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APELAÇÃO CÍVEL Nº 625.963-0 DA 9ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE LONDRINA. APELANTE 1 José Alfredo de Paula Júnior. APELANTE 2 Orlando Bonilha Soares Proença. APELADO Ministério Público do Estado do Paraná. RELATORA Desª. Lélia Samardã Giacomet. REVISOR Des. Luis Carlos Xavier. APELAÇÕES CÍVEIS AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA SERVIDOR QUE OCUPA CARGO DE CONTROLADOR DA CÂMARA MUNICIPAL DE LONDRINA E CUMULA FUNÇÃO COMO MEMBRO DO CONSELHO MUNICIPAL DE CONTRIBUINTES RECEBIMENTO DO DENOMINADO JETOM COM REMUNERAÇÃO DE CARGO PÚBLICO PREVISÃO NA LEI MUNICIPAL NÃO CONFIGURAÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA RECURSOS PROVIDOS, COM INVERSÃO DA SUCUMBÊNCIA APLICAÇÃO DO ART. 18 DA LEI nº7347/85. (Apelação Cível nº 625.963-0 Londrina) Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 625.963-0, da Vara Cível da Comarca de Londrina, em que é Apelante1 José Alfredo de Paula Júnior, Apelante2 Orlando Bonilha Soares Proença, e Apelado Ministério Público do Estado do Paraná. I RELATÓRIO: O Ministério Público do Estado do Paraná, ora apelado, ajuizou ação civil pública pela prática de ato de improbidade administrativa, em face de José Alfredo de Paula Júnior e do Presidente da Câmara Municipal de Londrina, Orlando Bonilha Soares Proença. Noticiou, em síntese, que o primeiro réu cumulou indevidamente a função pública de membro do Conselho Municipal de Contribuintes de Londrina, na condição de representante da Câmara Municipal, com o cargo em comissão de Controlador da aludida Casa de Leis, símbolo CCl- 01/CV. A liminar postulada foi deferida para determinar a imediata suspensão dos vencimentos do primeiro apelante do exercício do cargo de Controlador (fls. 112/114). Em face de tal liminar, foi interposto agravo de instrumento, autuado sob nº 351.433-4, de relatoria do Juiz Substituto em Segundo Grau Xisto Pereira, que reformou parcialmente a decisão agravada. Na seqüência, a Câmara Municipal de Londrina habilitou-se como assistente dos réus, aduzindo que o Conselho de Contribuintes qualifica-se como órgão administrativo tributário, investido na função de julgar os recursos das decisões em matéria fiscal no âmbito do município. Destacou que seus membros são indicados por entidades representativas de classe e pelos Poderes Executivo e Legislativo, de modo que os primeiros atuam como particulares em colaboração, e os demais como representantes do Poder Público. De qualquer modo, a remuneração se dá por meio de um jeton mensal correspondente a 20% do símbolo CC1, constante do Plano de Cargos e Carreiras da Administração Direta (equivalente a R$866,58), nos termos do art.
