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Acórdão
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000804-76.2014.8.16.0059, DA VARA CÍVEL DA COMARCA CÂNDIDO DE ABREU. APELANTE: BANCO DO BRASIL APELADOS: FLORENTINO KLEESTADT E OUTROS RELATOR: DES. LAURI CAETANO DA SILVA AÇÃO DE USUCAPIÃO. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. RECURSO DE APELAÇÃO DO RÉU: ILEGITIMIDADE PASSIVA. CREDOR HIPOTECÁRIO. INTERESSE PATRIMONIAL ENVOLVIDO. LEGITIMIDADE PASSIVA RECONHECIDA. RECURSO DESPROVIDO. O credor hipotecário possui interesse na causa, na medida em que teria sua esfera patrimonial (garantia de crédito) afetada por eventual sentença em sede de ação de usucapião. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0000804-76.2014.8.16.0059, da Vara Cível da Comarca de Cândido de Abreu, em que é apelante Banco do Brasil e são apelados Florentino Kleestadt e Rosalina Floriano Kleestadt. ACORDAM os Desembargadores integrantes da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de apelação. I- RELATÓRIO 1. Florentino Kleestadt e Rosalina Floriano Kleestadt, representados por seu filho Flavio Floriano Kleestadt, ajuizaram ação de usucapião ordinária (autos nº 0000804-76.2014.8.16.0059) em face de Mário Pazio, Soely Pazio, Banco do Brasil S/A e Klabin S/A, alegando que (a) adquiriram, há mais de 22 anos, de Mário Pazio, na forma ad corpus, uma área de terras com 620.415,00m2. Destacou que a área faz Apelação Cível nº 0000804-76.2014.8.16.0059 2 parte de 4 matrículas e 1 transcrição do Registro de Imóveis da Comarca de Candido de Abreu, conforme os 2 contratos de compra e venda celebrados com Mário Pazio e Soely Pazio; (b) desde 26.10.1992 mantêm o cadastro junto ao INCRA, realizando o pagamento de todos os impostos; (c) desde que adquiriram o imóvel exercem posse de forma mansa, pacífica, ininterrupta, sem oposição e com animus domini, preenchendo os requisitos para a aquisição originária do domínio pela usucapião; (d) o requerido Mário Pazio se negou a lhe outorgar escritura pública de compra e venda do imóvel. Ao se dirigir ao Registro de Imóveis descobriu que o imóvel figurava como garantia de um crédito obtido pelo referido réu junto ao Banco do Brasil. Nesses termos, postulou a procedência do pedido inicial, com base no artigo 1242 do Código Civil. 2. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA – mov. 61.1) e a FUNAI (mov. 71.1) manifestaram seu desinteresse na causa (mov. 45.1), assim como as Fazendas Públicas da União (mov. 86.2), do Estado (mov. 48.1) e do Município (mov. 26.1). 3. O Banco do Brasil apresentou contestação (mov. 45.1), alegando sua ilegitimidade passiva e defeito na representação, requerendo a improcedência da ação. 4. Apesar de citados (mov. 23.1 e 47.8), os demais requeridos deixaram transcorrer o prazo sem apresentação de contestação. 5. Em decisão saneadora, o magistrado de 1º grau afastou a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo Banco do Brasil S/A; fixou os pontos controvertidos; deferiu a produção da prova oral, designando data para a audiência de instrução e julgamento (mov. 94.1). 6. Na audiência de instrução e julgamento (mov. 113.1), foi tomado o depoimento pessoal da parte autora e inquiridas 03 testemunhas. Apelação Cível nº 0000804-76.2014.8.16.0059 3 7. Foi informado acerca do falecimento da autora Rosalina Floriano Kleestadt (mov. 115.1), razão pela qual foi deferida a habilitação de seus filhos (mov. 156.1). 8. O MM. Dr. Juiz a quo proferiu sentença (mov. 188.1) pela qual julgou procedente o pedido inicial, para declarar o domínio de Florentino Kleestadt, Roseni Kleestadt da Cruz, Norberto Kleestadt, Laudemir Kleestadt e Flavio Floriano Kleestadt, sobre a área usucapienda descrita na peça vestibular (vide mapa e memorial descritivo, seq. 1.6), devendo a Serventia, oportunamente, lavrar mandado de registro para fins de matrícula junto ao Registro Imobiliário da Comarca de Cândido de Abreu (art. 1.241, parágrafo único, do CC). Diante da ausência de contestação, condenou os autores ao pagamento das custas processuais. Pelo mesmo motivo não foram arbitrados honorários advocatícios. 