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Acórdão
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Agravo de Instrumento nº 611403-0 da 4ª Vara da Fazenda Pública Falências e Concordatas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Agravante: Dagranja Agroindustrial Ltda. Agravado: Raul Morking. Relatora: Juíza Elizabeth M. F. Rocha, em substituição ao Des. Domingos José Perfetto. AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECISÃO QUE EM CUMPRIMENTO DE SENTENÇA SOLUCIONA CONTROVÉRSIA INTERPRETATIVA ENTRE AS PARTES E CONFERE CORRETA INTERPRETAÇÃO DO JULGADO À LUZ DE SUA FUNDAMENTAÇÃO E EM COTEJO À PRETENSÃO AUTORAL - AUSÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA INOCORRÊNCIA DE PRECLUSÃO DECISÃO PROFERIDA SEM A ABERTURA DE PRAZO À PARTE ADVERSA PARA MANIFESTAÇÃO ACERCA DE PARECER JURÍDICO CARREADO AOS AUTOS PELO EXEQUENTE EXCEÇÃO À REGRA CONTIDA NO ART. 398 DO CPC INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO DECISÃO MANTIDA. Agravo desprovido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 611403-0 da 4ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que figuram, como Agravante, Dagranja Agroindustrial Ltda., e, como Agravado, Raul Morking.
1. Trata-se de agravo de instrumento interposto em face da decisão que ultimou controvérsia estabelecida em liquidação de sentença proferida nos autos de "ação ordinária de cumprimento de obrigação c/c cobrança". Da sucessão dos fatos extrai-se que Raul Morking, ora agravado, ajuizou em face da agravante Dagranja Agroindustrial Ltda., "ação ordinária de cumprimento de obrigação c/c cobrança", sustentando, em síntese, que "em data de 17 de março de 1995, a Requerida" vendeu à sociedade empresarial "Teleações Corretagem e Assessoria Financeira S/C Ltda., empresa que à época pertencia ao requerente", "os créditos que possuía junto às Centrais Elétricas Brasileiras S/A, originados do recolhimento de Empréstimo Compulsório sobre o consumo de energias, instituído pelo Decreto-Lei 1.512/76". Relatou que "no dia 24 de março de 1998, o requerente comprou os direitos aos aludidos créditos da empresa Teleações e, no intuito de dar transparência ao negócio, solicitou à requerida instrumento público de procuração com a finalidade de dar início ao processo de transferência junto à Eletrobrás". Disse que a despeito da negociação, tomou ciência de que a Agravada ajuizou junto à Justiça Federal, em data posterior à cessão dos mencionados direitos, ação tendente à recuperação da "correção monetária do empréstimo compulsório", razão pela qual "buscou a requerida no intuito de esclarecer e solucionar amigavelmente a questão", tendo, todavia, ficado "patente que a atitude da requerida foi intencional, pretendendo claramente se beneficiar de algo que não mais lhe pertencia, recusando-se, ainda, a promover todos os atos necessários a transferir efetivamente a titularidade de tais créditos ao requerente". Por tais razões, pugnou pela concessão de medida liminar ao fim de que cumprisse "o requerido a obrigação de fazer, no sentido de requerer junto à Concessionária de Energia Elétrica Copel, a emissão de ações referentes ao empréstimo compulsório instituído pelo Decreto-Lei 1.512/76, com a sua conseqüente transferência ao requerente"; no mérito, pediu a condenação da requerida na "devolução dos valores pagos a título de juros e dividendos após a realização do negócio".
