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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0066376- 61.2011.8.16.0001, DA 14ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA. APELANTE: LIBERTY PAULISTA SE- GUROS S/A APELADO: SERGIO LUIZ ANDRADE RELATOR: DES. DOMINGOS JOSÉ PERFETTO APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – SEGURO DE VEÍCULO – ACIDENTE DE TRÂNSITO – ALEGAÇÃO DE EXCLUDENTE DE COBERTURA POR AGRAVAMENTO INTENCIONAL DO RISCO (EMBRIAGUEZ) - NEGATIVA DE COBERTURA ILEGÍTIMA – BOLETIM DE OCORRÊNCIA – PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE VERACIDADE, QUE PODE SER AFASTADA POR OUTRAS PROVAS – PRESUNÇÃO RELATIVA ILIDIDA - AUTOR ABSOLVIDO SUMARIAMENTE EM PROCESSO CRIMINAL QUE PERQUIRIA A RESPEITO DA VIOLAÇÃO AO ART. 306, CTB Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 2 (CONDUÇÃO DE VEÍCULO SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL) – SUSPENSÃO DE DIRIGIR REVOGADA PELO ÓRGÃO DE TRÂNSITO – EMBRIAGUEZ NÃO COMPROVADA – EVENTUAL INGESTÃO DE BEBIDA ALCOÓLICA NÃO CONTRIBUIU PARA A OCORRÊNCIA DO ACIDENTE – SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO INDENIZATÓRIA EM FACE DO AUTOR PELOS DEMAIS ENVOLVIDOS NO ACIDENTE ATESTANDO O DEVER DA SEGURADORA DE INDENIZÁ-LOS PELOS PREJUÍZOS ADVINDOS DA COLISÃO – AUSÊNCIA DE RECURSO – FIRMADO ACORDO NAQUELE PROCESSO – INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A AVENTADA EMBRIAGUEZ DO SEGURADO E O EVENTO DANOSO – COBERTURA SECURITÁRIA DEVIDA – DANOS MATERIAIS – ORÇAMENTO PARA CONSERTO EQUIVALENTE AO VALOR DA TABELA FIPE - PERDA TOTAL DO VEÍCULO – NECESSIDADE DE ENTREGA DO SALVADO À SEGURADORA – VENDA REALIZADA – VALOR OBTIDO DEVERÁ Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 3 SER REVERTIDO À SEGURADORA - DESCONTO DO MONTANTE DEVIDO AO AUTOR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0066376-61.2011.8.16.0001, da 14ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é Apelante Liberty Paulista Seguros S/A e apelado Sergio Luiz Andrade. Por brevidade, adota-se o relatório da sentença, de mov. 20.1: “SÉRGIO LUIZ ANDRADE, brasileiro, casado, portador da cédula de identidade RG n.º 5.126.455-0, residente e domiciliado na Rua Fernando de Noronha, n.º 928, Curitiba, PR formulou pedido de INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS em face de LIBERTY PAULISTA SEGUROS S/A, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ n.º 61.550.141/0001-72, com sede na Rua Francisco Rocha, n.º 551, Curitiba/PR. O requerente afirma que é proprietário do Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 4 veículo Vectra Elegance, 2.0 MPFI 8 V. Flex Power, ano/modelo 2008/2009, chassi 9BGAB69W09B224033, placa AXS 0130. Informa que celebrou contrato de seguro com a requerida, apólice nº 31-16- 652.072. Alega que em 22.10.2010 se envolveu em um acidente de trânsito na esquina das ruas Desembargador Ermelino de Leão e Augusto Stellfeld. Declara que ao cruzar a preferencial foi abalroado pelo veículo VW Gol, 16v, placa CTU 3979 e após pelo Ford Fiesta, placa BCN 3012. O demandante afirma que acionou a seguradora que encaminhou o veículo à concessionária Metrosul, esta orçou o conserto em R$ 33.406,93 (trinta e três mil, quatrocentos e seis reais e noventa e três centavos), representando a sua perda total. Entretanto, assevera que a seguradora se recusou a efetuar o pagamento do prêmio porque a boletim de ocorrência indicou que o autor estava com sintomas de embriaguez. Sustenta que o laudo foi anulado administrativamente e, por isso, faz jus ao recebimento do prêmio. Assim, requereu a procedência do pedido com o pagamento do prêmio no valor de R$ 43.517,00 (quarenta e três mil, quinhentos e dezessete reais). Juntou documentos (evento 1.1 – fls. 03/90). A requerida, em sede de contestação, alega que não realizou o pagamento do prêmio, com base na cláusula de exclusão de cobertura contratualmente prevista. Aduz que o requerente estava embriagado no momento do acidente e que este foi um fator determinante para a sua ocorrência. Aponta que a notificação juntada no evento 1.1 (fls. 87 dos autos físicos) não demonstram a anulação do laudo de constatação de sinais de embriaguez e muito menos o Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 