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TRIBUNAL DE JUSTIÇA APELAÇÃO CÍVEL Nº 709-64.2016.8.16.0095, DA 2ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE IRATI APELANTES: ESPÓLIO DE ENY SCHLUMBERGER E OUTROS APELADOS: ESPÓLIO DE FERNANDO SCHLUMBERGER RELATOR: DES. LAURI CAETANO DA SILVA AÇÃO DE USUCAPIÃO. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. RÉUS QUE RECORREM DO DECISUM. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. CONCESSÃO. PARTE IDEAL DE 50% DO IMÓVEL DE PROPRIEDADE DA IRMÃ DO AUTOR. FALECIMENTO DA DETENTORA DO DOMÍNIO. HERANÇA. POSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO DO DOMÍNIO POR UM DOS HERDEIROS PELA VIA DA USUCAPIÃO. IMÓVEL UTILIZADO PALA PARTE AUTORA COM EXCLUSIVIDADE, DE FORMA ININTERRUPTA E SEM OPOSIÇÃO POR MAIS DE 15 ANOS. DEMAIS HERDEIROS QUE JAMAIS SE OPUSERAM A SITUAÇÃO DE FATO OU TOMARAM PROVIDÊNCIAS NO SENTIDO DE EXERCER OS DIREITOS DE PROPRIEDADE SOBRE O BEM. INÉRCIA QUE CONFIGURA DESINTERESSE NA COISA. POSSE PRÓPRIA QUE APRESENTA TODOS OS REQUISITOS PARA A AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DO DOMÍNIO. ANIMUS DOMINI EVIDENCIADO. RECONHECIMENTO DO DIREITO À AQUISIÇÃO DE DOMÍNIO. SENTENÇA CORRETAMENTE LANÇADA NESTE ASPECTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MINORAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095, da 2ª Vara Cível da Comarca de Irati, em que são apelantes Espólio de Eny Schlumberger e outros, e apelado Espólio de Fernando Schlumberger. ACORDAM os Desembargadores integrantes da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em dar parcial provimento ao recurso, para conceder aos apelantes o benefício da gratuidade processual e minorar o valor fixado a título de honorários advocatícios, mantendo a sentença na Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 2 parte em que julgou procedente o pedido para declarar o domínio do imóvel usucapiendo. O Juiz Subst. em 2ºG Fabian Schweitzer manifestou voto no sentido de dar provimento integral ao recurso. Diante da divergência foi aplicada a regra do artigo 942 do Código de Processo Civil e convocados para compor o quórum alongado os Desembargadores Ramon de Medeiros Nogueira e Rosana Amara Girardi Fachin. O Desembargador Ramon de Medeiros Nogueira acompanhou o voto divergente do Juiz Subst. em 2ºG. Fabian Schweitzer. A Desembargadora Rosana Amara Girardi Fachin acompanhou o voto do relator. Declaração de voto vencido em separado. I- RELATÓRIO 1. Cuida-se de ação de usucapião ajuizada pelo Espólio de Fernando Schlumberger (representado pela inventariante Liane Maria Pallu), alegando, em síntese, que a) Fernando Schlumberger e sua irmã Eny Schlumberger eram proprietários do imóvel constituído pelo prédio em alvenaria com 03 pavimentos, benfeitorias e lote de terreno com a área de 1.067,00m², localizado na Rua Carlos Thoms, nº 125 e nº 129, objeto da transcrição nº 3.475 do 2º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Irati; b) Eny Schlumberger era incapaz e interditada judicialmente (autos nº 289/75), tendo como sua curadora a genitora Sra. Gertrudes Schlumberger; c) após a morte da genitora Gertrudes Schlumberger, foi Fernando Schlumberger quem assumiu a responsabilidade pelos cuidados de Eny Schlumberger; d) Eny Schlumberger faleceu no dia 07.07.1999 deixando como único bem 50% do imóvel; e) após o falecimento de Eny Schlumberger, seu irmão Fernando Schlumberger continuou mantendo a posse exclusiva, mansa e pacífica sobre a totalidade do imóvel, de forma ininterrupta, sem oposição e com animus domini, até a data de seu falecimento (16.04.2015); f) Eny Schlumberger não tinha filhos, sendo herdeiros seus irmãos Fernando, Ginter, Renê, Alice e Geni; g) os demais herdeiros jamais exerceram posse sobre o imóvel ou se opuseram à permanência de Fernando Schlumberger, que utilizava a totalidade do bem de maneira exclusiva; h) o genitor de Eny Schlumberger, Sr. Rudolfo Schlumberger, declarou por meio de instrumento particular que os bens de Eny Schlumberger deveriam ser transferidos à Fernando Schlumberger; i) por força do artigo 1.784 do Código Civil, aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se desde logo aos seus herdeiros, independentemente de qualquer ato ou formalidade; j) é possível ao herdeiro usucapir contra Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 3 coerdeiros se verificado que exerce posse exclusiva, com a manifesta intenção de excluir os demais; k) Fernando Schlumberger preenchia todos os requisitos para a aquisição do domínio da parte do imóvel que cabia à Eny Schlumberger (CC, art. 1.238). 2. O Espólio de Eny Schlumberger (representado pela inventariante Geni Bini), Geni Bini, Alice Schlumberger Schevisbiski, Inez Zanetti Schlumberger, Rui Cezar Zanetti Schlumberger, Gianne Cristine Zanetti Schlumberger Furukawa, Fabiano Zanetti Schlumberger, Fabiane Caron Novaes, Rudolpho Schlumberger Netto, Daniele Schlumberger e Luciane Aparecida Schlumberger apresentaram resposta em sede de contestação (mov. 95.1), alegando, preliminarmente, a inépcia da petição inicial, ilegitimidade ativa e falta de interesse processual. No mérito, sustentam que a) Eny Schlumberger e Fernando Schlumberger receberam em doação de seus pais Rodolfo Schlumberger e Gertrudes Schlumberger, cada um, a parte ideal de 50% do imóvel objeto da matrícula nº 3.475 do Registro de Imóveis da Comarca de Irati; b) Eny residia com a mãe Gertrudes neste imóvel, que conta com área