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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ 4ª CÂMARA CÍVEL - PROJUDI RUA MAUÁ, 920 - ALTO DA GLORIA - Curitiba/PR - CEP: 80.030-901 Autos nº. 0006105-70.2015.8.16.0058 Apelação Cível n° 0006105-70.2015.8.16.0058 2ª Vara Cível de Campo Mourão Apelante(s): Ministério Público da Comarca de Campo Mourão e LUZIA CORREA – ME Apelado(s): SONIA MARIA DE CASTRO SINGER e Ministério Público da Comarca de Campo Mourão/PR Relator: Desembargadora Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE PELA PRÁTICA DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROCESSO LICITATÓRIO PARA A CONTRATAÇÃO DE EMPRESA PERTINENTE AO RAMO PARA EXECUÇÃO DE SERVIÇOS DE ENFEITES, DECORAÇÃO E ORNAMENTAÇÃO NATALINA, COM FORNECIMENTO DE MATERIAIS E MÃO DE OBRA NO MUNICÍPIO DE CAMPO MOURÃO/PR. TENTATIVA DE FRAUDE. PRÉVIO AJUSTE. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. IMPROCEDENTE. MESMO PADRÃO DE FORMATAÇÃO DE DOCUMENTOS NÃO SÃO PROVAS SUFICIENTES PARA COMPROVAR O CONLUIO ENTRE OS RÉUS EM FRAUDAR O PROCEDIMENTO E OBTER VANTAGEM DECORRENTE DA ADJUDICAÇÃO DO OBJETO DA LICITAÇÃO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. AUSÊNCIA DE DOLO. ALTERAÇÃO RECENTE DO ARTIGO 10 DA LEI Nº 8429/92 POR MEIO DA LEI Nº 13.655/2018 (LINBD) QUE NÃO MAIS ADMITE A CARACTERIZAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE CAUSE LESÃO AO ERÁRIO NA MODALIDADE CULPOSA. ENUNCIADO Nº 10 DAS 4ª E 5ª CÂMARAS CÍVEIS DO TJ/PR ALTERADO DE ACORDO COM A NOVA LEGISLAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE SUPOSTO CONLUIO ENTRE AS PARTES (EMPRESA APELANTE E FUNDACAM). NÃO CONFIGURAÇÃO DA PRÁTICA DE ATOS ÍMPROBOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DE APELAÇÃO 1 CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO 2 CONHECIDO E JULGADO PREJUDICADO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível e Remessa Necessária nº 0006105-70.2015.8.16.0058, da Comarca de Campo Mourão – 1ª Vara Cível, em que é Apelante 1 – LUZIA CORREA - ME., MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e Apelante 2 – SÔNIA MARIA DE CASTRO SINGER, LUZIA CORREA – ME E MINISTÉRIOApelados – PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. I – RELATÓRIO Tratam-se de recursos de Apelação Cível e Remessa Necessária interpostos em face da sentença (mov. 103.1 – 1º Grau), por Luzia Correa – Me (apelante 1) e Ministério Público do Estado do Paraná (apelante 2), nos autos de Ação Civil Pública de Responsabilidade pela Prática de Atos de Improbidade Administrativa nº 0006105-70.2015.8.16.0058, proferida pelo Juízo singular da Vara Cível da Comarca de Andirá, que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, para proibir a empresa ré Luzia Correa – ME de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos, considerando ter praticado atos que atentaram contra os princípios da Administração Pública, com fulcro no artigo 11, cumulado com o artigo 12, inciso III, todos da Lei 8429/92.caput Julgou improcedente o pedido de condenação por ato de improbidade administrativa que atentou contra os Princípios da Administração Pública em face da ré Sônia Maria de Castro Singer, extinguindo o feito nos termos do artigo 487, inciso I do CPC/2015. Condenou a empresa ré Luzia Correa – ME ao pagamento das custas e despesas processuais. Dispensado o pagamento de verba honorária advocatícia por ser Ministério Público o autor da presente ação. Resumo do andamento processual, no 1º grau: “O Ministério Público do Estado do Paraná ingressou com Ação Civil Pública de Responsabilidade pela Prática de Atos de Improbidade Administrativa, em face de Sônia Maria de Castro Singer e Luzia Correa – ME (mov. 1.1 - 1º Grau), sustentando em síntese: A) relata que na data de 08/11/2013, a Fundação Cultural de Campo Mourão – FUNDACAM, pessoa jurídica de direito público, com personalidade jurídica própria e autonomia financeira e administrativa, publicou o edital de licitação 039/2013, com o objetivo de contratar “empresa pertinente ao ramo para execução de serviços de enfeites, decoração e ornamentação natalina, com fornecimento de materiais e mão de obra nas praças São José e Getúlio Vargas e nas fachadas da Estação da Luz e Paço Municipal 10 de Outubro em Campo Mourão/PR” (fls. 22/34 do mov. 1.13 – 1º Grau); B) que a FUNDACAM era presidida e dirigida pela requerida Sônia Maria de Castro Singer, a qual, após a publicação do edital, o Observatório Social de Campo Mourão esteve reunida, na data de 19/11/2013, com a FUNDACAM, sugerindo algumas alterações nos itens constantes na planilha de produtos e serviços (declarações da Coordenadora do Observatório Social, Cassia Daniela Gonçalves - fls. 09/11 do mov. 1.4 – 1º Grau); C) a ré Sônia Singer informou ao Observatório Social que não poderia mais efetuar alterações no edital, para não comprometer o Natal de Campo Mourão, com o objetivo de informar melhor a respeito das descrições dos itens, ainda no mesmo dia 19 de novembro, os membros do observatório social dirigiram-se até a empresa ora requerida Estação da Luz (LUZIA CORREA – ME), onde, em conversa com a Sra. Edina Susana Smak de Melo, representante legal da empresa, foram informados que a Estação da Luz já estaria com parte do material pronto para instalação, e que inclusive a empresária teria “corrigido” o edital que fora publicado (declarações da Coordenadora do Observatório Social, Cassia Daniela Gonçalves - fls. 09/11 do mov. 1.4 – 1º Grau); D) a equipe do Observatório Social procurou a Promotoria de Proteção ao Patrimônio Público e, em diligência conjunta, retornaram a empresa, desta vez com o aparelho celular gravando a conversa (degravação às fls. 73/76 do mov. 1.5 – 1º Grau); E) após novas conversas, em que foi possível perceber a existência de prévio ajuste entre a empresa requerida, LUZIA CORREA – ME, e a direção da FUNDACAM, na pessoa da requerida Sônia Singer, vislumbrando-se o flagrante do crime de fraude contra o procedimento licitatório, foi efetuada a prisão em flagrante da representante da empresa, Edina Susana Smak de Melo, pela prática do delito previsto no art. 90 