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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ 4ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS - PROJUDI Rua Mauá, 920 - 14º Andar - Alto da Glória - Curitiba/PR - CEP: 80.030-200 - Fone: 3210-7003/7573 Apelação Criminal n° 0002044-79.2016.8.16.0108 Juizado Especial Criminal de Mandaguaçu Apelante(s): JEAN CARLOS XAVIER DA SILVA Apelado(s): Ministério Público do Estado do Paraná Relator: Leo Henrique Furtado Araújo RECURSO DE APELAÇÃO.CRIME DE MAUS TRATOS AOS ANIMAIS. ARTIGO 32, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/1998. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO -. IMPOSSIBILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO DO RÉU. ELEMENTO SUBJETIVO DEVIDAMENTE COMPROVADO. DOLO EVENTUAL. RISCO DE ABUSAR E MALTRATAR DE ANIMAL ASSUMIDO. MÁS CONDIÇÕES DE HIGIENE, INADEQUADO FORNECIMENTO DE ÁGUA E ALIMENTAÇÃO. QUADROS DE DESNUTRIÇÃO E CINOMOSE. CONDENAÇÃO MANTIDA. Recurso conhecido e desprovido. Trata-se de Apelação Criminal interposta por Jean Carlos Xavier da Silva contra sentença que o condenou pela prática do crime previsto no artigo 32, caput, da Lei 9.605/1998, à pena de 06 (seis) meses de detenção e 20 (vinte) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente no país, à época dos fatos, em regime aberto, a qual foi substituída por uma pena restritiva de direito, consistente em prestação pecuniária, fixada no valor de 2 (dois) salários mínimos em benefício de instituição com fins voltados ao bem-estar animal. O recorrente pugna pela reforma da decisão, requerendo sua absolvição em decorrência da ausência de provas para a condenação. Contrarrazões apresentadas no evento 169. Parecer do Ministério Público atuante junto às Turmas Recursais do Estado do Paraná no evento 10.1 (da guia “movimentações”) opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso de apelação. É o sucinto relatório. Voto. O recurso deve ser conhecido vez que presente os pressupostos processuais de admissibilidade. Neste ponto, cumpre asseverar que, em que pese o recurso tenha sido interposto sem as respectivas razões, considerando que estas foram apresentadas antes da intimação do réu, bem como tendo em vista que esse encontra-se representado por advogada nomeada pelo estado, entendo que a regra disposta no artigo 82 da Lei nº 9.099/95 deve ser flexibilizada, não podendo, no caso, a intempestividade ser interpretada como requisito para a admissibilidade recursal. Sobre o tema cumpre destacar o seguinte entendimento do Superior Tribunal de Justiça: [...]1. Sendo a apelação, também no rito da Lei nº 9.099/95, uma espécie de recurso, a ausência ou intempestividade das razões, não induzem ao não-conhecimento da apelação interposta.2. Esta Corte Superior tem se posicionado no sentido de que, diante da inércia da defesa na apresentação das devidas razões recursais, em homenagem ao princípio da ampla defesa e contraditório, é imprescindível a intimação do réu, oportunizando a constituição de novo defensor.3. Recurso em habeas corpus provido para reconhecer a nulidade da decisão de inadmissão do recurso de apelação pela ausência das razões, para a intimação do recorrente a fim de que constitua novo defensor para tal fim e, de ofício, declarar extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva estatal. (RHC n. 25.736/MS, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 3/8/2015) Passo ao mérito. Analisando os autos, verifica-se que o recorrente foi denunciado em razão da prática do delito de maus tratos a animais, previsto no artigo 32, caput, da Lei 9.605/1998, em razão do seguinte fato narrado na exordial acusatória: “Em data de 03 de agosto de 2016, por volta das 15:20 horas, foi realizada uma vistoria na residência localizada à Rua Manoel Gonçalves da Cruz, nº 173, fundo, Conjunto Adolpho Leppri, nesta cidade de Mandaguaçu/PR, na qual constatou-se que o DENUNCIADO JEAN CARLOS CHAVIER DA SILVA, dolosamente e ciente da ilicitude de sua conduta, tratava com crueldade seus dois cães, os quais apresentavam claros sinais de maus tratos e abandono, condições verificadas no ofício nº VS 044/2016, quais sejam: ausência de água a vontade para os animais, falta de limpeza do quintal, o qual apresentava muitas fezes no chão, desnutrição comprovada de um dos cães (foto seq. 1.3), enquanto o outro apresenta escore corporal