de 1.067,00m2, constituído por um único prédio em alvenaria com 03 pavimentos, em condomínio de ambientes comerciais e residenciais; c) diferentemente do narrado na petição inicial, Fernando Schlumberger não despendia os cuidados necessários à saúde de Eny Schlumberger, que faleceu no dia 07.07.1999; d) na qualidade de coproprietário do imóvel, Fernando se impôs como gestor da propriedade, se beneficiando da renda auferida com o aluguel dos espaços comercias, sem prestar contas aos demais herdeiros; e) os demais herdeiros de Eny procuravam Fernando para que o mesmo providenciasse a abertura do inventário dos bens deixados por Eny, no que eram rechaçados de forma truculenta; f) o inventário de Eny Schlumberger encontra-se em trâmite (autos nº 1779-19.2016.8.16.0095); g) não é possível a usucapião de todo o imóvel, visto que Fernando já era proprietário de 50% do bem; h) Fernando atuava como mera Administrador Provisório da herança de Eny, jamais exercendo posse com animus domini; i) a inércia de Fernando na abertura do inventário dos bens deixados por Eny sempre foi questionada pelos demais herdeiros, não havendo que se falar em posse mansa, pacífica e sem oposição; j) o filho de Rudolpho Schlumberger Netto (filho do herdeiro Renê Schlumberger) morou no apartamento nº 2, que pertencia à Eny, no período de outubro/2009 a agosto/2010, o que demonstra que os demais herdeiros também tinham ingerência sobre o imóvel; k) a declaração de Rodolfo Schlumberger, apresentada pela parte autora, carece de idoneidade, Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 4 legalidade e autenticidade; l) Fernando, na qualidade de administrador provisório, chegou a vender bens pertencentes à Eny, e também ajuizou ação de usucapião em face de sua falecida irmã, sendo inverídica a informação de que este era o único bem deixado por Eny; m) Fernando deixou de prestar contas aos demais herdeiros dos frutos recebidos (aluguéis). 3. As Fazendas Públicas da União (mov. 37.1) e do Estado (mov. 35.1) manifestaram desinteresse na causa. 4. O MM. Juiz a quo saneou o processo, afastando as preliminares suscitadas pelos réus, fixando os pontos controvertidos (mov. 149.1). Contra esta decisão os réus opuseram Embargos de Declaração (mov. 163.1), os quais foram parcialmente acolhidos para reconhecer a tempestividade da peça contestatória (mov. 175.1). 5. Na audiência de instrução e julgamento foi tomado o depoimento pessoal da ré Geni Bini, e ouvidos Valquíria de Bona, Tereza Kasteler Batista, João Francisco Gadens, Maria Bernadete Schlumberger, Décio Renato Marques da Silva, Valdir Batista e João Acir Nunes (termos de mov. 191.1). 6. A parte autora apresentou alegações finais no mov. 196.1. Os réus, em suas alegações finais (mov. 197.1), pugnaram pela conversão do julgamento em diligência, em razão de fato superveniente. Afirmaram ter tomado conhecimento da existência de coproprietária do imóvel que não figura no polo passivo, qual seja Maria Lucia Smolka, que detém a propriedade de 25% do imóvel, em virtude do matrimônio que mantinha com Fernando Schlumberger na época da aquisição do imóvel. 7. O MM. Juiz a quo proferiu sentença (mov. 199.1) julgando procedente o pedido formulado na inicial, para declarar o domínio do Espólio de Fernando Schlumberger sobre o imóvel descrito na inicial, conforme mapa e memorial descritivo que a acompanham, tudo em conformidade com o art. 1.238 do Código Civil. Ante a sucumbência, condenou os réus ao pagamento das custas do processo, Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 5 despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor dado à causa (CPC, art. 85, §2º). 8. Os réus opuseram Embargos de Declaração (mov. 205.1), os quais foram rejeitados (mov. 213.1). Inconformados, os réus interpuseram recurso de apelação (mov. 221.1), alegando, em sede preliminar (i) apreciação do pedido de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita; (ii) inépcia da inicial; (iii) ilegitimidade ativa; (iv) ausência de interesse processual; e, (v) ausência de citação da coproprietária Maria Lucia Smolka. No mérito, reprisaram os argumentos expostos na contestação, pugnando pelo julgamento de improcedência do pedido. Afiançaram que Fernando Schlumberger atuava como mero Administrador Provisório dos bens deixados por Eny Schlumberger, jamais exercendo posse incontestada, sem oposição e com animus domini. Apontaram que também tinham ingerência sobre o imóvel, tanto é que Rudolpho Schlumberger Netto morou no apartamento nº 02 no período de outubro/2009 a agosto/2010. Por fim, requereram a minoração da verba honorária advocatícia. 9. Contrarrazões de apelação no mov. 255.1. É o relatório. II – VOTO Estão presentes na espécie os pressupostos processuais de admissibilidade do recurso de apelação. É tempestivo, adequado, foi regularmente processado e preparado. 