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Acórdão
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ 3ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS Autos nº. 0007402-04.2021.8.16.0026 Recurso Inominado Cível n° 0007402-04.2021.8.16.0026 Juizado Especial Cível de Campo Largo Recorrente(s): ADAO ZANETI DOS SANTOS Recorrido(s): PAGSEGURO INTERNET S.A. e Banco Votorantim S.A. Relator: Fernando Swain Ganem RECURSO INOMINADO. BANCÁRIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INVASÃO NA CONTA BANCÁRIA. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA REALIZADA POR TERCEIROS QUE TIVERAM ACESSO AOS DADOS DO AUTOR. ABERTURA DE CONTA COM AS INFORMAÇÕES PESSOAIS OBTIDAS ILICITAMENTE. DEVER DE SEGURANÇA NÃO OBSERVADO. VULNERABILIDADE DOS SISTEMAS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS RÉS ENVOLVIDAS NA CADEIA DE CONSUMO. ART. 25, § 1° DO CDC E SÚMULA 479 DO STJ. EXEGESE DO ART. 42 DA LGPD. FALHA NA OPERAÇÃO E MANUSEIO DE DADOS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AOS DADOS PESSOAIS, CONSOANTE INCISO LXXIX DO ART 5° DA CONSTITUIÇÃO. ACESSO ILÍCITO À CONTA BANCÁRIA ENSEJA VIOLAÇÃO AO DIREITO À PRIVACIDADE E INTIMIDADE, E, CONSEQUENTEMENTE, ABALOS PSICOLÓGICOS. DANO MORAL IN RE IPSA. SENTENÇA PACIALMENTE REFORMADA. RECURSO DO AUTOR CONHECIDO E PROVIDO. Relatório. Sustenta o autor que no dia 06/08/2021 a sua conta digital do PagSeguro foi invadida por terceiros. No mesmo dia, o requerente observou que foi realizada uma transferência no valor de R$ 145,10 para conta bancária aberta em seu nome no Banco Votorantim, sem sua autorização. Diante dessa situação, foi registrado boletim de ocorrência e relatado o ocorrido a PagSeguro a fim de solucionar o problema. Informado da fraude, no dia 10/08/2021, a primeira ré restituiu o valor transferido ilicitamente. Em que pese a solução administrativa, o autor almeja a tutela dos danos moras advindos da violação aos seus dados pessoais, bem como requer o enceramento da conta aberta por terceiros em seu nome. Citados, os réus contestaram o feito. Aduz a PAGSEGURO INTERNET S.A que nos presentes autos inexistem indícios que apontem para sua conduta ilícita ou qualquer falha na prestação de serviço. Argumenta que a responsabilidade de zelar pelos dados pessoais é da parte autora, haja vista o dever de confidencialidade que deve-se ter sobre tais informações. Ademais, alega que o estorno do valor transferido indevidamente da conta do autor já fora restituído, demonstrando presteza e boa-fé na solução do problema. Por fim, impugna a concessão de danos morais, tendo em vista a ausência probatória de abalos psicológicos indenizáveis. Alega o Banco Votorantim S.A, em sede preliminar, para a sua ilegitimidade passiva, pois a falha na prestação de serviço se deu em decorrência exclusiva da PagSeguro que não foi diligente com os dados do autor. Em relação ao mérito, sustenta a inexistência de responsabilidade pelo ilícito e inocorrência de danos morais indenizáveis. Nesse contexto, adveio sentença de parcial procedência determinando que o réu, Banco Votorantim S.A, promova o encerramento da conta corrente n° 622666065-6, aberta por terceiros em nome do autor. Tese recursal do autor pleiteia reforma na sentença a fim de que se arbitre indenização por danos morais. Nesses termos, é o relatório. Fundamentação. Primariamente, cabe destacar que o recurso interposto satisfaz os pressupostos intrínsecos e extrínsecos fundamentais à sua admissibilidade, devendo ser conhecido. A posteriori, constata-se que a lide em questão se trata de relação de consumo, uma vez que as partes se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor (arts. 2.º, parágrafo único, e 3.º do CDC), ensejando a aplicação do instituto da inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6.º, inc. VIII, do CDC. Da análise atenta do caderno processual, observa-se que a conta digital do autor foi invadida por terceiros alheios a relação contratual. Nesse ponto, é fundamental esclarecer como tais fraudadores obtiveram acesso ao perfil do requerente na plataforma da primeira ré. Buscando essa resposta, a PagSeguro argumenta que a culpa fora do autor que não foi zeloso com os dados de sua titularidade. Ora, a tentativa de imputação do ilícito para o próprio autor não é compatível com o conteúdo probatório demonstrado nesses atos e nem com o texto legal. Explico: a primeira ré, em sede de contestação, se contentou em tecer tese de culpa exclusiva do consumidor, anexando telas sistêmicas que em nada corroboram para o deslinde do feito, ante a fácil manipulação das mesmas. O segundo réu, por seu turno, concentrou-se em atribuir responsabilidade exclusiva a primeira ré. A responsabilidade das rés independe de culpa, pois se trata de responsabilidade objetiva que se atrela ao risco desenvolvido pela atividade empresarial. Assim, na ocorrência de danos, estas são obrigadas a reparação nos ditames do art. 14 do CDC, in verbis: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Conforme se extrai do parágrafo terceiro do dispositivo legal supracitado, o fornecedor só não será responsabilizado quando provar que inexiste o defeito ou quando demonstrar culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. No caso sub judice, a culpa exclusiva do consumidor não restou provada. Sobre a culpa exclusiva de terceiro, entendo que a primeira ré falhou com o dever de segurança na medida que o seu aplicativo não foi apto a garantir a integridade dos dados pessoais do requerente perante um ataque de fraudadores. A plataforma da primeira ré, diante de uma invasão, se mostrou frágil em decorrência da