da lei 8.666/93; F) que foram procedidas duas visitas do Observatório à empresa, em que apenas a segunda foi registrada, onde de acordo com um dos trechos degravados (fls. 73/76 do mov. 1.5 – 1º Grau) expõe expressamente, que há a procura prévia da empresa pelas prefeituras, antes de qualquer procedimento licitatório; G) apenas 2 (dois) dias após o encaminhamento do “orçamento”, o edital de licitação foi publicado onde estão previstos os serviços e produtos a serem prestados pela empresa vencedora, existindo uma repetição de todos os produtos e serviços, restando claro que foi utilizado o planejamento da empresa participante, em toda a sua integralidade, corroborando a tese de que havia prévio ajuste entre as partes; H) que a disposição de pedidos de orçamentos corroboram o direcionamento à empresa requerida, que é de Campo Mourão, como afasta a ampla concorrência, pois não há previsão legal que limite a participação de empresas de outras cidades e estados; I) afirma restar claro, tanto pelas provas testemunhais colhidas no inquérito policial, quanto nas provas documentais que instruem a inicial, que existiu prévio acordo entre a empresa requerida LUZIA CORREA – ME e a requerida e Diretora-Presidente da FUNDACAM, Sônia Maria de Castro Singer; J) que o nível de participação e intimidade entre as requeridas frustram, por completo, o procedimento licitatório, tornando-o mero trâmite formal e burocrático de um acordo preestabelecido, longe dos holofotes e das luzes de Natal; K) relata que diante da prisão em flagrante da empresária, e da repercussão imediata da mídia mourãoense, o Procurador Jurídico da Fundacam, em manifestação orientou a revogação do ato administrativo, em 20/11/2013 e na mesma data, a requerida Sônia Singer revogou a licitação em questão; L) O desrespeito e a infringência dos princípios que norteiam a Administração, bem como das regras estabelecidas pela lei brasileira constitui em grave violação ao equilíbrio legal que separa a finalidade pública da finalidade particular, onde com base nas circunstâncias apresentadas, é clara a violação aos princípios elementares da Administração Pública, nos termos do caput do artigo 11 da Lei nº 8.429/1992; M) requereu a procedência do pedido para o fim de condenar as requeridas nas penas estipuladas no artigo 12, III, da Lei n º 8.429/92, em razão da prática de atos de improbidade que violaram os princípios da administração pública, nos termos do artigo 11 caput do mesmo diploma legal. Devidamente notificados, as rés apresentaram manifestação (mov. 17 e 18 – 1º Grau) por escrito nos moldes do artigo 17, § 3º, da Lei de Improbidade Administrativa. A inicial foi recebida nos termos do §8º, do artigo 17 da Lei nº 8.429/1992 (mov. 24.1 – 1º Grau). Devidamente citadas, as rés contestaram a ação (mov. 31.1 e 32.1 – 1º Grau), refutando as teses elencadas na petição inicial, requerendo o julgamento improcedente. O Ministério Público impugnou as contestações apresentadas (mov. 43.1 – 1º Grau). As partes foram devidamente intimadas para que especificassem as provas que pretendessem produzir (mov. 50.1 e 54.1 – 1º Grau). O processo foi saneado (mov. 57.1 – 1º Grau). Realizada audiência de instrução e julgamento (mov. 88.1 – 1º Grau), tomou-se o depoimento pessoal das rés, e inquiriu-se seis testemunhas e três informantes, encerrando-se a instrução, e abrindo-se prazo para alegações finais. As partes apresentaram alegações finais (mov. 93.1, 99.1 e 101.1). Adveio a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, para proibir a empresa ré Luzia Correa – ME de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos, considerando ter praticado atos que atentaram contra os princípios da Administração Pública, com fulcro no artigo 11, caput cumulado com o artigo 12, inciso III, todos da Lei 8429/92. Julgou improcedente o pedido de condenação por ato de improbidade administrativa que atentou contra os Princípios da Administração Pública em face da ré Sônia Maria de Castro Singer, extinguindo o feito nos termos do artigo 487, inciso I do CPC/2015. Condenou a empresa ré Luzia Correa – ME ao pagamento das custas e despesas processuais. Dispensado o pagamento de verba honorária advocatícia por ser Ministério Público o autor da presente ação (mov. 103.1 – 1º Grau).” Descontente, LUZIA CORREA – ME, interpôs recurso de apelação 1 (mov. 110.1 – 1º Grau), em síntese: sustenta que a apelante explora o comércio varejista de artigos de iluminação, instalação e manutençãoA) elétrica, bem como desenvolveria projetos elétricos, decorações de interiores e exteriores, montagem e execução de serviços em residências, condomínios, prédios, praças, áreas de lazer em especial decoração natalina, junto a determinados Municípios da Região da COMCAM – Comunidade dos Municípios da Região de Campo Mourão, entre elas: Campo Mourão, Campina da Lagoa, Juranda, Godoy Moreira, Luiziana, Manoel Ribas, Quarto Centenário, Rancho Alegre Do Oeste e Roncador; relata que aB) apelante, por seus prepostos, visita todos os clientes e interessados a fim de apresentar novos projetos, os quais utilizam produtos e tecnologias mais recentes, e em grande parte mais econômicas, uma vez que a mesma desenvolve projetos e promove a execução de decorações natalinas, a apelante se prepara, todos os anos, para participar dos Certames em todos os Municípios já referidos; afirma que Situação análogaC) ocorreu no Pregão Presencial nº 039/2013, tipo menor preço global, o qual que seria realizado pela FUNDACAM – Fundação Cultural de Campo Mourão, tendo como objeto a contratação de empresa pertinente ao ramo de execução de serviços de enfeites, decoração e ornamentação natalina, com fornecimento de materiais e mão de obra nas praças São José e Getúlio Vargas e nas fachadas da estação da Luz e Paço Municipal 10 de outubro em Campo Mourão, com sessão designada para a data de 22/11/2013; que antes da realização do Certame Licitatório (19/11/2013), a representante legal daD) apelante Sra. Edina Susana Smak de Melo, foi presa, sob o fundamento de “tentar frustrar ou fraudar processo licitatório (artigo 90, da Lei 8.666/93), acarretando