10. Muito embora o recurso tenha sido preparado, com exceção da ré Inez Zanetti Schlumberger, os demais requeridos pleitearam a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 6 O benefício da justiça gratuita constitui garantia constitucional prevista no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal e compreende a assistência jurídica integral e gratuita a todos aqueles “que comprovarem insuficiência de recursos1”. A orientação constitucional foi adotada pela jurisprudência e reprisada no artigo 98 do Código de Processo Civil, com a seguinte dicção: “a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei”. O pedido de assistência judiciária gratuita pode ser formulado no recurso (CPC/2015, art. 99, caput), cabendo, contudo, ao interessado o ônus de demonstrar a sua hipossuficiência financeira a fim de fazer jus ao benefício. O postulante, portanto, tem a obrigação de demonstrar que não aufere renda suficiente para suportar as despesas do processo. Para comprovar que fazem jus ao benefício, os apelantes Fabiano Zanetti Schlumberger e Luciane Aparecida Schlumberger apresentaram suas respectivas Carteiras de Trabalho e Previdência Social (mov. 221.3 e 221.4), indicando que não se encontram laborando formalmente. A ré Alice Schlumberger Schevisbiski apresentou comprovante de recebimento de Benefício Previdenciário no importe de R$954,00 (mov. 221.5). A ré Daniele Schlumberger apresentou comprovante de rendimentos no valor bruto de R$1.624,20, e líquido de R$804,41 (mov. 221.6). -- 1 STF, 2ª Turma, RE 205746-1/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 28.02.1997. Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 7 A ré Gianne Cristine Zanetti Schlumberger Furukawa apresentou Recibo de Pagamento de Salário referente ao mês de janeiro/2018, no importe bruto de R$1.249,46 e líquido de R$1.087,04 (mov. 221.9). O réu Rui Cezar Zanetti Schlumberger apresentou comprovante de que é beneficiário do programa Bolsa Família do Governo Federal (mov. 221.11). A ré Geni Bini apresentou o comprovante de benefício do INSS de seu marido, Claiton Antônio Bini, apontando o recebimento de benefício no valor de R$3.918,20 (mov. 221.10). Por fim, o réu Rudolpho Schlumberger Netto apresentou Demonstrativo de Pagamento expedido pela Unicentro – Universidade Estadual do Centro-Oeste, relativo ao mês de fevereiro de 2018, apontando uma renda de R$4.371,85 (mov. 221.8). Os valores percebidos pelos réus supramencionados justificam seu enquadramento no artigo 98 do Código de Processo Civil, razão pela qual defiro o benefício da assistência judiciária gratuita. 11. No caso concreto, o Espólio de Fernando Schlumberger ajuizou ação de usucapião narrando ser coproprietário imóvel situado na Rua Carlos Thoms, nº 125 e nº 129, com área de 1.067,00m2, em que se encontra edificado um prédio em alvenaria de três pavimentos, contendo dois apartamentos residenciais e três conjuntos comerciais. Conforme matrícula nº 3.475 do 2º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Irati (mov. 1.79), o imóvel pertencia à Rudolfo Schlumberger e Gertrudes Schlumberger, que doaram a metade do imóvel para Fernando Schlumberger (R.1/3.475) e a outra metade para Eny Schlumberger (R.2/3.475). Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 8 A parte autora afirmou que, após o falecimento de Eny Schlumberger, no dia 07.07.1999 (mov. 1.59), a posse do imóvel passou a ser exercida, de forma exclusiva, ininterrupta, sem oposição e com animus domini pelo coproprietário Fernando Schlumberger, até seu falecimento no dia 16.04.2015 (mov. 1.60). Diante de tais fatos, o Espólio de Fernando Schlumberger postulou a aquisição do domínio da parte do imóvel pertencente à Eny Schlumberger, considerando que os demais herdeiros jamais se opuseram ao exercício de sua posse. Por sua vez, os herdeiros de Eny Schlumberger apresentaram defesa em sede de contestação, refutando a pretensão inicial. Asseveraram que, diferentemente do alegado, Fernando Schlumberger atuava como mero Administrador Provisório dos bens deixados por Eny Schlumberger, jamais tendo exercido posse com animus domini. Ainda, afiançaram que a posse jamais foi mansa, pacífica e incontestada, pois desde o falecimento de Eny buscavam, sem êxito, que Fernando prestasse contas do patrimônio e procedesse à abertura do inventário dos bens deixados por Eny. 12. Com esta breve introdução passo à análise das preliminares suscitadas pelos apelantes. 12.1. Primeira preliminar. Os apelantes sustentam que a petição inicial é inepta, uma vez que o Espólio de Fernando Schlumberger é proprietário de parte do imóvel, não podendo usucapir o que já lhe pertence. A leitura da exordial deixa claro que com a presente demanda postula-se a aquisição do domínio da parte ideal de 50% do imóvel que integrava o patrimônio de Eny Schlumberger (R.2/3.475). Não há, portanto, a apontada inépcia da petição inicial, vez que o objeto da lide foi claramente delimitado. Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 9 A questão relativa a possibilidade de o coerdeiro usucapir em relação aos demais herdeiros é matéria de mérito, e será analisada adiante. 12.2. Segunda preliminar. Os apelantes pugnam pela extinção do processo, sem resolução de mérito, na forma do disposto no artigo 485, IV do Código de Processo Civil, por entenderem haver litisconsórcio passivo necessário com Maria Lucia Smolka. Apontam que, no decorrer da lide, tomaram conhecimento de que Maria Lucia Smolka foi casada com Fernando Schlumberger pelo regime da comunhão universal de bens (período de 25.01.1964 até o ano de 1982) até a separação judicial consensual do casal. Sustentam que, sendo desconhecida a partilha de bens ou a conversão da separação judicial em divórcio, Maria Lucia Smolka seria a “proprietária” da parte ideal de 25% do imóvel, razão pela qual deveria figurar no polo passivo da relação processual. Não obstante, como já apontado, considerando que o domínio de Fernando Schlumberger recai sobre a parte ideal de 50% do imóvel, e o objeto da usucapião recai sobre metade do imóvel pertencente à Eny Schlumberger (R.2/3.475), não há que se questionar a existência ou não de direitos à partilha de bens por parte de Maria Lucia Smolka. Se direito houvesse, esse recairia exclusivamente sobre à parte ideal pertencente a Fernando Schlumberger (R.1/3.475), que não é objeto da pretensão de direito material em análise. 