal de Justiça: "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. CARTÃO DE CRÉDITO. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO À TAXA LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DA TAXA MÉDIA DE MERCADO. (...) 1. As administradoras de cartão de crédito se enquadram entre as instituições integrantes do sistema financeiro nacional, e, como tal, não estão sujeitas à limitação constitucional ou legal da taxa de juros remuneratórios, a teor da súmula nº 596 e da súmula vinculante nº 07, ambas do Supremo Tribunal Federal. (...)" (Apelação Cível 0348984-1, 14ª Câmara Cível, Relator Des. Guido Döbeli, J. 02/09/2009, DJ 03/11/2009) "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA DE NULIDADE E DE REVISÃO DE CONTRATOS DE CHEQUE ESPECIAL, CARTÃO DE CRÉDITO E CDC CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO - (...) PRETENSÃO DE LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA VINCULANTE Nº 7 DO STF E AUSÊNCIA DE EXPRESSA PACTUAÇÃO - PREVALÊNCIA DA TAXA MÉDIA DE MERCADO APLICADA, CONSOANTE APURAÇÃO PELA PERÍCIA - (...)" (Apelação Cível 0528585-6, 14ª Câmara Cível, Relator Des. Celso Seikiti Saito, J. 01/07/2009, DJ 17/08/2009) "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO - IMPROCEDÊNCIA. APELO DA AUTORA - LIMITAÇÃO DOS JUROS EM 12% AO ANO - IMPOSSIBILIDADE - JUROS CONTRATADOS QUE DEVEM SER MANTIDOS NO PATAMAR CONVENCIONADO - RECURSO DESPROVIDO. Impossível a limitação dos juros em 12% ao ano, pois mesmo antes da revogação operada pela EC n° 40, já era firme o entendimento de que o § 3º do art. 192 da Constituição Federal tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar. E, se os juros remuneratórios cobrados pelo cartão pessoal, durante a vigência do contrato, atendiam à taxa cobrada pelo mercado financeiro, entende-se que inexistiu abusividade nesta estipulação." (AC 555936-0, 13ª C.Cível, j. 04.03.2009, Rel.: Juiz Subst. 2º G. Luis Carlos Xavier); "AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO (...) JUROS REMUNERATÓRIOS - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE TAXAS SUPERIORES ÀS DE MERCADO - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - MATÉRIA PRECLUSA - SPREAD BANCÁRIO - AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NO FATO DE O BANCO OBTER LUCRO ELEVADO - RECURSO NÃO PROVIDO. 1. (...) 2. Pacificado o entendimento acerca da impossibilidade de limitação da taxa de juros remuneratórios a 12% ao ano, tendo as partes liberdade para contratá-la. Súmula 648 do STF. Lei nº 4.595/64, que proíbe a aplicação, aos bancos, da limitação de juros a 12% ao ano prevista na Lei de Usura. Súmula 526 do STF. Ainda, na falta de demonstração que a instituição financeira pratica juros acima das taxas de mercado, não há que se falar em cobrança abusiva de juros. 3. O fato de os bancos obterem lucro elevado em sua atividade financeira não é indicativo do cometimento de atos ilegais ou abusivos." (AC 356700-0, 14ª C.Cível, j. 18.02.2009, Rel.: Juiz Subst. 2º G. Espedito Reis do Amaral). Do Superior Tribunal de Justiça, dentre os acórdãos mais recentes, registram-se os seguintes: "AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. CLÁUSULA-MANDATO. LEGALIDADE. JUROS REMUNERATÓRIOS. NÃO LIMITAÇÃO. I - É legal a cláusula-mandato que permite à administradora de cartões de crédito buscar recursos no mercado para financiar o usuário inadimplente. II - As empresas administradoras de cartão de crédito se enquadram como instituições integrantes do sistema financeiro nacional, não se aplicando a limitação dos juros prevista no Decreto nº 22.626/33. III - Os juros pactuados em taxa superior a 12% ao ano não são considerados abusivos, exceto quando comprovado que discrepantes em relação à taxa de mercado, após vencida a obrigação, hipótese não ocorrida nos autos. Agravo improvido. (AgRg no Ag 748561/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/11/2008, DJe 26/11/2008) "AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO - AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO ACERCA DA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS INCIDENTES (CONFORME EXPOSTO NO ACÓRDÃO RECORRIDO) - LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DE MERCADO - NECESSIDADE - AGRAVO IMPROVIDO." (AgRg nos EDcl no REsp 1059039/PR, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/08/2009, DJe 27/08/2009) Transcreve-se, ainda, trecho do voto proferido pelo Ministro Massami Uyeda nesse último precedente, no qual afirma que a taxa média de mercado é aplicável aos cartões de crédito:
