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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ 2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS - PROJUDI Rua Mauá, 920 - 28º Andar - Alto da Glória - Curitiba/PR - CEP: 80.030-200 - Fone: 3017-2568 Recurso Inominado n° 0012563-81.2015.8.16.0033 Juizado Especial Cível de Pinhais Recorrente(s): SANDRA REGINA WEBER Recorrido(s): UNIMED CURITIBA - SOCIEDADE COOPERATIVA DE MEDICOS Relator: Siderlei Ostrufka Cordeiro RELAÇÃO DE CONSUMO. PLANO DE SAÚDE. OBSTETRÍCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PRESTADORA DE SERVIÇOS EM RELAÇÃO A ATO DE MÉDICO CREDENCIADO POR ELA QUE COBRA A DENOMINADA TAXA DE DISPONIBILIDADE, QUE CONSISTE EM COBRANÇA PELA REALIZAÇÃO DO PARTO INDEPENDENTEMENTE DOS VALORES JÁ PAGOS PELA CONSUMIDORA AO PLANO DE SAÚDE. A OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE RESPONDE PELOS ATOS PRATICADOS PELO MÉDICO CREDENCIADO E INTEGRANTE DE SUA REDE DE ASSISTÊNCIA, NOS TERMOS DO ARTIGO 34 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. COBRANÇA INDEVIDA PORQUE NÃO PREVISTA NO CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. DEVER DE INDENIZAR OS DANOS (MORAL E MATERIAL) CAUSADOS AO CONSUMIDOR. RESTITUIÇÃO EM DOBRO PELA INDEVIDA QUANTIA PAGA. ENUNCIADO N.º 7.1 DAS TURMAS RECURSAIS: RECUSA INDEVIDA DE COBERTURA – DEVER DE INDENIZAR OS DANOS MATERIAIS E MORAIS CAUSADOS AO CONSUMIDOR. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA. Recurso conhecido e provido. I Relatório Relatório dispensado, nos termos do art. 38 da Lei nº 9.099/95. II Fundamentação Dos fatos Analisados os pressupostos de admissibilidade recursal, tanto os objetivos quanto os subjetivos, constato que o recurso comporta conhecimento. Ao contrário do entendido pelo juízo , a contratação de taxa de disponibilidade entre paciente e médico,a quo não se trata de relação privada e exclusiva entre o médico e o consumidor, com a exclusão da co-responsabilidade da prestadora de serviços. Ainda que a requerida tenha argumentado no sentido de se excusar da responsabilidade, ao arguir que não teve envolvimento na relação contratual, havida entre a médica assistente e a autora, e que o ônus de um contrato privado entre profissional da área de saúde e um paciente não possa recair sobre ela, não é isto que a legislação consumerista prevê. Veja-se que é fato incontroverso , uma vez que não impugnado em contestação que a autora é cliente da[1] ré desde 2014. Em consulta realizada entre o 5º e o 6º mês de gravidez a médica obstetra informou a[2] gestante de que ela deveria pagar-lhe pela disponibilidade e realização do parto; e, ainda, que deveria fazê-lo diretamente, uma vez que o Plano Unimed não estaria reembolsando os profissionais por tal procedimento. No caso, a relação secundária ente médico e paciente se deu no âmbito de uma relação originária entre a operadora de serviços e a consumidora. Consigne-se que a própria médica, ao rechaçar o argumento da consumidora de que seu plano teria cobertura para tal procedimento, afirmou que ela (a médica) não conseguiria o reembolso por tal serviço junto ao plano Unimed e que todos os outros médicos estariam usualmente cobrando diretamente de seus pacientes. III Da cobrança indevida São direitos direitos básicos do consumidor a inversão do ônus da prova e a responsabilidade objetiva dos fornecedores. Pois bem. A cobrança realizada pela médica credenciada pela requerida foi abusiva! A cobrança da “Taxa de Disponibilidade”, ainda que seja considerada opcional, deve ser entendida como cobrança indevida, uma vez que abusa da necessidade do consumidor. Conforme bem exarado nas razões recursais pelo autor: É como se o plano de saúde lhe disse-se: quer fazer o procedimento mais importante da sua vida com um médico que você confia ou com o que estiver de plantão no dia?[3] Por lógico, conforme apontam a ANS, os Procons Estaduais e o IDEC que trata-se de comércio “promíscuo”, contraditório e indesejado no âmbito da prestação de serviços de saúde pública; em especial, no período de gestação (na relação paciente – médico), em que a paciente fica notoriamente vulnerável em todos os sentidos, em face das mudanças que estão ocorrendo em seu organismo. A contratação da prestação de tal serviço deve ser considerada nula por dois motivos primordiais: primeiro porque é indevida; segundo, porque houve vício de consentimento na vontade da gestante na contratação, uma vez que após ser informada pela médica de que o plano de saúde não lhe daria a cobertura do serviço, optou, sem discordar, por fazer o pagamento, evitando assim dissabores na hora do parto, em especial, diante