Após o trâmite processual, sobreveio sentença de procedência dos pedidos formulados, "para o fim de ordenar que, no prazo de quinze (15) dias, a empresa ré diligencie junto à Eletrobrás e à Copel no sentido de transferir as ações alienadas ao réu, referentes ao empréstimo compulsório instituído pelo Decreto-Lei n.º 1.512/76, observadas as ressalvas feitas na fundamentação, sob pena de aplicação de multa diária no valor de (6%) ao ano incidentes sobre as ações, nos exatos termos do ofício expedido pela Eletrobrás (fls. 216) desde a outorga da procuração de fls. 20/21 (30/06/2000)". Em subseqüentes recursos de apelação interpostos por ambas as partes, a sentença restou mantida integralmente, tendo sido realizada uma única ressalva quanto à correção, de ofício, do termo inicial da contagem dos juros moratórios. Iniciado o cumprimento da sentença, instaurou-se controvérsia quanto ao número de ações que deveriam ser transmitidas ao Exeqüente, alegando a Executada que o julgado limitou sua obrigação à transferência de 180.000 (cento e oitenta mil) ações PNB (ações Preferenciais Nominativas classe B). Em contrapartida, defendeu o Exeqüente que o que lhe foi cedido e, posteriormente, reconhecido pela sentença, representa a totalidade das ações derivadas do crédito de empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica de titularidade da Executada. Diante deste impasse foi proferida a decisão agravada, que atribuiu ao Exeqüente/agravado a titularidade "de todas as ações PNB (originadas da conversão dos créditos) ..., bem como os juros pagos pela Eletrobrás à Dagranja pelos créditos cedidos (após a celebração do pacto), além dos dividendos gerados pelas ações" e "todos os juros recebidos pela Eletrobrás (inclusive mediante compensação com saldos de fatura de energia), após a celebração do acordo de fls. 18 (fls. 689) e os dividendos gerados pelas ações". Por meio deste recurso, pretende a Agravante a reforma da referida decisão, ao argumento de que há ofensa à coisa julgada, uma vez que "após acurada análise e com base em todas as provas carreadas ao Autos, o MM. Juízo a quo, entendeu que a Dagranja Agroindustrial Ltda., havia vendido para a Teleações Corretagem e Assessoria Financeira S/C Ltda. uma quantia não superior a 180.000
(cento e oitenta mil ações)". Salienta que "tal valor não foi questionado no recurso de apelação interposto pelo requerente às fls. 428/422 ... deixando precluir tal matéria, o que a tornou, indiscutivelmente, coisa julgada". Nesse particular, suscita a ocorrência de preclusão lógica, posto que "não houve qualquer insurgência quanto a fixação máxima na sentença do número de ações PNB" de sorte que, ao se preocupar o Agravado "apenas em corrigir a data a partir da qual os juros lhe seriam devidos... aceitou que o número de ações que lhe eram devidas girariam em 180.000 ações PNB, somente". Afirma que a decisão "contraria a documentação dos autos, que informa a existência de 4 CICE´s, todavia apenas 02 (duas) são perquiridas pelo requerente, coincidentemente as de maior valor, apesar de, se realmente tivesse adquirido todas as ações, iria pugnar pelas demais também (fls. 632/633), existentes em tempo anterior a suposta venda da totalidade". Ressalta, outrossim, que a decisão agravada feriu o contraditório, na medida em que se pautou em documento unilateral acerca do qual não lhe foi oportunizada manifestação. Destaca, por derradeiro, que está envidando esforços no sentido de cumprir o julgado, o que somente não foi possível "pela negativa em receber tais valores e pela dificuldade burocrática que encontrou". Culmina por requerer a concessão de efeito "suspensivo" ao agravo, porque "corre o risco de perder mais do que o reconhecido em sentença, e gerar locupletamento ilícito ao requerente". Deferido o pedido de atribuição do efeito "suspensivo", ocorreu o processamento deste recurso, com a apresentação de resposta pelo Agravado, na qual argumenta que "em momento algum a sentença limitou a quantidade de ações a serem transferidas a um número exato de 180.000 ações". Discorre que "a expressão `aproximadamente 180.000 (cento e oitenta mil) ações PNB' não restringe o número de ações a serem transferidas ..., mas sim repete o que constou no recibo de fls. 18 dos autos, onde as partes, por não conhecerem, ainda, o número correto de ações que resultariam da conversão dos créditos decorrentes dos valores emprestados a título de ECE, cobrados nas faturas de energia da Copel, previram tal número, não com o objetivo de limitar as ações a serem transferidas, mas sim, para servir de base no cálculo do preço final da compra e venda". Ressalta que não objetivou as ações provenientes das CICE´s (Código de Identificação do Contribuinte do Empréstimo Compulsório)
nº 5075562 e 5967943, porquanto "a cessão limitou-se às CICE´s registrados perante a Copel, conforme consta no instrumento público de procuração em causa própria outorgado em favor do agravado". Testifica, ainda, que por força de decisões tomadas em assembléias da Eletrobrás, as ações já quitadas por ocasião da formalização do negócio somam a quantia de 3.600, restando-lhe "após a transferência, pagar a diferença de 5.221 ações, conforme contratado pelas partes". Impugna, por fim, a alegação de que a decisão foi lastreada em documento unilateral, assim como a argumentação despendida acerca da preclusão. Cumpridas as formalidades previstas no artigo 527 do Código de Processo Civil, vieram os autos conclusos.