12.3. Terceira preliminar. Ainda em sede preliminar os apelantes sustentam que o Espólio de Fernando Schlumberger não detém legitimidade para figurar no polo ativo, uma vez que houve Cessão de Direitos Hereditários relativos ao imóvel para João Gardens. Sustentam que é do cessionário a legitimidade para a propositura da ação. Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 10 Todavia, na forma do disposto no artigo 109 do Código de Processo Civil, “A alienação da coisa ou do direito litigioso por ato entre vivos, a título particular, não altera a legitimidade das partes.” Assim, considerando que, segundo a narrativa exposta na petição inicial, a posse teria sido exercida por Fernando Schlumberger, pelo princípio da saisine, o Espólio ou seus herdeiros seriam parte legítima para a propositura da ação. 13. Adentrando ao mérito, cumpre frisar que a usucapião é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais, pela posse prolongada da coisa, acrescida dos demais requisitos legais. Como lecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, a posse é o poder de fato sobre a coisa; já a propriedade é o poder de direito nela incidente. O fato objetivo da posse, unido ao tempo – como força que opera a transformação do fato em direito – e a constatação dos demais requisitos legais, confere juridicidade a uma situação de fato, convertendo-a em propriedade. A usucapião é a ponte que realiza essa travessia, como uma forma jurídica de solução de tensões derivadas do confronto entre a posse e a propriedade, provocando uma mutação objetiva na relação de ingerência entre o titular e o objeto. Assim, para a usucapião, em qualquer das suas modalidades, são necessários três requisitos: o tempo, a posse mansa e pacífica e o animus domini. (CHAVES DE FARIAS, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Iuris, 2006, p. 261/274). Assim, cinge-se a controvérsia recursal em verificar se estão presentes os requisitos para a usucapião, especialmente, o animus domini e a ausência de oposição à posse. 13.1. O animus domini, constitui requisito para a prescrição aquisitiva. O possuidor, portanto, precisa mostrar-se imbuído da convicção de ter a coisa para si (animus rem sibi hebendi). Essa afeição ou vontade de ter ou manter a coisa tal como procede o proprietário (affectio tenendi), somada à intenção de a ter como dono (animus), faz com que a posse se perfeccione e conduza à prescrição Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 11 aquisitiva, desde que a ela se somem outros requisitos. O animus possidendi seria a intenção de exercer o direito de propriedade. O ânimo de possuidor consiste, pois, na vontade ou comportamento do possuidor de ter a coisa para dela dispor como dono ou exercer sua ação da mesma forma que o faz o proprietário quanto às coisas que lhe pertencem2. Na posse ad usucapionem, ou posse própria, excluem-se os atos de mera tolerância, a simples detenção (que sequer chegam a configurar a simples posse, ex vi o disposto nos artigos 1.198 e 1.208 do Código Civil), bem como as posses exercidas em nome de terceiro e amparadas em contratos, tais como as locações, comodatos, etc. 13.2. No presente caso, como anteriormente relatado, conforme a matrícula nº 3.475 do 2º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Irati (mov. 1.79), Fernando Schlumberger detinha o domínio de 50% do imóvel (R.1/3.475), sendo a outra metade pertencente à Eny Schlumberger (R.2/3.475). Com o falecimento de Eny Schlumberger (07.07.1999), aduziu a parte autora que Fernando Schlumberger passou a exercer posse exclusiva sobre a totalidade do imóvel, ou seja, sobre a metade que pertencia à de cujus Eny, sem qualquer oposição dos demais herdeiros (ora apelantes), e com animus domini. A posse exercida por Fernando, portanto, afastaria o direito sucessório dos demais herdeiros. Embora excepcional, é possível a aquisição do domínio, pela usucapião, de área em condomínio formado pela transmissão de direitos hereditários - saisine. -- 2 Ribeiro, Benedito Silvério. Tratado de usucapião, volume I, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 753/756. Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 12 Sobre o tema, valho-me das lições de Benedito Silvério Ribeiro3: "Com a abertura da sucessão, a posse exercida pelo autor da herança vai aos herdeiros independentemente de atos sus, mas incorpora-se a todos, não podendo uns usucapir contra outros, somando a sua posse à do antecessor comum. A posse, igualmente o domínio, passados com os mesmos caracteres que os rodeiam (CC, art. 1.203), terão nos seus sucessores in universum ius a sua continuidade. Há, todavia, possibilidade de um herdeiro usucapir contra coerdeiro, mas isso tem cabimento quando aquele exerça posse exclusiva e tenha manifesta intenção de possuir a coisa toda para si, excluindo os demais, de forma que se afigurem límpidas as condições de afastamento dos outros. Deverá essa posse ser exercida com o ânimo de proprietário (cum animo domini), observando-se os demais requisitos de lei. O herdeiro aí será o autor da ação, não na qualidade em foco, mas como possuidor do todo. É