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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 576.938-4 DA 4ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE LONDRINA APELANTE: ROMILDO APARECIDO ROSA APELADO: DOUGLAS ALEXANDRE CORDEIRO ROSA RELATOR: DES. ARQUELAU ARAUJO RIBAS
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. RECUSA DO GENITOR EM ASSUMIR PATERNIDADE, RECONHECIDA SOMENTE EM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO FEITA A APÓS A SUA MAIORIDADE. INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO E POR CONSEGUINTE, DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA CASSADA. RECURSO PROVIDO. "CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECONHECMENTO. DANOS MORAIS REJEITADOS. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. Firmou o Superior Tribunal de Justiça que "A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916, abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária" (Resp. n. 757.411/ MG, 4ª turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves de Oliveira, unânime, DJU de 29.11.2995) Recurso especial não conhecido" (Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 28/04/2009, v.u.).
VISTOS, relatados e discutidos, estes autos de apelação cível nº 576.938-4 da 4ª Vara Cível da Comarca de Londrina, em que figura como apelante ROMILDO APARECIDO ROSA e apelado DOUGLAS ALEXANDRE CORDEIRO ROSA. RELATÓRIO
1. Cuida-se de recurso de apelação interposto em face da decisão de primeiro grau, que julgou procedente o pedido, condenando o requerido no pagamento de 30 (trinta) salários mínimos, assim como nas despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação. (fls. 149/151) 1.1. O apelante pretende a reforma da decisão alegando, resumidamente, que possuía apenas 14 (quatorze) anos quando engravidou a mãe do autor, a qual contava com 19 (dezenove); que nunca deu nenhuma assistência porque não possuía condições financeiras e nem certeza da paternidade; só teve certeza em 2003/2004, após 23 (vinte e três) anos da concepção; é indevida a indenização, pois a verdadeira paternidade é afetiva e nem sempre se confunde com a biológica; a jurisprudência rejeita a indenização por abandono moral; pretende alternativamente, a minoração do "quantum" indenizatório. (fls. 154/172) 1.2. Contra-arrazoado o recurso. (fls. 178/182) É o relatório. FUNDAMENTOS DE FATO E DE DIREITO BREVE RELATO DOS FATOS
2. Com a exordial os fatos foram assim descritos: "O autor é filho do réu, cujo relacionamento amoroso de 08 meses mantido entre a mãe do autor (Sra. Marizete Ferreira Cordeiro) e o réu, resultou na gravidez e nascimento do autor em 23.12.1980, consoante certidão de nascimento em anexo. No período de gestação, a genitora do autor foi alvo de discriminação, de acusações falsas e caluniosas perpetradas pela família do réu, tendo sido até mesmo expulsa de sua própria casa com apenas 03 meses de gestação, em virtude das referidas acusações que visavam denegri-la. Totalmente desamparada pelo réu, a genitora do autor ainda foi difamada várias vezes pelo réu e seus familiares, que visando se esquivar do reconhecimento da paternidade do autor, a acusava de "sair" com os amigos do réu. Assim, desde a época da gestação, o réu sempre tratou a genitora e o autor com indiferença e desprezo, se recusando a prestar qualquer assistência afetiva e financeira ante a negativa de reconhecimento da paternidade. Após 15 dias de nascimento, o autor ainda recém-nascido, ficou internado no Hospital Santa Casa de Londrina, e assim por várias outras vezes, em virtude de problemas pulmonares que demandaram cuidados e tratamento específicos. Nessa ocasião, mais uma vez procurado pela genitora do autor, o réu se negou a prestar assistência ao filho. Apesar das dificuldades financeiras e da ausência de qualquer amparo afetivo, emocional ou financeiro do réu para com o autor, a genitora do autor sempre batalhou para garantir o sustento da casa e para suprir a falta afetiva da figura paterna. Já com 10 anos de idade, sempre questionando a existência do pai que nunca o procurou, o autor o conheceu pela primeira vez, sendo tratado com frieza e indiferença, e iludido com promessas, que em momento algum foram cumpridas. Em torno de vinte e seis anos de afastamento, todas as tentativas de aproximação efetivadas pelo autor restaram-se infrutíferas, não podendo desfrutar da companhia e dedicação de seu pai, que