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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO NPU 0003619-85.2012.8.16.0004, DA 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CURITIBA Relatora: Desembargadora LILIAN ROMERO Apelante: INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES DO MUNICÍPIO DE CURITIBA - IPMC Apelada: VILMA RAMOS DE ALMEIDA APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE EX-SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. PEDIDO INDEFERIDO ADMINISTRATIVAMENTE. SENTENÇA CONCESSIVA DO BENEFÍCIO. ÓBITO DO EX- SERVIDOR NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. ART. 5º, INCISO I DA LEI MUNICIPAL 9.626/1999. CÔNJUGE QUALIFICADA COMO DEPENDENTE. ALEGAÇÃO DE QUE A BENEFICIÁRIA APELADA ERA CUIDADORA DO FALECIDO SERVIDOR E DE QUE O CASAMENTO TEVE POR ÚNICA FINALIDADE AGRACIÁ-LA COM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. COTEJO DA PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL PRODUZIDA QUE COMPROVA QUE A RELAÇÃO HAVIDA ENTRE AUTORA APELADA E O FALECIDO SERVIDOR ERA ESTRITAMENTE PROFISSIONAL. AUTORA QUE TRABALHAVA COMO CUIDADORA DO SERVIDOR APOSENTADO ACAMADO, COM SEQUELAS DE AVC-ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO AFETIVA ENTRE AS PARTES OU DA INTENÇÃO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. ATO JURÍDICO NULO – ART. 166, II E 167 DO CC – E REPUTADO INEFICAZ PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. AUTORA QUE NÃO FAZ JUS AO BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE. SENTENÇA REFORMADA COM INVERSÃO DOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. RECURSO PROVIDO. REEXAME NECESSÁRIO PREJUDICADO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível e Reexame Necessário NPU 0003619-85.2012.8.16.0004, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, em que figura como apelante o Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Curitiba – IPMC, sendo apelada Vilma Ramos de Almeida. I. Relatório O instituto requerido apelou da sentença (M. 63.1)1, que julgou procedente o pedido inicial, nos seguintes termos: “EX-POSITIS, e por mais que dos autos consta e princípios de direito e justiça recomendam, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial por VILMA RAMOS DE ALMEIDA, com fundamento no art. 487, I do NCPC, para condenar os Réus, solidariamente, ao pagamento do valor do benefício previdenciário de pensão por morte do servidor Floriano Pereira de Almeida, correspondente aos seus proventos de inatividade que perceberia, se vivo fosse, cujo termo inicial deve coincidir com a data do óbito, que deverá ser apurado mês a mês e corrigido monetariamente, adotando-se como parâmetro o índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), a partir de 30/06/2009, nos termos do art. 1º-F 4 da Lei n°. 9.494/97, alterado pela Lei nº. 11.960/2009 e os juros moratórios, incidentes a partir da citação devem ser calculados com base no art. 1º-F da Lei n°. 9.494/97, alterado pela Lei nº. 11.960/2009. Expedido eventual precatório, deve o crédito ser corrigido Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) e os juros serão de 1% (um por cento) ao mês (C.T.N. Art. 161, § 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.). Defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela formulado na inicial, para que seja o benefício previdenciário em questão implantado no prazo máximo de 05 (cinco) dias, a contar da data da publicação da presente decisão. Assim o faço considerando que o direito encontra-se comprovado, com amparo em juízo de certeza; e, por outro lado, trata-se de verba de natureza alimentar, o que pressupõe o risco” (M. 63.1 – fs. 18/19). Em suas razões recursais (M. 76.1), alega o apelante que: não foi observado pela sentença que “o casamento da apelada durou muito pouco antes da morte do servidor”; “pelo depoimento colhido pela Assistente Social a relação entre ambos era apenas de amizade e que o casamento se deu apenas para compensar a apelada pelos cuidados com o servidor falecido”; o art. 5º da Lei Municipal 9.626/1999 contempla como dependentes dos servidores apenas os cônjuges e companheiros que conviveram continuadamente com os servidores falecidos; a união do casal não ocorreu efetivamente, sendo