9. O Banco do Brasil S/A não se insurge contra o mérito da decisão e pleiteia (mov. 217.2) a reforma parcial da sentença para que seja reconhecida a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo do processo. Contrarrazões ao recurso de apelação (mov. 237.1). É o relatório. II- VOTO Presentes os pressupostos recursais de admissibilidade, intrínsecos e extrínsecos, conheço do recurso de apelação. 10. Cinge-se a controvérsia recursal em verificar se o Banco do Brasil S/A é parte legítima para figurar no polo passivo do processo. Apelação Cível nº 0000804-76.2014.8.16.0059 4 10.1. O Código de Processo Civil de 2015 não estabeleceu um procedimento próprio para a ação de usucapião, apesar de a ela se referir nos artigos 246 e 259. Nestes termos, passa a referida ação a se inserir dentre as ações do procedimento comum. Contudo, nos termos do artigo 259 “serão publicados editas na ação de usucapião”, o que nos leva a crer que, nos termos do extinto Código de 1973 (art. 9421) há necessidade da publicação dos referidos editais, a fim de que eventuais interessados possam manifestar seu interesse na causa. Nesse contexto, não resta a menor dúvida de que o credor hipotecário possui interesse na causa, na medida em que teria sua esfera patrimonial (garantia de crédito) afetada por eventual sentença em sede de ação de usucapião. Desse modo, para que a decisão dentro desta relação processual surta efeitos para a instituição financeira, necessário que esta figure como parte no processo, conforme disposto no artigo 506 do Código de Processo Civil: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”. Aqui é preciso mencionar que o Banco do Brasil S/A não informou se o requerido Mário Pazio e sua esposa Soely Pazio quitaram o financiamento que originou a garantia hipotecária, razão pela qual não se mostra plausível a sua exclusão do polo passivo, pois inoponível seria a r. sentença, caso se buscasse sua utilização para a exclusão da garantia que eventualmente subsista sobre o imóvel. Além disso, eventual reconhecimento do direito da parte autora configura hipótese de extinção do processo com julgamento de mérito, conforme previsão do art. 487, III, “a” do Código de Processo Civil. -- 1 Art. 942. O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do art. 232. Apelação Cível nº 0000804-76.2014.8.16.0059 5 Nesse sentido, segue jurisprudência desta Corte: USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO LEGITIMIDADE PASSIVA DO CREDOR HIPOTECÁRIO RECONHECIDA - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA INADIMPLIDO. AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI. POSSE PRECÁRIA RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. O contrato particular de compromisso de compra e venda obriga a restituição quando não cumprido o pagamento das parcelas assumidas, tornando a posse precária e obstando o reconhecimento do domínio pela usucapião em razão da ausência de animus domini. (TJPR - XVIII Ccv - Ap Civel 0476447-6 - Rel.: Lenice Bodstein - Julg.: 03/03/2010 - Unânime - Pub.: 28/04/2010 - DJ 375) RECURSO DE APELAÇÃO CIVIL CREDOR HIPOTECÁRIO. INTERESSE PATRIMONIAL ENVOLVIDO. LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA. LEGITIMIDADE PASSIVA RECONHECIDA. USUCAPIÃO. POSSE = ESTADO DE FATO ELEVADO A CONDIÇÃO DE DIREITO. POSSE CONTÍNUA, PÚBLICA, SEM OPOSIÇÃO, COM ÂNIMO DE DONO. PRAZO SUPERIOR AO QUE DETERMINADO EM LEI. REQUISITOS DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. PRESENTES. INVERSÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E, NO MÉRITO, PROVIDO. (TJPR - 18ª C.Cível - AC - 816191- 9 - Curitiba - Rel.: José Sebastião Fagundes Cunha - Unânime - J. 16.05.2012) Portanto, o credor hipotecário é parte legítima ad causam para integrar o polo passivo da ação de usucapião. A ilegitimidade ad causam poderia ser reconhecida caso declarasse que a dívida já foi devidamente quitada e encaminhou carta de cancelamento da averbação da garantia ao Cartório Imobiliário. A corroborar: APELAÇÃO CÍVEL. COISAS E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. PRELIMINARES. I - LEVANTAMENTO PLANIMÉTRICO NÃO JUNTADO À INICIAL. DOCUMENTO ACOSTADO POSTERIORMENTE. INÉPCIA AFASTADA. II - CARÊNCIA DE AÇÃO. INOCORRÊNCIA. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. INVIABILIDADE E INEXIGIBILIDADE. USUCAPIÃO POSSÍVEL E ADEQUADA. LEGITIMIDADE PASSIVA. CREDOR HIPOTECÁRIO. INTERESSE DIRETO. III - PREFACIAIS AFASTADAS. I - Não há falar em inépcia da inicial em razão da não juntada do levantamento planimétrico à exordial, tanto porque não se enquadra com perfeição às hipóteses do art. 295, parágrafo único, do Código de Processo Civil, quanto porque o documento foi juntado posteriormente aos autos, do que teve ciência o apelante. II - Adequada a "ação de usucapião", pois inviável a adjudicação compulsória na espécie e autônomo o direito à declaração da propriedade por usucapião; é legitimado passivo o credor hipotecário, a fim de fazer preservar seu direito real de garantia, sendo destituída de sustentação a alegação de carência de ação. MÉRITO. I - LOTEAMENTO VILA BEATRIZ. USUCAPIÃO ORDINÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. AQUISIÇÃO DO LOTE Apelação Cível nº 0000804-76.2014.8.16.0059 6 USUCAPIENDO. HIPOTECA ANTERIOR AVERBADA. BOA-FÉ AFASTADA. FIXAÇÃO DE MORADIA. POSSE HÁ MAIS DE 10 ANOS. PRESSUPOSTOS DO USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO COM PRAZO REDUZIDO PREENCHIDOS. EXEGESE DOS ARTS. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO E 2.029 DO CC/2002. II - OITIVA COMO INFORMANTES. DEPOIMENTOS CONCATENADOS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO FÁTICA ESPECÍFICA. NOTÓRIA OCUPAÇÃO DO LOTEAMENTO. PROVA BASTANTE DA POSSE. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. III - SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I - Não obstante ausente a boa-fé necessária ao reconhecimento do usucapião ordinário, porquanto existente averbação de hipoteca sobre o imóvel anteriormente à aquisição do lote usucapiendo, impõe-se a declaração do domínio quando demonstrado que os autores ocupam o bem há mais de 10 (dez) anos e sobre ele edificaram sua moradia habitual, preenchendo os requisitos do novo usucapião extraordinário com prazo reduzido, em consonância com os arts. 1.238, parágrafo único, e 2.029, ambos do Código Civil de 2002. II - O simples fato de que os vizinhos foram ouvidos na qualidade de informantes não impede o reconhecimento da prova do fato constitutivo do direito da parte autora - na espécie, a prova por mais de dez anos e o estabelecimento da moradia habitual - quando os seus depoimentos são concatenados, não há impugnação fática específica da defesa e a ocupação do loteamento é fato público e notório, sobremaneira porque vige em nosso ordenamento o princípio do livre convencimento motivado. (TJSC, Apelação Cível n. 2010.042279-5, de Criciúma, rel. Des. Henry Petry Junior, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 23-08-2012). 11. Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso de apelação. III- DECISÃO ACORDAM os Desembargadores integrantes da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de apelação. O julgamento foi presidido pelo Desembargador LAURI CAETANO DA SILVA, relator, e dele participaram os Desembargadores TITO CAMPOS DE PAULA e RUI BACELLAR FILHO. Curitiba, 16 de maio de 2018. DES. LAURI CAETANO DA SILVA Relator
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