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304 da Lei nº 7.303/97, com a redação dada pela Lei nº 8.770/2002. Assim, entende que em se tratando de trabalho técnico, não há acumulação indevida de funções remuneradas, mormente porque as atividades do conselheiro são desempenhadas fora do seu expediente de serviço, obtendo gratificação para isso, voltada ao reembolso de despesas de deslocamento e permanência até a Câmara, bem como para a apreciação dos processos em casa. Defendeu que a condição de conselheiro consiste em trabalho de colaboração com o Poder Público, não se equiparando às funções permanentes de chefia, direção ou assessoramento, de forma que qualquer servidor (efetivo ou comissionado) pode integrar o Conselho. Pugnou pela improcedência dos pedidos deduzidos na inicial (fls. 139/148) e juntou documentos. O primeiro réu, José Alfredo de Paula Junior, apresentou contestação (fls. 196/208), sustentando que a condição de membro do referido Conselho não constitui exercício de cargo, emprego ou função pública, no sentido empregado pelo art. 37, XVI, da Constituição Federal, e a contraprestação recebida decorre do serviço excepcional praticado em colaboração com a Administração Pública (gratificação por meio de jeton mensal de 20% do símbolo CC1). Argumentou, ainda, que inexiste incompatibilidade de honorários entre as funções, e que não há ofensa ao artigo 37, XVI, da CFR, na medida em que a condição de conselheiro não configura exercício de cargo, emprego ou função pública. Defendeu, assim, a legalidade do ato de nomeação e a percepção das vantagens pecuniárias do cargo. Verberou a suspensão de sua remuneração no cargo de Controlador, suscitando o disposto no artigo 198 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Município de Londrina. Pediu a improcedência dos pedidos. O réu, Orlando Bonilha, deixou transcorrer in albis o prazo para sua defesa (fl. 321), e a inicial foi recebida (fl. 322). Após a devida instrução do feito, sobreveio a sentença de fls. 371/379, através da qual o MM. Juiz "a quo", julgou procedente o pedido
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inicial, reconhecendo a prática de ato de improbidade administrativa, por ambos os réus, condenando-os solidariamente: "a) à reparação integral do dano causado ao erário municipal, no importe de R$ 18.855,51 (dezoito mil, oitocentos e cinqüenta e cinco reais e cinqüenta e um centavos), acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, e correção monetária pelos INPC/IBGE, desde a data da propositura desta ação, tendo em vista que naquela oportunidade o `quantum' deduzido na inicial já havia sofrido a devida atualização, com os encargos aqui determinados, incidentes desde o tempo do efetivo prejuízo público; b) ao pagamento de multa civil em uma vez o valor do dano acima consignado, prevalecendo, para este fim, os mesmos indicadores apontados no item `a', acima; c) a perda de eventual cargo público atualmente exercido pelos réus, e a suspensão de seus direitos políticos, no patamar mínimo fixado pelo inciso III, ou seja, em três anos, a demandar comunicação à Justiça Eleitoral, após o trânsito em julgado desta sentença, a quem competirá a implementação da medida, nos fiéis termos do rito estabelecido pelo art. 77 do Código Eleitoral; d) por fim, estabelecer a proibição de firmarem contratos com o Poder Público, ou dele receberem benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de três anos, cuja efetivação se dará, por igual, após o trânsito em julgado desta sentença, com comunicado à Administração Pública e suas três esferas (Federal, Estadual e Municipal)" (fls. 378/379) Ao final, condenou os réus ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios ao fundo disciplinado pelo art. 118, II, "a", da CF, no valor correspondente a 10% sobre o valor final da condenação, dado o labor para a causa e o tempo para ela despendido.