"Conforme assentado na decisão agravada, esta a. Corte consagrou o posicionamento no sentido de manter os juros no percentual avençado pelas partes, desde que não este sobejamente demonstrada a exorbitância do encargo (v.g. AgRg REsp nº 590.573/SC, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, DJU 25.05.2004). É certo, também, que e. Segunda Seção desta a. Corte, quando do julgamento do REsp n° 715.894/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, sessão do dia 26.04.2006, firmou o entendimento de que, nos contratos bancários, quando não houver previsão da taxa de juros, se aplicará a taxa média de juros do mercado em coerência com as Súmulas n°s 294 e 296 deste Tribunal. In casu, conforme assentado pelas Instâncias ordinárias, não havendo estipulação contratual acerca do índice dos juros remuneratórios (fl. 426) - moldura fática imutável na presente via, em observância à orientação adotada por esta Corte, limita-se, não ao percentual fixado na Lei de Usura, mas à taxa média do mercado à época da contratação. (....) Importa deixar assente, ainda, que, no referido precedente da e. Segunda Seção desta a. Corte, a hipótese tratava de contrato de abertura de crédito em conta-corrente, contrato de natureza mista de depósito e de mútuo (este último, na hipótese de o correntista utilizar-se do cheque-especial, quando incidirão os juros remuneratórios e moratórios). Veja-se, contudo, que a mesma razão esposada no referido entendimento para aquela situação permeia, igualmente, no caso do contrato de cartão de crédito, em que as taxas de juros somente incidem na hipótese do correntista deixar de pagar a fatura na data do vencimento (ocasião em que passa a ter inequivocamente a natureza de mútuo). Em tal julgado, tido como leading case, não houve qualquer ressalva quanto à aplicação do referido entendimento quanto ao contrato de cartão de crédito, o qual, como visto, deve ter o mesmo tratamento.(...)" Ainda do STJ, colaciona-se fragmento extraído de recente decisão monocrática sobre a matéria: "AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIREITO DO CORRENTISTA. LANÇAMENTOS. CONTA-CORRENTE. ART. 26 DA LEI N. 8.078/90. INAPLICABILIDADE. JUROS REMUNERATÓRIOS. PACTUAÇÃO NÃO-DEMONSTRADA. INCIDÊNCIA DA TAXA MÉDIA DE MERCADO. 1. O prazo decadencial de que trata o art. 26, II e §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.078/90 não se aplica às ações que versam sobre a decadência/prescrição do direito do correntista de revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua conta-corrente. 2. Ante a ausência de demonstração do percentual de juros remuneratórios contratado, prevalece a taxa média de mercado estipulada pelo Bacen nas operações da espécie. 3. Recurso especial conhecido em parte e provido. (...) II - Juros remuneratórios. É entendimento desta Corte que, com o advento da Lei n. 4.595/1964, diploma que disciplina de forma especial o Sistema Financeiro Nacional e suas instituições, restou afastada a incidência da Lei de Usura, tendo sido delegados ao Conselho Monetário Nacional os poderes normativos para limitar as referidas taxas, salvo as exceções legais (Súmula n. 596/STF). Nesse diapasão, as instituições financeiras não se sujeitam ao limite de 12% ao ano para a cobrança de juros remuneratórios. Além disso, eventual alegação de abusividade da cláusula contratada depende de demonstração cabal e objetiva a ser aferida em relação à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil. Por outro lado, a Segunda Seção, no julgamento do REsp n. 715.894/PR, da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, DJ de 19.3.2007, entendeu que a ausência do percentual contratado e a inequívoca incidência de juros remuneratórios no contrato autorizam a aplicação da taxa média de mercado para operações da espécie à época do ajuste." (REsp nº 1.106.923/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 05.06.2009) (grifamos). Registrem-se, acerca dos juros remuneratórios, as Súmulas nsº 296 e 382 do Superior Tribunal de Justiça, cujos enunciados são os seguintes, respectivamente: "Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado." "A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade". Nos presentes autos duas situações diversas se apresentam. Para os meses em que há comprovação das taxas de juros remuneratórios praticadas pela ré (documentos acostados às fls. 15/24), diante da ausência de demonstração, pelo autor, da abusividade das mesmas, estas devem ser respeitadas. De outro modo, tal como anotado na perícia, em sendo desconhecidos os percentuais praticados pela ré, a título de juros remuneratórios, ao período contratual restante, para este devem ser aplicadas as taxas médias praticadas pelo mercado. É que, como já enfatizado, a ilegalidade ou abusividade da cobrança dos juros remuneratórios depende de demonstração cabal e objetiva a ser aferida em relação à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, não bastando a simples alegação de que os juros praticados são abusivos. No entanto, em que pese não ter sido demonstrada pelo autor/recorrente, a alegada abusividade do percentual aplicado pela instituição financeira ré a título de juros remuneratórios, não é possível olvidar, por outro lado, das normas ditadas pelo Código de Defesa do Consumidor, de índole pública e constitucional e, portanto, de aplicação cogente1. Com efeito, não é possível desconhecer que o equilíbrio, a boa-fé objetiva, a transparência e a realização da justiça contratual são a tônica dos contratos de consumo. Nesse sentido: "A análise de aplicação do Código de Defesa do Consumidor deve ser realizada tendo em vista ser este um código de função social, uma lei de ordem pública, econômica e de origem claramente constitucional. Analisando a aplicação da legislação especial aos contratos firmados anteriormente a 11 de março de 1991, data em que passou a vigorar suas disposições, tem-se firmado o entendimento de que o Código de Defesa do Consumidor por se tratar de norma de ordem pública tem aplicação imediata, inclusive quando se observa no caso concreto que tutela garantias constitucionais" (TJPR, Ap. Cível nº 453101-7, Rel. Abraham Lincoln Calixto, j. em 26/08/2008). Também nessa esteira: 4.ª Câmara Cível, ACv. n.º 327.569-4, Rel. Des. Marcos de Luca Fanchin, j. em 18.07.06; 15.ª Câmara Cível, ACv. n.º 340.938-7, Rel. Des. Hayton Lee Swain Filho, j. em 08.08.06; 15.ª Câmara Cível, ACv. n.º 330.984-6, Rel. Des. Jurandyr Souza Júnior, j. em 07.06.06 e 2.ª Câmara Cível, ACv. n.º 171.597-5, Rel. Des. Luiz César de Oliveira, j. em 09.05.06; AI n.º 412.264-3/01, 4ª Câmara Cível, DJ 07/08/2007. Cláudia de Lima Marques enfatiza que "(...) na solução dos casos concretos, deve o CDC receber aplicação imediata ao exame da validade e eficácia atual dos contratos assinados antes de sua entrada em vigor, seja porque é norma de ordem pública, seja porque concretiza também uma garantia constitucional, ou simplesmente porque positiva princípios e patamares éticos de combate a abusos existentes no direito brasileiro antes mesmo de sua entrada em vigor."2 . Ademais, é certa a existência, ainda que implícita, do princípio da justiça contratual em nosso ordenamento jurídico, o que facilmente se extrai tanto da legislação consumerista quanto da legislação civil. Normas como a da proibição do enriquecimento sem causa ou ainda da função social do contrato, o refletem sobremaneira. Dessa forma, como se desconhece se as taxas de juros remuneratórios aplicadas pela administradora de cartão de crédito, durante todo período contratual, podem, ou não, ser consideradas abusivas e, ainda, em atenção às diretrizes principiológicas da boa-fé, equilíbrio e justiça contratual que devem nortear todas as relações contratuais, devem ser observadas, para o período em que não houve demonstração da taxa efetivamente praticada pela ré, as taxas médias de mercado ditadas pelo Banco Central e usualmente aplicadas em contratos dessa natureza. Ressalva-se, no entanto que, na hipótese de as taxas contratadas serem inferiores às taxas médias de mercado (o que poderá ser aferido em liquidação de sentença) deverão aquelas ser aplicadas, e não essas. Assim, tendo em mira o favorecimento do consumidor, deverá ser adotada a taxa de juros que refletir o menor índice - contratual ou média de mercado. Procede, portanto, em parte, o pedido deduzido sucessivamente pelo recorrente, qual seja, a limitação