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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ 12ª CÂMARA CÍVEL - PROJUDI Autos nº. 0020716-97.2015.8.16.0035 Apelação Cível n° 0020716-97.2015.8.16.0035 1ª Vara Cível de São José dos Pinhais VIVIANE KARINA TEIXEIRAApelante(s): DOMINGOS RODRIGUES CARDOSOApelado(s): Relator: Desembargador Rogério Etzel Apelação Cível. Procedimento de Restituição de Valores c/c Indenização por Danos Materiais e Morais. Sentença de procedência. Inversão do ônus da prova pelo juízo de origem, com fulcro no CDC. Relação contratual entre advogado e cliente. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Relação jurídica regida por regime próprio (Lei nº 8.906/1994). Nulidade da sentença. Responsabilidade da advogada subjetiva. Necessidade de demonstração de culpa. Modulação dos efeitos. Vício que não se estende ao litisconsorte. Não incidência da teoria da causa madura, diante da ausência de fase instrutória. Recurso conhecido e julgado prejudicado, com reconhecimento, de ofício, de nulidade parcial da .sentença 1. Ocorrida a inversão do ônus da prova, com fundamento no Código de Defesa do Consumidor, em caso que discute relação contratual entre advogado e cliente, a anulação, de ofício, de parte da sentença é medida que se impõe, uma vez que se trata de relação jurídica regida por regime próprio (Lei nº 8.906/1994). 2. A inexistência de fase instrutória obsta o julgamento do mérito pelo juízo , restando afastada a incidência da teoria da causaad quem madura. Relatório Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por Viviane Karina Teixeira contra sentença prolatada na seq. 161.1 dos autos de Procedimento de Restituição de Valores c/c Indenização por Danos Materiais e Morais nº 20716-97.2015.8.16.0035, em que o juízo de origem assim consignou: Em face ao exposto, JULGO PARCIALMENTE o pedido inicial (art. 487, I, CPC), para:PROCEDENTE a) condenar as rés à restituição do montante de R$8.463,36 (oito mil, quatrocentos e sessenta e três reais e trinta e seis centavos), corrigido monetariamente pelo INPC desde cada desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a citação; b) condenar as rés ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), corrigido monetariamente pelo INPC e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, ambos desde esta data. Condeno as rés ao pagamento de 75% das custas processuais e o autor ao pagamento dos 25% restantes. Fixo os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação (art. 85, §2º do CPC), a ser rateado na mesma proporção. Em suas razões recursais (seq. 166.1 em primeiro grau), a apelante sustentou, em suma, que: há ilegitimidade passiva, na medida em que juntou, na ação revisional nºa) 10008-56.2013.8.16.0035, substabelecimento sem reserva de poderes para outro advogado; b) ainda que não tivesse havido o substabelecimento, verifica-se que o serviço jurídico foi prestado com êxito pela recorrente; o apelado não comprova o efetivo pagamento dec) qualquer valor à apelante; no que tange as prestações do financiamento bancário, restoud) incontroverso que, após o deferimento da consignação em juízo, foram emitidos boletos para pagamento, no entanto, tais valores não foram depositados; a apelante não figura noe) contrato apresentado pela ora recorrido; a atuação da recorrente foi indireta e gratuita, naf) medida em que era funcionária dos legítimos procuradores do apelado; a cedente dosg) boletos acostados aos autos é a empresa Kotovicz e Dantas Consultoria Administrativa LTDA – ME; não se aplica inversão do ônus da prova, na medida em que a relação advogado eh) cliente não se caracteriza como relação de consumo; os valores pleiteados dizem respeito ai) pagamentos efetuados somente à empresa Kotovicz e Dantas Consultoria Administrativa LTDA – ME; não há prova de dano causado pela apelante ao apelado, razão pela qual nãoj) pode prevalecer a condenação de indenização por danos morais. Postulou pelos benefícios da assistência judiciária gratuita para fins do trâmite recursal. Ainda, pleiteou o provimento do presente recurso, a fim de que seja acolhida a preliminar de sua ilegitimidade passiva. Alternativamente, requereu seja a ação julgada improcedente, no que tange sua condenação. Por fim, postulou, pela condenação do apelado ao pagamento de multa por litigância de má-fé. Em contrarrazões (seq. 171.1 em primeiro grau) o apelado aduziu, em suma, que: a juntada do substabelecimento pela apelante, nos autos da ação revisional contratual,a) ocorreu quatro (04) dias após a sentença de improcedência; dois (02) meses antes dab) sentença, quando houve a concessão do pedido de busca e apreensão, a recorrente já possuía 1. a. conhecimento de que os depósitos judiciais, pelos os quais o recorrido vinha efetuando o pagamento, não foram realizados; a apelante não comprovou sua alegação de que erac) contratada pelo escritório que representava o recorrido. Determinou-se a intimação da recorrente para juntar comprovação de sua hipossuficiência financeira (seq. 9.1). A apelante acostou documentação às seqs. 12.2-12.3. Indeferido o pedido de justiça gratuita para o trâmite recursal, foi determinada a intimação da apelante para efetuar o preparo recursal (seq. 14.1), devidamente realizado, conforme consta da seq. 20. Vieram os autos conclusos (seq. 21). Fundamentação Presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, conheço o presente recurso. