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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ 2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS - PROJUDI Rua Mauá, 920 - 14º Andar - Alto da Glória - Curitiba/PR - CEP: 80.030-200 - Fone: 3210-7003/7573 - E-mail: 2turmarecursaljuizadosespeciais@tjpr.jus.br Autos nº. 0002116-85.2023.8.16.0184 Recurso: 0002116-85.2023.8.16.0184 RecIno Classe Processual: Recurso Inominado Cível Assunto Principal: Indenização por Dano Material Recorrente(s): Diego Fernando Lopes Recorrido(s): UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA EMENTA: RECURSO INOMINADO. RESIDUAL. MOTORISTA DE APLICATIVO (UBER). APLICAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL. RESCISÃO CONTRATUAL. MÁ CONDUTA DO MOTORISTA. APLICATIVO QUE BLOQUEIOU E REATIVOU O CADASTRO. POSTERIOR RESCISÃO EM RAZÃO DO MESMO FATO. IMPOSSIBILIDADE. RESCISÃO IMOTIVADA QUE DEPENDE DE NOTIFICAÇÃO COM ANTECEDÊNCIA DE 7 DIAS. PREVISÃO CONTRATUAL. LUCROS CESSANTES DEVIDOS E RESTRITOS AO PERÍODO DE 7 DIAS. MÉDIA ARITMÉTICA DE AMOSTRAGEM DE DIAS TRABALHADOS. IMPOSSIBILIDADE DE REATIVAR A CONTA NO APLICATIVO. LIBERDADE CONTRATUAL E AUTONOMIA DA VONTADE. DANOS MORAIS NÃO COMPROVADOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARTCIALMENTE PROVIDO. 1. RELATÓRIO Relatório dispensado, nos termos do art. 38 da Lei 9.099/95. 2. VOTO Satisfeitos os pressupostos processuais viabilizadores da admissibilidade, tanto os objetivos quanto os subjetivos, o recurso deve ser conhecido. A despeito da expressa impugnação em contrarrazões recursais, deve ser mantida a decisão de mov. 71.1, que deferiu os benefícios da justiça gratuita à parte recorrente, mormente pela colação dos documentos de mov. 69.2/69.5 que comprovam a hipossuficiência, bem como considerando que a parte recorrida não comprovou nenhuma situação que tenha alterado as condições financeiras da parte recorrente. A sentença julgou improcedentes os pedidos iniciais. Irresignado, o autor interpôs o presente recurso inominado, pugnando pela reforma da decisão com a procedência dos pedidos iniciais. Pois Bem. Inicialmente, destaque-se que a relação da qual se trata nos presentes autos não é uma relação de consumo e nem de trabalho, razão pela qual deverão ser aplicadas as regras do Código Civil. Restaram incontroversos nos autos os seguintes fatos: a) em 19 de setembro de 2021 o autor foi bloqueado da plataforma Uber em razão de denúncia recebida de passageira relatando importunação sexual; b) em 01 de outubro de 2021, após apuração interna, o autor teve sua conta reativada; c) em 23 de novembro de 2021 a ré rescindiu o contrato unilateralmente, justificando “comportamento fraudulento ou ilegítimo”. Neste contexto, esclarece-se que a empresa Uber possuí total liberdade e autonomia para contratar ou até mesmo excluir do seu cadastro qualquer pessoa, já que atua no setor privado, ficando a seu critério a contratação do pessoal. Assim, a ré pode e deve selecionar os motoristas parceiros a fim de garantir a qualidade do seu serviço prestado, já que tem responsabilidade em relação ao consumidor. Ademais, a rescisão do contrato pela ré insere-se no âmbito da liberdade contratual, não resultando da rescisão qualquer obrigação, pois a ré tem a prerrogativa de rescindir o contrato a qualquer momento e sem motivo. Depreende-se dos termos e condições gerais dos serviços de tecnologia da ré, os quais foram aceitos pela parte autora, que: “12.2. A Uber poderá rescindir este Contrato: (a) sem dar qualquer motivo, mediante aviso prévio de sete (7) sete dias ao Cliente; (b) imediatamente, sem aviso prévio, por violação do presente Contrato ou dos Termos Suplementares pelo Cliente; ou (c) imediatamente, sem aviso prévio, em caso de decretação de falência, insolvência, dissolução, recuperação judicial ou liquidação” (mov. 34.5). No presente caso, a ré justificou a exclusão do autor da plataforma em razão de relato de passageira indicando mau comportamento do condutor (fl. 09 do mov. 34.1). Neste contexto, não se olvida a possibilidade de a ré rescindir o contrato em razão da má-conduta da ré sem aviso prévio, nos termos da cláusula 12.2 do contrato. Ocorre que após a denúncia feita pela passageira a ré, que justificaria a exclusão, a ré reativou o contrato do autor, indicando que “neste momento, sua conta permanece ativa. Contudo, recordamos que o descumprimento pode gerar a desativação da conta” (mov. 1.26), inexistindo demonstração de nova conduta irregular pelo autor. Outrossim, ressalta-se a impossibilidade de a ré reutilizar o argumento anterior para aplicar duas punições diversas e em dois momentos diferentes, demonstrando a sua conduta contraditória e em oposição à boa-fé entre as partes. Tem-se que após a reativação do contrato pela ré (mov. 1.26), cabia à esta demonstrar novo descumprimento dos termos de conduta, e não indicar novamente fato antecedente que já tinha sido apurado e afastado com o bloqueio temporário e reativação da conta, ônus do qual não se desincumbiu, nos termos do art. 373, II do CPC. Em razão da ausência de motivação para exclusão do motorista credenciado, cabia à ré colacionar elemento