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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1297512-5, DA 3ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CURITIBA
Apelante : DAVID FERNANDO DIAZ FLORES
Apelados : MUNICÍPIO DE CURITIBA
Relator : Des. LEONEL CUNHA EMENTA 1) DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PROFISSIONAL DE SAÚDE (ENFERMAGEM). CUMULAÇÃO DE CARGOS. HORÁRIOS QUE NÃO CONFLITAM, MAS QUE RESULTAM EM JORNADA EXTENUANTE. INCOMPATIBILIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO E INDISPONIBILIDADE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. a) No caso, a acumulação de cargos pretendida, ainda que privativos de profissionais de saúde, acarretaria jornada de trabalho diária e semanal excessiva ao servidor, o que a médio ou longo prazo fatalmente poderia comprometer a qualidade do serviço público prestado, bem como a sua própria saúde. b) Deve-se levar em conta a proteção do trabalhador, bem como a do paciente, observando-se o princípio da dignidade humana e os valores sociais do trabalho. Não se deve perder de vista que a realização de plantões sucessivos e intensos coloca em risco a segurança do trabalho, bem como a saúde dos profissionais e dos pacientes por eles atendidos. Trata- se, portanto, de direito fundamental que não pode ser objeto de livre disposição por seu titular. c) A "compatibilidade de horários" do art. 37, XVI, da Constituição Federal não se confunde com a mera "não coincidência" das jornadas. Para haver compatibilidade, além de os horários não se interseccionarem, deve, também, haver suficiente intervalo para repouso satisfatório, alimentação, deslocamento e higiene, dentre outros. d) Assim, não é ilegal o ato da Administração Pública que não investe no cargo o servidor nomeado na área de saúde, ao verificar que sua investidura acarretaria acumulação de cargos com intervalos mínimos para deslocamento, descanso, alimentação e higiene. Comprometendo potencialmente sua saúde, dos pacientes e a qualidade do serviço. 2) APELAÇAÕ CÍVEL A QUE SE NEGA PROVIMENTO, CONFIRMANDO A SENTENÇA POR DIVERSO FUNDAMENTO. Vistos, RELATÓRIO
1) DAVID FERNANDO DIAZ FLORES, em 10 de junho de 2013, ajuizou AÇÃO ANULATÓRIA em face do MUNICÍPIO DE CURITIBA. Alegou, inicialmente, que: a) prestou concurso público para o cargo de enfermeiro, de acordo com o Edital nº 01/2008 da Prefeitura Municipal de Curitiba, ficando classificado em 269º; b) foi convocado para a nomeação; c) compareceu no dia e hora marcados, informando a possibilidade de cumular a função perante o MUNICÍPIO com o emprego que exercia como enfermeiro na FUNPAR, como celetista, com carga horária de 30 horas das 13h às 19h; d) houve parecer preliminar pela incompatibilidade de horários, uma vez que a Unidade Básica de Saúde onde pretendia trabalhar tinha períodos apenas das 07h às 13h ou das 13h às 19h; e) apresentou uma declaração informando que tinha um novo horário de trabalho, com carga horária de 30 horas semanais; f) ainda assim, obteve indeferimento da Secretaria Municipal de Recursos Humanos por alegada
incompatibilidade de horários, que considerou que sua carga horária na outra função seria de 36 horas semanais; g) a Constituição Federal garante o acúmulo de dois cargos para profissionais de saúde com compatibilidade de horários; h) poderia desempenhar a seguinte jornada de trabalho: das 07h às 15:12 na FUNPAR e das 17h às 23h na Unidade Básica de Saúde; j) assim, há compatibilidade de horários; k) a autoridade pratica ato ilegal que fere seu direito de assumir ambos os cargos. Assim requereu fosse deferida a posse no cargo.
2) O MUNICÍPIO DE CURITIBA contestou (fls. 113/125), alegando que: a) as atividades de saúde no MUNICÍPIO são todas de 40h, o que demonstra a incompatibilidade de horários; b) deve-se levar em consideração a existência de intervalos para deslocamento, repouso e alimentação; c) há, assim, material incompatibilidade de horários; d) o processamento que levou ao indeferimento da posse foi regular; e) a possível futura redução da jornada de trabalho perante a FUNPAR não influencia o indeferimento, uma vez que é um fato futuro. Assim, requereu o indeferimento da pretensão inicial.
3) A sentença (fls. 184/192) julgou improcedente o pedido pelos seguintes fundamentos: a) foram observadas as regras do Edital; b) os prazos processuais foram respeitados; c) não ficou comprovada a ilegalidade ou abuso de poder; d) "não pode a Administração Pública ficar a mercê de candidato, ainda que aprovado, tampouco lhe estendendo prazos eternamente" (p. 190); e) deve-se respeitar a isonomia com os demais candidatos.
4) O Autor apelou (fls. 198/241), reiterando os mesmos argumentos da inicial.
5) Contrarrazões nas fls. 226/235.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
A sentença merece ser mantida, ainda que por outros fundamentos.
