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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ 12ª CÂMARA CÍVEL - PROJUDI RUA MAUÁ, 920 - ALTO DA GLORIA - Curitiba/PR - CEP: 80.030-901 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000994-04.2017.8.16.0166 DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE TERRA BOA APELANTE : MARIA ZANIBONI APELADA : DANIELA ZANIBONI RELATORA : DES.ª IVANISE MARIA TRATZ MARTINS CIVIL E PROCESSUAL CIVIL AÇÃO DE INTERDIÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PROVA INEQUÍVOCA E CONVINCENTE DA INCAPACIDADE DA CURATELADA AO EXERCÍCIO DOS ATOS DA VIDA CIVIL. CONCLUSÃO PERICIAL CONTUNDENTE À CURATELA, CORROBORADA PELO DEPOIMENTO PRESTADO EM AUDIÊNCIA. CURATELADA QUE É SUPERVISIONADA E DEPENDENTE DE SUA IRMÃ, DESDE O FALECIMENTO DE SEUS PAIS. NOMEAÇÃO DE CURADOR QUE SE MOSTRA MEDIDA DE PROTEÇÃO AOS INTERESSES DA CURATELADA. ARTIGO 84, § 1º, DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (LEI Nº 13146/2015). 1. A curatela é medida extrema que deve ser concedida diante de provas irrefutáveis da incapacidade do indivíduo para praticar os atos da vida civil. Isto porque a fictícia capacidade civil titularizada por quem não pode de fato exercê-la torna o indivíduo ainda mais indefeso e vulnerável e a proteção de seus direitos fundamentais frágil e comprometida. 2. In casu, a curatelada possui deficiência mental, tendo sido atestado por prova pericial que não reconhece dinheiro, não conhece pessoas e não se situa no tempo e espaço, sendo supervisionada por toda sua vida, não praticando qualquer ato sem auxílio, de modo que, revelando os elementos dos autos sua incapacidade, deve ser procedida a nomeação de curadora. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível (nº 0000994-04.2017.8.16.0166, da Vara Cível de Terra Boa , em que é Apelante MARIA ZANIBONI e Apelada DANIELA ZANIBONI. I - RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível interposta contra sentença proferida nos autos de Ação de Interdição nº 0000994-04.2017.8.16.0166, que julgou improcedente a ação. Irresignada, alega a Autora que a Ré é acometida por deficiência mental, devendo ser representada não só para recebimento do benefício deixado pela mãe, mas também para regularização junto à instituição financeira. Afirma que por ser irmã não consegue prestar o auxilio necessário com dispensa ao termo de curatela, não se aplicando o artigo 110-A da Lei nº 8213/91. Contrarrazões apresentadas ao mov. 79. Parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça ao mov. 8, pelo provimento do recurso. É o relatório. II – FUNDAMENTAÇÃO Presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos inerentes à espécie, impõe-se o conhecimento do recurso de apelação. E, no mérito, o apelo merece provimento. Destaque-se no caso em apreço a nova sistemática trazida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, que primou pela preservação da autonomia e dignidade do indivíduo, com respeito a sua cidadania, acessibilidade, educação, trabalho e do combate ao preconceito e à discriminação. Nesta sistemática, emerge a noção de que a pessoa com deficiência deve ser respeitada como ser humano titular de direitos fundamentais que não podem ser menosprezados em razão de sua limitação. Assim, não se aceita que sejam colocadas à margem da sociedade e se tornem invisíveis aos olhos do poder público e da comunidade. Desta forma, vislumbra-se especial cuidado do legislador para que as demandas se atenham estritamente à limitação específica da pessoa protegida, de modo a preservar sua autonomia da maneira mais ampla possível, bem como estimular sua interação e atuação social, nos limites de sua capacidade. Vejamos. Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1o Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei. § 2o É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada. § 3o A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível. Verifica-se, contudo, que no caso em apreço, a curatelada não tem condições de reger-se, de administrar-se e de praticar atos da vida civil, sendo sempre supervisionada pela recorrente, sua irmã, com quem reside desde o falecimento de seus genitores. Consta dos autos que a curatelada possui deficiência mental, tendo sido juntado aos autos declaração médica que atesta deficiência mental (CID F 72) e ausência de condições para “gerir seus negócios bem como os atos da vida civil, necessitando cuidados constantes de terceiros. É invalida para o trabalho” (mov. 1.10), o que foi corroborado pela médica que atende a curatelada desde seu nascimento (mov. 27). Na audiência de oitiva realizada, inclusive, constata-se que a curatelada não sabe dizer seu nome e sobrenome quando questionada, tampouco sua idade e o dia de seu aniversário. Ainda, sabe que mora com a irmã, ora Apelante, que a mesma tem filhos mas não sabe seus nomes. Questionada sobre seus problemas de saúde, disse ter tonturas e dores de cabeça, que é medicada pela sua irmã, porque não sabe os horários. Afirma que é a irmã que vai ao supermercado e paga suas despesas (mov. 26). Solicitada perícia médica pelo juízo, foi a mesma realizada com apresentação do laudo ao mov. 37, que assim constou: Em resposta à vossa solicitação segue avaliação da paciente: DANIELA ZANIBONI: Paciente com dificuldade de comunicação, trazida pela irmã que refere problemas de cabeça. Nasceu de pano normal(?), Irmã não sabe relatar quando irmã começou a falar. Foi a escola mas não aprendeu a ler nem escrever. Frequentou a APAI durante um ano. Não tem HD definido. Faz uso de HIDANTAL mais ou menos 10 anos, nega diabetes, refere hipertensão mas não sabe o nome da medicação. Durante a entrevista apresenta déficit cognitivo. Não localizada no tempo e espaço. Controla esfincteres, pede alimentos. Nunca menstrua, foi ao ginecologista mas não sabe () motivo(hormonal?), Não tem vida social, não tem amizades, não sai sozinha, não conhece dinheiro, não realiza compras. Déficit intelectual Retardo do desenvolvimento mental. Diante destes fatos, não há outra conclusão que não pela imposição de curatela como medida que mais atende aos interesses de Daniela, que perderá uma fictícia capacidade civil, pois de fato não pode exercê-la, a uma efetiva, embora exercida por terceiro, sua irmã. Ao contrário do que entende o magistrado de origem, o simples fato de a curatelada não ter patrimônio não sugere uma desnecessidade de fixação da curatela para os atos da vida patrimonial, eis que inúmeros são os atos mais corriqueiros para o qual precisa de ajuda, pelo simples fato de, como constou no laudo pericial, não reconhecer dinheiro e conseguir se localizar no tempo e espaço. Inclusive, demonstrou a apelante que o INSS exigiu, para fins de concessão de pensão por morte, o termo de curatela de Daniela (mov. 1.17). A par de ser a exigência do órgão previdenciário legal ou não, o que se tem por concreto é a necessidade de declarar a curatela de Daniela como forma de garantir e respeitar seus mais singelos direitos. Neste sentido, inclusive, manifestou-se a d. Procuradoria Geral de Justiça: “Primeiramente, não se trata de recebimento de benefício previdenciário decorrente da incapacidade, mas sim do recebimento de pensão deixada pela mãe, situação que modifica em parte o quadro. Ademais, sabe-se que os valores vertidos pelo Governo, seja a título de pensão, seja a título de benefício assistencial, o são através de instituição bancária, local em que se faz necessária a representação no caso de alguma incapacidade. Dessa forma, sem a sua declaração judicial não há como regularizar pendências desse porte. Registre-se, ainda, que a Recorrida é pessoa maior (35 anos – seq. 1.9), mas considerada dependente pela qualidade de invalidez decorrente da saúde mental, motivo pelo qual pleiteou a pensão por morte da sua mãe (seq. 1.16-1.18). Conclui-se, portanto, que o recebimento desse benefício precisa ser feito por pessoa que a represente. Considerando que é a irmã quem pretende ocupar esse encargo há necessidade de decisão judicial nesse sentido, visto que o parentesco bilateral não comporta a presunção de representação legal de plano.