na anulação do certame pela Administração Pública local; na sequência foi publicado o Edital Nº 036/2014, onde o preço estimado pelo itemE) arvore natalina estrelar 8 pontos era de R$ 19.800,00 (dezenove mil e oitocentos reais), quantia esta muito superior ao operado pela apelante; alega que o fundamento fático para a condenação da apelante,F) baseou-se em conversas informais sobre procedimentos natalinos, ressaltando que a expressão “vender ideias”, não significaria conluio, mas tão somente a apresentação de novos projetos e produtos que surgem no mercado afim; assevera que durante a audiência de instrução e julgamento, em conjuntoG) com as demais provas produzidas nos autos, não foi possível demonstrar o efetivo prejuízo ao caráter competitivo, ou, a mera tentativa da apelante em frustrar ou fraudar processo licitatório, considerando que após a oitiva das testemunhas apenas ratificou-se que as características das arvores de natal aprendidas por ordem judicial não eram condizentes com as especificações contidas no certame licitatório, ou seja, as árvores apreendidas eram objeto de outros contratos celebrados anteriormente entre a apelante e os Municípios da Região; frisa que a apelante seria a única empresa a montar e executar projetosH) natalinos, inexistindo surpresa que a mesma consagrasse vencedora no certame em sua cidade sede; I) ausência de efetiva comprovação de dolo especifico, uma vez que, o artigo 902, da Lei nº 8.666/93, traz como requisito indispensável à sua tipificação; carência de elemento subjetivo que acarretasse aJ) condenação da apelante; postula a reforma da sentença para afastar a condenação da apelante diante daK) inexistência da prática de atos ímprobos. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, devidamente intimada, apresentou contrarrazões, no sentido de que fosse negado provimento ao recurso de apelação, mantendo-se a sentença irretocável (mov. 14.1 – 2º Grau). Inconformado, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, interpôs recurso de apelação 2 (mov. 112.1 – 1º Grau), em síntese: alega que restou claro e demonstrado pelas provas testemunhaisA) colhidas no inquérito policial, em juízo e provas documentais que instruem a ação que as apeladas cometeram atos de improbidade administrativa, onde o principal elemento que demonstra isso encontrar-se-ia desnudado nas tabelas de produtos e serviços que foram produzidos por uma única fonte, no caso a empresa apelada e posteriormente reaproveitados pela Fundacam em sua integralidade; B) afirma que que houve condenação em primeiro grau apenas da empresa apelada, porém, a agente pública (Sonia Maria de Castro Singer) foi absolvido. Todavia, seria sabido que para que terceiro fosse responsabilizado pelas sanções da Lei nº 8.429/92, seria indispensável que fosse identificado algum agente público como autor da prática do ato de improbidade; sustenta que careceria de razoabilidadeC) afirmar que a própria Diretora Presidente e Secretária Especial da Cultura (apelada), do alto patamar da Fundação Cultural de Campo Mourão, notadamente com atribuições mais relevantes, desconhecia os fatos ou não colaborou com a ilegalidade; que a própria representante da empresa condenada afirmou emD) primeira instância que entregava os orçamentos diretamente à apelada Sonia Singer, não há que se falar em desconhecimento; alega que se a apelada Sonia Maria de Castro Singer fosse apenas a encarregadaE) para homologar os certames, questiona-se por qual razão a representante da Luzia Correa - ME afirmou ter entregado orçamentos da empresa em mãos de Sonia Maria de Castro Singer em outras ocasiões; F) face à importância e relevância das atribuições da apelada e, especialmente, da experiência que a mesma exaltava na época, ela deveria ter conhecimento do funcionamento de um processo licitatório, considerando que no seu depoimento prestado em 2014 a apelada afirmou que respondia pela Secretaria da Fundacam há 7 (sete) anos e a representante da empresa afirmou que há 8 (oito) anos fazia o trabalho de enfeites natalinos em Campo Mourão, com base nas declarações da representante da empresa na gravação juntada pelo Observatório Social; destaca que se era de praxe que a pessoa jurídica LuizaG) Correa – ME vencesse as licitações nas mesmas épocas em que a apelada Sônia Maria de Castro Singer era a Secretária que as homologava, existira grande probabilidade de que a mesma tinha consciência das ilegalidades; que o Superior Tribunal de Justiça adota o mesmo entendimento, asseverando que aH) configuração da improbidade administrativa possui como elemento o dolo subjetivo, sem existência de má-fé, conforme verifica-se no julgamento dos Recursos Especiais n° 765.212/AC e 951.389/SC, ambos de relatoria do Min. Herman Benjamin; alega que deveria prevalecer o entendimento que a apeladaI) Sonia Singer, no mínimo, violou os princípios da administração pública, inobstante a demonstração de má-fé; postula a reforma da sentença a fim condenar a apelada na forma disposta na inicial.J) SONIA MARIA DE CASTRO SINGER, devidamente intimada, apresentou contrarrazões, no sentido de que fosse negado provimento ao recurso de apelação, mantendo-se a sentença irretocável (mov. 119.1). LUZIA CORREA – ME, devidamente intimada, manteve-se inerte (mov. 120.1). A Procuradoria Geral de Justiça, manifestou-se no sentido de que fosse negado provimento ao recurso de apelação 1 (Luzia Correa ME) e provido o recurso de apelação 2 (Ministério Público do Estado do Paraná), para condenar a apelada SONIA MARIA DE CASTRO SINGER com alguma das sanções descritas no artigo 12, inciso III da Lei n° 8.429/1992, considerando que restou comprovado nos autos o fracionamento indevido do objeto, causando dano ao erário, bem como afronta aos Princípios da Administração Pública (mov. 8.1 – 2º Grau). É a breve exposição. II – VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO O artigo 10 do Código de Processo Civil de 2015 dispõe que o magistrado somente decidirá questão sobre a qual as partes tiveram oportunidade de manifestar. Assim, quanto à admissibilidade recursal, o apelante pode expressar-se