5 julgamento do recurso administrativo juntado em seguida. A demandada também afirma que não foram afastados todos os sintomas de embriaguez descritos no boletim de ocorrência, ressaltando inclusive que o autor foi preso em flagrante. Salienta que a apólice do seguro claramente prevê a exclusão da indenização quando o veículo for conduzido por pessoa sob o efeito de álcool, desde que comprovado que o estado de embriaguez foi o causador do acidente. Assim, requereu a improcedência da demanda (evento 1.4 – fls. 125/203). Impugnação (evento 1.5 – fls. 206/217). Determinada a especificação de provas (evento 1.6 – fls. 219), o autor pleiteou a produção de prova documental, emprestando prova dos autos 2072-78.2011.8.16.0025 do Juizado Especial Cível de Araucária e inversão do ônus da prova (evento 1.6 – fls. 221/222) e a parte requerida pugnou pela produção de prova testemunhal para comprovar a alcoolemia do autor (evento 1.6 – fls. 225). O processo foi saneado, fixando como ponto controvertido a embriaguez do autor no dia do acidente e autorizada a produção de prova documental e oral (evento 1.6 – fls. 233). A requerida interpôs embargos de declaração, indicando como ponto controvertido o valor da indenização (evento 1.6 – fls. 236/237). A audiência de conciliação restou infrutífera (evento 1.9 – fls. 246). Vieram aos autos a sentença proferida pela 1ª Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 6 Vara de Delitos de Trânsito (evento 1.10 – fls. 247/248). Realizada a audiência de instrução e julgamento foi ouvida uma testemunha da requerida (evento 1.14 –fls. 265/267), sendo que a requerida desistiu da outra testemunha (evento 1.17 – fls. 290). A parte requerida, em sede de alegações finais, pugnou pela improcedência do pedido inicial (evento 1.18 – fls. 297/301). Já o autor, em memorais, alegou não existir prova inconteste do seu estado clínico, bem como diante da absolvição criminal e da revogação da punição administrativa, pugnou pela procedência da demanda e o pagamento do prêmio do seguro (evento 1.18 – fls. 304/309).” Sobreveio a r. sentença de mov. 20.1, que julgou parcialmente procedente o pedido inicial para condenar a requerida a ressarcir o autor pelos danos materiais no valor de R$ 41.280,00 (quarenta e um mil duzentos e oitenta reais), acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da data do sinistro (artigo 397 do Código Civil) e correção monetária pela média entre o INPC e o IGP/DI, contados do evento danoso (Súmula 43 do STJ). Pelo princípio da sucumbência, condenou a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 7 Opostos Embargos de Declaração pela ré (mov. 24.1) e pelo autor em mov. 28.1, os primeiros foram rejeitados e os segundos acolhidos (mov. 40.1) para complementar a sentença, apenas a fim de indeferir o pleito de ressarcimento dos honorários advocatícios contratados, ficando mantida a conclusão final do julgado. Inconformada, a ré ofertou recurso de apelação (mov. 46.1), alegando, em síntese, que: i) o Boletim de Ocorrência faz prova suficiente da embriaguez do segurado, corroborado pela prova testemunhal; ii) a embriaguez do segurado na condução do seu veículo foi o que ocasionou o acidente, fato que significa o agravamento do risco, afastando o dever de indenização; iii) os danos no veículo foram de média monta, com valor de reparos em R$ 28.572,08, comprovado pelo fato de que o mesmo encontra-se em circulação (mov.38.2); iv) o valor da indenização material deve ser reduzida para R$ 28.572,08; v) subsidiariamente, requereu a dedução da indenização o valor pelo qual o apelado comercializou os salvados, de R$ 10.000,00. Contrarrazões no mov. 49.1. É o relatório. A sentença foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 2015. Assim, presentes os pressupostos de Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 8 admissibilidade exigidos por este estatuto processual, forçoso o conhecimento do apelo. Analisando minuciosamente o presente caderno processual, bem como das razões explicitadas pela apelante, observa-se que a controvérsia se restringe a discussão quanto ao agravamento, ou não, do risco do seguro, a justificar exclusão da cobertura. Até porque, a apelante recusou a cobertura da indenização