nos momentos mais difíceis da sua vida deixou de auxiliá-lo, quando, por exemplo, teve que parar de estudar aos 14 anos para ajudar a sua mãe no sustento da casa ou até mesmo quando estava desempregado e ao procurar ajuda do réu obteve um NÃO como resposta. O autor sempre buscou transformar o genitor em pai e, nesta árida batalha, procurava compreender porque o Sr. Romildo não se posicionava como um pai, mantendo a expectativa de que um dia venha a fazê-lo. Em razão da não aceitação da possibilidade de ser filho do réu, o autor ingressou com uma Ação de Investigação de Paternidade (autos nº 1.799/03) que tramitou na 2ª Vara de Família da Comarca de Londrina e que obteve sentença favorável ante a prova cabal da paternidade, resultante do exame de DNA positivo que comprovou a filiação do autor. No entanto, mesmo depois de provada a paternidade, o réu não procurou o autor nem mesmo para uma conversa, abandonando-o materialmente e efetivamente demonstrando ainda mais afastamento, desinteresse e falta de interesse de qualquer contato com o autor. A dor sofrida pelo autor, em virtude do abandono paterno, privou-o do direito à convivência, ao aparo afetivo, moral e psíquico, pois nunca recebeu qualquer ajuda financeira do réu, e tampouco, qualquer demonstração de carinho e reconhecimento como filho, pois ao contrário do que se pensa, recebeu apenas abandono, rejeição e indiferença, sendo sempre questionado pelos colegas e familiares quando a existência do seu pai que não o visitava e não se encontra presente nos momentos importantes de sua vida como a sua infância, aniversários, dia dos pais, adolescência, casamento e nascimento do seu filho. Neste contexto, a ausência injustificada do réu originou evidente dor psíquica e prejuízo à formação do autor, decorrente da falta de afeto, cuidado e proteção que a presença paterna representa na vida do filho, mormente quando ao réu buscou por várias vezes amparo do autor." (fls. 03/04)
2.1. A questão é tormentosa e de difícil desenlace, pois, de um lado vê-se um filho pleiteando compensação pecuniária pelos prejuízos de ordem psíquica, havidos em função do abando pelo pai; de outro, um pai inerte em função de uma concepção entre dois jovens, ele com 14 (quatorze) e ela com 18 (dezoito) anos de idade na época, com evidente falta de condições, de ambas os genitores, resultando em cerca de 29 (vinte nove) anos de rancores remoídos. MERITUM CAUSAE
3. De antemão é mister destacar que o Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado no sentido de que é incabível a compensação pecuniária do filho por abandono moral do pai (REsp nºs 757411 e 514350), pois, não cabe compelir ninguém a amar alguém; ou melhor, não pode o judiciário punir pelo desamor, pois, a punição prevista em lei, para o abandono é a perda do "pater família" ou poder familiar, antigo pátrio-poder, por aquele que abandona o filho, o que já seria punição suficiente e ainda, que a condenação afastaria definitivamente a possibilidade de reaproximação entre pai e filho. 3.1. No caso em comento, constata-se que o reconhecimento da paternidade, só ocorreu após a maioridade do autor, em ação de investigação por este ajuizada(fls. 1.799/03). 3.2. A primeira questão que não se pode olvidar, inclusive expressa no próprio depoimento pessoal do autor (fls. 135, digitalizada em CD-Rom) é o fato da pretensão ser indenizatória, ou seja, não se trata de obrigação de fazer (amar alguém), mas de reparar os danos psíquicos (pagar), em tese, havidos em função da suposta inércia (omissão) do genitor em cumprir com suas obrigações de pai (auxílio). 3.3. O réu, em seu depoimento pessoal, assume que sabia da possibilidade do autor ser seu filho, mas como era menor na época da concepção e nascimento, não teve condições de assumir nada; também confirma ter se casado aos 19 anos, união em que teve mais duas filhas; paga pensão para uma quarta filha, tida fora do casamento, além de estar, atualmente casado com sua segunda esposa com quem tem mais uma filha. (fls. 135) 3.4. Alega ainda o requerido, que só teve certeza da paternidade com a sentença da ação de investigação, em 2003, quando o autor já contava com cerca de 23 anos, sendo que, naquela demanda não se postulavam alimentos, mas tão-somente a declaração de paternidade. 