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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011158-67.2016.8.16.0035, DE FORO REGIONAL DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 3ª VARA CÍVEL APELANTE : ANDRÉ LUIZ BARBOSA APELADO : METROPOLITAN LIFE SEGUROS E PREVIDÊNCIA PRIVADA S/A RELATOR : DES. VICENTE DEL PRETE MISURELLI APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA E ACIDENTES PESSOAIS EM GRUPO. INVALIDEZ POR ACIDENTE – IPA. LAUDOS MÉDICOS QUE ATESTAM INVALIDEZ E O GRAU DE REDUÇÃO FUNCIONAL. CONSUMIDOR QUE SE VALEU DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS PARA OBTER APÓLICE E CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ESTIPULANTE. MANDATÁRIA. TRANSFERÊNCIA DE RESPONSABILIDADE PELA INFORMAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DEVER DA SEGURADORA. APLICAÇÃO DE REDUÇÃO PROPORCIONAL. INVIABILIDADE NO CASO. CERTIFICADO INDIVIDUAL DE SEGURO SILENTE. REDAÇÃO QUE ANUNCIA INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE E VALOR FIXO. PRINCÍPIO DA MÁXIMA PUBLICIDADE E DA INFORMAÇÃO ADEQUADA. VIOLAÇÃO. TABELA DA SUSEP E CONDIÇÕES GERAIS. AUSÊNCIA DE MENÇÃO. DIVULGAÇÃO INSUFICIENTE. RELAÇÃO DE CONSUMO. CLÁUSULAS LIMITATIVAS DE DIREITO. PRECEDENTES. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. REDISTRIBUÍDOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011158-67.2016.8.16.0035 2 nº 0011158-67.2016.8.16.0035, de Foro Regional de São José dos Pinhais da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - 3ª Vara Cível, em que é Apelante ANDRÉ LUIZ BARBOSA e Apelado METROPOLITAN LIFE SEGUROS E PREVIDÊNCIA PRIVADA S/A. Trata-se de Apelação Cível nos autos de Ação de Cobrança nº 0011158-67.2016.8.16.0035, contra sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais, em que se pretendia a complementação do pagamento da cobertura do seguro de vida por invalidez decorrente de acidente. Condenou o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), observado o benefício da justiça gratuita (mov. 53.1). Dessa sentença recorre o autor ANDRE LUIZ BARBOSA (mov. 58.1) alegando que não lhe foram entregues as condições gerais do seguro, no momento de sua contratação. Sustenta a ausência de informação na apólice quanto a limitação do capital segurado por invalidez decorrente de acidente, motivo pelo qual firma ser inaplicável a tabela da SUSEP. Assim, requer a reforma da sentença, para que sejam julgados procedentes os pedidos iniciais. Contrarrazões (mov. 63.1). É o relatório. Voto. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Trata-se de pretensão de recebimento complementar de valor indenizatório decorrente de seguro de vida em grupo (Certificado individual nº 93.069151.0001.1295) com previsão para cobertura por invalidez permanente total ou parcial por acidente – IPA, com capital segurado de 24 vezes o valor do salário do segurado (mov. 12.5). APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011158-67.2016.8.16.0035 3 A relação securitária havida entre as partes, conforme relatado, é evidentemente de consumo, motivo pelo qual aplica-se as normas consumeristas (art. 3º, § 2º da Lei 8.078/90). É incontroverso nos autos que o apelante sofreu acidente automobilístico durante a vigência do contrato (mov. 1.6), sinistro do qual resultou, segundo a perícia administrativa realizada pela seguradora, em redução funcional de 50% do movimento do pé esquerdo (fls. 12.6). Provada, portanto, a invalidez permanente parcial por acidente – IPA, tanto que houve o reconhecimento e o posterior pagamento administrativo no valor de R$ 6.062,40, com base nos percentuais previstos na tabela da SUSEP (mov. 20.8). Pois bem. A seguradora defende estar correta a redução funcional aplicada ao pagamento indenizatórios, porque prevista no contrato (cláusula 2.4, mov. 43.1, fls. 16). Após a análise das provas encartadas nos autos, constata-se que a sentença deve ser reformada à luz das normas e princípios incidentes sobre o caso. A seguradora não enviou ao apelante a apólice e as condições gerais do contrato, mesmo após o envio de notificação extrajudicial (mov. 1.7), o que foi obtido somente após o ajuizamento de Ação de Exibição de Documentos (mov. 1.1). Pelo que se extrai dos autos, nenhum documento foi enviado ao segurado, tendo a relação jurídica securitária se limitado entre a seguradora e a estipulante . Denota-se que o apelante não foi informado acerca da redução proporcional da indenização ou aplicação de Tabela da Susep. Importa salientar que a expressão “até” existente no certificado individual do seguro não é suficiente para transmitir a informação de que o valor do capital segurado está sujeito aos percentuais da tabela referencial APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011158-67.2016.8.16.0035 4 da SUSEP, na qual consta os valores correspondente às lesões de cada segmento corporal. É somente nas cláusulas contratuais da apólice que constam as previsões sobre redução proporcional de acordo com o grau de invalidez (cláusula 2.4, mov. 43.1, fls. 16) Ora, tratando-se de cláusula limitativa de direito, essa disposição deveria ter sido prévia e devidamente informada ao segurado, de modo a viabilizar o seu perfeito entendimento sobre o objeto contratual. Consigne-se que no seguro em grupo a estipulante figura como mera mandatária dos segurados (art. 21, § 2º do Dec. Lei 73/66 e Circular nº 23/72 da Susep), e não como administradora do seguro com responsabilidades iguais às da seguradora: “Na relação securitária de contrato coletivo, a estipulante qualifica- se como mera mandatária dos segurados.” (STJ - AgRg RESP 1478147/SP – 3ª Turma – Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva – DJ 12/08/2015) Assim a obrigação dar publicidade integral e prestar informação clara e adequada é da seguradora e essa responsabilidade não pode ser repassada à estipulante (art. 24 do CDC): “A seguradora deve sempre esclarecer previamente o consumidor e o estipulante (seguro em grupo) sobre os produtos que oferece e existem no mercado, prestando informações claras a respeito do tipo de cobertura contratada e as suas consequências, (...).” (STJ - RESP 1449513/SP – 3ª Turma – Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva – DJ 19/03/2015) E nesta Câmara: “Ainda mais claro é o teor do art. 24, do CDC, o qual veda a exoneração contratual do fornecedor das garantias legais de adequação do serviço. Ou seja, o fato de o contrato ser mediado por estipulante não exime o dever da seguradora de prestar as APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011158-67.2016.8.16.0035 5 informações adequadas e necessárias ao segurado.” (TJPR – ApCiv 1328544-2 – 8ª CâmCív – Rel. Des. Lilian Romero – DJ 11/09/2015) Desse modo, por se tratar de obrigação própria que não pode ser repassada, era dever da seguradora fazer chegar aos segurados as cláusulas contratuais da apólice. Além disso, se a seguradora entendia que a administração de fato do seguro cabia, de forma excepcional diga-se, à estipulante, deveria tê- la denunciado à lide para ver esclarecidas as obrigações. A aplicação do percentual de redução funcional, da Tabela da SUSEP ou Circular nº 029/91 só pode ser feita mediante sua prévia publicação e informação ao grupo de segurados, o que não aconteceu neste caso, em que o segurado teve de valer-se de ação de exibição de documentos para ter pleno acesso às cláusulas e limitações contratuais, prejudicando assim a prévia e exata compreensão do contrato (art. 54, §§ 3º e 4º do CDC). Portanto, não é possível aplicar, após o sinistro, cláusula geral limitativa de direito que não foi prévia e adequadamente informada ao segurado no momento da contratação. É essa falta de informação ostensiva, clara e adequada que permita a fácil compreensão daquilo contratado, que fundamenta a responsabilidade da seguradora no presente caso, eis que houve violação dos art. 6º, III, 36 e 54, § 3º do CDC. Confira-se a posição das Câmaras securitárias deste Tribunal a respeito do tema: APELAÇÃO CÍVEIS - AÇÃO DE COBRANÇA SECURITÁRIA - SEGURO DE VIDA EM GRUPO - INDENIZAÇÃO POR INVALIDEZ PERMANENTE PARCIAL POR ACIDENTE. (...). CERTIFICADO INDIVIDUAL QUE NÃO RESSALVA A POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DO CAPITAL SEGURADO - ART. 47, CDC - INTERPRETAÇÃO DA APÓLICE QUE DEVE SER FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR - DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO - CLAUSULAS LIMITATIVAS REDIGIDAS SEM O NECESSÁRIO DESTAQUE - ARTS. 46 E 54, §4º, CDC - CONFIGURADO APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011158-67.2016.8.16.0035 6 O DEVER DE INDENIZAR NA INTEGRALIDADE DO CAPITAL SEGURADO – (...). (TJPR – ApCiv 1489451-6 – 8ª CâmCív – Rel. Des. Gilberto Ferreira – DJ 02/08/2016) Ainda: APELAÇÕES CÍVEIS – (...) - AÇÃO DE COBRANÇA - SEGURO DE VIDA - INVALIDEZ PERMANENTE PARCIAL POR DOENÇA FUNCIONAL – (...) - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AO CASO CONCRETO - INTERPRETAÇÃO MAIS BENÉFICA - NÃO INCIDÊNCIA DAS CONDIÇÕES GERAIS E TABELA DA SUSEP - MATÉRIAS NÃO TRATADAS NA APÓLICE DO SEGURO - DIREITO DE INFORMAÇÃO DO CONSUMIDOR – (...). A apólice apenas relata o tipo de invalidez e o valor da indenização ao lado, sem mencionar qualquer ressalva (...). Considerando que o segurado não teve prévio conhecimento das condições do ajuste, e, considerando que a apólice encartada aos autos pela ré não