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Acórdão
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Agravo de Instrumento nº 630555-1 da 7ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Agravante: Cid Rocha Junior. Agravado: Cesar Augusto Lacerda. Relatora: Juíza Elizabeth M. F. Rocha, em substituição ao Des. Luiz Carlos Gabardo. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSIÇÃO DA DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DO EXEQUENTE DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE, POR MEIO DA LIQUIDAÇÃO DAS QUOTAS DO SÓCIO/EXECUTADO, ANTE A ANTERIOR PENHORA DESSAS QUOTAS PRETENSÃO AMPARADA PELO PAR. ÚNICO DO ART. 1.026 DO CÓDIGO CIVIL, QUE CONFIGURA MEDIDA EXCEPCIONAL CABÍVEL DEPOIS DE ASSEGURADO À SOCIEDADE O DIREITO DE REMIR A EXECUÇÃO E AOS DEMAIS SÓCIOS O DIREITO DE PREFERÊNCIA NA AQUISIÇÃO DESSAS QUOTAS, E ULTRAPASSADA A POSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO DE LUCROS A SEREM PARTICIPADOS AO SÓCIO/EXECUTADO. Agravo de instrumento parcialmente provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 630555-1, da 7ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que figuram, como Agravante, Cid Rocha Junior e, como Agravado, Cesar Augusto Lacerda.
1. Trata-se de agravo por instrumento interposto por Cid Rocha Junior, da decisão que, nos autos de execução de título extrajudicial que promove contra Cesar Augusto Lacerda, indeferiu seu pedido formulado às f. 194/195-TJ, ante o entendimento de que "o exeqüente não pode pleitear a dissolução de sociedade através de petição em ação de execução de título extrajudicial. A dissolução de sociedade exige processo próprio, com trâmite e finalidade específicos, visando unicamente à dissolução da sociedade". Em suas razões recursais, o Agravante sustenta, em síntese, que várias foram as tentativas empreendidas na localização de bens do agravado passíveis de penhora, porém somente com a expedição de ofício à Receita Federal foi obtida a informação de que o réu é possuidor de 48% das quotas da sociedade de advogados "Munhoz da Rocha Lacerda Advocacia". Adiciona que depois de efetivada a penhora das referidas quotas, postulou a dissolução parcial da mencionada sociedade de advogados, o que restou indeferido pelo Magistrado. Pugna pela reforma da decisão agravada, alegando que "não se pretende dissolver a sociedade em sua integralidade, mas, apenas, em relação ao sócio Cesar Augusto Lacerda, a fim de, mediante a apuração e recebimento de seus haveres, se proceder o pagamento dos valores objetos desta execução". Aduz que "o contido no artigo 1.026 do CC, dispõe que o credor poderá fazer a execução recair sobre a parte que este fizer jus nos lucros das sociedades das quais fizer parte, sendo-lhe permitido, inclusive, requerer a liquidação da quota do devedor". Salienta que "não restam dúvidas quanto a aplicação dos artigos 1.026, § único e do artigo 1.031, ambos do C.C.B, no caso em tela, em razão da REAL possibilidade do credor particular (Agravante) de um sócio (Agravado), em pleitear pela dissolução parcial da sociedade da qual o devedor faça parte, para que sejam apurados os haveres de sua cota e posteriormente, quitado o seu débito." Conclui que "diante da inexistência de outros bens em nome do Agravado, da morosidade em que tramita este processo (quase dez anos), e a necessidade legítima que possui o Agravante em satisfazer o seu crédito, pleiteia-se pelo deferimento da dissolução parcial (liquidação de quotas) da sociedade `Munhoz
da Rocha Lacerda Advocacia e Consultoria Ltda.' em razão do sócio Cesar Augusto Lacerda." Determinado o processamento do agravo de instrumento e indeferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo e antecipação de tutela recursal, o juízo a quo informou sobre a manutenção da decisão agravada e o cumprimento ao disposto no art. 526 do Código de Processo Civil. Decorrido o prazo sem a apresentação de resposta pelo Agravado, que foi intimado mediante carta encaminhada aos dois endereços apurados nos autos, estes vieram conclusos para apreciação.