A questão de fundo discutida nos autos é a possibilidade de o Apelante cumular dois cargos de profissional de saúde com alegada compatibilidade de horários. Independentemente da regularidade dos trâmites administrativos, caso fizesse jus à cumulação,
for força do art. 5º, XXXV (inafastabilidade da prestação jurisdicional), da Constituição Federal, poderia o Judiciário reconhecer tal direito e determinar à Administração que efetivasse a posse do Apelado, por mais correto que tivesse sido, formalmente, o procedimento administrativo.
Ocorre, contudo, que, no caso, o Apelante não faz jus à cumulação.
Observa-se na f. 21 a declaração da FUNPAR de que ele poderia, como alega, fazer a escala em horário das 07:00 às 15:12 e que há cargo na rede municipal com horário das 17:00 às 23:00 (f. 50), contudo, materialmente, a cumulação é impossível.
Em cada caso deve ser verificada a razoabilidade da situação, não sendo possível se admitir acumulações que imponham cargas excessivas ao servidor, o que a médio ou longo prazo fatalmente poderão comprometer a qualidade do serviço que desempenha, bem como sua própria saúde.
Com efeito, a Administração Pública conta em seu favor com a conveniência de buscar a melhor prestação do serviço público em prol dos seus
administrados, devendo auferir corretamente se a acumulação de horários é ou não compatível entre as atividades a serem exercidas pelo seu funcionário.
No caso, o Apelante cumularia cargos, tendo entre as 23:00 de um dia e as 7:00 do dia seguinte para deslocamento, alimentação, higiene, além de um pequeno intervalo entre as 15:12 e 17:00. Vale dizer: teria seu tempo de descanso seriamente comprometido, colocando em risco a própria saúde, o bom desempenho do trabalho, e, por consequência, a saúde e a vida dos pacientes da rede pública.
Ainda que se julgue apto para desempenhar suas funções dentro de uma jornada tão extenuante, é bem de ver que inexoravelmente afetaria sua integridade física, sendo atentatória à própria dignidade humana, que é indisponível.
Ademais, também deve ser observado o interesse público na boa prestação do serviço, conforme o princípio da eficiência.
Assim, mesmo que objetivamente haja possiblidade de não conflitar os horários, materialmente a compatibilidade não se configura ante a extenuante
jornada que se daria, afrontando a indisponibilidade da dignidade humana.
É esse o entendimento mais recente do STJ:
"ADMINISTRATIVO. PROFISSIONAIS DE SAÚDE. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. ART. 37, XVI, "C", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E § 2º DO ART. 118, DA LEI N. 8112/1990. OPÇÃO POR UM DOS CARGOS. INCOMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. LIMITAÇÃO DE JORNADA PREVISTA NO PARECER GQ-145/1998, DA AGU. 1. Nos termos dos arts. 37 da CF e 118 da Lei n. 8.112/1990, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, ressalvados os casos expressamente previstos no art. 37, XVI, da CF, dentre eles o de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, desde que haja compatibilidade de horários e os ganhos acumulados não excedam o teto remuneratório previsto no art. 37, XI da Lei Maior. 2. Sobre o tema, o entendimento desta Corte era no sentido de que, não havendo limitação constitucional ou legal, quanto à jornada laboral, não era possível impedir o exercício do direito de o servidor público acumular dois cargos privativos de profissional da saúde. A prova da ineficiência do serviço ou incompatibilidade de horários
ficaria a cargo da administração pública. 3. Contudo, no julgamento do MS 19.336/DF, DJe de 14/10/2014, acórdão da lavra do Min. Mauro Campbell Marques, a Primeira Seção assentou novo juízo a respeito da matéria ao entender que o Parecer GQ-145/98 da AGU, que trata da limitação da jornada, não esvazia a garantia prevista no inciso XVI do artigo 37 da CF, ao revés, atende ao princípio da eficiência que deve disciplinar a prestação do serviço público, notadamente na saúde. 4. O legislador infraconstitucional fixou para o servidor público a jornada de trabalho de, no máximo, 40 horas semanais, com a possibilidade de 2 horas de trabalho extras por jornada. Partindo daí, impõe-se reconhecer que o Acórdão TCU 2.133/2005 e o Parecer GQ 145/98, ao fixarem o limite de 60 horas semanais para que o servidor se submeta a dois ou mais regimes de trabalho deve ser prestigiado, uma vez que atende ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade. 5. Assim, as citadas disposições constitucionais e legais devem ser interpretadas restritivamente, levando-se em conta a proteção do trabalhador, bem como a do paciente, observando-se o princípio da dignidade humana e os valores sociais do trabalho. Não se deve perder de vista que a realização de plantões sucessivos e intensos
coloca em risco a segurança do trabalho, bem como a saúde dos profissionais e dos pacientes por eles atendidos. Trata-se, portanto, de direito fundamental que não pode ser objeto de livre disposição por seu titular. Recurso especial improvido." (REsp 1435549/CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 03/12/2014)
ANTE O EXPOSTO, voto por que seja negado provimento ao Apelo, confirmando a sentença por fundamento diverso.
DECISÃO
ACORDAM os integrantes da Quinta Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em negar provimento ao Apelo e confirmar a sentença por fundamento diverso.
Participaram do julgamento os Desembargadores NILSON MIZUTA, Presidente com voto, e LUIZ MATEUS DE LIMA.
CURITIBA, 03 de março de 2015. Desembargador LEONEL CUNHA Relator
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