no momento da interposição do recurso e o apelado, quando apresentada suas contrarrazões. Desta forma, passo à análise do recurso. Encontra-se presentes os pressupostos de admissibilidade (tempestividade; preparo;extrínsecos regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo ao direito de recorrer) e intrínsecos (legitimidade para recorrer; interesse de recorrer; cabimento), merecendo o recurso de apelação 1 e 2 serem conhecidos. Cinge a controvérsia, acerca de ação civil pública proposta em face de Sônia Maria de Castro Singer e Luzia Correa – ME, em decorrência de suposta fraude ao procedimento licitatório n° 39/2013 do Município de Campo Mourão. Considerando que o recurso de apelação 1 visa a absolvição da apelante Luzia Correa – ME e o recurso de apelação 2 a condenação da apelada Sônia Maria de Castro Singer, possível a análise em conjunto. A licitação é procedimento administrativo por meio do qual a Administração Pública seleciona proposta que lhe seja mais vantajosa na celebração de determinados contratos, visando a melhor consecução dos interesses de toda a coletividade. O objetivo principal da licitação é garantir a observância do Princípio da Isonomia, considerando que o mesmo garante a participação de todos os interessados em contratar com a Administração Pública, selecionando as melhores propostas que lhe são apresentadas. Além disso, por tender a garantir não apenas a igualdade entre os interessados, mas também possibilitar que a Administração selecione a proposta que lhe seja mais vantajosa para satisfação de suas necessidades, a violação da regra de licitação ofende, dentre outros, os Princípios da Impessoalidade e da Eficiência administrativa. Quanto ao Princípio da Impessoalidade Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves lecionam: “(...) estatui que o autor dos atos estatais é o órgão ou a entidade, e não a pessoa do agente público (acepção ativa). Tanto as realizações propriamente ditas como a publicidade dos respectivos atos devem ser atribuídos ao ente legitimado à sua prática, não aos recursos humanos que viabilizam a sua concretização. (...) o princípio torna cogente que a Administração dispense igualdade de tratamento a todos aqueles que se encontrem em posição similar, exigindo que os atos praticados produzam os mesmos efeitos e atinjam a todos os administrados que se encontrem em idêntica situação fática ou jurídica. Esse modus operandi caracteriza a imparcialidade do agente público (acepção passiva). Presente a concorrência ou o conflito de interesses entre particulares, as especificidades e qualidade pessoais de cada um dos envolvidos somente devem influir no correto delineamento dos aspectos objetivos subjacentes ao caso, não na formação de pré-conceitos que culminem na desconsideração da ordem jurídica e do bem comum. Para que a impessoalidade seja assegurada, de modo que tanto a deontologia administrativa como as garantias individuais sejam asseguradas, deve o agente público deixar de atuar sempre que configurada uma hipótese de impedimento ou suspeição. As relações pessoais, na medida em que possam afetar a objetividade da atuação do agente, exigem a sua abstenção, assegurando a imparcialidade da Administração. (...) Com isto, preserva-se o princípio da isonomia entre os administradores e a própria teologia da atividade administrativa, que aponta par a necessidade de a atividade estatal ter sempre por objetivo a satisfação do interesse público, sendo vedada a prática de atos discriminatórios que busquem unicamente a implementação de um interesse particular.” (GARCIA, Emerson. ALVES, Rogerio Pacheco. Improbidade Administrativa. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. pág. 110/111). Corroborando, segue a lição de Matheus Carvalho: “Este princípio se traduz na ideia de que a atuação do agente público deve-se pautar pela busca dos interesses da coletividade, não visando a beneficiar ou prejudicar ninguém em especial – ou seja, a norma prega a não discriminação das condutas administrativas que não devem ter como mote a pessoa que será atingida pelo seu ato. Com efeito, o princípio da impessoalidade reflete a necessidade de uma atuação que não discrimina as pessoas, seja para benefício ou para prejuízo.” (CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017. pág. 70). No que tange o Princípio da Eficiência, Maria Sylvia Zanella Di Pietro leciona: “O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerando em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público. (...) Vale dizer que a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. pág. 84/85). No mesmo sentido Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves lecionam: “O princípio da eficiência consagra a tese de que a atividade estatal será norteada por parâmetros de economia e de celeridade na gestão dos recursos públicos, utilizará adequadamente, os meios materiais ao seu dispor e que não será direcionada unicamente à busca de um bom resultado, mas sim, que deve visar, de forma incessante, ao melhor resultado para os administrados. Com isto, o próprio vetor da legalidade passará a ser valorado, sob uma ótica material, deixando de ser analisado sob um prisma meramente formal. O princípio da eficiência garante aos usuários dos serviços públicos um mecanismo para a busca de seu constante aperfeiçoamento, permitindo sua adequação aos valores e às necessidades do grupamento no momento de sua prestação. (...) A inobservância do princípio da eficiência, além de comprometer a prestação dos serviços públicos ou a viabilidade do próprio Erário, ainda produz efeitos extremamente deletérios ao organismo social (...). Tomando-se como referencial um dado objetivo, o administrador incompetente necessitará de recursos consideravelmente superiores que o competente para alcançar objetivos idênticos, o que exige o aumento de receita, regra geral com o correlato empobrecimento da população. A ineficiência ainda traz consigo a triste consequência de comprometer o crescimento socioeconômico de qualquer país, que se vê atravancado pela mediocridade dos recursos humanos disponíveis e pelo acesso de burocracia do aparato estatal, passando ao largo de qualquer referencial de boa gestão administrativa. Trata-se de campo fértil à proliferação da corrupção: em meio a tantas dificuldades, há de ter o seu valor aquele que vende alguma facilidade.”