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Acórdão
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ 3ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS Autos nº. 0004747-20.2020.8.16.0018 Recurso Inominado Cível n° 0004747-20.2020.8.16.0018 3º Juizado Especial Cível de Maringá Recorrente(s): LUCIANA CRISTINA RODRIGUES DE ALMEIDA Recorrido(s): TIM S/A Relator: Fernando Swain Ganem TELEFONIA. QUEDA DE SINAL. CALL CENTER INEFICIENTE. INCIDÊNCIA DOS ENUNCIADOS 1.4 E 1.5 DA 3ª TR/PR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. OPERADORA NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TEORIA DO DESVIO DOS RECURSOS PRODUTIVOS DO CONSUMIDOR. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. O autor alega que possui contrato de telefonia móvel fornecido pela ré sob nº (44) 998460817 e que há frequentes falha no serviço da operadora. Alega ainda que entrou em contato via call center e solicitou a resolução do problema, porém, a tentativa de solução restou infrutífera; pleiteia indenização por danos morais em razão do call center ineficiente. Sobreveio improcedente. Passo ao voto. Trata-se de uma relação de consumo, portanto há a incidência do CDC. Neste sentido, aplica-se a inversão do ônus da prova. Por este motivo incumbia à ré trazer aos autos provas para desconstituir os fatos alegados pela autora, todavia, não se desincumbiu satisfatoriamente de seu ônus. A parte autora afirma que entrou em contato com o call center e solicitou a retificação da prestação do serviço, conforme o protocolo de nº 202002059118574., indicado na inicial. Todavia, observa-se que mesmo após reclamação administrativa continuou impossibilitada de usufruir dos serviços, tendo suas chamadas interrompidas, sendo obrigada a realizar novas ligações e arcar com os custos disso. Assim, incide-se a inteligência dos enunciados 1.4 e 1.5 da Terceira Turma Recursal do Estado do Paraná, senão vejamos: ENUNCIADO Nº 1.4 - Suspensão/bloqueio indevido do serviço de telefonia: A suspensão/bloqueio do serviço de telefonia sem causa legítima caracteriza dano moral. ENUNCIADO Nº 1.5 - Call center ineficiente – dano moral: A falha na prestação dos serviços, combinada com a ausência de solução administrativa aos reclamos do consumidor, configura dano moral. Ainda, não se pode admitir como mero dissabor do cotidiano os transtornos gerados ao consumidor pela falha da operadora em capacitar seus atendentes, razão pela qual o dano moral resta caracterizado. Nesse sentido, em virtude da controvérsia que paira acerca do caráter indenizatório da situação vivenciada pelo consumidor, faz-se necessário aprofundar o entendimento sobre este tema. O fornecedor tem o dever, mediante pagamento, de proporcionar recursos produtivos ao consumidor. Esses recursos produtivos detém a função de possibilitar ao consumidor o exercício de atividades produtivas, geralmente de cunho existencial. Assim, o dever do fornecedor é, conforme Marcos Dessaune[1]: “Juridicamente essa missão do fornecedor está fundada nos seus deveres legais de colocar, no mercado de consumo, produtos e serviços que tenham padrões adequados de qualidade-adequação e qualidade segurança; de dar informações claras e adequadas sobre seus produtos e serviços; de agir sempre com boa-fé; de não empregar práticas abusivas no mercado; de não gerar riscos ou causar danos ao consumidor; de sanar os vícios que seus produtos e serviços apresentem e de reparar os danos que eles e eventuais práticas abusivas causem ao consumidor, de modo espontâneo, rápido e efetivo.” Entretanto, demonstra-se corriqueiro que grandes operadoras de telefonia, como é o caso, não cumpram com esses deveres, seja por despreparo, desatenção, descaso ou má-fé. Em face dessa falha na prestação do serviço, o consumidor encontra-se fragilizado diante da frustação de suas expectativas legítimas e passa a buscar a solução das falhas que o interpelam. Nesse processo, submete-se ao modus solvendi da operadora, isto é, ao caminho que ela oferece para que o problema, que muitas vezes a própria operadora veladamente criou, seja resolvido. Todavia, esta via crucis disponibilizada pelo fornecedor com frequência demonstra-se dispendiosa e não apresenta uma solução espontânea, rápida e efetiva, gerando o dissabor e o aborrecimento ao consumidor. Feita esta breve contextualização, debruça-se