sua ineficácia informática em barrar ações fraudulentas a ponto de evidenciar a falha na prestação de serviço, acarretando violação ao direito à privacidade e intimidade do requerente. Nesse sentido, a segunda ré, também contribuiu para a perpetuação do ilícito, pois o seu sistema permitiu a abertura de conta em nome do autor por terceiros fraudadores, restando evidente a vulnerabilidade dos processos de segurança relacionados a abertura de contas. Diante disso, elucida o Código de Defesa do Consumidor: Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores. § 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores A legitimidade do Banco Votorantim também é reforçada pela súmula 479 do STJ, que dispõe: “ As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. Dessa forma, a instituição financeira também é legitimada para ocupar o polo passivo em virtude da conta bancária fraudulenta aberta em nome do autor. Ciente da falha na prestação de serviço de ambas as rés, passo a explicitação da proteção dos dados pessoais consagrada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Pois bem. A ordem social e jurídica, no contexto atual, se percebe mergulhada pela suma importância dos dados pessoais, pois é por meio destes que se torna possível a ocorrência de ações ilícitas e o próprio proveito econômico ante a configuração do perfil do consumidor. É nesse cenário que se inserem a Lei Geral de Proteção de Dados e a proteção constitucional aos dados pessoais, vejamos: Lei 13.709/2018 Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos: I - o respeito à privacidade; IV - a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; Art. 42. O controlador ou o operador que, em razão do exercício de atividade de tratamento de dados pessoais, causar a outrem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em violação à legislação de proteção de dados pessoais, é obrigado a repará-lo. CONSTITUIÇÃO Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXXIX - é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 115, de 2022) A partir da LGPD e da Emenda Constitucional n° 115/2022, a ordem jurídica, em compatibilidade com o atual panorama tecnológico, se preocupa sobremaneira com a tutela dos dados pessoais. Tal proteção se insere como direito fundamental, nos termos da Constituição, objetificando a salvaguarda dos direitos ligados à privacidade e intimidade. A violação a vida privada enseja dano moral in re ipsa, consoante art 5°, X da Carta Política. Na lide em discussão, a invasão da conta do autor caracteriza flagrante violação aos direitos da personalidade, quais seja, a intimidade e privacidade e, por consequência, enseja reparação pelos danos morais. Corrobora entendimento jurisprudencial: APELAÇÃO CÍVEL. MATÉRIA RESIDUAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E LUCROS CESSANTES. INVASÃO DA CONTA DA AUTORA NA PLATAFORMA MERCADO LIVRE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO INTERPOSTO PELA REQUERIDA. (...) 2. RESPONSABILIDADE CIVIL. INVASÃO DA CONTA DA DEMANDANTE E CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO POR TERCEIRO. FALHA NA SEGURANÇA DA PLATAFORMA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA REQUERIDA. RISCO DA ATIVIDADE PRESTADA. 3. PLEITOS DE AFASTAMENTO OU MINORAÇÃO DA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NÃO ACOLHIMENTO. (...) “QUANTUM” INDENIZATÓRIO QUE ATENDE ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. (...) APELAÇÃO CÍVEL PARCIALMENTE CONHECIDA E, NA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDA. (TJPR - 10ª C.Cível - 0007531-55.2019.8.16.0001 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR GUILHERME FREIRE DE BARROS TEIXEIRA - J. 05.07.2021) Ex positis, o arbitramento da indenização pelo dano moral deve sempre ter o cuidado de não proporcionar, por um lado, o enriquecimento ilícito do autor em detrimento do réu, nem por outro, a banalização da violação aos direitos do consumidor. Também deve ser considerada a dupla finalidade do instituto, qual seja, a compensatória em face do ofendido e a educativa e sancionatória quanto ao ofensor. Por fim, deve-se considerar as peculiaridades do caso concreto, no qual houve negligência das rés com o consumidor na custódia dos danos pessoais bem como a violação ao dever de segurança e as diretrizes consagradas pela LGPD, poré , doutra sorte, houve a devolução dos valores. Perante o exposto, arbitro a indenização por danos morais no montante de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). Sentença reformada para o fim de condenar as rés, solidariamente, ao pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de indenização por danos morais, valor este acrescido de correção monetária pela média dos índices INPC/IGP-DI e juros moratórios de 1% ao mês, ambos nos termos do enunciado 4.5 “a” da 3ª TR/PR. Recurso do autor conhecido e provido. Não haverá condenação a título de honorários advocatícios, conforme artigo 55 da LJE. Por fim, em consonância com a previsão do art. 4º da lei estadual 18.413/2014, não haverá devolução das custas recursais. Dispositivo. Ante o exposto, esta 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais resolve, por maioria dos votos, em relação ao recurso de ADAO ZANETI DOS SANTOS, julgar pelo(a) Com Resolução do Mérito - Provimento nos exatos termos do voto. O julgamento foi presidido pelo (a) Juiz(a) Denise Hammerschmidt, com voto, e dele participaram os Juízes Fernando Swain Ganem (relator) e Adriana De Lourdes Simette (voto vencido). 29 de julho de 2022 Fernando Swain Ganem Juiz (a) relator (a)
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