3.5. Assim, ainda que, em tese, sejam admissíveis os danos psíquicos possivelmente experimentados pelo autor, se este jamais postulou a prestação de alimentos, a falta de auxilio emocional por parte do genitor não se configura como ato ilícito, motivo pelo qual, não se pode falar em dever de indenizar. 3.6. Anote-se que inexiste, no ordenamento jurídico vigente ato ilícito por desamor e é essa a tônica dos julgamentos proferidos pelos Tribunais superiores, senão vejamos: "CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECONHECIMENTO. DANOS MORAIS REJEITADOS. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. I. Firmou o Superior Tribunal de Justiça que "A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária" (Resp n.757.411/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime, DJU de 29.11.2005).II. Recurso especial não conhecido." (REsp 514350/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 28/04/2009, DJe 25/05/2009) 3.7. Do corpo do referido acórdão se extrai: No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, porém, a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art. 1638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização pelo abandono moral. Por outro lado, é preciso levar em conta que, muitas vezes, aquele que fica com a guarda isolada da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e vingança nutridos contra o ex-companheiro, sem olvidar ainda a questão de que a indenização pode não atender exatamente o sofrimento do menor, mas também a ambição financeira daquele que foi preterido no relacionamento amoroso."
3.8. O pai do réu, portanto, avô do autor, ouvido em juízo afirmou solenemente que só veio a conhecê-lo no dia da audiência, embora soubesse de sua existência, preferiu ignorá-lo face à dúvida sobre a paternidade. 3.9. A primeira esposa do réu, também ouvida em juízo, confirmou que havia boatos de que ele era mesmo pai do autor, mas nada foi feito para dirimir a dúvida. 3.10. Dispõe o artigo 229 da Constituição Federal: "Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filho maiores têm o dever de ajudar a amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade."
3.11. É de se ver que o reconhecimento da paternidade só ocorreu após a maioridade do autor, como dito alhures, além do que, este jamais postulou do pai, a prestação de alimentos, de maneira que, o dever constitucionalmente reconhecido de assistir, criar e educar, cinge-se aos filhos menores, salvo as exceções legais. 3.12. A bem da verdade, não se vislumbra no ordenamento jurídico vigente, obrigação legalmente instituída de assistência afetiva, emocional ou coisa que o valha, principalmente em reconhecimento de paternidade após a maioridade. 3.13. Tanto é assim que o artigo 1.616 do Código Civil, prevê que "A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento; mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade." (grifo nosso) 3.14. Vem daí que, se é dado ao julgador determinar a criação e educação do reconhecido, longe daquele que negou a paternidade, isso certamente quando verificar v.g. incompatibilidade na convivência, é certo que no caso em comento, onde jamais houve convívio, assistência ou contato de qualquer espécie, considerando ainda que o reconhecimento só ocorreu após a maioridade do autor, com o julgamento da ação de investigação, não se pode admitir como ilícita a conduta do réu. 3.15. Por conseguinte, se não há conduta ilícita, inexiste dever de indenizar, ao contrário do que decidiu o julgador monocrático. 4. Diante do exposto, é de se dar provimento ao recurso para caçar a decisão de primeiro grau, julgando-se improcedente o pedido, nos termos do voto relatado. 4.1. Inverte-se o ônus sucumbencial, condenando o autor no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), atento ao grau de zelo e a baixa complexidade da causa, assim como, tempo, local e qualidade dos serviços prestados, nos termos do voto relatado., observando-se o artigo 12 da Lei nº 1.60/50, visto ser beneficiário de justiça gratuita. DECISÃO
ACORDAM os integrantes da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos em dar provimento ao recurso para caçar a decisão vergastada, julgando improcedente o pedido, nos termos do voto relatado. Participaram do julgamento: Des. Valter Ressel (Presidente sem voto), Des. Luiz Lopes e Juiz Substituto em 2º Grau Albino Jacomel Guérios (com declaração de voto). Curitiba, 17 de dezembro de 2.009. ARQUELAU ARAUJO RIBAS Desembargador Relator
ALBINO JACOMEL GUÉRIOS Declara Voto
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