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Acórdão
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ 3ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS Autos nº. 0033031-26.2023.8.16.0182 Recurso Inominado Cível n. 0033031-26.2023.8.16.0182 RecIno 13º Juizado Especial Cível de Curitiba Recorrente(s): Kauan Piaceski Sardinha Recorrido(s): Roberto Kohl Relator: Juan Daniel Pereira Sobreiro RECURSO INOMINADO. DIREITO DE VIZINHANÇA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL (LOCAÇÃO QUADRA FUTEBOL). PERTURBAÇÃO DE SOSSEGO. AMEAÇA A VIZINHO QUE SE QUEIXOU DO BARULHO. COMPROVAÇÃO CABAL MEDIANTE VÍDEO NO QUAL O RECLAMADO PORTAVA CASSETETE. ATO ILÍCITO CAUSADO PELO RECLAMADO ENQUANTO MENOR DE IDADE À ÉPOCA DOS FATO. MITIGAÇÃO DA REGRA DO ARTIGO 932, INCISO I, DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA QUE ERRONEAMENTE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO INDENIZATÓRIO CONTRA O GENITOR. INÉRCIA RECURSAL DO RECLAMANTE QUE ACARRATERIA NA ESDRÚXULA SITUAÇÃO EM QUE RECONHECIDOS OS FATOS E O DANO, NENHUM DOS RECLAMADOS RESPONDERIA PELO ILÍCITO. EQUIDADE E BUSCA DA JUSTIÇA QUE ORIENTAM EM CARÁTER EXCEPCIONAL À MITIGAÇÃO DA REGRA, POR NÃO SER POSSÍVEL DIRECIONAR A RESPONSABILIDADE AO GENITOR EM GRAU RECURSAL, PARA EVITAR JULGAMENTO EXTRA PETITA. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. DESPROPORCIONALIDADE DA AMEAÇA, MORMENTE POR INEXISTIR CONTEXTO DE EMPREGO DE LEGÍTIMA DEFESA. QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO NA SENTENÇA R$ 5.000,00 QUE NÃO COMPORTA REDUÇÃO, RESSALVADO O ENTENDIMENTO DO RELATOR DE QUE SERIA POSSÍVEL DISCRETA REDUÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. RELATÓRIO Relatório dispensado conforme artigo 38 da Lei n. 9.099/1995. 2. VOTO Presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, o recurso em apreço deve ser conhecido. A sentença (eventos 38.1 e 40.1) julgou improcedentes os pedidos iniciais em relação ao reclamado DIEGO DOS SANTOS SARDINHA, após concluir pela ausência de responsabilidade dele pelos fatos narrados pelo reclamante. Por outro lado, em relação ao reclamado KAUAN PIACESKI SARDINHA, julgou parcialmente rocedente o pedido deduzido na exordial, por entender que houve ameaça por parte dele, mormente considerando o conteúdo das gravações de vídeo acostadas nos autos (eventos 1.13, 1.15 e 1.16). Assim, condenou o reclamado KAUAN PIACESKI SARDINHA ao pagamento de indenização por dano moral no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em favor do reclamante. Por fim, entendeu que a obrigação de fazer para cessar o som produzido pelo estabelecimento não deveria prosperar, tendo em vista que esse decorre da atividade exercida por pessoa jurídica, a qual não integra a relação processual. Em grau recursal (evento 47.1), o reclamado KAUAN PIACESKI SARDINHA argumenta que à época dos fatos era menor de idade (17 anos), portanto, inimputável, de modo que eventual responsabilização deveria recair sobre seus genitores. Defende, ainda, que não houve agressões, alegando que o vídeo mencionado na sentença constitui o seu percurso para ir para casa. Também invoca o exercício de legitima defesa pelo porte do objeto (cassetete), o que torna descabido o arbitramento de indenização por dano moral. Dessa forma, pleiteia o afastamento da condenação ou a redução do montante arbitrado na sentença. Da detida análise dos autos, chega-se à conclusão de que a sentença comporta reforma. Explica-se. Cinge-se a controvérsia recursal em perquirir se o recorrente pode ou não responder pelos fatos narrados na exordial, em especial por ser menor de idade à época, bem como verificar se restou comprovadA a ocorrência de dano moral e, em caso positivo, o acerto do quantum indenizatório arbitrado na sentença. Não há, portanto, em sede recursal, discussão se o fato ocorreu ou não, mas tão somente a quem cabe a sua responsabilidade e, se existiu dano moral na hipótese dos autos. Como se sabe, nos termos do artigo 932, inciso I, do Código Civil, são responsáveis pela reparação civil os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia, ainda que não haja culpa de sua parte. Veja-se: “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; (...)” Tal previsão retrata a limitação da responsabilidade civil por atos danosos praticados por menores de idade a quem detém o poder familiar. De fato, incorreu em equívoco a sentença ao condenar exclusivamente o reclamado KAUAN PIACESKI SARDINHA, pois, enquanto menor de idade à época dos fatos, os atos danosos por ele praticados exigem a responsabilização de seus genitores, conforme