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Inconformados, ambos os réus apelaram. O réu José Alfredo de Paula Júnior apresentou recurso de apelação às fls. 382/402, requerendo a reforma da decisão, nos seguintes termos: a) os membros titulares do Conselho Municipal de Contribuintes sejam particulares em colaboração com a Administração ou servidores públicos são remunerados com um jetom mensal no valor correspondente a 20% do valor símbolo CC1 constante do Plano de Cargos e Carreiras da Administração Direta (equivalente a R$ 866,58), nos termos do artigo 304 da Lei nº 7.303/97, com redação dada pela Lei nº 8.770/2002; b) o jetom tem, para o particular em colaboração com a Administração, natureza de retribuição pela participação nas reuniões do Conselho, em face das despesas que realiza para se deslocar até à Prefeitura uma vez por semana e dos inúmeros processos que leva para casa para relatar. Já para o servidor, o jetom tem natureza de gratificação e não de vencimentos, como exposto na sentença c) o Estatuto dos Servidores do Município de Londrina não veda a remuneração de atividades extras realizadas pelo servidor, em caráter não permanente, como a de membro do Conselho Municipal de Contribuintes; d) o servidor público do Município de Londrina, do Poder Executivo ou do Legislativo, que integra o Conselho Municipal na condição de membro, recebendo gratificação pelo exercício dessa atividade, não pratica nenhuma ilegalidade; e) a condição de membro do Conselho Municipal de Contribuintes, não se caracteriza como exercício de cargo, emprego ou função pública, razão pela qual não há afronta ao artigo 37, inciso XVII, da CF; f) não se revestindo de qualquer ilegalidade o ato praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de Londrina, consistente na nomeação do apelante no cargo de Controlador daquela Casa Legislativa,
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descaracterizado está o ato de improbidade com fundamento no artigo 11 da Lei n º 8.429/92; g) o apelante não agiu com má-fé e não recebeu nenhuma vantagem ilícita, uma vez que desde a nomeação até sua exoneração, prestou serviços regularmente à Câmara Municipal, nas atribuições do cargo de Controlador; h) a Lei nº 8.429/92 exige a demonstração do dolo ou culpa do agente, para a caracterização de lesão ao patrimônio público; i) a mera decretação de nulidade do ato de nomeação do apelante, sem que lhe fosse assegurado o direito de opção, é ato arbitrário, que afronta o direito proclamado na jurisprudência e na lei estatutária municipal; Ao final, pleiteou o provimento da apelação, com a reforma in totum da sentença. Por seu turno, o réu Orlando Bonilha Soares Proença, interpôs recurso de apelação (fls. 408/412), alegando que as nomeações procedidas pelo apelante, na qualidade de Presidente da Câmara de Vereadores de Londrina, foram legais e regulares, principalmente porque a condição de membro do Conselho Municipal de Contribuintes não se constitui em exercício de cargo, emprego ou função pública, dentro do conceito no artigo 37, XV, da CF. Assevera que a condição de membro do Conselho Municipal de Contribuintes implica em atividade excepcional e temporária, sendo que seus membros não percebem vencimentos, mas sim gratificação. Entende que não há vedação legal alguma quanto ao exercício acumulado, considerando a diferença entre uma e outra atividade. Afirma que não houve prejuízo ao erário público, nem má-fé por parte do apelante. Ao final, pleiteou pelo provimento do apelo, com a reforma da decisão. Nos termos do despacho de fls. 414, o d. Juiz "a quo" recebeu ambos os recursos de apelação somente no efeito devolutivo. Na seqüência, o Ministério Público apresentou contra-razões às fls. 416/426 e 427/437.
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A douta Procuradoria de Justiça opinou provimento de ambos os apelos (fls. 449/459). Após, vieram os autos ao Tribunal para apreciação. É o relatório. II VOTO: Ab initio, devo consignar que ambas as apelações serão analisadas conjuntamente, tendo em vista a convergência das matérias. O cerne da questão diz respeito à possibilidade ou não, de um servidor público cumular cargos de membro do Conselho de Contribuinte de Londrina e Controlador da Câmara Municipal. Pois bem. Denota-se dos autos que o exercício da função de Conselheiro constitui-se numa atividade administrativa, vez que o Conselho é Órgão da Administração Direta e, ainda, o exercício de tal função tem caráter transitório, vez que limitado ao mandado de 1 (um) ano com possibilidade de recondução, de acordo com o artigo 301 da Lei Municipal nº 7.303 de 30.12.1997 (fl. 94), senão vejamos: "Art. 301 Os membros titulares do Conselho Municipal de Contribuintes e seus suplentes serão nomeados pelo Prefeito Municipal, com mandato de 1 (um) ano, podendo ser reconduzidos (...)" O art. 301, §§1º e 2º, da Lei Municipal nº 7.303 de 30.12.1997, determina também que os membros do Conselho deverão ser portadores de título universitário e de reconhecida experiência em matéria tributária e, ainda, estipula que os representantes dos contribuintes, serão indicados por entidades representativas de classe. E como bem apontado no parecer ministerial, "(...) parece razoável o raciocínio de que a vantagem pecuniária auferida, denominada ora de remuneração mediante `jeton', ora de gratificação (no caso do Secretário), tem genuinamente o caráter de gratificação pelo exercício de função de natureza especial, circunstancial e transitória" (fl. 454). (Apelação Cível nº 625.963-0 Londrina)