securitária, sob o fundamento de que a conduta do segurado foi decisiva para ocorrência do sinistro, vez que alega estar comprovada a condução do veículo pelo segurado em estado de embriaguez. A cláusula 3, “h”, das Condições Gerais do contrato estabelece (mov. 1.4 – fl. 49): “3. Riscos Excluídos e Danos ou Prejuízos Não Cobertos por Nenhuma das Coberturas Básicas e Adicionais da Cobertura Automóvel Consideram-se como excluídos desta cobertura: (...) h) perdas e danos ao veículo segurado quando dirigido por pessoas sob o efeito de álcool, desde que seja comprovado que o estado de embriaguez foi o causador do acidente;” Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 9 Também o artigo 768 do Código Civil, estabelece que “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”. O citado dispositivo é claro em estabelecer que a perda do direito por agravamento do risco ocorre quando o segurado agravar intencionalmente o contrato. A perda do direito ao recebimento do seguro é apenas para o caso de o segurado adotar conduta imprópria, aumentando o risco e, assim, prejudicando o equilíbrio do contrato. Sobre o tema, aliás, oportuno destacar os ensinamentos de Arnaldo Rizzardo: “No caso do segurado agravar por sua conta e risco, e vindo ele a ocorrer, não há obrigação em indenizar o valor avençado. Identicamente, se concorrer para o agravamento, ou não tomar as medidas que estavam a seu alcance para evitá- lo”. (contratos, ed. Forense, 8ª edição, fl. 879) Como se vê, a seguradora precisa demonstrar, de forma inequívoca, que o segurado conscientemente, por livre e espontânea vontade, e agindo por culpa grave, aumentou as chances do acontecimento do risco segurado. Ainda, é preciso que haja demonstração de que tal ação Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 10 do segurado contribuiu diretamente para a ocorrência do sinistro. Ou seja, é preciso que fiquem demonstradas, no caso concreto, quais as ações que foram cometidas pelo segurado e se elas contribuíram diretamente para o acontecimento do acidente, o que, todavia, não ocorreu na hipótese dos autos. Não há comprovação nos autos de que o segurado conduzia seu veículo sob efeito de bebida alcoólica ou qualquer outro entorpecente. Embora no Boletim de Ocorrência (mov. 1.1 – fls. 62/75) conste relato dos Policiais Militares que atenderam a ocorrência dizendo que o autor Sérgio Luiz de Andrade apresentava sinais de embriaguez (hálito etílico, olhos vermelhos, fala enrolada, andar cambaleante e recusa de realização do exame bafômetro), corroborado pela prova testemunhal colhida neste Juízo de Dorivaldo Fernandes Junior (envolvido no acidente), que também atestou sinais de embriaguez no condutor, a sentença absolutória proferida no âmbito criminal e o arquivamento do processo administrativo em face do autor desconstituíram a presunção iuris tantum gerada pelo relato da ocorrência. Embora o boletim de ocorrência, lavrado por autoridade policial, possua presunção de veracidade, trata-se de presunção iuris tantum, ou seja, admite-se prova em contrário. Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 11 É o entendimento desta Corte: “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - COLISÃO FRONTAL QUANDO DA REALIZAÇÃO DE MANOBRA DE ULTRAPASSAGEM - VEÍCULO ALIENADO ANTES DO ACIDENTE - AUSÊNCIA DE TRANSFERÊNCIA JUNTO AO ÓRGÃO DE TRÂNSITO - IRRELEVÂNCIA - ILEGITIMIDADE PASSIVA CONFIGURADA - SÚMULA 132 DO STJ - LAUDO PERICIAL AFASTADO - PROVA UNILATERAL - BOLETIM DE OCORRÊNCIA - PRESUNÇÃO DE VERACIDADE IURIS TANTUM - DEPOIMENTO TESTEMUNHAL - PROVA NÃO DESCONSTITUÍDA - ÔNUS PROBATÓRIO DO RÉU (ARTIGO 333, II, DO CPC/73) - DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO - PERDA TOTAL DO VEÍCULO NÃO QUESTIONADA - PENSÃO ALIMENTÍCIA - PRESUNÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DOS FILHOS MENORES - DANOS MORAIS Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 12 CONFIGURADOS - SUCUMBÊNCIA REDISTRIBUÍDA RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO” (TJPR - 9ª C.Cível - AC - 1572174-5 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina - Rel.: José Augusto Gomes Aniceto - Unânime - - J. 02.02.2017 – sem grifos no original) Na hipótese em apreço, a absolvição do autor pelo Juiz