que havia apenas uma relação de amizade, sem ânimo de constituir família; 1 Sentença disponibilizada no sistema Projudi em 06.03.2017 (M. 63.1), ou seja, sob a vigência do NCPC. as várias diligências tomadas pelo apelante e sua assessoria previdenciária tiveram o intuito de afastar quaisquer dúvidas quanto à legitimidade da requerente para figurar como beneficiária do pensionamento “abstendo-se ... de proferir qualquer posicionamento quanto à configuração do caso em apreço como sendo, em si, um “Casamento de Negócio”; o indeferimento também se baseou no relatório da assistente social, tendo os documentos demonstrado que houve enlace matrimonial apenas de maneira formal, não restando demonstrado nenhum vínculo afetivo. Requereu, por tais razões, o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, julgando-se improcedente o pedido inicial. A autora apresentou contrarrazões pugnando pela manutenção da sentença (M. 79). O Instituto apelante foi intimado a esclarecer a existência de 2 petições nos autos em nome do Município de Curitiba, parte estranha ao feito (M. 9.1). Na petição de M. 12.1 afirmou que houve erro de ordem material nas petições de M. 33.1 e 50.1, pedindo que fossem recebidas em nome apenas do IPMC. II. Voto Do conhecimento Presentes os pressupostos da sua admissibilidade e regularidade formal, o recurso deve ser conhecido. Além disso, a sentença proferida nestes autos está sujeita ao reexame necessário, eis que o provimento jurisdicional se deu em desfavor da Fazenda Pública (art. 475, I, CPC/73) e a sentença é ilíquida (Súmula 490/STJ). Do pedido e da sentença A autora, Vilma Ramos de Almeida, ajuizou ação previdenciária contra o Instituto de Previdência do Servidor Público do Município de Curitiba – IPMC, alegando ser viúva de Floriano Pereira de Almeida, servidor público municipal aposentado, falecido em 26.05.2011. Aduziu que aproximadamente desde o ano de 2000 vivia com o ex-servidor em regime de união estável, tendo se casado em 31.08.2007. Pontuou que formulou previamente pedido administrativo para recebimento de pensão por morte - protocolo nº 08-001647/2011 – que foi indeferido nos termos do Parecer 0031/2012, sob o fundamento de que não teriam sido cumpridos os requisitos para configuração material da relação conjugal, quais sejam, fidelidade recíproca, vida em comum, sustento, guarda e educação dos filhos. Afirmou que o procedimento administrativo se deu de modo irregular, baseado em entrevistas informais, sem individualização dos depoentes, bem como com “insinuações aviltantes em face da autora, pessoa idônea e casada com o falecido” (M. 1.1 – f. 03). Requereu a concessão do benefício de pensão por morte, inclusive todos os valores devidos desde o falecimento do de cujus. Houve contestação (M. 12.1). Na sentença, o juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido inicial (M. 63.1). Pelos fundamentos expostos no relatório, o requerido postula a reforma da sentença. Do mérito Da pensão por morte O instituto apelante insurge-se contra a concessão de pensão por morte em favor da autora, alegando que além de o casamento era recente a união não ocorreu efetivamente, pois havia apenas uma relação de amizade entre os pretensos nubentes, sem ânimo de constituir família, além do que a autora era mera cuidadora do de cujus. Em relação aos benefícios previdenciários, deve ser aplicada a legislação vigente à época do seu fato gerador – princípio do tempus regit actum. Neste sentido é o enunciado da Súmula 340 do Superior Tribunal de Justiça: “a lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado”. No caso, o falecido era servidor público do Município de Curitiba, aplicando-se o disposto na Lei Municipal 9.626, de 08.07.19992, que dispõe sobre o sistema de seguridade social dos servidores do Município de Curitiba bem como sobre a estrutura e atribuições do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Município de Curitiba – IPMC: “Art. 1º - Fica instituído o Sistema de Seguridade Social dos Servidores do Município de Curitiba, que compreende o Regime Próprio de Previdência Social e o Programa de Serviços de Assistência Social Médico-Hospitalar e Afim. (Redação dada pela Lei nº 15.152/2017). Parágrafo Único. O Regime Próprio de Previdência Social de que