Ora, o exame dos autos permite concluir que a condição de membro do Conselho Municipal de Contribuintes, de acordo com o ordenamento jurídico municipal, não constitui exercício de cargo, emprego ou função pública no sentido empregado pelo artigo 37, XV, da Constituição Federal. Trata-se de contraprestação de serviço excepcional prestado por servidores públicos, ocupantes de cargo de provimento efetivo ou em comissão, e por particulares em colaboração com a Administração Municipal. Os membros desse Conselho não percebem vencimentos e sim mera retribuição ou gratificação pela contraprestação desse serviço. Nesse sentido, esclarece Diógenes Gasparini, salientando a finalidade de sua instituição: "As vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública e do servidor" ('Direito Administrativo', 7ª ed., SP, Saraiva, SP, 2.002, p. 208). Da mesma forma, Hely Lopes Meirelles entende que "(...) essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro labore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue- se a razão de seu pagamento. Daí por que não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem são auferidas na disponibilidade e na aposentadoria, salvo quando a lei expressamente o determina, por liberalidade do legislador." ("Direito Administrativo Brasileiro", Malheiros Editores, SP, 1996, 21ª ed., p. 417). Corroborando com tal entendimento, o d. Procurador de Justiça assim concluiu: "A vantagem auferida, então, seja ela denominada gratificação ou jetom de natureza indenizatória, se constitui numa parcela de caráter transitório em razão de prazo terminativo para o exercício daquela função. (Apelação Cível nº 625.963-0 Londrina)
É uma fração. Não se sustenta de forma autônoma. É vantagem complementar. Inexiste cargo de Conselheiro no quadro de servidores e sim função respectiva" (fl. 456). E continua: "E nos termos do art. 41, da Lei nº 8112/90 (estatuto que rege os servidores públicos federais e que por simetria serve de norte aos atos normativos estaduais e municipais), `Remuneração é o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens permanentes estabelecidas em lei'" (fl. 456). Também não se há falar em incompatibilidade de horários, tendo em vista que as reuniões são realizadas no período da manhã, conforme se verifica dos documentos de fls. 48/55, enquanto o expediente normal da Câmara Municipal é das 13:00 às 19:00 horas. Da mesma forma deve-se afastar a alegação de má-fé por parte dos apelantes, seja na conduta de indicação e nomeação realizada pelo Presidente da Câmara, seja do beneficiado em aceitar a nomeação para o cargo comissionado. E assim o é, pois da mesma forma que o servidor efetivo pode exercer transitoriamente a função de Conselheiro, o servidor comissionado, como é o caso, pode igualmente exercê-la com a retribuição pecuniária prevista. Assim sendo, há de ser reformada integralmente a r. sentença singular, pois não restou configurado qualquer ato de improbidade administrativa praticado pelos apelantes, afastando, como conseqüência, qualquer condenação por ato de improbidade, até porque não houve enriquecimento ilícito ou dano ao erário (pois a função foi efetivamente cumprida pelo servidor); bem como não houve ilegalidade na cumulação dos cargos. Em face do exposto, dou provimento a ambos os recursos, reformando-se in totum a sentença guerreada, com inversão do ônus da sucumbência. Não tendo havido má fé, aplica- se o disposto no artigo 18 da Lei nº 7347/85.
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III DECISÃO: ACORDAM os integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento a ambos os recursos, nos termos do voto da Desembargadora Relatora. Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Abraham Lincoln Calixto, sem voto, e dele participou o Excelentíssimo Desembargador Luis Carlos Xavier e a, Ilustríssima Juíza de Direito Substituta de Segundo Grau Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes. Curitiba, 13 de julho de 2010. LÉLIA SAMARDÃ GIACOMET
Desembargadora Relatora
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