probatório acerca da notificação do condutor, nos termos da cláusula 12.2, alínea “a” do contrato, sendo que novamente a parte ré se quedou inerte quanto ao seu ônus probatório. Ressalta-se que embora a ré acoste print de suposta mensagem encaminhada para o autor, indicando a possibilidade de solicitar revisão da decisão (fl. 11 do mov. 34.1), tal documento foi devidamente impugnado pelo autor, bem como, não demonstra qualquer comprovação do envio e recebimento deste pelo autor, não sendo suficiente para afastar as demais provas acostadas aos autos. Desta feita, deve ser reconhecida a pretensão material do autor, limitada, contudo, apenas aos 7 dias nos quais devida a notificação. Vale mencionar: RECURSO INOMINADO. APLICATIVO DE TRANSPORTE (UBER). RESCISÃO CONTRATUAL EM VIRTUDE DE ANTECEDENTES CRIMINAIS RELACIONADOS A TERCEIRO. IMPOSSIBILIDADE DE REATIVAÇÃO DO MOTORISTA COLABORADOR. LIBERDADE CONTRATUAL DE CANCELAMENTO DO CONTRATO DO MOTORISTA COLABORADOR. PRINCÍPIOS DA AUTONOMIA DA VONTADE E LIVRE INICIATIVA. DEVER DE INDENIZAR OS LUCROS CESSANTES PELO PERÍODO DA NOTIFICAÇÃO NÃO REALIZADA (7 DIAS). OFENSA AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. DANOS MORAIS MANTIDOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (TJPR - 2ª Turma Recursal - 0001101-43.2023.8.16.0035 - São José dos Pinhais - Rel.: JUIZ DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS ALVARO RODRIGUES JUNIOR - J. 24/05/2024) (grifei). Não há impugnação específica da parte ré aos valores contidos no histórico de ganhos de mov. 1.28/1.30, os quais devem ser considerados como referência para arbitramento dos lucros cessantes. Assim, vê-se que o autor, nas duas semanas antes da suspensão, auferiu R$ 2.815,11, ou seja, uma média de R$ 201,07/dia, que, multiplicado por 7, soma o valor de R$ 1.407,55, montante que deverá ser pago pela ré ao autor, como indenização por danos materiais. Tal valor deverá ser atualizado monetariamente desde o cancelamento do cadastro do autor, pela média do INPC/IGP-DI, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, contabilizados desde a citação. Ademais, ainda que a exclusão realizada pela ré tenha sido de maneira ilegítima, a rescisão do contrato é ato abrangido pela liberalidade contratual da ré, não sendo viável a determinação de restabelecimento da relação entre as partes sob pena de violação aos princípios da autonomia da vontade e da livre iniciativa. Dessa forma, deve ser mantida a sentença quanto à improcedência do pedido de integração a plataforma da ré. No tocante aos danos morais, vê-se que o único ato ilícito praticado pela ré corresponde a falta de notificação para o desligamento imotivado. Ocorre que, ainda que se possam presumir os aborrecimentos sofridos pela parte autora, não se vê ofensa a qualquer dos direitos da personalidade protegidos pelo instituto da responsabilidade civil, nem sofrimento ou abalo de monta que justifique a compensação pecuniária. Ausentes, nos autos, elementos probatórios que atestem o prejuízo moral sofrido, não é devido este tipo de indenização. Outrossim: “é entendimento do STJ que os dissabores e aborrecimentos ocorridos diante da tentativa de solução do conflito não acarreta danos morais” (STJ, AgRg no AREsp 704399 / RS, T2, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 17.9.2015). Vale ressaltar que apenas é caracterizado o dano moral quando a vítima é ofendida na sua honra, na sua imagem, ou é colocado em situação humilhante, vexatória, que cause transtorno psicológico relevante, o que não se evidencia na hipótese em debate. Deste modo, ante ausência de ocorrência de prejuízos concretos, que afetaram diretamente os direitos personalíssimos do autor, não há que falar em condenação por danos morais. Por todo o acima exposto, vota-se por conhecer e dar parcial provimento ao recurso, a fim de reformar a sentença para condenar a ré ao pagamento de R$ 1.407,55 ao autor a título de indenização por danos materiais (lucros cessantes), nos termos da fundamentação. Ante o parcial êxito recursal, vota-se pela condenação da parte recorrente ao pagamento de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor corrigido da condenação (art. 55, Lei 9.099/95). Custas nos termos dos artigos 2º, I e II e 4º da Lei nº 18.413/2014, bem como artigo 18 da IN 01/2015 do CSJE. Observe-se a suspensão da cobrança na forma do artigo 98, §3º, do CPC, caso a parte recorrente seja beneficiária da assistência judiciária gratuita. Dou por prequestionados todos os dispositivos constitucionais, legais e demais normas suscitadas pelas partes nestes autos. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, esta 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais resolve, por unanimidade dos votos, em relação ao recurso de Diego Fernando Lopes, julgar pelo(a) Com Resolução do Mérito - Provimento em Parte nos exatos termos do voto. O julgamento foi presidido pelo (a) Juiz(a) Alvaro Rodrigues Junior, com voto, e dele participaram os Juízes Fernanda Bernert Michielin (relator) e Marcel Luis Hoffmann. Curitiba, 30 de julho de 2024 Fernanda Bernert Michielin Juíza Relatora
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