(GARCIA, Emerson. ALVES, Rogerio Pacheco. Improbidade Administrativa. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. pág. 114/115). Com relação ao Princípio da Moralidade leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “(...) exige da administração comportamento não apenas lícito, mas também consoante com a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de Justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade. (...).” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. pág. 382). Nesta esteira, de acordo com a Constituição Federal nota-se estar previsto no artigo 37, inciso XXI, que a licitação é a regra para os contratos celebrados com a Administração Pública, regra esta somente é excepcionada nos casos previstos em lei. Analisando os autos, entendo que o caso descrito na petição inicial não demonstra a fraude aventada, pois impossível afirmar que o fato do Edital do certame ser redigido de forma semelhante ao orçamento enviado pela empresa Luzia Correa – ME (apelante 1) frustra e/ou frauda o caráter competitivo da licitação a fim de obter vantagem, principalmente considerando a revogação do mesmo antes da sua realização. Com base na extensa prova oral (mov. 88 – 1º Grau) produzida nos autos, é possível constatar que o Município de Campo Mourão solicitou outros orçamentos juntamente com o da empresa Luzia Correa – ME (apelante 1), antes da elaboração e publicação do edital do certame e ainda, de acordo com alguns depoimentos, possivelmente a empresa Luzia Correa – ME (apelante 1) poderia consagrar como vencedora, devido à variedade de itens, mas isso caso o certame tivesse prosseguido. Neste sentido, necessário transcrever parte da sentença que sintetizou os depoimentos prestados em audiência (mov. 103.10: “(...) Sônia Maria de Castro Singer, contou em seu depoimento pessoal, que como Secretária sua função na licitação limitava-se a executar meros despachos. Que foi elaborado o edital para a decoração natalina, o qual foi publicado na sexta-feira, tendo sido encaminhado e distribuído cópias as empresas. Que foi procurado no dia 11 de novembro pelo Presidente do Observatório Social que a indagou sobre o edital da decoração de natal, tendo dito que ainda não havia o recebido. Que o referido Presidente telefonou para Rodrigo (Fundacam) informando que o edital não estava correto e solicitou uma reunião, a qual foi realizada no dia 19 de novembro. Que a licitação estava designada para o dia 22 de novembro e por isso informaram ao Observatório Social que não seria possível “desmembrar o processo”. Que nunca teve intenção de lesar o Município. Que nunca procedeu a leitura de um edital licitatório de “cabo a rabo”, por entender que este já havia passado por análise do procurador e pregoeiro. Edina Susana Smak de Melo, sócia propriedade da empresa Ré Luzia Correa – ME, disse em seu depoimento pessoal que costuma visitar os Municípios e oferece os serviços da empresa. Que há oito anos realizam o trabalho. Que montam o orçamento e encaminham a Prefeitura, ficando a critério do Município aceitar ou não os serviços. Que deixavam o orçamento (na FUNDACAM) e eram recebidos pela Sra. Sônia. Que Cassia do Observatório Social lhe apresentou o edital, apontando erros em função de não constar voltagem, como que eram as lâmpadas, etc. Edson Batista de Paula, policial militar, apenas contou em audiência que estava de serviço na área central da cidade e relatou que foram convocados para dar apoio ao Observatório Social e houve a orientação de que encaminhassem a representante legal da empresa Ré a Delegacia. Cássia Daniela Gonçalves, contou em Juízo que constataram algumas inconsistências no edital e realizaram uma reunião com o pessoal da FUNDACAM, onde estavam presentes seu estagiário, a Ré Sônia, o pregoeiro e mais duas pessoas da referida fundação. Que o pessoal da FUNDACAM alegou na reunião que não era possível realizar alterações no edital, pois a data de celebração do natal do Município estava muito próxima. Que concordaram de realizar as correções no edital e mostrar as empresas, pois havia itens que estavam descritos de forma “muito simples”. Que procuraram empresas no intento de que auxiliassem na correção do edital, pois ficaram preocupados com relação a qualidade dos itens decorativos, vez que a descrição era simplória. Que se deslocaram a empresa Campo Lustre, a qual se negou a auxiliá-los, uma vez que informaram que era “de praxe” a empresa Estação da Luz vencer a licitação. Que se deslocaram para o estabelecimento comercial da empresa Ré e conversaram com a Ré Susana, que informou que não era para se preocuparem, pois o “local iria ficar bonito”. Que Susana contou que o projeto da Estação da Luz havia sido aprovado tanto por Sônia quanto pela Prefeita. Já Bianca dos Santos Zamora, informou em audiência que era estagiária do Observatório Social na época dos fatos, e declarou que foi informado por Cássia que havia uma denúncia a respeito da licitação citada na inicial. Que gravaram a conversa com a representante legal da empresa Ré. Que a representante legal da Ré contou que a Prefeita já havia aprovado o projeto de decoração e que estava deixando tudo pronto porque não havia tempo hábil entre a licitação e a execução da decoração. Rodrigo dos Santos Ferreira, declarou em audiência que, como Presidente da Comissão e Pregoeiro, elaborava os editais da FUNDACAM junto com Jair (funcionário falecido). Que elaboraram o edital citado na inicial e se embasaram no orçamento da empresa Ré (Estação da Luz – Luzia Correa - ME). Que realizaram o edital “em cima” do orçamento da empresa Ré. Que geralmente a planilha é elaborada com relação ao mesmo conteúdo do orçamento de uma empresa. Que a Ré Sônia possuía conhecimento deste trâmite. David Alexandre dos Santos, disse em Juízo que era estagiário do Observatório Social à época dos fatos e que existiam