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor De início, cumpre ressaltar que o juízo de origem utilizou o Código de Defesa do Consumidor para inverter o ônus da prova, conforme consta da seq. 124.1 dos autos em primeiro grau: Vistos e examinados. Para evitar prejuízo às partes na produção das provas, defiro a inversão do ônus da prova. Tenho que a relação é, realmente, de consumo. Ademais, logicamente a parte autora é hipossuficiente tecnicamente perante a parte ré. Assim, com base no art. 6°, VIII do Código de Defesa do Consumidor, defiro a inversão do .ônus da prova Assim, neste novo contexto, intimem-se novamente as partes para que especifiquem as provas que pretendem produzir, no prazo de 05 dias, indicando a real necessidade e pertinência da cada uma. No mesmo prazo, poderão indicar os pontos de fato e de Direito que entendem controvertidos, em colaboração com o Juízo nesse aspecto. Intimem-se e, vencido o prazo, tornem para saneamento. (sem grifos no original) Assim, ao fundamentar a sentença atacada, a magistrada singular sustentou que não havia qualquer demonstração de que o serviço contrato efetivamente foi prestado, aduzindo que este ônus competia às rés, diante da inversão do ônus da prova. Ocorre, porém, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacifica quanto à inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na hipótese em análise, qual seja, relação contratual entre advogados e clientes, na medida em que existe diploma normativo específico regulamentando tal vínculo. Veja-se: (…) 3. Éorientação assente do STJ que o Código de Defesa do Consumidor - CDC - não é aplicável às relações contratuais as quais são regidas pelo Estatuto daentre clientes e advogados, Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, aprovado pela Lei n. 8.906/94. , Rel. Ministro SIDNEIPrecedentes: REsp 1.228.104/PR BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2012, DJe 10/04/2012; Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DEREsp 1123422/PR, NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 04/08/2011, DJe 15/08/2011; REsp 1.155.200/DF, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 02/03/2011; , Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJeAgRg no AREsp 429026/PR de 20/10/2015. AgInt no REsp 1446090/SC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 27/03/2018) (sem grifos no original) (...) . Na linha da jurisprudência do STJ não se aplica o Código de Defesa do Consumidor à relação contratual entre advogados .e clientes, a qual é regida por norma específica - Lei n. 8.906/94 (AgRg no AgRg no AREsp 773.476/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe 01/08/2018) (sem grifos no original) Destarte, ante a não incidência da legislação consumerista ao caso em tela, de rigor seria a revaloração, pelo juízo , do acervo probatório produzido no decorrer daad quem instrução processual, a fim de proceder a verificação da responsabilidade da apelante perante os danos que o ora apelado (autor) alega ter sofrido (teoria da causa madura). No entanto, na medida em que houve o julgamento antecipado da lide (seq. 135.1 em primeiro grau), com a consequente supressão da fase instrutória, tal proceder resta comprometido no caso em apreço. Logo, necessário se faz o reconhecimento, de ofício, de nulidade da sentença proferida pelo primeiro grau de jurisdição. Neste sentido: DIREITO CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAS. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NOVO. DEMANDA AJUIZADA EM FACE DOS VENDEDORES. ALEGAÇÃO DE VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO DO IMÓVEL. PLEITO DE REPARAÇÃO CIVIL. INAPLICABILIDADE DO PRAZO DECADENCIAL PREVISTO NO ARTIGO 445 DO CÓDIGO CIVIL. PARTE QUE NÃO PRETENDE A REDIBIÇÃO DO CONTRATO. APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL. ART. 206, §3º, V, DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA ANULADA, COM RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA JULGAMENTO DA AÇÃO. FEITO QUE NÃO SE ENCONTRA APTO PARA JULGAMENTO, ANTE A AUSÊNCIA DE FASE INSTRUTÓRIA. RECURSO . (TJPR - 12ª C.Cível -CONHECIDO E PROVIDO 0020323-83.2016.8.16.0021 - Cascavel - Rel.: Ivanise Maria Tratz Martins - J. 06.09.2018) (sem grifos no original) Inclusive, em caso análogo, já se manifestou este Relator: Apelação Cível. Ação de indenização por danos materiais e morais. Procedência no primeiro grau de jurisdição. Juízo de admissibilidade. Não conhecimento da “emenda à apelação”. Ocorrência de preclusão consumativa. Mérito. Relação contratual entre advogado e cliente. Inaplicabilidade do Código de Defesa Acolhimento. do Consumidor. Relação jurídica regida por Modulação dosregime próprio (Lei nº 8.906/94). Nulidade. efeitos. Vício que não se estende ao litisconsorte. Não incidência do princípio da causa madura diante da ausência de fase Apelo conhecido em parte e, nessa extensão,instrutória. prejudicado, com reconhecimento, de ofício, da nulidade parcial da sentença proferida na instância originária. 1. Não se revela possível o conhecimento de razões complementares apresentadas após a interposição do recurso de apelação, ante a ocorrência de preclusão consumativa. 2. Fundamentada a responsabilização civil do apelante na existência de responsabilidade objetiva decorrente da incidência dos artigos 14 e 17 do estatuto consumerista, a anulação, de ofício, da sentença é medida que se impõe, haja vista se tratar de relação jurídica regida pela Lei nº 8.906/94. 3. A inexistência de fase instrutória obsta o julgamento do mérito por esta Corte (TJPR - 12ª C.Cível -(princípio da causa madura). 0025531-11.2013.8.16.0035 - São José dos Pinhais - Rel.: Rogério Etzel - J. 21.03.2019) (sem grifos no original) Frise-se que, na medida em que eventual responsabilização da advogada possui caráter subjetivo, a cassação da sentença atacada se mostra imperiosa a fim de que seja devidamente averiguado a ocorrência ou não de culpa por parte da procuradora, eis que se trata de requisito primordial na configuração da responsabilidade civil para o caso em tela. a. Da modulação dos efeitos do reconhecimento da nulidade Sem prejuízo do exposto acima, a existência de litisconsórcio passivo simples conduz à necessária modulação dos efeitos do reconhecimento da nulidade. Isto porque, se por um lado a sentença se mostra nula por ter aplicado a legislação consumerista em desfavor da ora apelante, por outro, não incorreu em qualquer ilegalidade ao fazer incidir tal diploma normativo na relação travada entre o recorrido e a empresa Kotovicz e Dantas Consultoria Administrativa LTDA – ME. Consequentemente, há de se reconhecer a nulidade do comando judicial , mantendo-se, quanto ao outro litisconsorte, asomente em relação à ora apelante validade da sentença atacada. Sobre o tema, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: (...) 1. Havendo relação jurídica em que há formação de litisconsórcio facultativo ativo, a ocorrência de nulidade processual decorrente de deficiência inerente à realização dos atos processuais relacionados a apenas uma das partes não contamina o provimento jurisdicional dirigido aos demais litisconsortes se com estes não guardar nenhuma . (REsp 532.559/RS, Rel. Ministro JOÃOcorrespondência OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/05/2007, DJ 31/05/2007, p. 415) – sem grifos no original. (...) 3. Correto o Tribunal a quo que declarou a nulidade da sentença, em razão da falta de citação, apenas em relação ao réu não citado, mantidos os demais atos quanto aos outros demandados, tendo em vista a condição de litisconsórcio simples (REsp 1378384/AC, Rel. Ministro MAUROentre eles. CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/10/2013, DJe 24/10/2013) – sem grifos no original. Deste modo, ante a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à relação entre advogado e cliente, a parcial anulação da sentença atacada, de ofício, é a medida que se impõe, devendo ser reaberta a fase instrutória da presente demanda, conforme fundamentação supra. 3. Disposições finais Diante todo o exposto, voto no sentido de conhecer o presente recurso e , ante a declaração, , de da sentençajulgar-lhe prejudicado de ofício nulidade parcial .atacada Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 12.ª Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e julgar-lhe prejudicado, ante a declaração, de ofício, de nulidade parcial da sentença atacada. O julgamento foi presidido pela Desembargadora Ivanise Maria Tratz Martins, sem voto, e dele participaram Desembargador Rogério Etzel (relator) e Juiz de Direito Substituto em 2º Grau Doutor Luciano Carrasco Falavinha Souza e Juiz de Direito Substituto em 2º Grau Doutor Alexandre Gomes Gonçalves. Curitiba, 10 de julho de 2019. Des. Rogério Etzel Relator
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