da 1ª Vara de Delitos de Trânsito (autos nº 14615-52.2011.8.16.0013), com fulcro no artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal (evento 1.10 – fls. 247/248), foi capaz de desconstituir a presunção do documento elaborado pela polícia rodoviária. A sentença criminal reconheceu que não foi realizada regular apuração técnica através de exame de sangue ou etilômetro acerca do suposto grau de embriaguez, tampouco os elementos informativos colhidos durante o inquérito policial puderam indicar eventual quantidade de álcool ingerida pelo denunciado. Concluiu da seguinte maneira: “ante o exposto, com fundamento no artigo 397, inciso III, absolvo sumariamente o denunciado Sérgio Luiz Andrade da imputação que lhe foi endereçada nestes autos”. Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 13 A sentença foi proferida em novembro de 2012. Não há nos autos qualquer informação a respeito de recurso, pelo que se infere que transitou em julgado (não há possibilidade de busca online, pois o processo tramitava por meio físico no ano de 2011). Por conseguinte, em pese o esforço empreendido pela apelante, não subsistem dúvidas de que ao autor não pode ser imputada a prática do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, qual seja “Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência”. Isto porque, não obstante a independência das esferas civil e criminal, havendo decisão sobre a existência ou inexistência do fato e da sua autoria no juízo criminal, não cabe mais discussão a respeito dos fatos nesta oportunidade, ex vi do artigo 935 do Código Civil1. O autor foi absolvido sumariamente com base no art. 397, III, do Código de Processo Penal: no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: (Redação dada pela Lei nº 11.719, 1 Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 14 de 2008). III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime.” (grifou-se) Assim, consignado pelo Juiz da esfera penal que a conduta do autor não constituiu crime, em especial, aquele tipificado pelo art. 306, do CTB, não há que se rediscutir a questão na esfera cível. Frise-se, ademais, que o próprio órgão administrativo solicitou a desconsideração da notificação de suspensão do direito de dirigir nº 4342348 dirigida ao autor, sob o argumento de que “houve mudança da situação dos autos de infração gerador da penalidade de suspensão, conforme determinação da autoridade de trânsito competente pelos autor de infração” (mov. 1.1 – fl.76). Além disso, mesmo que a embriaguez do condutor fosse fato comprovado, não há nos autos elementos capazes de comprovar que eventual ingestão de bebida alcoólica tenha contribuído para a ocorrência do acidente. Colhe-se da narrativa do BO o seguinte (mov. 1.1- fl. 63): “O V1 transitava pela al. Augusto Stelfeld sentido batel, quando no cruzamento com a a r. des. Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 15 Ermelino de leao envolveu-se em um abalroamento transversal com o V2 que transitava por essa via sentido São Francisco. Na sequência, o V3, que transitava pela mesma via e sentido do V1, envolveu-se em uma colisão traseira com o V3, conforme croqui e declarações. Do evento resultou danos materiais.” O autor, condutor do V2, estava subindo a rua Emelino de Leão e, ao cruzar a Alameda Augusto Stelfeld, envolveu-se em acidente com o V1, que transitava por esta. O acidente ocorreu durante a noite, às 2:55 da manhã. O condutor do V1 submeteu-se ao exame do etilômetro, tendo constado porcentagem de álcool em seu sangue (0,06 ml/L). Ademais, aduziu o autor que da rua onde se encontrava (Emelino de Leão), possuía visão prejudicada, pois a calçada é estreita e o prédio da esquina acabou por atrapalhar sua visão, além de ser uma subida íngreme. Destaca-se ainda a sentença judicial proferida nos autos de ação indenizatória nº 0002072-78.2011.8.16.0025, movida por Cleiton José Dos Santos e Dorivaldo Fernandes Junior (envolvidos no Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 16 acidente) em face do autor, na qual foi reconhecido o dever de indenizar da seguradora (ora ré), ante a ausência de demonstração de que o suposto estado de embriaguez do segurado (ora autor) teria sido a causa decisiva do acidente. Constou: “no que se