trata o caput deste artigo será o único órgão gestor da previdência dos servidores municipais ocupantes de cargo efetivo na Administração Direta, Autárquica ou Fundacional e na Câmara Municipal de Curitiba. (Redação acrescida pela Lei nº 11540/2005)”. Os artigos 3º, inciso III e 4º, inciso III, da aludida lei municipal, preveem que os dependentes vinculados aos servidores serão beneficiários do sistema de seguridade social dos servidores públicos municipais: “Art. 3º - São beneficiários do Sistema de Seguridade Social dos Servidores do Município de Curitiba, nos termos desta lei: (...) III - os dependentes e pensionistas vinculados aos servidores referidos nos incisos anteriores, atendido o disposto no art. 5º, e seus parágrafos”. “Art. 4º - Os beneficiários do Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores do Município de Curitiba classificam-se como: (Redação dada pela Lei nº 15.152/2017). (...) III - dependentes - as pessoas elencadas no artigo seguinte”. 2 https://leismunicipais.com.br/a/pr/c/curitiba/lei-ordinaria/1999/963/9626/lei-ordinaria-n-9626-1999-dispoe-sobre- o-sistema-de-seguridade-social-dos-servidores-do-municipio-de-curitiba-altera-a-denominacao-e-modifica-a- estrutura-e-atribuicoes-do-instituto-de-previdencia-e-assistencia-dos-servidores-do-municipio-de-curitiba-ipmc-e- da-outras-providencias?q=9626%2F1999 O art. 5º, inciso I da Lei Municipal 9.626/99 considerou o cônjuge superstite como dependente do servidor público municipal: “Art. 5º - Para os efeitos dessa Lei, são dependentes dos participantes, ativos ou assistidos, no Regime Próprio de Previdência Social: (Redação dada pela Lei nº 15.152/2017). (...) I - o cônjuge, convivente, companheiro ou companheira, na constância, respectivamente, do casamento ou da união”. Por fim, o art. 27, inciso II, alínea ‘a’ de sobredita lei, previu a concessão do benefício previdenciário de pensão por morte aos dependentes de servidor público municipal: “Art. 27 Os benefícios do Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Municipais compreendem: (...) II) quanto aos dependentes: a) pensão por morte do servidor”. No mesmo sentido, são as disposições do Decreto Municipal 953/2004, que “altera o anexo do Decreto 593/01, que aprovou o regulamento do Plano de Benefícios do Regime de Previdência dos Servidores do Município de Curitiba”, cf. se vê dos seus artigos 4º, I3; 11, II, ‘a’4 e 36 a 46. No caso em tela, a apelada comprovadamente é viúva do falecido segurado e ex-servidor. O instituto apelante questiona a veracidade da união. Logo, era seu o ônus de produzir prova concreta, idônea, robusta e suficiente para demonstrar que o casamento consistiu em simulação e que a sua finalidade não era a de constituir família mas apenas de proporcionar à autora apelada o auferimento do benefício previdenciário após a morte do segurado, que à data do casamento tinha 75 anos de idade enquanto a autora apelada tinha 46, ou seja, uma diferença de 29 anos. A certidão de casamento (M. 1.3 – f. 01) dá conta de que a autora apelada se casou com Floriano Pereira de Almeida, funcionário público municipal aposentado, em 31.08.2007. O falecimento dele ocorreu em 26.05.2011 (M. 1.3 – f. 02), ou seja, a autora apelada e ele permaneceram casados por aproximadamente 3 anos e 8 meses. Ao contestar o feito, o apelante IPMC juntou aos autos cópia integral do processo administrativo (protocolo n. 08-001647/2011), instruído, dentre outros documentos, com: 3 “Art. 4º São dependentes dos participantes, ativos ou assistidos: I - o cônjuge, companheiro ou companheira, na constância, respectivamente, do casamento ou da união”. 4 “Art. 11. Os benefícios do Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores do Município de Curitiba compreendem: (...) II - quanto aos dependentes: a) pensão por morte do servidor”. (a) requerimento específico de pensão por morte do servidor Floriano Pereira de Almeida – Matrícula n. 16234 (M. 12.3 – f. 03); (b) RG e CPF da autora e do de cujus (M. 12.3 – fs. 04/05); (c) comprovante de pagamento de funerária em nome da autora (M. 12.3 – f. 07); (d) ficha de acompanhamento de funeral (M. 12.4 – f. 01); (e) nota fiscal de serviços de Funerária em nome da autora (M. 12.4 – f. 02); (f) holerite do ex-servidor público (M. 