da expectativa de que um médico desconhecido, sem que ela tivesse afinidade, realizasse o parto do nascituro. IV Do vício no consentimento – Do dolo Nos termos do art. 178 do Código Civil o dolo é um vício no consentimento da vontade, no qual um dos contratantes é induzido a erro por outra pessoa. Em sua contestação e em razões recursais, a Unimed argui que a reclamante deveria ter-lhe procurado administrativamente para fazer o pedido formal da prestação do serviço referente à taxa de disponibilidade que, por este motivo, o da não procura à época da contratação direta com a médica, não possui responsabilidade pela indevida cobrança. Ora, como exigir-se de uma gestante em seu 6º mês de gravidez, que é informada pela sua própria médica, que vem lhe acompanhando desde o início da gestação, de que tal recurso administrativo junto à operadora restaria frustrado? É cristalino que a autora laborou em erro, em face da informação prestada pela médica de que a Unimed não estaria reembolsando o serviço e, que seria perca de tempo a busca do recurso pela via administrativa. Para garantir então a assistência de sua médica no parto; em meu ver, direito fundamental da gestante (salvo exceção legal), até porque deve se prognosticar o elevado grau de ansiedade e expectativa da mãe por não saber quem será o profissional que realizará o parto de seu filho, não hesitou e prontamente pagou a Taxa de Disponibilidade. Além disso, considerada a relação íntima estabelecida entre gestante e médica durante o período de gestação, a primeira tem sim, conforme dito alhures, garantido (salvo exceção justificável) em seu plano de saúde o direito gratuito (de escolher) a própria profissional que lhe atendeu durante a gestação. A referida abusividade da Taxa de Disponibilidade vem sido reconhecida por esta Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, conforme se vê em ementa de brilhante acórdão de lavra do douto relator Marco Vinicius Schiebel: PLANO DE SAÚDE- RECURSO INOMINADO AÇÃO DE COBRANÇA - COBRANÇA DE TAXA EXTRA/DISPONIBILIDADE PELO MÉDICO QUE REALIZOU O PARTO E INSTRUMENTADOR - RECUSA DO PLANO DE SAÚDE EM EFETUAR O REEMBOLSO - INDEVIDA - DIREITO À SAÚDE E À VIDA DO USUÁRIO DO PLANO SE SOBREPÕE AO DIREITO OBRIGACIONAL - CLÁUSULA ABUSIVA - OFENSA AO PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO - SENTENÇA MANTIDA. Diante do exposto, resolve esta Turma Recursal, por unanimidade de votos, conhecer do recurso e, no mérito, negar-lhe provimento, nos exatos termos do voto. (TJPR - 2ª Turma Recursal /0 - Curitiba - Rel.: Marco Vinícius Schiebel). No mesmo sentido, porém com incursão específica sobre o tema da Taxa de Disponibilidade é o acórdão TJ RJ 0000900-04.2014.8.19.006 de lavra do Relator Marcos Antonio Ribeiro de Moura Brito da 2 ª Turma Recursal do Rio de Janeiro – TJRJ. “Relação de consumo. Plano de saúde. Obstetrícia. Médico credenciado pela ré que cobra a denominada taxa de disponibilidade, que consiste em cobrança pela realização do parto independentemente dos valores já pagos pela consumidora ao plano de saúde. (...) Sentença de improcedência ao argumento de que quem fez a cobrança foi o médico e não o plano. (...) A operadora do plano de saúde responde pelos atos praticados pelo médico credenciado e integrante de sua rede de assistência, nos precisos termos do artigo 34 do Código de Defesa do Consumidor. Cobrança abusiva porque não prevista no contrato de plano de saúde. (...) Danos morais evidentes, decorrentes da sensação de impotência e angústia experimentada pela autora ao se perceber vítima de cobrança abusiva às vésperas do parto, quadro fático este que interferiu nas suas esferas de privacidade e intimidade, bens jurídicos tutelados pelo inciso X do artigo 5º da Constituição da República, cuja violação acarreta danos morais. (...) Recurso a que se dá parcial provimento. (...) restituição dobrada do valor despendido de danos morais, arbitrados em R$ 4.000,00. “ Neste ponto, quanto ao mérito, em especial, em relação à condenação dos requeridos em danos morais diante da negativa indevida de cobertura, incide à espécie o Enunciado n. 7.1 das Turmas Recursais: “Recusa indevida de cobertura – dever de indenizar: A recusa indevida de cobertura de plano de saúde acarreta, em regra, o dever de indenizar os danos (morais e materiais) causados ao consumidor”. Desta forma, conforme restou sobejamente demonstrado, a cobrança da taxa de disponibilidade é ilícita, originando a repetição do indébito, com o dever de restituição em dobro do valor da taxa de disponibilidade paga pela autora, nos termos do disposto no art. 42, parágrafo único da Lei 8078/90. Para