no limite com sinais indicativos de cinomose”. Durante a instrução probatória, a testemunha de acusação Daniele Cristina Leonardi relatou, em suma, que a casa do réu não tinha portão e, como era sua vizinha, via os cachorros. Destacou que a fêmea ia até sua casa pedir comida, a qual lhe era fornecida. Um dia estava chovendo e ela estava presa embaixo de uma telha e tomando chuva. Assim, dirigiu-se ao réu Jean e conversou com ele para que adquirissem uma casa para a cadela. Como ele nada fez, comprou uma casinha e deixou no local junto com a respectiva nota, a qual não foi ressarcida pelo réu. Depois de um tempo, verificou que o réu apareceu com mais um cachorro, o qual estava debilitado e, com o tempo, percebeu que vinha ficando cada vez pior. Tentou ajudar porque os animais estavam sofrendo. Reafirmou acerca da falta de cuidado com os animais, consistente em falta de água, comida e higiene. Um dia conseguiu entrar na casa de um vizinho do réu e conseguiu ver por cima do muro, momento em que percebeu que a fêmea não conseguia se levantar, ao que foi atrás de providências para retirar os animais do local. Procurou uma associação de animais e conseguiram uma clínica para cuidar dos cachorros. Soube que a fêmea faleceu e que o macho foi adotado. A testemunha Regina Claudia Leonardi, em juízo, informou que um dos cachorros do réu começou a apareceu em frente a sua casa, cada vez mais magro, ao que sua irmã Daniele começou a cuidar e alimentar. Verificou que os cachorros não tinham alimentação, água e higiene adequados. Destacou que a fêmea tinha acesso à rua. Por sua vez, Amanda Gonsalez Amaral, vigilante sanitária à época dos fatos, em juízo, narrou que recebeu muitas reclamações acerca da situação dos cães, sendo que uma vizinha reclamou na vigilância e chamou inclusive uma reportagem. Após, o prefeito da época determinou para que a vigilância fosse ao local e retirasse os animais. Assim, obtiveram uma autorização, retiraram os animais do local, sendo que um foi levado a um abrigo e a outra para uma clínica, onde veio a falecer devido ao estado avançado de cinomose. Quando do resgate dos animais se deparou com um local com muitas fezes, um cachorro preso em um “sol de rachar”, sem sombra, sem água e sem ração. Ao ser oferecida ração ao cachorro disse que ele só faltou comer o pote de tanta fome, e que este encontrava-se em nítido estado de desnutrição. Ressaltou que era visível o estado de maus tratos em decorrência do relatado. A informante de defesa, Taiza Pereira de Andrade, esposa do acusado, declarou que a cachorro fêmea era de seu marido e o macho pertencia ao irmão do réu, sendo que esse o pegou para cuidar. Relatou que o cão chegou em sua casa já doente e magro do sítio de onde morava. Compraram remédio e estava sendo medicado. Esclareceu que o macho estava preso porque era bravo. Disse que ambos eram alimentados pela manhã e ao final da tarde, bem como que o terreno onde eles ficavam era limpo diariamente. Mencionou que os cães nunca foram levados ao veterinário e que não veio a saber do destino deles após o resgate. Fernando Xavier da silva, irmão do réu, ouvido em juízo na qualidade de informante, relatou que ganhou um cachorro de seu pai mas, ao ter se mudado para um sítio, percebeu que o cachorro não se adaptou, ficando doente e magro. Em razão disso, seu irmão, ora réu, levou o cão para sua casa, pois residia na cidade e tinha a intenção de recuperá-lo. Ao fim, o réu Jean Carlos Xavier da Silva, em seu interrogatório judicial, declarou a cachorro fêmea era sua desde filhote e estava há três anos em sua posse. O macho era um “ pitbull” e, por isso, tinha medo de deixa-lo solto porque tinham crianças na vizinhança. Esse cachorro era de seu irmão, sendo que o pegou pois ao mudarem-se para um sítio o cão não se adaptou e estava ficando doente e magro. Destacou que o pegou para cuidá-lo, estando com ele há pouco tempo. Disse que quando chegava em casa encontrava o portão aberto, não sabendo como, por isso prendeu o “pitbull”. Mencionou que a fêmea ficava solta no quintal porque era carinhosa. Narrou que o cachorro tinha casinha com cobertura e tinha acesso à sombra, ao que a cadela permanecia solta. Quando saia deixava uma vasilha cheia de água e ração, sendo que era combinado com sua namorada Taiza para que essa desse mais água e ração quando chegasse do serviço, por volta das 15h. Mencionou