denúncias de que o edital já se encontraria vinculado a empresa Estação da Luz. Que ao conversar com Susana para esclarecer os itens equivocados no edital, esta deu detalhes precisos sobre a decoração natalina, o que chamou a atenção. Que a Susana não chegou a confessar, mas disse que “estaria meio que combinado já (a licitação) com a Prefeita e a Diretora da FUNDACAM”. Ciro Eduardo Gomes Broza, procurador da FUNDACAM, foi ouvido como informante e contou em audiência que o edital é elaborado pelos técnicos e funcionários. Que não houve participação da empresa Ré na elaboração do certame público mencionado na inicial. A testemunha Rodrigo Soares Lopes, apenas contou em audiência que presta serviços a empresa Estação da Luz e que soube que uma árvore de natal foi apreendida na época dos fatos. Patrícia Afonso, inquirida em Juízo, declarou que na época em que trabalhava na Estação da Luz se recorda apenas de ter realizado um orçamento. Que apenas foi realizado orçamento (na decoração natalina da cidade). Por fim, Francisco Pinheiro da Silva, disse em audiência que no ano de 2013 (época dos fatos) não teve maior envolvimento na decoração de natal da cidade. (...).” Entretanto, diante da prisão em flagrante representante legal da empresa Luzia Correa – ME (apelante 1), por tentativa de fraudar processo licitatório, por suposto ajuste prévio da licitação, e da repercussão imediata da mídia do Município de Campo Mourão, o Procurador Jurídico da Fundacam, orientou a revogação do ato administrativo, conforme relata em seu depoimento (mov. 88.6 – 1º Grau), sugestão esta acolhida pela então Presidente da FUNDACAM e apelada Sônia Singer, na data de 20/11/2013 (fls. 194 – mov. 1.4 – 1º Grau). Nesta esteira, a suposta tentativa de fraudar o processo licitatório não resta consumado, e mais, conforme anteriormente citado, o fato do edital do certame ser redigido de forma semelhante, por si só não comprova qualquer prévio ajuste do mesmo. O fato do Município buscar orçamentos antes da realização do edital não é ilegal, considerando a necessidade de obter conhecimento a respeito dos valores de mercado correspondentes ao objeto da licitação e assim estabelecer os parâmetros a serem seguidos no certame. A elaboração do edital com base em dados descritos nos aludidos orçamentos não configura fraude ou prévio ajuste para que determinada empresa vencesse o processo licitatório, até porque, poderia acontecer da empresa apelante Luzia Correa – ME não participar. E, mais, verifica-se que o edital do certame, objeto dos autos, foi revogado, ou seja, inexistente a concretização de ato ilegal e consequentemente, afronta aos princípios da Administração Pública e dano ao erário, requisitos estes essenciais para configurar improbidade administrativa. A administração pública é regida por um sistema jurídico diferenciado, o qual se encontra fundado e estruturado por princípios constitucionais e infraconstitucionais que lhe inferem um caráter peculiar. Cabe ao Administrador público o dever de promover o bem comum, pautando-se dentro das normas legais, morais e éticas, tanto na forma procedimental, quanto no resultado buscado com seus atos. O acatamento do Princípio da Moralidade Pública ocorre por meio da qualidade ética do comportamento virtuoso do agente que encarna, em determinada situação, o Administrador, como a conduta conforme à natureza do cargo por ele desenvolvida, dos fins buscados e consentâneos com o Direito, e dos meios utilizados para o atingimento destes fins. A moralidade administrativa não restringe à verificação da obtenção de utilidade para a garantia de um determinado interesse público, tido como meta da ação do agente. Mais que isto, a moralidade administrativa que pretende acatada, adentra o reino da finalidade de garantia da realização dos valores expressos na ideia do bem e da honestidade, que pretendem ver realizados segundo o Direito legítimo. Não se enquadra na ideia de bem e de honestidade um acordo precedido às escondidas e procedido de um procedimento licitatório de fachada, com o simples objetivo de dar a um ato ilícito a posterior aparência de legalidade. Não é esta a conduta esperada de um agente público, na condução do bem comum. Consequentemente, os argumentos trazidos revelam insuficientes, para comprovar a prática da conduta dolosa dos agentes, disposta no artigo 90, da Lei 8666/1993, tampouco, configurar a existência do ato improbo com base no artigo 11 da Lei nº 8.429/92. Nesta esteira, é necessário para o enquadramento da improbidade administrativa, além do ato ser ilegal, é essencial que atente contra os princípios da Administração Pública, conforme extrai do artigo 11 da Lei nº 8.429/92. O artigo 11, , da Lei nº 8.429/92 estabelece que o ato de improbidade, pode ser configurado por açãocaput ou omissão, sendo absolutamente necessário elemento volitivo direcionando a conduta do agente a violar os princípios norteadores da Administração Pública. A mera irregularidade, sem potencialidade lesiva e, ainda, mais, sem capacidade decisória do agente, e que a comete, não enseja a condenação por improbidade administrativa. Nesse sentido, o Ministro Luiz Fux anota no Recurso Especial 807.551: “(...) A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve ser realizada cum granu salis, máxime, porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto e, a fortiori, ir além de que oausente a má-fé do administrador público, preservada a moralidade administrativa legislador pretendeu. (...) A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador. (...)” Segundo, o conceito clássico de Plácido e Silva, é o ímprobo: "Mau, perverso, corrupto, devasso, falso, enganador. É atributivo da qualidade de todo homem ou de toda pessoa que procede atentando contra os princípios ou as regras da lei, da moral e dos bons costumes, com propósitos maldosos ou desonestos. O ímprobo é privado de idoneidade e de boa fama ." (in, Vocábulo Jurídico. Atualizado por Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 26 ed. São Paulo: 2005, p. 715) Corroborando, Marcello Caetano, ao abordar o dever de probidade do servidor público, leciona: "(...) o funcionário deve servir à Administração com honestidade, procedendo no exercício de suas funções sempre no intuito de realizar os interesses públicos, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer." (in, Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1970, t. 2. p,684). Ainda, na lição de José Afonso da Silva: "A improbidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste no dever de o `funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das sua funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer'. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada." (in, Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed. São Paulo: 2001, p. 653) Extrai destes ensinamentos, que o aspecto caracterizador da pratica da improbidade administrativa consubstancia na vontade de obter vantagem, ato dito ímprobo, isto é, a intenção de agir desonestamente com a coisa pública. Mario Pazzaglini Filho assenta que: "Portanto, a conduta ilícita do agente público para tipificar o ato de improbidade administrativa deve ter esse traço comum ou característico de todas as modalidades de improbidade administrativa: desonestidade, má-fé, falta de probidade no trato da coisa pública." (in, Lei de Improbidade Administrativa Comentada. 5 ed. São Paulo: Atlas. 2011, p. 02) O alto grau de reprovabilidade da conduta do agente, deve também, carregar a consciência da ilicitude de seus atos e a vontade de persistir na consecução de seus fins, mesmo que importem em ofensa ao ordenamento jurídico. Neste sentido, seguem julgados deste Tribunal de Justiça “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA PELA IMPROCEDÊNCIA. DESPESAS REALIZADAS EM DESACORDO COM A LEI. ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBE À ACUSAÇÃO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE DESVIO DE FINALIDADE, MÁ-FÉ OU DESONESTIDADE DOS AGENTES SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO CÍVEL DESPROVIDA. 1 - "É cediço que aPÚBLICOS ENVOLVIDOS. má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. 2 Art. 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. Consectariamente, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade (...)" (STJ, REsp 480387 SP 2002/0149825- 2, Rel. Min. LUIZ FUX, j. 15/03/2004, 1ª T., DJ 24.05.2004 p. 163). 2 Em tema de improbidade administrativa, é ônus do Ministério Público provar o desvio de finalidade do ato praticado e a má intenção do administrador, não cabendo a condenação dos réus com base em meras suspeitas ou indícios.(TJPR - 5ª C.Cível - AC - 443951-4 - Nova Esperança - Rel.: Rogério Ribas - Unânime - - J. 01.06.2010). A prova do elemento subjetivo é de fundamental importância, para a verificação do ato de improbidade administrativa, porquanto impede a responsabilização objetiva do agente, medida essa inaceitável nessa seara. Nesse mesmo sentido: “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DIRETA DE EMPRESA PARA REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO DECLARADA INDEVIDAMENTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CULPA GRAVE OU DE DOLO NO CASO DOS AUTOS. MERA IRREGULARIDADE. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. AGRAVO INTERNO QUE NÃO IMPUGNA TODOS OS FUNDAMENTOS DO DECISUM. CONCORDÂNCIA EXPRESSA DA PARTE RECORRENTE COM O CAPÍTULO AUTÔNOMO NÃO IMPUGNADO. POSSIBILIDADE DE EXAME DO MÉRITO DA IRRESIGNAÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 182/STJ. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - Esta Corte tem entendimento consolidado segundo o qual, para a configuração de ato de improbidade administrativa, é necessária a análise do elemento subjetivo, qual seja, dolo nas condutas tipificadas nos arts. 9º e 11 ou, ao menos, culpa, quanto às condutas do art. 10, da Lei n. 8.429/92. Outrossim, é cediço que o ato administrativo eivado de improbidade é aquele no qual se verifica uma imoralidade administrativa, qualificada pela potencialidade lesiva a bens e valores públicos tutelados pelo ordenamento jurídico. III - Conforme os precedentes deste Tribunal, a Lei n. 8.429/92, por força, sobretudo, de seu caráter punitivo, não pode ser aplicada a simples condutas de má administração ou meramente IV - No caso, os réus são acusados de contratar, diretamente, empresa para realizar concurso públicoirregulares. para admissão de 4 (quatro) servidores para o Conselho Regional de Corretores de Imóveis da 22ª Região após indevida declaração de inexigibilidade de licitação, eis que a competição era viável. Entretanto, de acordo com as circunstâncias fáticas delimitadas no acórdão recorrido, não foi constatada a presença de culpa grave ou de dolo na conduta atribuída aos réus, razão pela qual a absolvição por ato de improbidade administrativa promovida V – (...) VIII - Agravo Interno improvido.” (Agravo Interno no Recursonas instâncias anteriores deve ser mantida. Especial nº 1737075/AL, Relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 04/09/2018, DJe 10/09/2018). “DIREITO SANCIONADOR. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR VI (OFENSA ASUPOSTO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. IMPUTAÇÃO PELO ART. 11, PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS POR DEIXAR O AGENTE PÚBLICO DE PRESTAR CONTAS QUANDO ESTEJA OBRIGADO A FAZÊ-LO) DA LEI 8.429/92. CONVÊNIO 816.101/2007, CELEBRADO ENTRE O MUNICÍPIO DE BARRA DE SANTA ROSA/PB E O FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO. ATRASO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONDUTA QUE NÃO SE SUBSUME AO ART. 11, VI DA LIA, QUE DISCIPLINA O ATO ÍMPROBO ENSEJADOR DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS NUCLEARES ADMINISTRATIVOS POR AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS, QUANDO SE ESTÁ OBRIGADO A FAZÊ-LO. ACÓRDÃO DO TRF DA 5ª. REGIÃO MANTIDO, POIS, DE FATO, NÃO HÁ TIPICIDADE FORMAL NA LIA QUANTO A EVENTUAL PRAZO DE DEMORA NA PRESTAÇÃO DE CONTAS PELO EX-PREFEITO QUE PUDESSE SIGNIFICAR A LINHA DE CRUZAMENTO PARA INGRESSO EM ATO ÍMPROBO. ADEMAIS, AS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS FORAM UNÂNIMES EM RECONHECER QUE O ENTÃO ALCAIDE APRESENTOU AS CONTAS DO CONVÊNIO, AINDA QUE A DESTEMPO, SINALIZANDO A FUNDAMENTAL DISTINÇÃO ENTRE IRREGULARIDADES FORMAIS E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REGISTRE-SE, TAMBÉM, QUE A IDENTIFICAÇÃO DO DOLO É FUNDAMENTAL PARA A CONDENAÇÃO POR ATO . AGRAVO INTERNO DO MPF A QUE SE NEGAMALEFICENTE, O QUE NÃO OCORREU NA HIPÓTESE PROVIMENTO. 