indispensável, contudo, que sejam citados os demais herdeiros para a demanda. (...) O herdeiro, finalmente, poderá usucapir, havendo outros herdeiros, afastando o estado de comunhão existente, estando há mais de quinze anos na posse do imóvel. Dizia o art. 1.772 do Código Civil de 1916 que “o herdeiro pode requerer a partilha, embora lhe seja defeso pelo testador” Dispunha o §2º: “Não obsta à partilha o estar um ou mais herdeiros na posse de certos bens do espólio, salvo se da morte do proprietário houver decorrido vinte anos.” O direito de pedir a partilha sempre existe para os demais herdeiros, não sendo vedado reclamá-la após o lapso de quinze anos. A herança é uma universalidade, restando os bens em comum, pelo que descabe divisão entre móveis e imóveis, tanto que se um dos herdeiros tiver posse de cinco anos quanto a um bem móvel, não se beneficiará pela usucapião extraordinária mobiliária. A ação para pedir a partilha da herança, familiae erciscundae, procede do estado de indivisão em que se acham os herdeiros. Diz-se imprescritível esta ação porque dura enquanto subsiste a comunhão. Quando, porém, desaparece de fato a comunhão porque algum dos herdeiros se acha na posse de certos bens do espólio, durante vinte anos, desde a morte do de cujus, extingue-se a ação de partilha. O decurso de vinte anos faz cessar, de direito, a comunhão que, de fato, não existia. Há opiniões de que o artigo sob menção refere-se tanto à prescrição aquisitiva quanto à extintiva. -- 3 Idem ibidem, p. 299/302. Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 13 O entendimento, todavia, é o de que a partilha deve ser sobrestada em caso de a totalidade dos bens do espólio se achar em poder de sucessores ou terceiros há mais de vinte anos após o falecimento do inventariado. Ressaltando observação feita algures, presume-se que a posse de fato exercida por um ou mais de um herdeiro redunda a favor da comunhão, supondo estender-se a todos, mesmo que tal ocorra por mais de vinte anos. Conforme ensina Washington de Barros Monteiro, para que a posse do herdeiro, ou do terceiro, seja obstáculo legal à partilha, é mister que ela se exerça com a exclusão dos demais coerdeiros. A posse do coerdeiro que não origina usucapião não faz cessar o estado de comunhão; portanto, não impede o exercício da familiae erciscundae. Não basta, como sobreleva realçar, que a posse perdure por quinze anos, sendo certo que o herdeiro deve excluir os demais coerdeiros e exercer posse ad usucapionem, cumprindo, destarte, todos os requisitos indispensáveis à configuração da prescrição aquisitiva. O prazo corre a partir do momento da morte do de cujus, quando os herdeiros adquirem a posse e o domínio dos bens pela saisine (CC, art. 1.784), cabendo ao possuidor comprovar satisfatoriamente os requisitos da prescrição extraordinária. Essa transferência poderá realizar-se por meio de usucapião, ou seja, pelo decurso de tempo extintivo do seu direito de copartícipe no bem objeto da prescrição. Bastará que o coerdeiro satisfaça cumpridamente os requisitos legais, afastando direitos dos demais, imbuído de animus domini, exercendo, enfim, posse ad usucapionem pelo lapso de quinze anos. Não é necessário que outros herdeiros manifestem desinteresse por escrito, nem que a direitos renunciem, bastando situação omissiva no tocante ao bem ou à sua posse.” 13.3. A situação dos autos revela exatamente a hipótese em que, após o falecimento de Eny Schlumberger, que detinha o domínio de 50% do bem, o herdeiro e coproprietário Fernando Schlumberger passou a exercer posse exclusiva sobre a totalidade do imóvel, de forma ininterrupta, com animus domini e sem oposição, durante mais de 15 anos. Os apelantes afirmam que a posse jamais foi pacífica e sem oposição, pois desde o falecimento de Eny Schlumberger (07.07.1999), questionavam Fernando Schlumberger acerca do imóvel e do recebimento dos alugueres, mas que o mesmo se recusava a abrir o inventário dos bens deixados por Eny, e igualmente se recusava a dividir o valor dos alugueres ou prestar contas. Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 14 Todavia, muito embora a prova testemunhal tenha corroborado a afirmativa de que Fernando era questionado pelos irmãos Geny e Rene acerca do recebimento dos alugueres, nenhum dos herdeiros de Eny Schlumberger tomou qualquer atitude para resguardar seus direitos sucessórios. Mais uma vez invoco a doutrina de Benedito Silvério Ribeiro, que ensina acerca da oposição à posse, apta a interromper a prescrição aquisitiva: “A não oposição, consignada no Código Civil (“Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição...” cf. art. 1.238 do CC), não leva à consideração de que a posse deva durante todo o tempo restar indisputada e incontestada, seja pelo proprietário, seja por qualquer interessado. A falta de oposição, exigida para a caraterização da prescrição aquisitiva, tem que ver com a tranquilidade da posse, pressupondo-se seja a pública, pois se assim não o for, não lhe dará lugar. Essa oponibilidade, todavia, deverá ser demonstrada pelos meios competentes para interromper a prescrição. Como visto, a lei usa as palavras “sem interrupção” como equivalente a “continuidade”, razão pela qual a expressão “incontestadamente” significa a interrupção civil. Ainda, sendo relativa a interrupção, gerando resultado a quem a interrompe, não implicando suspensão se quem a requereu foi um terceiro, não interferirá no seu curso contra o proprietário que se posta inerte. Assim, não teria sentido a oposição de alguém aproveitar ao dono do imóvel que não demonstre interesse. (...) A oposição à posse, hábil a quebrar a sua continuidade, não se resume em inconformismo, nem se limita a medidas indefinidas, precárias e inconsistentes, incapazes de qualquer solução. Oposição, no sentido que lhe emprestou o legislador, não significa inconformidade, nem tratativas com o fim de convencer alguém a demitir de si a posse de determinado imóvel. Antes, isso sim, traduz medidas efetivas, perfeitamente identificáveis na área judicial, visando a quebrar a continuidade da posse, opondo à vontade do possuidor a uma outra vontade que lhe contesta o exercício dos poderes inerentes ao domínio qualificador da posse.” 