reflete, de modo fidedigno e claro, as coberturas indenizáveis, sequer fazendo alusão aos percentuais previstos na tabela prevista na Circular nº 17, de 17 de julho de 1.992 da SUSEP, para as hipóteses de invalidez parcial, qualquer margem interpretativa deve-se resolver em favor do consumidor, sendo vedado, portanto, interpretação prejudicial acerca do alcance das garantias do seguro (art. 47 do CDC).” (TJPR – ApCiv 1405583-3 – 9ª CâmCív – Rel. Des. José Augusto Gomes Aniceto – DJ 08/10/2015) E por fim: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - SEGURO DE VIDA EM GRUPO - INVALIDEZ PARCIAL PERMANENTE POR ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO – (...) INAPLICABILIDADE, NO CASO EM TELA, DO PERCENTUAL DE GRAU DA LESÃO SOBRE A TABELA CONSTANTE DAS CONDIÇÕES GERAIS - RELAÇÃO DE CONSUMO - CLÁUSULAS LIMITATIVAS DE DIREITO QUE DEVEM SER ESCRITAS EM DESTAQUE - DIREITO DO CONSUMIDOR À INFORMAÇÃO ADEQUADA E CLARA A RESPEITO DO PRODUTO/SERVIÇO CONTRATADO - APÓLICE QUE NÃO FAZ QUALQUER DIFERENCIAÇÃO QUANTO AO MONTANTE DEVIDO NO CASO DE INVALIDEZ PARCIAL - AUSÊNCIA DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011158-67.2016.8.16.0035 7 COMPROVAÇÃO DO RECEBIMENTO DAS CONDIÇÕES GERAIS - CONDENAÇÃO DA SEGURADORA AO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO NA INTEGRALIDADE DO VALOR PREVISTO NA APÓLICE – (...).(TJPR – ApCiv 1427398-8 – 9ª CâmCív – Rel. Des. Luiz Osorio Moraes Panza – DJ 08/10/2015) Consigne-se que não se está negando vigência à proporcionalidade, à Tabela Susep ou à indenização pela extensão do dano, porque a questão aqui trata do fornecimento da devida publicidade e da informação adequada, clara, ostensiva e de fácil compreensão ao segurado. Como a seguradora deu a entender que cobriria todos os casos de invalidez por acidente pelo valor de 24 vezes o salário do segurado, que corresponde a R$ 40.416,00, conforme consta do documento juntado no mov. 20.8, está obrigada agora a executar o contratado conforme o anunciou, não podendo repassar essa responsabilidade à estipulante e nem se escusar pelas condições gerais que não fez chegar ao apelado. Não obstante a isto, por ter sido realizado o pagamento administrativo no valor de R$ 6.062,40, o saldo remanescente a ser pago é de R$ 34.353,60 (trinta e quatro mil trezentos e cinquenta e três reais e sessenta centavos), corrigido monetariamente desde a emissão do certificado do seguro (31/07/2015), acrescido de juros moratórios de 1% ao mês desde a citação. Em relação à atualização monetária dos valores pagos administrativamente, guarda razão o apelante ao afirmar que a correção deve incidir desde a data da última renovação (31/07/2015) até a data do pagamento administrativo (04/02/2016), acrescido de juros moratórios de 1% desde a citação. (AgInt no AREsp 804.973/SC, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 31/10/2017). Com o fito de se pré-questionar a matéria, não há violação aos art. 757, 760 e 765 do CCB ou ao princípio do mutualismo, porque a questão impõe resolução pelos princípios consumeristas: “A falta de clareza e dubiedade das cláusulas impõem ao julgador APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011158-67.2016.8.16.0035 8 uma interpretação favorável ao consumidor (art. 47 do CDC), parte hipossuficiente por presunção legal.” (STJ - AgRg ARESP 539402/SP – 3ª Turma – Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva – DJ 05/08/2015) Diante do exposto, dou provimento ao recurso, para julgar procedente o pedido inicial e condenar a seguradora ao pagamento da cobertura securitária por Invalidez Perm. Parcial por Acidente (IPA), no valor de R$ 34.353,60 (trinta e quatro mil trezentos e cinquenta e três reais e sessenta centavos), corrigido monetariamente desde a emissão do certificado do seguro (31/07/2015), acrescido de juros moratórios de 1% ao mês desde a citação. Além disto, a apelada deverá pagar a correção monetária incidente sobre a verba já paga administrativamente (R$ 6.062,40), desde a data da última renovação do seguro (31/07/2015) até a data do pagamento administrativo (04/02/2016), acrescido de juros moratórios de 1% desde a citação. Redistribuo os ônus sucumbenciais, devendo a seguradora arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, incluído neste valor o trabalho recursal, conforme art. 85 do CPC. ACORDAM os Desembargadores da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. Participou da sessão presidida pelo Desembargador Luiz Cezar Nicolau (com voto) e acompanhou o voto do Relator o Excelentíssimo Senhor Desembargador Luis Sérgio Swiech. Curitiba, 07 de dezembro de 2017. Des. VICENTE DEL PRETE MISURELLI
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