refere à suposta embriaguez do primeiro requerido no momento do acidente, merecem relevo os seguintes fatos apurados nesses autos: a) foi o único condutor envolvido no acidente a se recusar a fazer o teste de alcoolemia no local do acidente; b) os policiais militares presentes no local entenderam que ele apresentava visíveis sinais de embriaguez, por isso foi detido e conduzido à delegacia de polícia para lavratura de auto de prisão em flagrante; e, c) posterior decisão do órgão estadual de trânsito revogou penalidade de suspensão de dirigir decorrente da suposta constatação de embriaguez. Merece especial ressalva o fato de todos os 3 (três) condutores envolvidos na colisão senão haviam ingerido senão quantidades detectáveis de álcool apresentavam, os assim chamados, sinais visíveis de estado de embriaguez, conforme demonstra o boletim de ocorrência anexado com a inicial. Não obstante, o depoimento prestado pelo policial nesses autos e a fé pública que gozam as informações que consignara no Boletim de Ocorrência, porque o estado de embriaguez é negado Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 17 peremptoriamente pelo primeiro requerido, resta concluir que nesses autos não há prova cabal e irrefutável de que esse condutor estivesse alcoolizado no momento do acidente, muito menos que essa sua condição alterada fora a causa concorrente mais relevante para obtenção do resultado final do evento. Assim sendo, se pretendia o segundo requerido ser excluído do pólo passivo da demanda, mediante deferimento da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, lastreada nas cláusulas da apólice de seguro que lhe autorizam deixar de pagar a indenização porque o contratante conduzia veículo alcoolizado, deveria ter demonstrado nos autos de modo eficaz e inconteste ser o estado de embriaguez do primeiro requerido a causa decisiva senão única da colisão dos veículos. Porém, finda a instrução do processo conclui-se que não conseguiu realizar satisfatoriamente essa demonstração e, portanto, desatendeu ao comando do artigo 333, II, do CPC. Assim sendo, propugno pela rejeição da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, argüida pela segunda requerida, posto não ter provado satisfatoriamente o fato extintivo alegado.” (mov. 107, autos 0002072- 78.2011.8.16.0025 – grifou-se) A seguradora não recorreu desta decisão, tendo firmado transação com os autores daquela demanda, homologada pelo magistrado (mov. 127.1), já estando tais autos arquivados. Diante disso, verifica-se que não há nexo de Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 18 causalidade entre a aventada embriaguez do segurado e o evento danoso, pelo que não há que se falar em exclusão da cobertura securitária. Sobre o tema, esta Corte já deliberou: “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - SEGURO DE CAMINHÃO - TOMBAMENTO DE CARGA - RECUSA ADMINISTRATIVA DA SEGURADORA EM EFETUAR O PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO, SOB A ALEGAÇÃO DE AGRAVAMENTO DO RISCO PELA EMBRIAGUEZ DO MOTORISTA - CLÁUSULA EXCLUDENTE DE COBERTURA CONTRATUAL - EBRIEDADE DO CONDUTOR ATESTADA POR TESTE BAFOMÉTRICO - AUSÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO DE FATORES EXTERNOS PARA A OCORRÊNCIA DO ACIDENTE - EXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE O ESTADO DE EMBRIAGUEZ E O SINISTRO - CONDUTA DO SEGURADO QUE IMPLICOU, TAMBÉM, NO AGRAVAMENTO DO RISCO - RESPONSABILIDADE PELA CONTRATAÇÃO E SUPERVISÃO DE SEUS PREPOSTOS - AGRAVAMENTO DE RISCO Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 19 CARACTERIZADO - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 768 DO CÓDIGO CIVIL COBERTURA SECURITÁRIA INDEVIDA NA HIPÓTESE - SENTENÇA MANTIDA.RECURSO DE APELAÇÃO NÃO PROVIDO.” (TJPR - 8ª C.Cível - AC - 1545892-1 - Região Metropolitana de Maringá - Foro Regional de Sarandi - Rel.: Gilberto Ferreira - Unânime - - J. 04.08.2016) “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR/CARGA - RCTR-C - NEGATIVA DE COBERTURA BASEADA EM DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL - SENTENÇA FUNDAMENTADA EM AGRAVAMENTO DO RISCO - ALEGADO EXCESSO DE VELOCIDADE NO MOMENTO DO SINISTRO - AUSÊNCIA DE AGRAVAMENTO DO RISCO - DOLO NÃO DEMONSTRADO - CULPA QUE INTEGRA O