dos juros remuneratórios aos percentuais médios aplicados no mercado ou, quando inferiores a estes, os índices aplicados pela operadora de cartão de crédito. Ressalva-se, porém, que quanto ao período em que há comprovação das taxas de juros remuneratórios praticadas pela ré (documentos acostados às fls. 15/24), diante da ausência de demonstração, pelo autor, da abusividade das mesmas, estas devem ser respeitadas. Tais dados deverão ser aferidos por ocasião da liquidação de sentença. Ainda, a perícia judicial realizada afirmou, como já anotado, a existência de um lançamento de débito na fatura do autor e recorrente, no período de mar-set/1996, no valor de R$90,00 (noventa reais). Destacou a perita que não houve demonstração da origem desse lançamento, fato que não foi impugnado pela administradora ré e que, assim, deve ser repetido em favor do autor e recorrente. De igual forma, anotou a perícia que, uma vez excluídos os valores cobrados a maior em razão da capitalização dos juros, existirá um crédito a repetir em favor do autor e recorrente, o que possivelmente também se verificará por força da presente decisão, de limitação da taxa de juros remuneratórios às taxas médias de mercado. Cabe aqui ressaltar: os valores a repetir deverão ser oportunamente aferidos em liquidação de sentença. Por outro lado, não procede a alegação recursal de não haver valores a serem compensados, porquanto a perícia judicial realizada somente apurou a existência de um crédito em favor dele, recorrente. Ora, somente após a elaboração do cálculo com a exclusão dos encargos abusivos é que será possível aferir, com certeza, quais os valores deverão ser repetidos ao recorrente, ficando, no entanto, como concluiu o magistrado singular, ressalvada a hipótese de eventual compensação para a "... hipótese de remanescer crédito em favor da requerida". Portanto, voto pelo parcial provimento do recurso do autor, Arnóbio Massayuki Tatibana, a fim de ser afastada a pretendida limitação dos juros remuneratórios no percentual de 12% ao ano, porém provido parcialmente o pleito de incidência das taxas médias de mercado ou, se menor, as taxas contratadas, devendo, ainda, ser repetido, em favor do autor e recorrente, o valor de R$90,00 (noventa reais), por ausência de origem do lançamento, bem como os eventuais valores que tenham sido pagos a maior, os quais deverão ser aferidos em liquidação de sentença. Considerando-se a reforma parcial da sentença em favor do autor, constata-se que este decaiu de parte mínima de seu pedido, de modo que se impõe a condenação da requerida ao pagamento da totalidade dos ônus de sucumbência, na forma do art. 21, parágrafo único do Código de Processo Civil, mantidos, quanto aos honorários advocatícios, os valores fixados pelo juízo de 1º grau (R$ 2.000,00). 2.2 Do Recurso de Apelação interposto pela ré, Banco Citicard S/A, atual denominação social de Credicard S/A Administradora de Cartões de Crédito: O recurso apresenta todos os requisitos de admissibilidade, devendo ser conhecido. A operadora de cartão de crédito insurge-se mediante as razões recursais de fs. 403/416. Busca a reforma da sentença no que respeita ao afastamento da capitalização de juros, aduzindo que, em se tratando de crédito rotativo, não há que se falar em capitalização mensal de juros e que, de qualquer forma, essa modalidade de cobrança passou a ser admitida após o advento da Medida Provisória nº 2.170-36/2001. No que respeita aos juros remuneratórios, aduz inexistir limitação para sua cobrança, vez que a Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) não se aplica às instituições financeiras, públicas ou privadas. Por fim, alegando que o consumidor teve prévio conhecimento de todos os encargos que estavam sendo cobrados, não há que se falar em repetição de indébito, porquanto todos os valores foram lançados "(...) com a estrita observância das condições constantes das cláusulas contratualmente estabelecidas entre as partes". Não comportam guarida as pretensões recursais. Conforme elucidado quando do exame do apelo interposto pela contraparte, a perícia judicial (fs. 231/293) chegou às seguintes conclusões em relação à capitalização de juros: "1º) - 'Não há nos contratos cláusula específica que autorize à CREDICARD a capitalizar os juros como também não há taxa de juros especificada