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Acórdão
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ 2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS Autos nº. 0005177-61.2019.8.16.0129 Recurso Inominado Cível n° 0005177-61.2019.8.16.0129 Juizado Especial Cível de Paranaguá Recorrente(s): ANNE CRISTINE DOS SANTOS Recorrido(s): CHIRLEI ALVES DE OLIVEIRA e THAIS ALVES CONRADO DE OLIVEIRA Relator: Marcel Luis Hoffmann RECURSO INOMINADO. IMÓVEIS. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA.TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS ANTES DA MORTE DE UM DOS PROMITENTES VENDEDORES. VALIDADE DO INSTRUMENTO CONTRATUAL FIRMADO EM 1998, COM CLÁUSULA DE IRREVOGABILIDADE. SEGURO PAGO, TAMBÉM E PRINCIPALMENTE, PELA CESSIONÁRIA.QUITAÇÃO DO SALDO DEVEDOR JUNTO À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA COM O PRÊMIO DO SEGURO. AUSÊNCIA DE DIREITOS SUCESSÓRIOS. BEM QUE NÃO ADENTROU A ESFERA DE DOMÍNIO DO ESPÓLIO. IMPOSSIBILIDADE DO LOCUPLETAMENTO INJUSTO DA VIÚVA E DA HERDEIRA. SENTENÇA REFORMADA, RECONHECENDO-SE O DIREITO À ALIENAÇÃO COMPULSÓRIA. RECURSO PROVIDO. 1. Trata-se de ação de adjudicação compulsória, em que a parte reclamante alega que no dia 13/01/1998, adquiriu da requerida Chirlei e de seu marido Vilmar direitos sobre um imóvel financiado pela Caixa Econômica Federal e com parcelas de financiamento pendentes. A autora teria efetuado, então, o pagamento de R$7.000,00 (sete mil reais), e assumiu os pagamentos das prestações vincendas junto à Caixa Econômica Federal. Para registrar essa negociação com a requerida Chirlei e seu marido Vilmar, foi firmado um “contrato de gaveta” (mov.1.13). Alega o reclamante que, que com a morte do marido da requerida Chirlei, alguns meses depois, o imóvel foi quitado pelo seguro. Informa que procurou as requeridas para regularizar a situação do imóvel, e realizar a transferência definitiva em seu favor, mas foi atendida pelo advogado delas, que condicionou a anuência de sua cliente e de sua filha ao pagamento de quarenta e cinco mil reais (R$45.000,00), importância que, no entender das requeridas, corresponderia a trinta por cento (30%) do valor que entendem ser o atual do imóvel. Além disso, condicionaram também ao pagamento das custas do inventário, em razão do falecimento do sr. Vilmar. Diante desse quadro, a reclamante requer a adjudicação compulsória do imóvel em seu favor. A requerida Chirlei não compareceu à audiência de conciliação (mov. 55), pelo que lhe foi decretada a revelia. A requerida Thais, em contestação (mov. 57.1), aduziu a sua ilegitimidade passiva e a inadequação do procedimento, por entender que a parte deveria ter aberto o inventário. No mérito, requereu a improcedência do pedido por entender que a quitação havida com o seguro deve ser revertida em favor dos herdeiros de seu falecido genitor. 2. A sentença (mov. 74.1 e mov. 76.1) julgou improcedente o pedido da parte autora, do que esta, irresignada, apresenta recurso no mov. 84.1, devolvendo à cognição recursal a integralidade da análise da matéria ventilada em primeiro grau, postulando pela reforma do julgado. 3. Inicialmente, faz-se relevante verificar se realmente cabível o pedido de adjudicação compulsória no caso em exame. Sua previsão e requisitos encontram-se nos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil sendo, no presente caso, importante transcrevê-los: Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel. Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel. 4. A lei aplicável ao caso traz, portanto, os seguintes requisitos para a ação de adjudicação compulsória: a) A existência de uma promessa de compra e venda; b) Inexistência de previsão do direito de arrependimento, sendo que a Súmula 239do STJ afastou o requisito de necessidade do registro do contrato de compra e venda em cartório, assim dispondo: Súmula 239 - O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis. 5. Deste modo, observando o documento de mov. 1.13 trazido pela autora e cujo teor não foi impugnado pela parte ré, bem como que em sua cláusula IV (mov. 1.13, página 2) vem estabelecido expressamente que não é possível o direito de arrependimento, e ainda vincula a obrigação assumida aos herdeiros e sucessores das partes, tem-se por processualmente cabível o pedido de adjudicação compulsória, sendo sua tramitação compatível com o procedimento dos Juizados Especiais. 6. A sentença de primeira instância ssim concluiu: “(...) No caso dos autos, a reclamante celebrou junto ao de cujus Vilmar Conrado de Oliveira um Instrumento Particular de Promessa de Compra e Venda realizado em 13.01.1988, sendo, ainda, outorgada procuração por instrumento público para representação junto à instituição financeira. No caso dos autos, restou incontroverso que a reclamante assumiu o compromisso de pagar as prestações vincendas junto à instituição financeira. Em análise dos presentes autos, verifica-se que o imóvel foi financiado em 300 meses, junto à Caixa Econômica Federal (ev. 1.20), assim como a transferência definitiva somente ocorreria após a reclamante pagar todas as prestações do imóvel, conforme item II, da cláusula terceira do contrato pactuado entre as partes (ev. 1.13) o que não ocorreu no presente caso concreto. Vejamos: Com a morte de Vilmar houve a quitação do débito do devedor junto à instituição financeira (ev. 1.21). Contudo, o seguro destinado à quitação do imóvel no caso de morte, surgirá o direito à quitação do financiamento, liberando totalmente os sucessores do devedor do pagamento em caso de morte. Desta forma, a reclamante não pode ser beneficiada pela quitação do financiamento pelo seguro de vida objeto dos presentes autos, uma vez que o seguro decorrente do falecimento deve beneficiar apenas os herdeiros. Neste caso, como a reclamante não comprovou nos presentes autos os pagamentos de todas as prestações do imóvel em questão, logo, opino pela improcedência dos pedidos iniciais, com fulcro na cláusula terceira do contrato pactuado entre as partes (ev. 1.13).