CONTRATO DE SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL - DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL NÃO COMPROVADO - RECURSO DE APELAÇÃO Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 20 CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJPR - 9ª C.Cível - AC - 1465096-3 - Curitiba - Rel.: José Augusto Gomes Aniceto - Rel.Desig. p/ o Acórdão: Francisco Luiz Macedo Junior - Por maioria - - J. 31.03.2016) “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - SEGURO DE VIDA - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO - TRANSPORTE DE CARGA INFERIOR AO LIMITE MÁXIMO ESTIPULADO PELA LEGISLAÇÃO PARA VEÍCULOS DA MESMA ESPÉCIE - CUMPRIMENTO AO DISPOSTO NA RESOLUÇÃO Nº 12/1998 DO CONTRAN - ALEGADO AGRAVAMENTO INTENCIONAL DO RISCO NÃO COMPROVADO - ÔNUS DA SEGURADORA - INAPLICABILIDADE DO ART. 768 DO CÓDIGO CIVIL - CONTRATO DE SEGURO - CORREÇÃO MONETÁRIA - INCIDÊNCIA A CONTAR DA DATA DA APÓLICE - JURISPRUDÊNCIA DO STJ - JUROS MORATÓRIOS A FLUIR DA CITAÇÃO - ART.405 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO NÃO PROVIDO E SENTENÇA REFORMADA DE OFÍCIO, APENAS PARA Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 21 ALTERAR O TERMO INICIAL DE FLUÊNCIA DA ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA PARA A DATA DA CONTRATAÇÃO DA COBERTURA SECURITÁRIA.” (TJPR - 8ª C.Cível - AC - 1361176-8 - União da Vitória - Rel.: Gilberto Ferreira - Unânime - - J. 01.10.2015) Dessa forma, necessária a manutenção da condenação da ré ao pagamento da indenização securitária ao autor. A seguradora ainda pugnou pela redução da indenização arbitrada a título de danos materiais, aduzindo que os danos no veículo não determinaram sua perda total. Subsidiariamente, pleiteou a dedução do valor dos salvados, de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Aduziu que os reparos no veículo perfaziam o montante de R$ 28.572,08, não podendo ser reconhecida a perda total do veículo. Em que pese a argumentação da apelante, o valor apresentado, de R$ 28.572,08 (vinte e oito mil quinhentos e setenta e dois reais e dois centavos) só seria acessível caso a seguradora houvesse aceitado cobrir os danos decorrentes do acidente, pois do orçamento apresentado por ela (mov. 1.4-fl. 72) denota-se que foi deduzido o valor da franquia que seria paga pelo segurado, de R$ 1.926,90 (mil novecentos e vinte seis reais e Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 22 noventa centavos), bem como do desconto de R$ 9.551,27 (nove mil quinhentos e cinquenta e um reais e vinte e sete centavos), fornecido exclusivamente pela oficina credenciada à seguradora. Como a ré não autorizou o conserto, o valor que seria despendido pelo segurado, caso optasse pelo conserto do veículo na oficina credenciada, seria de R$ 40.050,25 (quarenta mil cinquenta reais e vinte e cinco centavos) (soma do valor apresentado com as deduções feitas). Tal montante aproxima-se muito do valor previsto na tabela FIPE, de R$ 41.280,00 (quarenta e um mil duzentos e oitenta e reais), devendo, portanto, ser reconhecida a perda total do veículo, confirmando-se a sentença vergastada. Indenizado pela perda total do veículo, imperiosa seria a transferência da propriedade e entrega do respectivo salvado à seguradora requerida. No entanto, comprovada a venda do salvado (mov. 29), deve o valor obtido (R$ 10.000,00) ser revertido à seguradora. Tal quantia deverá ser acrescida de correção monetária desde a venda do salvado (31/07/2014, mov. 29.3), e esse total deverá ser descontado daquilo devido pela ré ao autor. Por todo o exposto, dá-se parcial provimento ao recurso interposto, tão somente para determinar-se que seja descontado o Apelação Cível n. 0066376-61.2011.8.16.0001 23 valor obtido com a venda do salvado do valor devido pela seguradora ao autor, pela perda total de seu veículo. ACORDAM os Desembargadores que integram a Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador Domingos José Perfetto e dele participaram o Senhor Desembargador Coimbra de Moura e o Senhor Juiz Convocado em Segundo Grau Rafael Vieira de Vasconcellos Pedroso. Curitiba, 19 de julho de 2018. ASSINADO DIGITALMENTE Desembargador Domingos José Perfetto Relator
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