1. (...) 2. A ilegalidade e a improbidade não são, em absoluto, situações ou conceitos intercambiáveis, não sendo juridicamente aceitável tomar-se uma pela outra (ou vice-versa), uma vez que cada uma delas tem a sua peculiar conformação estrita: a improbidade é, destarte, uma ilegalidade qualificada pelo . 3.intuito malsão do agente, atuando sob impulsos eivados de desonestidade, malícia, dolo ou culpa grave Verifica-se, in casu, que houve a apresentação das contas, não obstante a destempo, bem como a inexistência de efeitos deletérios ao ente público decorrentes da conduta imputada ao acusado. 4. O mero atraso no cumprimento da obrigação de prestar contas, desassociado a outros elementos que evidenciem de forma clara a existência de dolo ou má-fé, não configura ato de improbidade previsto no art. 11, VI da Lei 8.429/92. 5. Agravo Interno do MPF a que se nega provimento.” (Agravo Interno no Recurso Especial nº 1518133/PB, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 04/09/2018, DJe 21/09/2018). Assim, somente as condutas que amoldadas ao artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa, ou seja, as condutas que causam lesão ao erário público é que podem ser punidas a título de dolo, descabendo caracterização de ato de improbidade administrativa que cause lesão ao erário na modalidade culposa, nos termos da Lei 13.655/2018 que recentemente introduziu disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público (artigos 20 a 30) no corpo da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei 4.657/42) e novo Enunciado 10 deste Tribunal de Justiça, editado no intuito de pacificar o tema, a 4ª e 5ª Câmaras Cíveis, com o seguinte entendimento: “ENUNCIADO 10: O artigo 10 da Lei 8.429/1992 foi alterado pela Lei 13.655/2018, não mais sendo admitida a caracterização de ato de improbidade administrativa que cause lesão ao erário na modalidade culposa.” Logo, a configuração de uma conduta como ímproba, é indispensável a comprovação do dolo, consciência e intenção do agente em promover conduta violadora do dever constitucional de moralidade. Apesar de constar nos autos a elaboração e publicação do edital do procedimento licitatório n° 39/2013, semelhante ao orçamento enviado pela empresa Luzia Correa ME (apelante 1), não caracteriza prática de ato improbo, principalmente diante do fato da sua revogação antes mesmo de sua realização, ou seja, inexistente qualquer eventual ilegalidade ou suposta fraude. Nesta esteira, necessário destacar que a Lei nº 8.429/92 não possui uma norma de extensão de adequação típica, como ocorre no Direito Penal. Em razão disso, não é possível ampliar a tipologia legal definida nos artigos 9º, 10º e 11 da Lei de Improbidade Administrativa, para abarcar as condutas tentadas de atos de improbidade. A doutrina de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, ensina: “Diferentemente da esfera penal, a Lei nº 8.429/1992 não possui uma norma de adequação típica semelhante ao art. 14 do Código Penal, o que inviabiliza a ampliação da tipologia nos arts. 9º, 10º e 11 daquele diploma legal às hipóteses em que seja identificada a incompleta concreção do tipo objetivo, vale dizer, às situações em que resulte clara a vontade do agente mas não seja constatada a efetiva violação do bem jurídico tutelado. Apesar disso, ainda que não seja divisado o enriquecimento ilícito ou o dano ao patrimônio público, por não ter o agente avançado na utilização dos mecanismos que idealizara, inexistirá óbice à apuração de sua responsabilidade em sendo demonstrado que efetivamente infringira os princípios regentes da atividade estatal antes que fatores externos o impedissem de prosseguir”. (GARCIA, Emerson. ALVES, Rogerio Pacheco. Improbidade Administrativa. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017). Reitera, enquadramento da improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, é necessária a ausência de boa-fé, desonestidade. Destarte, as condutas da apelante 1 Luzia Correa ME não caracteriza ato de improbidade administrativa previstos no artigo 11, inciso VIII da Lei nº 8.429/1992, razão pela qual não resta sujeita às penalidades estabelecidas no artigo 12, inciso III, do mesmo diploma legal. Logo, inexistindo a prática de qualquer ato improbo pela empresa Luzia Correa ME (apelante 1), descabida a condenação da apelada Sonia Maria de Castro Singer, sobretudo diante da revogação do edital do processo licitatório antes mesmo de sua realização, restando o recurso de apelação 2, interposto pelo Ministério Público do estado do Paraná, prejudicado, devendo ser reformada a sentença em sede de reexame necessário. Posto isto, manifesta-se o voto no sentido de dar provimento ao recurso de apelação 1 (Luziaconhecer e Correa ME), reformando a sentença em parte para afastar a sua condenação diante da não configuração da prática de atos ímprobos, e conhecer e julgar prejudicado o recurso de apelação 2 (Ministério Público do estado do Paraná). Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 4ª Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em julgar pelo (a) Provimento do recurso de LUZIA CORREA – ME, por unanimidade de votos, em julgar pelo (a) Prejudicado do recurso de Ministério Público da Comarca de Campo Mourão, por unanimidade de votos, em julgar pelo (a) Sentença desconstituída do recurso de Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Campo Mourão. O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargadora Regina Helena Afonso De Oliveira Portes, com voto, e dele participaram Desembargadora Astrid Maranhão De Carvalho Ruthes (relator) e Desembargador Abraham Lincoln Merheb Calixto. 11 de junho de 2019 Des.ª ASTRID MARANHÃO DE CARVALHO RUTHES Relatora
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