dicção legal inafastável. Aliás, o próprio recorrente sustenta (evento 47.1, página 04) que: "Consoante dispõe o artigo 932, I, do Código Civil, os pais são responsáveis pela reparação civil dos atos praticados por seus filhos menores de idade, que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia, não podendo recair a condenação sobre sua pessoa em razão de maioridade alcançada em momento superveniente. (...). Assim, como menor de idade em 01/2022, haveria de se observar sua responsabilidade civil sobre este prisma, ou seja, não pode ser responsabilizado hoje (data em que é maior de idade) sobre fato pretérito. Deste modo, em razão da menoridade na ocasião do fato, deve ser reformada a sentença para afastar a condenação do recorrente ao pagamento de indenização por danos morais.” Como se vê, o recorrente reconhece que quem poderia responder pelos fatos a ele imputados seriam seus genitores. Poder-se-ia argumentar que seria possível direcionar a responsabilidade civil ao reclamado DIEGO DOS SANTOS SARDINHA, mas isto extrapolaria o objeto da matéria recursal devolvida (efeito devolutivo), implicando em julgamento extra petita, ainda mais se a parte interessada (reclamante), a quem cabia postular a retificação do correto alcance da responsabilidade civil, quedou-se inerte. Em reforço, em havendo litisconsórcio passivo, ainda que unitário/necessário, o ato processual de um dos litisconsortes não pode vir a prejudicar o outro (artigo 117 do Código de Processo Civil). Ocorre que acolher a pretensão do recorrente implicaria na esdrúxula situação em que reconhecido o dano em detrimento do reclamante, por ato do recorrente enquanto menor de idade, não seria possível responsabilizá-lo por conta do preceito legal mencionado. Assim como a sentença erroneamente deixou de condenar o reclamado DIEGO DOS SANTOS SARDINHA, isto acabaria por não resultar em qualquer condenação a qualquer um deles porque inexistiu recurso interposto pelo reclamante para que a condenação fosse direcionada a quem de direito. Obviamente, o Direito não socorre a quem se cala, no entanto, este órgão recursal não pode cerrar os olhos para a injustiça que acarretaria o acolhimento da pretensão recursal considerando os apontamentos até aqui alinhavados. A rigor, como se cuida de ameaça, ato ilícito equiparável a ato infracional, assim como o recorrente já atingiu a maioridade civil, à luz da equidade e do lídimo anseio de promover a Justiça, ou seja, a efetiva responsabilização de quem deu causa ao ilícito e a reparação do dano, é possível mitigar a limitação do artigo 932, inciso I, do Código Civil em caráter excepcional. Por isso, resta manter a responsabilidade fixada em sentença em detrimento do recorrente. Quanto ao dano moral em si, observa-se que houve confusão envolvendo ambas as partes, em razão de suposta perturbação de sossego causada pelo estabelecimento comercial administrado pelos reclamados. E após algumas reclamações, adveio ameaça por parte do recorrente, a qual, de acordo com o boletim de ocorrência (evento 1.12) teria se dado da seguinte forma: Os vídeos (evento 1.13) demonstram o recorrente andando nas proximidades da residência do reclamante, com objeto na mão, claramente tratando-se de cassetete. E em sede de audiência de instrução (evento 34.2), o recorrente confessa isso e apresenta a seguinte justificativa (evento 34.2 - 13'20"): “Como ele foi armado né. A intenção era de conversar, porém, na primeira situação, que é esse caso ai, que ele foi armado ao nosso local, no mesmo dia ele foi preso, foi apreendido as armas. Eu quis me resguardar.” De fato, os apontamentos acima tornam verossímil a narrativa apresentada na exordial, levando à conclusão de que razão acompanha o juízo de origem quando concluiu (evento 38.1, página 02) que: “em seu depoimento pessoal, o requerido KAUAN confessa ter se dirigido até a residência do autor, neste momento em posse de objeto utilizado para defesa pessoal “cacetete”, reconhecendo a sua pessoa nas imagens que são juntadas com a inicial. Ainda em depoimento, o autor confessa que devido a provocações da vítima teria se dirigido ao local para garantir a sua autodefesa. No entanto, entendo que não é crível que uma pessoa buscando resguardar-se de agressão injusta, vá de encontro com seu ofensor na tentativa de cessar injusta agressão. Isto revela-se um contrassenso à prática de legitima defesa. Assim, embora não reste configurada a responsabilidade do requerido supracitado em eventual agressão física contra o autor, entendo que a ameaça produzida, revela-se ofensa direta aos direitos da personalidade da