2. Desmerece acolhimento a pretensão manejada pela Agravante. Isso porque a decisão agravada em nada conflita com os parâmetros fixados na sentença proferida. Com efeito, conforme expressamente constou no julgado, "No recibo de fls. 18 consta que a cessão feita abrange `os créditos junto às Centrais Elétricas Brasileiras S/A Eletrobrás, originados pelo recolhimento do empréstimo compulsório no período de 1987 a 1993 (Dec. Lei 1512/76)'" (f. 78-TJ). Tal ilação, salienta-se, derivou da mera leitura do recibo firmado entre as partes, no qual nenhuma ressalva foi realizada no sentido de que a transação restringia-se unicamente a 180.000 ações, tal como pretende a Agravante. Ademais disso, referida conclusão é corroborada também pela simples observação dos termos da procuração por instrumento público outorgada pela Agravante ao Agravado, a fim viabilizar a este, a realização das diligências necessárias à transferência de titularidade das ações derivadas do crédito cedido. Deveras, por ocasião da elaboração do referido documento, pactuaram as partes que "os poderes contidos neste instrumento referem-se sempre e tão somente aos créditos provenientes do Empréstimo Compulsório, créditos convertidos em ações, dividendos vencidos ou vincendos, contrapartida financeira em moeda corrente, ou outra forma qualquer de ressarcimento do
empréstimo compulsório de crédito da empresa outorgante, e a totalidade dos direitos oriundos desses créditos decorrentes da conversão supra mencionada" (grifei). Em verdade, o que se verifica da leitura da sentença é que a expressão "para que não seja extrapolado o limite de `aproximadamente 180.000 (cento e oitenta mil) ações PNB'", à qual a Agravante pretende conferir interpretação diferenciada, deriva da afirmação por ela mesmo elaborada, no sentido de que é titular de outras ações da Eletrobrás S/A, além daquelas alienadas ao Agravado. Daí o porque da ressalva realizada quanto à necessidade de supervisão da Copel no procedimento de transferência dos créditos reconhecidos no julgado. Nesse comenos, não se pode olvidar, na esteira do que já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, que "A interpretação da coisa julgada, em situações nas quais se apresente eventual dúvida quanto à sua extensão ou quanto ao dispositivo da sentença, deve ser feita em conjunto com a fundamentação da decisão e o que foi pleiteado pela parte, de forma a evitar-se pagamento a menor ou a maior" (3ª Turma do STJ, REsp. 699254/RS, Min. Rel. Massami Uyeda, j. 22/09/2009). No caso, a pretensão do autor/Agravado englobou todas as ações derivadas do crédito que lhe foi cedido, o que, aliás, revela-se claro pela leitura de sua petição inicial. A sentença, por sua vez, tal como sua fundamentação, foi toda no sentido de reconhecer o direito reclamado, razão pela qual se mostra demasiadamente frágil a tese invocada pela Agravante, porquanto tendente à desvirtuar o contexto do julgado em interpretação que mais lhe beneficia. Vale ainda ressaltar que "Havendo duas interpretações possíveis para a decisão judicial objeto de execução, cabe ao Poder Judiciário escolher, entre elas, a que guarde maior pertinência com o sistema jurídico, afastando a que leve a resultados visivelmente indesejados de acordo com os valores consagrados no ordenamento. Tal procedimento não implica a relativização da coisa julgada, mas apenas em se reconhecer que a imprecisão terminológica com que foi redigido o julgado lhe confere mais de uma interpretação possível, sem, com isso, agredir a sua imutabilidade" (3ª Turma do STJ, AgRg no REsp. nº 928133/RS, Min. Rel. Desig. Nancy Andrighi, 15/05/2008).