4 -- 4 Idem Ibidem, p. 781/782. Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 15 E na espécie, desde o falecimento de Eny Schlumberger, no dia 07.07.1999, nenhum de seus herdeiros (seus irmãos), opôs-se à posse exercida por Fernando Schlumberger. Durante mais de 15 anos, não promoveram ato concreto no sentido de retomar a posse do imóvel ou partilhá-lo entre os herdeiros. Os herdeiros em conjunto ou isoladamente são partes legítimas para o ajuizamento da ação com pedido de abertura de inventario e partilha de bens. Assim, do depoimento pessoal da ré/apelante Geni Schlumberger Bini ou das demais testemunhas ouvidas, não se extrai qualquer ato concreto de oposição a obstar a prescrição aquisitiva em favor de Fernando Schlumberger. Considerando que o falecimento de Eny Schlumberger ocorreu em 07.07.1999 e o falecimento de Fernando Schlumberger ocorreu em 16.04.2015, sem que os demais herdeiros de Eny buscassem exercer seu direito de propriedade, entendo que não se poderia falar em posse precária, exercida com abuso da confiança dos demais herdeiros. Tanto é assim que, em seu depoimento, a informante Maria Bernadete Schlumberger, que era casada com Rene Schlumberger (irmão de Fernando), relatou que seu filho Rudolpho Schlumberger Netto residiu durante um período de 10 meses no apartamento que pertencia à Eny Schlumberger após ser autorizado por Fernando Schlumberger. Contou que seu marido Rene Schlumberger foi falar com Fernando Schlumberger para que ele permitisse que Rudolpho residisse no imóvel. Disse que a princípio Fernando Schlumberger relutou, mas que posteriormente consentiu. Se havia necessidade de autorização por parte de Fernando Schlumberger, resta evidente a subordinação existente. A informante reconheceu, ainda, que Fernando Schlumberger jamais prestou contas do imóvel ou dividiu o valor que percebia a título de alugueres com qualquer dos herdeiros. Reconheceu também que era Fernando quem administrava o imóvel com exclusividade. Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 16 Todas as testemunhas ouvidas foram uníssonas ao afirmar que Fernando Schlumberger era o único responsável pelo imóvel, que era ele quem recebia os alugueres, autorizava a realização de obras ou reparos nas salas comerciais, e era quem firmava os contratos de locação. Assim, da análise da prova testemunhal produzida, especialmente o depoimento das testemunhas arroladas pelos réus/apelantes, não se extrai qualquer fato relevante a infirmar a versão dos fatos apresentada pela parte autora. 13.4. De tal modo, entendo que a parte autora, ora apelada, comprovou preencher todos os requisitos para a aquisição originária do domínio pela usucapião. Restou incontroverso que, desde o falecimento de Eny Schlumberger, era Fernando Schlumberger quem residia e administrava o imóvel, de forma exclusiva, ininterrupta e com ânimo de dono. Tanto é assim que alugava os espaços comerciais, era quem percebia os alugueres e quem autorizava o uso do imóvel, e também a realização de reparos e benfeitorias. Diferentemente do que pretendem os apelantes, não se pode qualificar Fernando Schlumberger como Administrador Provisório dos bens deixados por Eny Schlumberger. Os próprios apelantes reconhecem que Fernando Schlumberger jamais prestou contas acerca do imóvel, dos contratos de locação e dos alugueres percebidos durante mais de 15 anos. Ou seja, Fernando Schlumberger jamais agiu na forma preconizada pelo artigo 614 do Código Civil (CPC/73, art. 986)5: -- 5 Art. 986. O administrador provisório representa ativa e passivamente o espólio, é obrigado a trazer ao acervo os frutos que desde a abertura da sucessão percebeu, tem direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis que fez e responde pelo dano a que, por dolo ou culpa, der causa. Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 17 Art. 614. O administrador provisório representa ativa e passivamente o espólio, é obrigado a trazer ao acervo os frutos que desde a abertura da sucessão percebeu, tem direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis que fez e responde pelo dano a que, por dolo ou culpa, der causa. Diante de tal cenário, entendo que restou plenamente comprovada a posse exclusiva sobre a totalidade do imóvel usucapiendo, e que a posse exercida é qualificada (ad usucapionem). 