no referido instrumento' - resposta ao quesito nº 06, do autor (f. 242); 2º) - 'Os juros são capitalizados quando não há o pagamento da fatura, ou ainda se o pagamento foi inferior ao montante de juros ou encargos financeiros cobrados na fatura' - resposta ao quesito 22, da ré (f. 249); 3º) - Indagada pelo juízo se 'houve capitalização mensal de juros', respondeu a perita que 'sim, na forma como explicado no quesito 4 do autor' - f. 250. No referido quesito (f. 241), informou a perita que há a incidência de juros capitalizados quando: '1. Quando a fatura não é paga e o montante (que já contém juros) é novamente refinanciado; 2. quando ocorre atraso no pagamento, neste caso a capitalização ocorre apenas para o número de dias de atraso'." Como se vê, afirmou a perícia que houve a incidência, na situação dos autos, de capitalização de juros, inexistindo, no entanto, a previsão contratual do percentual cobrado a título de juros remuneratórios. Ademais, o fundamento legal de que se vale a apelante para sustentar a legitimidade da incidência de juros capitalizados - qual seja a MP nº 2.170-36/2001 - não pode ser admitido no caso dos autos, eis que as operações financeiras que deram ensejo à propositura desta demanda foram realizadas no período compreendido entre 20.12.1994 e 18.12.2000, antes, portanto, do advento da mencionada Medida Provisória. Há que se destacar, ainda, que a despeito de os instrumentos contratuais constantes dos autos (fs. 31/32 e 34/36) consubstanciarem contratos padrões, sem qualificação tampouco subscrição das partes, conclui-se que a celebração dos mesmos aperfeiçoou-se, respectivamente, em dezembro de 1994 (f. 30) e junho de 1999 (f. 34), ocasião em que, por óbvio, ainda não vigorava a mencionada Medida Provisória. Em assim sendo, ausente a pactuação expressa bem como autorização legislativa específica, deve ser mantido o entendimento adotado pelo juízo de primeiro grau, ao extirpar da relação jurídica sub judice a capitalização de juros. Registrem-se, a contrário senso, os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema: "No que se refere à capitalização mensal dos juros, o entendimento que prevalece neste STJ é de que, nos contratos firmados posteriormente à entrada em vigor da MP n. 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob n. 2.170-36/2001, revela-se lícita a capitalização mensal dos juros, desde que prevista contratualmente. (...) Na espécie dos autos, observa-se que o contrato de financiamento foi firmado após a entrada em vigor da citada medida provisória, com definição expressa das taxas de juros ali incidentes, o que viabiliza, no ponto, o acolhimento do pleito recursal". (STJ. REsp 1090321. Rel Min. Carlos Fernando Mathias. DJ de 06/02/2009). "AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. PROCURAÇÃO. SUBSTABELECIMENTO. AUTENTICAÇÃO. DESNECESSIDADE. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL INEXISTENTE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 126/STJ. JUROS REMUNERATÓRIOS. NÃO LIMITAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. POSSIBILIDADE. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. COBRANÇA CUMULADA COM DEMAIS ENCARGOS MORATÓRIOS. INADMISSIBILIDADE. (...) IV - É admissível a capitalização mensal dos juros nos contratos celebrados a partir da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000, desde que pactuada. (...) Agravo improvido." (STJ. AgRg no Resp 1068574/MS. Rel. Sidnei Beneti. 3ª Turma. DJ de 24.03.2009). Por outro lado, carece o apelante de interesse recursal quanto à pretensão de afastar a limitação aos juros remuneratórios aos percentuais legais. Isto porque, nesse tópico, a sentença foi favorável ao réu ora recorrente, consoante revela o fragmento a seguir transcrito: "(...) a instituição financeira não está subordinada à limitação da lei de usura, consoante reiteradas decisões de nossos tribunais e ante o proclamado pela Súmula 596 do STF, sujeitando-se apenas aos limites fixados pelo Conselho Monetário Nacional, admitindo-se pactuação de juros em carga superior a 12 % (doze por cento) ao ano. (...) Com efeito, não é abusiva a cláusula contratual que fixa juros mensais acima de 1% ao mês, mormente porque são os usualmente praticados no mercado financeiro nos contratos dessa natureza." (fs. 397) De qualquer sorte, conforme