12. – f. 03); (g) Portaria n. 605 de concessão da aposentadoria do de cujus (M. 13.4 – f. 09); (h) contrato de prestação de serviços de hospitalização do servidor, assinado pela apelada (M. 12.4 – fs. 10/11); (i) procuração outorgada pelo ex-servidor à autora/apelada (M. 12.5 – fs. 10/12); (j) parecer da Assistente Social do IPMC (M. 12.5 – fs. 14/15); (k) cópia da Carteira de Trabalho da apelada (M. 12.5 – fs. 19/21); (l) fotos (M. 12.6 – fs. 01/05); (m) cópia de Contrato Particular de Compra e Venda de imóvel (M. 12.8 – fs. 09/11); (n) inscrição da autora na COHAB Curitiba (M. 12.8 – f. 12). Na visita realizada pela Assistente Social do IPMC, datada de 24.10.2011, constou o seguinte relato fático (M. 12.5 – fs. 14/15): Ao exame, então, da prova oral produzida. Vera Lúcia Cunha Kotekoski disse que conheceu a autora e o de cujus na sua loja de cabelereiros e confecções, aproximadamente em 2005. Conheceu primeiro o Sr. Floriano e depois Vilma, por causa dele. Sempre os teve como esposo e esposa, tendo dito que na sua visão “era um casal normal”. Os dois sempre estavam juntos. Quem pagava as contas era Floriano, em dinheiro. Não sabia ao certo onde eles moravam, mas parece que era na Rua Bley Zorning, que Floriano era funcionário público e achava que Vilma nem trabalhava. Conheceu a filha do Sr. Floriano e sabe que ela tinha uma grande estima por Vilma. Disse que sabia que eles eram casados no papel, mas não a data, e que sempre viveram juntos, e que Floriano tinha a preocupação de “deixar tudo atualizado”. Disse que quem cuidou dele na doença foi Vilma. Sabia que até na hora da morte ela que saiu gritando pedindo socorro. Não sabe dizer o que ele tinha de doença, mas sabe que ela que sempre deu assistência total a ele (M. 82.2). Por sua vez, a testemunha Antônio Nogueira Geraldo disse que conheceu o Sr. Floriano porque eram colegas de pescaria. Disse que Floriano e Vilma moravam juntos e que ela cuidava dele. Conheceu Floriano bem antes do ano 2000. Eles moravam juntos no Conjunto Moradias Belém, em frente à Rua Bley Zorning. Alegou que Floriano tratava Vilma como esposa e não sabe se ele teve relacionamento com outra pessoa. Floriano era funcionário público, e não sabe se Vilma trabalhava, nem quem arcava com as contas da casa. A família de Floriano aceitava bem Vilma e sua filha a estimava. Vilma e Floriano foram casados, mas não sabe a data. Via Floriano de 2 a 3 vezes por mês para pescaria (M. 82.3). Nanci Pereira de Almeida, filha de Floriano, ouvida como informante, afirmou que Vilma e seu pai viveram juntos cerca de 15 anos ou mais. O relacionamento começou antes de seu pai ficar doente. A partir do momento em que seu pai ficou doente ele quis casar formalmente com Vilma. Sabe que eles foram morar juntos antes de 2000. Moraram juntos no Boqueirão, na Rua Cezinando Dias Paredes e na Rua Bley Zorning, sendo que na Rua Diogo Muggiati foi em um período curto. Nunca houve separação e no momento do falecimento dele foi Vilma quem a avisou. Apesar das sequelas do AVC, Floriano caminhava com dificuldade, mas comia sozinho, ia ao banheiro sozinho, não era dependente de ninguém. Depois de conhecer Floriano Vilma sempre trabalhou com costura em casa. As contas da casa eram pagas por Floriano. Quando seu pai ficou doente eles já estavam casados e nunca precisou de ninguém para ajudar a cuidar da casa. A informante reconheceu as testemunhas Vera e Antonio, disse que ambos eram vizinhos de seu pai e de Vilma. O casamento se deu em agosto de 2007. Vilma foi quem prestou os primeiros socorros quando Floriano faleceu em casa. O casamento foi só no civil. (M. 82.4). Alessandra Rosa Geraldo disse que não sabia quando nem como Floriano conheceu Vilma, mas que moravam juntos num apartamento próximo da sua residência. Não sabe se Vilma trabalhava. Confirmou que ambos - Vilma e Floriano - eram casados e que quem cuidava e servia Floriano era Vilma (M. 82.5). Simone Bernardes de Castro Metri, testemunha da requerida, médica, disse que conheceu Floriano por ser seu paciente na Unidade de Saúde Moradias Belém, aproximadamente 3 anos antes da morte dele. Não soube dizer se ele era casado. Fazia visitas domiciliares porque ele estava acamado. Vilma sempre estava em casa nas visitas. Vilma cuidava dele. Pelo que