13.5. Vale lembrar que face ao disposto no artigo 6o, da Constituição Federal6, a Carta Magna deu novos contornos ao direito de propriedade, antes considerado absoluto, primando pela função social da propriedade e garantindo o direito fundamental à moradia. E neste viés, o Código Civil impõe ao direito de “usar, gozar e dispor da coisa, e do direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” o dever de exercê-lo “em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais” (CC, art. 1.228, §1o). Desta forma, se alguém é privado da posse de um bem e mantém-se inerte por um longo período de tempo, age de modo a deixar que a função social da propriedade milite em prol de outrem, desfigurando seu próprio direito, que falece, já que destituído de um de seus elementos essenciais. Assim sendo, a ausência do exercício do direito pelos demais herdeiros indica uma negligência que o direito não prestigia, pelo contrário. Mesmo que a posse de Fernando Schlumberger fosse, de início exercida por mera tolerância – o que em nenhum momento restou evidenciado -, a desídia dos demais interessados pode sim ser considerada um fenômeno de transformação do caráter da posse, pois permite que o aproveitamento econômico do domínio passe a ser exclusivo, com o exercício pleno dos poderes inerentes à propriedade. Ocorre verdadeira inversão do caráter da posse, já que -- 6 “Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 18 observados os elementos objetivos (objeto e lapso temporal) e subjetivos (animus domini). Portanto, na espécie, a parte autora logrou comprovar o exercício da posse mansa, pacífica, ininterrupta, sem oposição e com animus domini, pelo prazo exigido para a declaração de domínio. 14. Por fim, pedem os apelantes a minoração do valor arbitrado a título de honorários advocatícios, fixados em 15% do valor da causa (R$500.000,00), na forma do disposto no artigo 85, §2º do Código de Processo Civil. A verba honorária deve ser arbitrada sobre o valor atualizado da causa quando não for possível mensurar o valor da condenação ou o proveito econômico obtido, seguindo os parâmetros relativos ao grau de zelo na atuação do profissional, o lugar da prestação de serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado, bem como o tempo exigido para prestação do serviço, devendo ser suficientes para remunerar condignamente o advogado, sem implicar em valor excessivamente elevado, ou tão ínfimo que não seja capaz de compensar o trabalho desempenhado pelo profissional. Tanto é verdade que ao aplicar o percentual máximo de 20% e o resultado obtido for irrisório, o juiz deve fixar a verba honorária de forma equitativa, conforme disciplina o artigo 85, §8º do Código de Processo Civil7. Entretanto, se ocorrer situação inversa, em que aplicando o percentual mínimo de 10% o resultado implicar em valor excessivamente elevado e que não corresponda ao trabalho efetivamente desenvolvido pelo profissional na prestação de serviço, é possível também aplicar a regra do artigo 85, §8º de modo a evitar a remuneração excessiva e sem justa causa do profissional. Nestes casos, a verba honorária deve ser fixada de forma equitativa, -- 7 §8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º. Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 19 tomando por base os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Esse é o entendimento manifestado pela 17ª Câmara Cível, seguindo a orientação do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 1.538.693-MG, conforme as seguintes ementas: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO ORDINÁRIA – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELA PARTE RÉ. INSURGÊNCIA DA AUTORA. 1. Em regra, a análise dos parâmetros a serem considerados para o arbitramento da verba honorária é incompatível com a via estreita do recurso especial, por força da Súmula 7/STJ. Entretanto, o óbice da referida súmula pode ser afastado em hipóteses excepcionais, quando for verificada a exorbitância ou o caráter irrisório da importância arbitrada, em flagrante ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. No presente caso, o processo foi extinto ante a superveniente perda de objeto logo após o ajuizamento do feito, tendo sido fixado o montante de honorários em 10% sobre o valor da causa, o que corresponde a R$ 615.092,43 (seiscentos e quinze mil, noventa e dois reais e quarenta e três centavos), quantia essa excessiva. Assim, correta a redução do valor dos honorários advocatícios para R$20.000,00 (vinte mil reais), patamar este que retribui adequadamente o trabalho desenvolvido pelo profissional e não gera eventual enriquecimento indevido. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1538693 / MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 18/02/2016, DJe 24/02/2016) AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PROFERIDA SOB A VIGÊNCIA DO CPC/15.RECURSO QUE BUSCA DISCUTIR TÃO SOMENTE A QUESTÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. EXAME DOS PARÂMETROS DE FIXAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO DA RÉ E IMPOSSIBILIDADE DE MENSURAR O PROVEITO ECONÔMICO OBTIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS QUE DEVERIAM, A PRINCÍPIO, INCIDIR SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA (ART. 85 § 2º DO CPC/15). IMPOSSIBILIDADE DIANTE DA SITUAÇÃO ESPECÍFICA DOS AUTOS. PROCURADOR QUE, EMBORA DILIGENTE, INTERCEDEU POUCAS VEZES NOS AUTOS. RÉ REVEL. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. ART. 4º DA LINDB.FIXAÇÃO POR APRECIAÇÃO EQUITATIVA. INTELIGÊNCIA DO ART. 85, § 8º, DO CPC/15. APLICAÇÃO INVERSA (A CONTRARIO SENSU). HONORÁRIOS MAJORADOS DE ACORDO COM O CASO CONCRETO. SENTENÇA ALTERADA, NESSA PARTE.RECURSO PROVIDO. Na hipótese em que o valor arbitrado, conforme os parâmetros legais, exceda àquele que seria razoavelmente atribuído ao trabalho do advogado, é de rigor, dada a similitude de ambas, dispensar o mesmo tratamento que seria dispensado à hipótese inversa (a contrario sensu) contida no § 8º do art. 85 do CPC/15. É dizer, com o intuito de evitar o enriquecimento sem causa do advogado, nada impede que o juiz, com fundamento nos princípios gerais de razoabilidade e proporcionalidade1, reduza o valor dos honorários sucumbenciais para percentual menor do que o mínimo legal, fixando Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 20 um valor com base na equidade. (TJPR - 17ª C.Cível - AC - 1633524-9 - Ponta Grossa - Rel.: Fernando Paulino da Silva Wolff Filho - Unânime - J. 26.07.2017) AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PROFERIDA SOB A VIGÊNCIA DO CPC/15.RECURSO QUE BUSCA DISCUTIR TÃO SOMENTE A QUESTÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. EXAME DOS PARÂMETROS DE FIXAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO DA RÉ E IMPOSSIBILIDADE DE MENSURAR O PROVEITO ECONÔMICO OBTIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS QUE DEVERIAM, A PRINCÍPIO, INCIDIR SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA (ART. 85 § 2º DO CPC/15). IMPOSSIBILIDADE DIANTE DA SITUAÇÃO ESPECÍFICA DOS AUTOS. PROCURADORES QUE, EMBORA DILIGENTES, INTERCEDERAM POUCAS VEZES NOS AUTOS.RÉ REVEL. IMPORTÂNCIA DA CAUSA. CONTEÚDO ECONÔMICO ENVOLVIDO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. ART. 4º DA LINDB.FIXAÇÃO POR APRECIAÇÃO EQUITATIVA. INTELIGÊNCIA DO ART. 85, § 8º, DO CPC/15. APLICAÇÃO INVERSA (A CONTRARIO SENSU). HONORÁRIOS ARBITRADOS DE ACORDO COM AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO.SENTENÇA MANTIDA, POR FUNDAMENTO DIVERSO.RECURSO DESPROVIDO.Na hipótese em que o valor arbitrado, conforme os parâmetros legais, exceda àquele que seria razoavelmente atribuído ao trabalho do advogado, é de rigor, dada a similitude de ambas, dispensar o mesmo tratamento que seria dispensado à hipótese inversa (a contrário sensu) contida no § 8º do art. 85 do CPC/15. É dizer, com o intuito de evitar o enriquecimento sem causa do advogado, nada impede que o juiz, com fundamento nos princípios gerais de razoabilidade e proporcionalidade, reduza o valor dos honorários sucumbenciais para percentual menor do que o mínimo legal, fixando um valor com base na equidade. (TJPR - 17ª C.Cível - AC - 1639925-0 - Apucarana - Rel.: Fernando Paulino da Silva Wolff Filho - Unânime - J. 26.07.2017) A doutrina sempre orientou que a respeito da verba honorária, devemos analisar com moderação e nos limites razoáveis, de modo a garantir a justa remuneração. “Não há critérios definitivos que possam delimitar a fixação dos honorários advocatícios, porque flutuam em função de vários fatores, alguns de forte densidade subjetiva. (...) Impõe-se sempre a moderação, no entanto, já que o direito não é ilimitado. Há limites postos pela ética e pela razoabilidade que não podem ser ultrapassados.” (Paulo Luiz Neto Lobo. Comentários ao Novo Estatuto da Advocacia e da OAB, ed. 1994, p. 93). Pois bem! No caso em exame, anoto que a ação foi distribuída no dia 18.02.2016 e a sentença foi proferida no dia 06.02.2018. O processo foi desenvolvido sem percalços e a questão não era de grande complexidade, restringindo-se a produção da prova. Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 21 Ora, não é razoável que nesses casos a verba honorária seja fixada em 10% sobre o valor da causa (valor mínimo), pois ainda assim apresenta um resultado excessivo, comparativamente com o trabalho desenvolvido. Logo, aplicando a regra do artigo 85, §8º do Código de Processo Civil, tomando por base o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço e a baixa complexidade da causa, fixo a verba honorária em R$10.000,00 (dez mil reais), a ser rateada proporcionalmente entre todos os réus, observada a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. 15. Diante do exposto, voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso, para conceder o benefício da assistência judiciária gratuita aos apelantes que o pleitearam e minorar a verba honorária advocatícia. III- DECISÃO ACORDAM os Desembargadores integrantes da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em dar parcial provimento ao recurso, para conceder aos apelantes o benefício da gratuidade processual e minorar o valor fixado a título de honorários advocatícios, mantendo a sentença na parte em que julgou procedente o pedido para declarar o domínio do imóvel usucapiendo. O Juiz Subst. em 2ºG Fabian Schweitzer manifestou voto no sentido de dar provimento integral ao recurso. Diante da divergência foi aplicada a regra do artigo 942 do Código de Processo Civil e convocados para compor o quórum alongado os Desembargadores Ramon de Medeiros Nogueira e Rosana Amara Girardi Fachin. O Desembargador Ramon de Medeiros Nogueira acompanhou o voto divergente do Juiz Subst. em 2ºG. Fabian Schweitzer. A Desembargadora Rosana Amara Girardi Fachin acompanhou o voto do relator. Declaração de voto vencido em separado. Apelação Cível nº 709-64.2016.8.16.0095 22 O julgamento foi presidido pelo Desembargador LAURI CAETANO DA SILVA, relator, e dele participaram os Desembargadores FERNANDO PAULINO DA SILVA WOLFF FILHO, RAMON DE MEDEIROS NOGUEIRA, ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN e o Juiz Subst. em 2ºG. FABIAN SCHWEITZER. Curitiba, 10 de abril de 2019. DES. LAURI CAETANO DA SILVA Relator
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