(...)” 7. Com todo o respeito ao entendimento julgador de primeiro grau, concluir que a viúva e a herdeira do falecido fariam jus ao seguro do imóvel quitado, abatendo-se apenas o valor pago pela parte autora, ante as peculiaridades do caso, importaria até mesmo em ofensa ao princípio da boa-fé em sua conceituação mais ampla. 8. No presente caso, o imóvel em comento foi vendido à autora em 1998, portanto, há mais de 20 anos, pelo falecido Vilmar e sua esposa Chirlei, e já não estava em sua esfera de disponibilidade patrimonial quando do falecimento de Vilmar, em 08/03/1999. Muito embora Vilmar e Chirlei estivessem vinculados contratualmente ao financiamento da Caixa Econômica Federal, o fato é que por sua livre e espontânea vontade realizaram o contrato de gaveta com a parte Autora e a ela transmitiram o imóvel mediante o pagamento de R$7.000,00 e que ela assumisse o financiamento, com seus ônus e bônus. 9. Assim, não subsiste neste caso concreto a tese de que a quitação do seguro deveria aproveitar à viúva e à herdeira porque pela própria vontade e liberalidade do falecido e de sua agora viúva, o imóvel não lhes pertencia mais, especialmente quando prevista expressamente em contrato a impossibilidade de arrependimento. Afasta-se muito do pensamento lógico- jurídico, e da boa-fé como já dito, a ideia de compreender-se que o imóvel não pertencia mais aos vendedores, mas, na hipótese de ser quitado por seguro, deveria a eles retornar, em prejuízo do adquirente. 10. O julgamento do STJ mencionado na sentença trata de permuta de imóveis e de hipótese de seguro passível de revertido em favor dos herdeiros. Mas no caso em tela, tratava-se de seguro para garantia do financiamento do imóvel e, não um valor reversível em espécie à família, tanto que o imóvel foi quitado (mov. 1.21). Lado outro, não se pode desconsiderar que a autora cumpriu as obrigações que lhe competiam em contrato, ou seja, pagou a entrada de R$7.000,00 (mov. 1.15) e as parcelas até haver a quitação pelo seguro (mov. 1.20), seguro esse cujo prêmio certamente foi liberado porque o pagamento estava em dia. 11. O Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná assim já se posicionou: CIVIL E PROCESSO CIVIL - AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA - DIREITOS HEREDITÁRIOS - PROCURAÇÃO IN REM SUAM COM DIVERSOS SUBSTABELECIMENTOS - NATUREZA DIVERSA DO MANDATO - IRREVOGABILIDADE DAS SUCESSIVAS CESSÕES DE DIREITOS - TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS ANTES DA MORTE DO PROMITENTE VENDEDOR - VALIDADE DO INSTRUMENTO - SEGURO PAGO, TAMBÉM E PRINCIPALMENTE, PELOS CESSIONÁRIOS - QUITAÇÃO DO SALDO DEVEDOR - AUSÊNCIA DE DIREITOS SUCESSÓRIOS - BEM QUE NÃO ADENTROU A ESFERA DE DOMÍNIO DO ESPÓLIO - IMPOSSIBILIDADE DO LOCUPLETAMENTO INJUSTO DOS HERDEIROS - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - RECURSO IMPROVIDO. (TAPR - Nona C.Cível (extinto TA) - AC - 232816-9 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR FRANCISCO LUIZ MACEDO JUNIOR - Unânime - J. 01.06.2004) 12. Assim, impõe-se a admissão do pedido inicial da recorrente e, consequentemente, o provimento de seu recurso, para reformar a sentença e reconhecer o direito da parte autora à adjudicação compulsória do imóvel constante na matrícula 49.392 do Cartório do 1º Registro de Imóveis da Comarca de Paranaguá, vez que comprovada a respectiva quitação junto ao agente financeiro e por este autorizado o cancelamento da hipoteca (mov. 1.21), ficando, por consequência, a cargo da autora e recorrente o recolhimento de todas as custas, emolumentos e tributos incidentes para efetivação do registro imobiliário da carta de adjudicação a ser expedida. 13. Recurso provido, nos termos da fundamentação. 14. Diante do êxito recursal, deixo de condenar a parte recorrente ao pagamento de honorários de advogado (art. 55, caput da Lei nº. 9.099/95). Custas devidas (Lei Estadual 18.413/14, arts. 2º, inc. II e 4º, e Instrução Normativa nº. 01/2015 - CSJEs, art. 18), observada a condição suspensiva de exigibilidade devido aos benefícios da assistência jurídica gratuita (art. 98, §3º do CPC) deferida no mov. 93.1. 15. Dou por prequestionados todos os dispositivos constitucionais, legais e demais normas suscitadas pelas partes nestes autos. Ante o exposto, esta 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais resolve, por unanimidade dos votos, em relação ao recurso de ANNE CRISTINE DOS SANTOS, julgar pelo(a) Com Resolução do Mérito - Provimento nos exatos termos do voto. O julgamento foi presidido pelo (a) Juiz(a) Irineu Stein Junior, com voto, e dele participaram os Juízes Marcel Luis Hoffmann (relator) e Maurício Doutor. 05 de agosto de 2022 Marcel Luis Hoffmann Juiz Relator
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