2. Para melhor compreensão da insurgência recursal, constata-se que a decisão agravada foi proferida em decorrência do pedido do ora Agravante assim formulado nos autos de execução: "requer-se a dissolução parcial da sociedade ... em relação ao sócio Executado ... o qual detém 48% ... do capital social", para apuração de haveres das quotas, com invocação do art. 1026 do Código Civil/2002 (f. 194/195- TJ). O juízo a quo indeferiu tal pretensão, ao fundamento de que "o exeqüente não pode pleitear a dissolução da sociedade através de petição em ação de execução de título extrajudicial"; a dissolução de sociedade "exige processo próprio"; o credor "deve utilizar-se dos meios cabíveis e adequados ao processo de execução para o recebimento de seu crédito" (f. 196-TJ). Entretanto, o parágrafo único do mencionado art. 1.026 do Código Civil/2002 prevê: "Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação. Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor , cujo valor, apurado na forma do art. 1031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação." A respeito desse dispositivo, percuciente a doutrina de Rubens Requião, atualizada por Rubens Edmundo Requião:
"O Código Civil, no art. 1.026, pretende que o credor particular do sócio, na insuficiência de outros bens do devedor, faça recair a execução sobre o que a este tocar nos lucros da sociedade ou na parte que lhe couber em liquidação. Se a sociedade não estiver dissolvida, dá, também, ao credor, o direito de requerer a liquidação da quota do devedor na sociedade, cujo valor apurado será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até três meses após a liquidação para sobre ele constituir-se a penhora. Dessa forma, evitar-se-ia qualquer fraude do devedor. Portanto, pelo Código Civil, somente se admite a penhora dos lucros que tocarem ao sócio, apurados em balanço do exercício ou na liquidação da sociedade. Se os lucros forem distribuídos pela sociedade aos sócios (pois aquela poderá não distribuí-los, retendo-os para novos investimentos etc.). Esta penhora dos lucros só poderá ser realizada se não houver outros bens, pertencentes ao sócio executado, suficientes para suportar a execução. O Código estabelece uma ordem para penhora dos lucros que couberem ao sócio. Ela ocorrerá se não existirem outros bens penhoráveis ou não forem suficientes. Verificada a insuficiência, o credor poderá pedir ao juiz a liquidação da quota pertencente ao sócio executado, sobre cujo resultado então recairá a penhora. A execução que recair sobre a quota não levará a adjudicação da mesma ao exeqüente, nem a sua arrematação por terceiro, pelo que será impossível que alguém, em função do processo de execução, possa pretender ingressar na sociedade empunhando a quota inicialmente penhorada. Apenas se liquida a quota, apurando-se o valor monetário que ela eventualmente representa, o qual então se presta para garantir o juízo da execução." (in Curso de Direito Comercial, Editora Saraiva, 1º v., 25ª Ed., p. 484) Diante disso, constata-se que a pretensão deduzida pelo Agravante configura uma medida excepcional, porquanto cabível depois de verificada não só a
insuficiência de outros para garantir a execução, mas também a ausência de lucros da sociedade ao sócio/executado, levando em conta os princípios de menor onerosidade e da função social da sociedade. Ou seja, evidenciada a inexistência de outros bens, a constrição deve inicialmente limitar-se aos lucros que couberem ao sócio quotista/devedor e, constatada a ausência destes, abre-se a possibilidade de dissolução total ou parcial da sociedade por meio da liquidação das quotas do sócio/executado, precedida de balanço especial para identificação do seu valor patrimonial, na forma disposta no art. 1.031 do Código Civil/2002. Com tal liquidação, o credor não ingressará na sociedade, mas sim liquidará o valor das quotas penhoradas, depois de assegurado à sociedade o direito de remir a execução, e aos demais sócios o direito de preferência na aquisição dessas quotas, pois figuram como terceiros interessados, conforme os seguintes julgados: "RECURSO ESPECIAL - PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL - PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS DE SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA - POSSIBILIDADE - I - É possível a penhora de cotas pertencentes a sócio de sociedade de responsabilidade limitada, por dívida particular deste, em razão de inexistir vedação legal. Tal possibilidade encontra sustentação, inclusive, no art. 591, CPC, segundo o qual `o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei'. II - Os efeitos da penhora incidente sobre as cotas sociais devem ser determinados em levando em consideração os princípios societários. Destarte, havendo restrição ao ingresso do credor como sócio, deve-se facultar à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou concedê-la e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto (CPC, arts. 1117, 1118 e 1119), assegurando-se ao credor, não ocorrendo solução satisfatória, o direito de requerer a dissolução total ou
parcial da sociedade." (3ª Turma do STJ, REsp 221625/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 07/05/2001) "DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL (...) QUOTAS SOCIAIS. SOCIEDADE LIMITADA. PENHORA. POSSIBILIDADE. SOCIEDADE INTUITO PERSONAE E AFFECTIO SOCIETATIS. OBSERVÂNCIA. POSSIBILIDADE DE A SOCIEDADE REMIR A DÍVIDA ASSEGURADA. MORA. RECUSA DO CREDOR. INOCORRÊNCIA. (...) A fim de se observar os princípios societários da affectio societatis, quando por previsão do contrato social a sociedade caracterizar-se como sociedade de pessoas (intuito personae) deve-se facultar a esta, enquanto `terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou concedê-la e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto (CPC, arts. 1117, 1118 e 1119), assegurando-se ao credor, não ocorrendo solução satisfatória, o direito de requerer a dissolução total ou parcial da sociedade'. Precedentes do STJ e deste Egrégio Tribunal. (...)." (15ª Câm. Cív. do TJPR, Ap. Cív. 448497-5, Rel. Desembargador Jucimar Novochadlo, j. 12/03/2008) Não obstante a ausência neste caderno processual de cópia do contrato social da sociedade de advogados integrada pelo executado, tal sociedade se afigura como de pessoas e, portanto, intuito personae; daí a restrição ao ingresso de terceiro como sócio, razão pela qual se faz necessário primordialmente assegurar à sociedade o direito de remir a execução, e aos demais sócios o direito de preferência na aquisição dessas quotas, para somente depois possibilitar ao credor as providências previstas no Código Civil/2002, no art. 1026 e no seu parágrafo único. Com efeito, para solução do impasse apresentado com a penhora de quotas de sociedade intuito personae, já que não se pode nela impor o ingresso de terceiro, percucientes as sucessivas providências pelo credor: primeiro, intimar da penhora das quotas a própria sociedade, que então poderá remir a execução, como
também os demais sócios, que poderão exercer o direito de preferência na aquisição dessas quotas; segundo, apurar a existência de lucros que couberem ao sócio/executado para fins de respectiva constrição; terceiro, nos próprios autos da execução promover a dissolução parcial ou total da sociedade, com a liquidação das quotas penhoradas mediante a realização de balanço especial para identificação do seu valor patrimonial, na forma disposta no art. 1.031 do Código Civil/2002. Como não há nos autos evidência de que aquelas providências foram tomadas, conclui-se pelo parcial provimento do recurso para, em reforma da decisão agravada, autorizar ao Agravante a dissolução parcial ou total da sociedade, com a liquidação das quotas penhoradas, depois de assegurado à sociedade o direito de remir a execução e aos demais sócios o direito de preferência na aquisição dessas quotas, e ultrapassada a possibilidade de constrição de lucros a serem participados ao sócio/executado. Diante do exposto, ACORDAM os integrantes da Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto acima relatado. Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Desembargador Hamilton Mussi Corrêa, com voto, e dele também participou o Excelentíssimos Desembargador Jurandyr Souza Junior. Curitiba, 21 de julho de 2010.
Elizabeth M. F. Rocha, Juíza de Direito Substituta em Segundo Grau
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