assentado no voto proferido no julgamento do recurso do autor, dúvida não há quanto à inaplicabilidade da Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) às instituições financeiras, públicas ou privadas (Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal), aos quais se equiparam as operadoras de cartões de crédito, a teor do disposto na Súmula nº 283 do Superior Tribunal de Justiça. Por fim, alegando que o consumidor teve prévio conhecimento de todos os encargos que estavam sendo cobrados, alega o apelante ser indevida a repetição de indébito, porquanto todos os valores foram lançados "(...) com a estrita observância das condições constantes das cláusulas contratualmente estabelecidas entre as partes". Extrai-se dos autos, em especial dos contratos acostados às fs. 31/32 e 34/36 e da prova pericial, que não assiste razão o recorrente. Os aludidos instrumentos contratuais constituem apenas um modelo padrão, utilizado em operações dessa natureza, de forma que, ausente a qualificação e subscrição de quaisquer das partes, não têm, em regra, força para compelir o autor/recorrido às suas condições. Tanto é assim que o recurso do requerente fora provido para reformar a sentença quanto aos percentuais de juros remuneratórios, no sentido de que, em se verificando que os índices aplicados pela recorrente foram superiores às taxas médias de mercado, sejam estas observadas em detrimento daqueles. Para corroborar a posição ora encampada em relação aos temas suscitados no recurso da apelante colha-se, ainda, o seguinte aresto do STJ: "PELA TAXA MÉDIA DE MERCADO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO. 1. Consoante entendimento assente nesta Corte, não contratada expressamente a taxa de juros, deve ser aplicada a taxa média praticada pelo mercado em operações da espécie, apurada pelo Banco Central do Brasil. 2. A capitalização dos juros em periodicidade mensal é admitida para os contratos celebrados a partir de 31 de março de 2000 (MP nº 1.963-17/2000), desde que pactuada, o que não ocorre no caso em apreço. 3. Agravo regimental desprovido." (STJ. AgRg no Resp 1043101/RS. Rel. Fernando Gonçalves. 4ª Turma. DJ de 17/11/2008). Ante o exposto, voto pelo desprovimento do recurso de apelação interposto pela ré Banco Citicard S/A. 3. Por tais fundamentos, voto pelo conhecimento e parcial provimento do recurso de apelação interposto pelo autor, Arnóbio Massayuki Tatibana, para limitar os percentuais de juros remuneratórios às taxas médias de mercado, ou, se menor, às taxas contratadas, tão somente para o período contratual em que não houve, nos autos, demonstração das taxas de juros remuneratórios praticadas pela ré, devendo, ainda, ser repetido, em favor do autor e recorrente, o valor de R$90,00 (noventa reais), por ausência de origem do lançamento, bem como os eventuais valores que tenham sido pagos a maior, os quais deverão ser aferidos em liquidação de sentença. Outrossim, voto pelo conhecimento e desprovimento do recurso da ré, Banco Citicard S/A. Considerando-se que o autor decaiu de parcela mínima de seu pedido, por força do art. 21, parágrafo único, do CPC, voto pela reforma da sentença quanto aos ônus de sucumbência, que deverão ser suportados integralmente pela ré Banco Citicard S/A. Anote-se, por fim, que se encontra prejudicado o pedido do autor, de apensamento destes autos ao processo nº 0549325-0, para julgamento simultâneo, uma vez que este já foi devidamente julgado (decisão publicada em data de 13 de agosto do corrente ano), em cuja decisão foi dado provimento parcial e imediato ao apelo do ora autor, bem como negado seguimento ao recurso adesivo manejado pela ré. Acordam os Senhores Desembargadores integrantes da Décima Quarta Câmara Cível, por unanimidade de votos, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso do autor, bem como em conhecer e negar provimento ao recurso do réu, nos termos dos votos do Relator. Participaram do julgamento os Desembargadores Edson Vidal Pinto (Presidente, com voto) e Guido Döbeli. Curitiba, 09 de dezembro de 2009. Edgard Fernando Barbosa Relator
1 CDC. Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.
2 CLAUDIA DE LIMA MARQUES, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, 4ª. edição, São Paulo:RT, 2002, p. 583.
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