que o cão pegou diarreia porque a vizinha jogou comida dentro do terreno e a cadela teve com cinomose porque abriram o portão e ela adquiriu de outros cães na rua. Diante dos depoimentos testemunhais colhidos, aliados aos demais elementos de prova amealhados nos autos, em especial as fotografias juntadas aos eventos 1.2/1.3 e o Ofício da Secretaria de Vigilância Sanitária acostado ao evento 1.3, resta demonstrada a autoria e materialidade do delito pela qual o réu foi condenado. Com efeito, é nítida que a situação dos cães, na forma em que foram resgatados, revela a ocorrência de maus tratos consistente na insuficiência de cuidados básicos, como fornecimento de alimento, água, higiene e tratamento de saúde. Vale destacar que, em juízo, a testemunha Daniele Cristina Leonardi, vizinha do acusado, foi enfática ao narrar que ao se deparar com a situação calamitosa em que os cães viviam, buscou contatar o réu, alertando-o para que tomasse providências, ao que fora totalmente ignorada. Assim, indignada com o que ocorria com os animais, a referida testemunha acionou diversos meios para providenciar uma solução ao fato, quais sejam a imprensa, associações e o Ministério Público, sendo que conseguiram providenciar abrigo para acolher os cães. Destacou que o macho foi para um abrigo e posteriormente adotado, e a fêmea, devido ao estado de saúde, foi para uma clínica veterinária, mas veio a falecer. Ressalte-se que o relato da mencionada testemunha é corroborado pelo depoimento da testemunha Amanda Gonsalez Amaral, à época vigilante sanitária, a qual presenciou o momento do resgate dos animais, asseverando que se deparou com um local repleto de fezes, o cachorro preso sob um sol “de rachar”, sem sombra, sem água, sem ração em visível estado de maus tratos. O tipo penal previsto no artigo 32, caput, da Lei 9.605/98 objetiva tutelar o meio ambiente, consubstanciado na incolumidade dos animais e tem como elemento subjetivo o dolo. Notadamente, o recorrente foi condenado em razão de manter sob sua tutela dois cães sem os devidos cuidados, carentes de comida, água, higiene, local e tratamento de saúde adequados, haja vista que um deles encontrava-se com cinomose, inclusive vindo a falecer, e outro em nítido estado de subnutrição, sem jamais terem sido encaminhados ao veterinário. Sob essa ótica, não há o que se falar em ausência do tipo subjetivo do tipo, pois não se pode conceber do homem médio qualquer justificativa que faça crer que suas ações não se tenham dado, ao menos, em decorrência de dolo eventual, ou seja, assumindo o risco de causar os cães tratamento excessivamente penoso. Nesse sentido, vale colacionar o seguinte julgado: APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE MAUS TRATOS AOS ANIMAIS. ARTIGO 32 DA LEI Nº 9.605/1998. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. INVIABILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO DO RÉU. ELEMENTO SUBJETIVO DEVIDAMENTE COMPROVADO. DOLO EVENTUAL. RISCO DE ABUSAR E MALTRATAR DE ANIMAL ASSUMIDO. NÃO FORNECIMENTO DE ÁGUA E ALIMENTAÇÃO POR PERÍODO SUPERIOR A 24 HORAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 4ª Turma Recursal - 0000035-36.2019.8.16.0110 - Mangueirinha - Rel.: Juíza Bruna Greggio - J. 06.04.2020) Assim, pelos argumentos apresentados, não merece acolhimento a tese de insuficiência probatória, nem se cogita a ausência de dolo do acusado, vez que esses restas suficientemente demonstrados nos autos. Diante do exposto, o voto é pelo desprovimento do recurso, mantendo-se a sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos. Por fim, fixo os honorários advocatícios à defensora dativa nomeada, no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), nos termos da Tabela de Honorários da Advocacia Dativa do Estado do Paraná e Resolução Conjunta nº 015/2019-PGE/SEFA. Dispositivo Ante o exposto, esta 4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais resolve, por unanimidade dos votos, em relação ao recurso de JEAN CARLOS XAVIER DA SILVA, julgar pelo(a) Com Resolução do Mérito - Não-Provimento nos exatos termos do voto. O julgamento foi presidido pelo (a) Juiz(a) Leo Henrique Furtado Araújo (relator), com voto, e dele participaram os Juízes Marco Vinícius Schiebel e Aldemar Sternadt. Curitiba, 14 de agosto de 2020 Leo Henrique Furtado Araújo Juiz Relator CIm
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