a fixação do dano moral, mister a análise das circunstâncias do caso concreto, tais como a gravidade do fato, o grau de culpa do ofensor e a situação econômico-financeira dos litigantes, atentando-se para que a indenização não se torne fonte de enriquecimento sem causa, nem seja considerada inexpressiva, a atender ao duplo objetivo de compensar a vítima e afligir, razoavelmente, o autor do dano. Não é outro o entendimento do STJ, conforme se denota de trecho do voto da lavra do Ministro Sidnei Beneti no REsp n° 786.239-SP: “Com efeito, a indenização por danos morais tem como objetivo compensar a dor causada à vítima e desestimular o ofensor de cometer atos da mesma natureza. Não é razoável o arbitramento que importe em uma indenização irrisória, de pouco significado para o ofendido, nem uma indenização excessiva, de gravame demasiado ao ofensor. Por esse motivo, a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça orienta que o valor da indenização por dano moral não escapa ao seu controle, devendo ser fixado com temperança”. Não obstante, em face da natureza do bem envolvido, a saúde pública, a negativa de cobertura ao plano de saúde, nos termos do enunciado 7.1 das Turmas Recursais Reunidas do TJPR, origine a responsabilização por dano moral presumido; no caso, o dano moral é em face da angústia sofrida pela autora noin concreto sexto mês de gravidez, quando informada pela médica da não cobertura do serviço; fase em que o feto já formado, e que poderia, ainda que de maneira prematura, a qualquer momento romper a cela do útero e adentrar ao mundo externo, não há dúvidas de interferência negativa nas esferas de privacidade e intimidade da autora, bens tutelados na Magna Carta, acarretando ao responsável pelo ilícito o dever de indenização pelo dano moral causado. No caso em tela, diante das circunstâncias fáticas evidenciadas, considerando a finalidade pedagógica do instituto, o valor dos danos morais deve ser arbitrado em R$ 10.000,00 (dez mil reais), para que possa atender também as funções punitiva e preventiva do dano, e adequar-se aos parâmetros adotados por esta Turma Recursal no julgamento de casos semelhantes. V Conclusão Ante o exposto, o voto é no sentido de e ao recurso interposto, para o fimCONHECER DAR PROVIMENTO de reformar a sentença, condenando a requerida UNIMED CURITIBA – Sociedade Cooperativa de Médicos: à repetição do indébito em dobro, na forma do art. 42, § único do CDC, corrigidos monetariamente peloa) INPC/IBGE a partir do pagamento indevido; b) ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigidos monetariamente pelo INPC/IBGE a partir desta decisão Restando provido (s) o(s) recurso(s) da(s) parte(s) recorrente(s) não há que se falar em condenação em honorários e custas processuais, nos termos do art. 55 da Lei 9099/95. VI Dispositivo Ante o exposto, esta 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais resolve, por unanimidade dos votos, em relação ao recurso de SANDRA REGINA WEBER, julgar pelo (a) Com Resolução do Mérito - Provimento nos exatos termos do voto. O julgamento foi presidido pelo (a) Juiz (a) Alvaro Rodrigues Junior, com voto, e dele participaram os Juízes Siderlei Ostrufka Cordeiro (relator) e Marcos Antonio Frason. Curitiba, 08 de Março de 2018 SIDERLEI OSTRUFKA CORDEIRO JUIZ RELATOR Veja-se que a reclamada não discute o mérito: ou seja, assume os fatos como verdadeiros, limitando-se tão somente à[1] excusar-se de sua responsabilidade, conforme excerto das contrarrazões (mov. 34.1): “ A Unimed Curitiba não adentra ao mérito da abusividade ou não da cobrança ocorrida, apenas demonstra de forma notória, que não teve qualquer envolvimento com a relação contratual havida entre a médica assistente e a autora...” O argumento utilizado na sentença (mov. 22.1), que acolheu o parecer do Conselho Regional de Medicina e entendeu lícita[2] a cobrança por parte do profissional médico, em meu entender, também não merece acolhida, em face da extemporaneidade da comunicação: Para o Conselho, a cobrança não violaria a ética médica desde que o obstetra não esteja de plantão e que . Tal circunstância, ainda, não caracterizaria lesãoeste procedimento seja acordado com a gestante na primeira consulta ao contrato estabelecido entre o profissional e a operadora de plano e seguro de saúde (Parecer 39/2012, CFM). Acrescentei: “aquele que durante nove meses lhe atendeu durante a gestação, o que conhece a fundo o seu organismo de[3] gestante, e também eventuais doenças pré-existentes; aquele que acompanhou o desenvolvimento do feto desde as primeiras semanas de vida...”.
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