se lembra, Vilma ficava nos dias de semana e nos finais de semana parece que ela ia para casa pois tinha filhos. Vilma chamava Floriano pelo nome. Vilma dizia que era cuidadora. Não trabalhava uniformizada. Que Vilma ficava na casa o dia inteiro, mas não sabe qual a jornada de trabalho, nem se havia algum tipo de vínculo empregatício. Vilma dormia na casa. Não aparentavam ter qualquer relação de casal. Acha que não dormiam no mesmo quarto. Acreditava que a casa tinha 2 quartos. Disse que uma vez conversou com a filha de Floriano, Nanci. Nas visitas domiciliares era sempre Vilma que estava na casa. Prestou atendimento a Floriano durante cerca de 3 anos. Quando era solicitado o atendimento, normalmente era a pedido de Vilma. Indagada pelo juiz sobre o motivo pelo qual tinha a impressão de que Vilma trabalhava na casa, a testemunha respondeu que perguntou a Vilma “o que ela era dele (Floriano)”, ao que ela sempre respondia “eu cuido dele”, dando a entender que esta era a sua função, ainda que a testemunha não saiba se fazia como favor de família, se trabalhava. Indagada se presenciou alguma demonstração de afeto, de carinho (beijo, abraço), a testemunha respondeu negativamente, que havia respeito (M. 82.6). Aparecida de Fátima Taborda, também testemunha da parte ré, afirmou que era agente comunitária e fazia visitas domiciliares periódicas para saber da saúde de Floriano, cerca de três anos antes do falecimento dele. Disse que nas quartas-feiras ia acompanhada da equipe médica, que era integrada pela Dra. Simone. Sempre visitou Floriano na rua Bley Zorning. Nas visitas, Vilma se apresentava como cuidadora, contratada pela filha, sendo que não trabalhava uniformizada, mas com roupa normal, não mencionou quanto ganhava. A testemunha esclareceu que foi a própria Vilma quem lhe disse isto, em uma das visitas. Acredita que Vilma ficava direto com Floriano, inclusive pousando na residência. A testemunha disse que conheceu a filha de Floriano, Nanci. Explicou que nas visitas familiares a família é abordada como um todo, e que nas visitas sempre falava com a pessoa responsável para passar as informações e que, no caso, tal pessoa era Vilma. Vilma chamava Floriano pelo nome e a relação era eminentemente profissional. Narrou que Floriano estava acamado e dependia dela para tudo. Floriano chamava-a de Vilma. Afirma que quando fez o cadastro de Vilma, ela morava em outro endereço. Em nenhum momento Vilma mencionou ou demonstrou ter vínculo de casada com Floriano. Ao fazer o cadastro de Vilma, ela tinha um outro endereço, distinto de Floriano, na rua Cezinando, que era abrangida pela mesma unidade de saúde (M. 82.7). Como se vê, a prova oral foi dissonante. Enquanto as testemunhas arroladas pela autora (Vera Lucia, Antonio e Nanci) confirmaram que Vilma e Floriano viviam como se casados fossem, as arroladas pelo instituto requerido, quais sejam, a agente de saúde Aparecida de Fátima Taborda e a médica Simone Bernardes de Castro Metri, relataram que embora Vilma sempre estivesse junto de Floriano, na residência dele, não se vislumbrava nenhuma relação afetiva entre ambos mas apenas um relacionamento de cunho profissional, e que ela cuidava dele, já muito adoentado. Um primeiro ponto a ser destacado é que a agente de saúde comunitária e a médica relataram que visitaram periodicamente o segurado Floriano durante um período aproximado de três anos, até o seu falecimento porque ele estava doente, acamado. Tal condição decorria de um AVC sofrido por Floriano e que foi relatado por várias das testemunhas, além de constar da sua certidão de óbito também “sequelas de acidente vascular cerebral” (M. 12.3). A mesma certidão de óbito de Floriano também corrobora uma assertiva feita pela médica Simone Bernardes de Castro Metri, durante seu testemunho, no sentido de que foi ela quem atestou a morte dele, em casa (M. 12.3): Esta mesma testemunha, sem qualquer ligação com as partes, ao ser questionada pelo juiz sobre o motivo pelo qual tinha a impressão de que Vilma trabalhava na casa, respondeu que perguntou a Vilma “o que ela era dele (Floriano)”, ao que ela lhe respondeu “eu cuido dele”, dando a entender que esta era a sua função. A testemunha também negou ter presenciado qualquer demonstração de afeto, de carinho (beijo, abraço), ressalvando que, no entanto, havia respeito (M. 82.6). Tal impressão da testemunha Simone corrobora o depoimento da agente comunitária Aparecida de Fátima Taborda, a qual afirmou peremptoriamente que Vilma lhe disse que era a cuidadora de Floriano e não sua mulher ou companheira. Mas não é só. O exame da Carteira de Trabalho-CTPS de Vilma (M. 12.5) mostra que ela trabalhou como cozinheira entre 02.05.1997 e 26.11.2002 no Lar São Vicente de Paulo, na cidade de Faxinal. O registro seguinte de anotação de emprego foi em Curitiba, tendo como empregadora Mariam Bazzi, na rua Nunes Machado, 618, na função de acompanhante. Além disso, Vilma, foi admitida em 16.10.2003 e trabalhou até maio de 2004. Eis a reprodução do documento: Esta última prova, de natureza documental e não impugnada especificamente pela autora Vilma, demonstra que Vilma trabalhou em Faxinal (município situado a 330 km de Curitiba) pelo menos até o final de 2002 e que após vir para Curitiba, trabalhou como “acompanhante” (função análoga a de cuidadora) nos anos de 2003 e 2004. Tal prova elide, portanto, a versão dos fatos apresentada por Vilma na petição inicial5 e reiterada em seu depoimento pessoal, de que conheceu o Sr. Floriano em 2000 e após um namoro de seis meses, passaram a morar juntos em seguida. Ou de que ela trabalhava com artesanato e costuras para fora e de que nunca trabalhou como cuidadora de idoso. Do mesmo modo, a CTPS da autora demonstra a inveracidade do testemunho da informante Nanci Pereira de Almeida, filha de Floriano, quando afirmou que Vilma e seu pai viveram juntos cerca de 15 anos ou mais e de que ambos tinham ido morar juntos antes de 2000. Outro ponto que chama a atenção é o fato de Floriano e Vilma terem se casado no município de Peabiru, no interior do Paraná, a 470 km de Curitiba, ao invés desta capital, onde ambos moravam, à época (agosto de 2007). Tal opção é, no mínimo, curiosa, considerando a idade e o delicado estado de saúde de Floriano, além de não haver nenhuma notícia de que qualquer um dos dois tivesse qualquer vínculo com aquela cidade. Ademais, é inequívoco que o endereço 5 declarado na certidão de casamento (rua Monte Alegre, 390 – Peabiru-PR6) não correspondia à realidade. Em suma, o cotejo das provas produzidas evidencia que os fatos ocorreram tal como relatado pela agente de saúde comunitária Aparecida de Fátima Taborda e pela médica Simone Bernardes de Castro Metri, no sentido de que Vilma sempre estava junto de Floriano em virtude da saúde debilitada dele (tinha sofrido um AVC e estava acamado) e era sua cuidadora e não porque ambos tivessem mantido um relacionamento afetivo. O casamento, assim, foi celebrado (em circunstâncias não esclarecidas, em município longíquo) com a finalidade precípua de aquinhoar Vilma com o benefício previdenciário da pensão por morte, fosse por gratidão, fosse como retribuição pelos serviços prestados, sem quaisquer ônus para o segurado em vida ou para a sua filha. Também ficou demonstrado que a relação entre o segurado falecido (Floriano) e a autora Vilma era de cunho eminentemente profissional, não havendo nenhum indício de que pretendiam constituir família, ou estabelecer uma comunhão plena de vida (na dicção do art. 1511 do CC). O casamento da autora Vilma com o segurado Floriano, portanto, foi inequivocamente simulado (art. 167 do CC) e teve por motivo determinante e comum às partes a prática de um ilícito civil (a obtenção ilegal de pensão por morte em favor da autora que, na verdade, mantinha relação estritamente profissional com o segurado), nos termos do art. 166, III do CC. O caso em tela subsume-se perfeitamente à lição de Silvio de Salvo VENOSA: 6 Simular é fingir, mascarar, camuflar, esconder a realidade. Juridicamente, é a prática de ato ou negócio que esconde a real intenção. A intenção dos simuladores é encoberta mediante disfarce, parecendo externamente negócio que não é espelhado pela vontade dos contraentes. As partes não pretendem originalmente o negócio que se mostra à vista de todos; objetivam tão só produzir aparência. Trata- se de declaração enganosa de vontade. A característica fundamental do negócio simulado é a divergência intencional entre a vontade e a declaração. Há, na verdade, oposição entre o pretendido e o declarado. As partes desejam mera aparência do negócio e criam ilusão de existência. Os contraentes pretendem criar aparência de um ato, para assim surgir aos olhos de terceiro. (Código Civil Interpretado. 