Por essas razões, nada há que se falar em ofensa à coisa julgada, ou mesmo preclusão, tendo em vista que a decisão agravada somente conferiu correta interpretação à divergência instaurada entre as partes, à luz do que restou decido na sentença em cotejo com a pretensão exposta no petitório inicial. Sob outro foco, não encontra êxito nestes autos a discussão instaurada pelas partes acerca do número de ações correspondentes ao valor inserido no recibo pela cessão dos créditos que deveriam gerar "aproximadamente 180.000 ... ações PNB" (f. 18 e 52-TJ). Consta nesse recibo que "as diferenças para mais ou menos na quantidade de ações entregues pela Eletrobrás serão compensadas tão logo as mesmas sejam transferidas para a custódia do comprador", bem como que "A parte beneficiada pagará a diferença, quando houver, calculada, multiplicando-se o saldo positivo ou negativo do nº de ações, pelo preço estabelecido neste recibo, corrigido pelo índice vigente" (f. 52-TJ). Assim, a delimitação do número de ações (se 360, 3.600, ou 180.000) serve unicamente à verificação da existência de crédito em favor da Agravante, uma vez que, conforme já mencionado, a cessão se operou sobre todos os direitos provenientes da restituição do empréstimo compulsório. Ademais, o próprio Agravado reconhece o crédito da Agravante ao testificar em sua resposta recursal que "como a quantidade de ações das CICEs da COPEL soma 8.821 ações, resta ao Agravado, após a transferência, pagar a diferença de 5.221 ações, conforme contratado pelas partes". Tal discussão, todavia, extrapola os limites da lide, sendo inoportuno neste momento qualquer incursão quanto ao número de ações que excederam a previsão estipulada no recibo firmado entre os litigantes. Como reiteradamente ressaltado, a cessão realizada abrangeu todas as ações decorrentes do crédito da Agravante junto à Eletrobrás, cabendo a ela, caso entenda conveniente, o ajuizamento de demanda própria ao fito de dirimir a controvérsia acerca do número de ações que excederam a previsão. Por derradeiro, sem razão também a argumentação desenvolvida pela Agravante, acerca da ausência de contraditório pela não abertura de prazo para sua
manifestação quanto aos documentos apresentados pelo Agravado em liquidação de sentença. Com efeito, o contraditório foi efetivamente exercido, ainda que em momento posterior e em sede recursal, não derivando daí qualquer irregularidade ou nulidade suscetível de dar lastro a tese invocada. Nesse mesmo contexto, ressalvadas as peculiaridades do caso, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que "A decisão monocrática adotável em prol da efetividade e celeridade processuais não exclui o contraditório postecipado dos recursos, nem infirma essa garantia, porquanto a colegialidade e a fortiori o duplo grau restaram mantidos pela possibilidade de interposição do agravo regimental" (Decisão Monocrática STJ, REsp. nº 1167613, Min. Rel. Luiz Fux, j. 25/11/2009). Além disso, na esteira, também, do que já restou decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, "Parecer de jurista não se compreende no conceito de documento para os efeitos do artigo 398 do CPC, porque trata-se apenas de reforço de argumentação para apoiar determinada tese jurídica" (4ª Turma do STJ, AgRg. nº 750021/SP, Min. Rel. Fernando Gonçalves, j. 09/10/2007). Assim, conquanto a decisão agravada tenha feito menção ao parecer jurídico carreado aos autos pelo Agravado, esse trabalho não constituiu a razão basilar e o fundamento principal do decisum. Isso porque, pautou-se a decisão em todos os documentos carreados aos autos, em especial nos expedientes encaminhados pela Eletrobrás e Copel, conferindo assim uma correta interpretação à coisa julgada, frente à pretensão autoral e em cotejo com a fundamentação da sentença. Daí porque, por não configurar afronta à coisa julgada e à preclusão a mera interpretação do julgado na forma decidida, bem assim, ante o efetivo exercício do contraditório postecipado e a exceção à regra do artigo 398 do Código de Processo Civil, imperiosa a negativa de provimento ao presente agravo, com a revogação da liminar antes deferida e, de conseguinte, a integral manutenção da decisão agravada.
3. Diante do exposto, ACORDAM os integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo de instrumento. Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Desembargador Luiz Sergio Neiva de Lima Vieira, com voto, e dele também participou o eminente Desembargador Guilherme Luiz Gomes. Curitiba, 30 de março de 2010.
Elizabeth M. F. Rocha, Juíza de Direito Substituta em Segundo Grau.
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