vítima. Independentemente das causas que levaram o requerido à prática de referido ato, isto não lhe concede o direito de agir arbitrariamente, verdadeiro uso arbitrário de suas próprias razões, conduta considerada ilícita por nosso ordenamento.” (grifou- se). Sem dúvida, é dispensável maior digressão para perceber que a ameaça perpetrada pelo recorrente foi grave e desproporcional, ainda mais se considerar que não havia no momento qualquer ameaça promovida pelo reclamante em seu desfavor naquele instante a justificar a atitude extremada, outrossim, a menção à propriedade de arma de fogo foi trazida numa outra oportunidade (evento 32.2), em outro contexto de embate entre as partes. Evidentemente, num ambiente de beligerância recíproca, com excesso por ambos os lados, seria possível cogitar da impossibilidade de responsabilizar uma ou outra parte. No caso concreto, entretanto, percebe-se que havia entrevero provocado por aparente perturbação de sossego, no entanto, o boletim de ocorrência de evento 32.2, isoladamente, não justifica a atitude do recorrente, até porque não havia contemporaneidade para resultar em violenta emoção provocada por suposta ameaça de morte com emprego de arma ou menção a isso. Aliás, sequer consta a promoção de ação penal contra o reclamante. Por isso, considerando a ameaça realizada e a evidente desproporcionalidade, inclusive entre a condição física do recorrente (jovem de 17 anos) frente à vítima (idoso de 60 anos), urge reconhecer que o reclamante teve sua integridade psíquica vulnerada, portanto, caracterizando o dano moral. No que concerne ao valor da indenização, sabe-se que o arbitramento da quantia indenizatória a título de dano moral deve atender aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, mitigando o dano experimentado, com papel educativo para que o infrator evite sua reiteração futura, sem descuidar também do lídimo anseio de evitar o enriquecimento ilícito. Obviamente, urge moderação na fixação do patamar indenizatório, sem descuidar das peculiaridades de cada caso. Ao levar em conta esses critérios, os demais integrantes que compõem o quórum de julgamento reputam que o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) arbitrado pelo juízo singular não soa excessivo, ainda mais considerando que o reclamante é pessoa idosa. Ressalva-se, contudo, o entendimento deste Relator de que tal montante soa ligeiramente excessivo, pois, não há como deixar de notar que a confusão foi acentuada, sem que nenhuma das partes tenha demonstrado total equilíbrio e serenidade para discutir o problema, quiçá acionando os órgãos competentes a respeito (p.ex: Polícia Militar; Poder Judiciário; Secretaria de Urbanismo etc.) para contornar a situação sem ameaças e/ou violência física. Tal assertiva se deve também à confissão pelo reclamante de que num dos embates dirigiu-se ao recorrente afirmando “não me machuque, que eu tenho uma arma” (evento 34.3 – 4'37’). E ainda que o reclamante não estivesse portando arma de fogo quando do entrevero, até porque ao que consta (evento 32.2) o armamento estava em sua residência e desmontado, diga-se de passagem, certamente a referência à propriedade de arma de fogo apenas fomentou ainda mais a contenda, o que deveria ser sopesado no arbitramento do valor indenizatório para singela redução. De todo modo, em respeito ao princípio da colegialidade, resta prestigiar o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Diante do exposto, o voto é pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto. Houve sucumbência recursal, logo, condena-se o recorrente ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono do recorrido, os quais são fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da condenação (artigo 55 da Lei n. 9099 /1995). Custas nos termos dos artigos 2º, I e II e 4º da Lei nº 18.413/2014, bem como artigo 18 da IN 01/2015 do CSJE. Dá-se por prequestionados todos os dispositivos legais e demais normas suscitadas pelas partes no curso deste processo. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, esta 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais resolve, por unanimidade dos votos, em relação ao recurso de KAUAN PIACESKI SARDINHA, julgar pelo(a) Com Resolução do Mérito - Não-Provimento nos exatos termos do voto. O julgamento foi presidido pelo (a) Juiz(a) Adriana De Lourdes Simette, sem voto, e dele participaram os Juízes Juan Daniel Pereira Sobreiro (relator), Letícia Zétola Portes e Fernando Swain Ganem. 21 de junho de 2024 Juan Daniel Pereira Sobreiro Juiz de Direito Relator
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