3 ed., São Paulo: Ed. Atlas, 2013, p. 257) Demonstrado o vício do ato jurídico – casamento – seja por simulação (art. 167 do CC) seja porque o seu motivo determinante e comum às partes que dele participaram era ilícito (art. 166, II do CC), conclui-se pela sua nulidade e consequente ineficácia em relação ao instituto apelante. Por conseguinte, é de se dar provimento ao recurso interposto para reformar a sentença e julgar totalmente improcedente o pedido inicial de concessão do benefício de pensão por morte e pagamento dos atrasados. Sucumbência Reformada a sentença, inverto os ônus da sucumbência, pelo que a autora apelada deverá arcar com o pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atribuído à causa (art. 85, §2º do CPC). Fica ressalvada a condição da autora apelada de beneficiária da Justiça Gratuita. Honorários recursais Não são cabíveis, no caso concreto, os honorários recursais (art. 85, §11 do CPC), uma vez que não se fazem presentes os requisitos cumulativos definidos pelo STJ, no julgamento do EDcl no AgInt no REsp 1.573.573/RJ (j. 04.04.2017, DJe 08.05.2017)7. 7 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO CONFIGURADA. ACOLHIMENTO DOS EMBARGOS PARA SANAR O VÍCIO. CABIMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. REQUISITOS. I - Para fins de arbitramento de honorários advocatícios recursais, previstos no § 11 do art. 85 do CPC de 2015, é necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: Direito Intertemporal: deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ: "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC"; o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente; a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso; não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não provido; não terem sido atingidos na origem os limites previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015, para cada fase do processo; não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba. Conclusão Pelo exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso de apelação, para julgar improcedentes os pedidos iniciais e inverter os ônus da sucumbência, restando prejudicado o reexame necessário. III. Dispositivo ACORDAM os integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso de apelação e julgar prejudicado o reexame necessário, nos termos do voto da Relatora. Votaram com a Relatora os Desembargadores Irajá Prestes Mattar e Robson Marques Cury, em Sessão de Julgamento presidida pelo Desembargador Roberto Portugal Bacellar. Curitiba, 12 de junho de 2018. LILIAN ROMERO Desembargadora Relatora II - A título exemplificativo, podem ser utilizados pelo julgador como critérios de cálculo dos honorários recursais: a) respeito aos limites percentuais estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC de 2015; b) observância do padrão de arbitramento utilizado na origem, ou seja, se os honorários foram fixados na instância a quo em valor monetário, por meio de apreciação equitativa (§ 8º), é interessante que sua majoração observe o mesmo método; se, por outro lado, a verba honorária foi arbitrada na origem com base em percentual sobre o valor da condenação, do proveito econômico ou do valor atualizado da causa, na forma do § 2º, é interessante que o tribunal mantenha a coerência na majoração utilizando o mesmo parâmetro; c) aferição do valor ou do percentual a ser fixado, em conformidade com os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º do art. 85; d) deve ser observado se o recurso é parcial, ou seja, se impugna apenas um ou alguns capítulos da sentença, pois em relação aos demais haverá trânsito em julgado, nos termos do art. 1.002 do CPC de 2015, de modo que os honorários devem ser arbitrados tendo em vista o proveito econômico que a parte pretendia alcançar com a interposição do recurso parcial; e) o efetivo trabalho do advogado do recorrido. III – (...) (EDcl no AgInt no REsp 1573573/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 08/05/2017)
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