sobre o ponto central deste tema: o objeto do dano moral. O mero dissabor cotidiano do consumidor não deve ser considerado o objeto principal do dano moral, mas sim um sintoma, uma consequência da perda imposta ao consumidor, qual seja, a perda de seu tempo produtivo, de sua liberdade, enfim, de seu tempo existencial, que desemboca na violação dos direitos da personalidade, como a dignidade e a vida. Evoca-se, para melhor ilustrar esse cenário, os ensinamentos de Dessaune[2]: “a jurisprudência tradicional - segundo a qual a via crucis percorrida pelo consumidor, ao enfrentar problemas de consumo criados pelos próprios fornecedores, representa "mero dissabor ou aborrecimento" e não um dano moral indenizável - revela um raciocínio erigido sobre premissas equivocadas que, naturalmente, conduzem a essa conclusão falsa. A primeira de tais premissas é que o conceito de dano moral enfatizaria as consequências emocionais da lesão, enquanto ele já evoluiu para centrar-se no bem ou no interesse jurídico atingido; ou seja, o objeto do dano moral era a dor, o sofrimento a humilhação, o abalo psicofísico, e se tornou qualquer atributo da personalidade humana lesado. A segunda é que, nos eventos de desvio produtivo, o principal bem ou interesse jurídico atingido seria a integridade psicofísica da pessoa consumidora, enquanto na realidade, são seu tempo vital e as suas atividades existenciais. A terceira é que esse tempo existencial não seria juridicamente tutelado, enquanto, na verdade, ele se encontra resguardado tanto no elenco exemplificativo dos direitos da personalidade, quanto no âmbito do direito fundamental à vida.” - Grifou-se. Portanto, esta série de condutas sistematicamente cometidas pelas operadoras configuram no consumidor o desvio produtivo de seu tempo, no sentido de que o tempo despendido nestes procedimentos, muitas vezes kafkianos, poderiam ser convertidos em trabalho, estudo, descanso, dentre outras práticas vitais para a plenitude existencial da pessoa humana. Ressalta-se que o valor pago na contratação do serviço é justamente a compra desse tempo, assim, quando o serviço é suspenso ou falha, acarreta em enriquecimento ilícito do fornecedor cumulado com a punição temporal - agravada pelos nefastos efeitos anímicos - ao consumidor, configurando o dano existencial. Deste modo, conclui-se que o consumidor de fato sofre dano extrapatrimonial que potencialmente transborda à coletividade, sendo dano certo, injusto e imediato, indenizável in re ipsa. Feito este esclarecimento, o arbitramento da indenização pelo dano moral deve sempre ter o cuidado de não proporcionar, por um lado, o enriquecimento ilícito da parte autora emdetrimento do réu, nem por outro, a banalização da violação aos direitos do consumidor. Também deve ser considerada a dupla finalidade do instituto, qual seja, a reparatória em face do ofendido e a educativa e sancionatória quanto ao ofensor. Diante disso, levando em conta, ainda, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, fixo o valor da indenização por danos morais em R$ 1.000,00 (mil reais). Sentença reformada para o fim de condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais em R$ 1.000,00 (mil reais), com juros de mora de 1% ao mês desde a citação, e correção monetária pelo índice INPC a partir da decisão condenatória, nos termos do atual enunciado nº 4.5 “a” das TR’S/PR. Recurso da autora conhecido e provido. Deixo de condenar ao pagamento de honorários advocatícios, conforme artigo 55 da LJE. Conforme previsão do art. 4º da lei estadual 18.413/2014, não haverá devolução das custas recursais [1] DESSAUNE, Marcos. Teoria Aprofundada do Desvio Produtivo do Consumidor: Um Panorama. Direito em Movimento, Rio de Janeiro: EMERJ, v. 17 – n. 1, 1º sem. 2019, p, 18. [2] Ibidem, p. 25. Ante o exposto, esta 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais resolve, por maioria dos votos, em relação ao recurso de LUCIANA CRISTINA RODRIGUES DE ALMEIDA, julgar pelo(a) Com Resolução do Mérito - Provimento nos exatos termos do voto. O julgamento foi presidido pelo (a) Juiz(a) Fernando Swain Ganem (relator), com voto, e dele participaram os Juízes Denise Hammerschmidt e Fernanda Karam De Chueiri Sanches (voto vencido). 04 de dezembro de 2020 Fernando Swain Ganem Juiz (a) relator (a)
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