(...) Diante das provas produzidas e que conduzem à evidente incapacidade da Apelada imprescindível que seus direitos sejam salvaguardados, o que somente poderá ocorrer com o deferimento da Curatela. Independente das novas regras sobre o Instituto aqui discutido não se pode negar proteção àquele que a reivindica em juízo. Veja-se que a legislação sobre os portadores de deficiência objetivou a inclusão social retirando a incapacidade plena, mas manteve o intuito de resguardar o portador de alguma debilidade intelectual. Negar o direito buscado deixará a Requerida sem a proteção que o ordenamento jurídico lhe garante, situação que não se pode admitir, impondo-se a reforma do julgado de origem. Procedente o recurso interposto, reformando-se a sentença, para que seja declarada a incapacidade da Ré no que corresponde aos atos negociais e patrimoniais da vida civil, nomeando-se a Apelante como sua representante e Curadora.” Já decidiu no mesmo sentido este E. Tribunal (com destaques): DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INTERDIÇÃO E CURATELA. PEDIDO DE LIMITAÇÃO AOS ATOS PATRIMONIAL E NEGOCIAL. CURATELA COMO MEDIDA EXCEPCIONAL. ART. 84 DA LEI N. 13.146/2015 (ESTATUTO DAPESSOA COM DEFICIÊNCIA E DA INCLUSÃO SOCIAL). HIPÓTESES DO ART. 1.767 DA LEI N. 10.406/2002 (CÓDIGO CIVIL) CONFIGURADAS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DAS LEGISLAÇÕES VIGENTES. PRESUNÇÃO DE CAPACIDADE QUE NÃO SE EXTRAI DO CASO EM ANÁLISE. ATESTADOS MÉDICOS ALIADO AO INTERROGATÓRIO DO INTERDITADO QUE INDICAM INCAPACIDADE PARA OS DEMAIS ATOS DA VIDA CIVIL. LIMITAÇÃO DA CURATELA INDEVIDA. PRESERVAÇÃO DOS INTERESSES DO INTERDITADO. 1. Por definição, a curatela de pessoa com deficiência constitui-se em medida protetiva extraordinária, adstrita às hipóteses do art. 1.767 da Lei n. 10.406/2002 (Código Civil); senão, que, em linha mesmo com o disposto no art. 84 da Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoacom Deficiência e da Inclusão Social). 2. No caso em análise é necessário a interpretação sistemática entre às disposições do Estatuto da Pessoa com Deficiência e da Inclusão Social (Lei n. 13.146/2015) e a Lei n. 10.406/2002 (Código Civil). Apelação Cível n. 1.734.380-3 ? p. 2 3. Impossibilidade de limitação da curatela aos atos patrimonial e negocial. Contexto fático e probatório (declaração médica e laudo pericial), aliado ao interrogatório do interditado que permitem concluir a necessidade de auxílio para os demais atos da vida civil. 4. Recurso de apelação cível conhecido, e, no mérito, não provido. (TJPR – 12ª CCv – AC 1.734.380-3 – Rel Des. Mario Luiz Ramidoff – j. 18/04/2018) RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO DE INTERDIÇÃO - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - PARCIAL REFORMA - IDADE AVANÇADA E SEQUELAS NEUROLÓGICAS E MOTORAS DECORRENTES DE ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL (AVC) - CONJUNTO PROBATÓRIO QUE APONTA A NECESSIDADE DE AUXÍLIO PARA ATOS MAIS COMPLEXOS DA VIDA CIVIL - ALTERAÇÕES DO CÓDIGO CIVIL COM O ADVENTO DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (LEI Nº 13.146/15) - EXTRAORDINARIEDADE DA CURATELA - LIMITAÇÃO AOS ATOS NEGOCIAIS E ECONÔMICOS - EXERCÍCIO COMPARTILHADO DO ENCARGO - MELHOR INTERESSE DO INTERDITANDO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (TJPR - 12ª C.Cível - AC - 1613606-0 - Cascavel - Rel.: Denise Kruger Pereira - Por maioria - J. 05.07.2017) Oportuno pontuar que a curatela não é uma penalidade, mas uma medida de proteção à pessoa e ao patrimônio do curatelado. Nesses casos, deve ser dada especial atenção ao conjunto dos fatos que envolvem a vida, a saúde, as relações sociais e familiares. E a nova sistemática legislativa não trouxe a ideia da curatela como uma penalidade que deve ser evitada a qualquer custo, mas como medida de proteção à pessoa e ao patrimônio do curatelado, evidenciando a necessidade de ser dada especial atenção ao conjunto dos fatos que envolvem a vida, a saúde, as relações sociais e familiares e de ser preservada a intimidade, a autonomia e dignidade do indivíduo. Embora no contexto das partes não seja adequado a aplicação da Tomada de Decisão Apoiada, medida mais branda que a da curatela, tal não impede a aplicação da medida existente e que maior atende os interesses do curatelado, eis que, conforme bem delineado nos autos, todas as decisões relativas à pessoa da Apelada são tomadas por sua irmã, sendo este o seu próprio interesse. Neste contexto, deve-se ter em mente que os diplomas legislativos foram reformados justamente para ampliar e tornar mais efetiva a defesa dos interesses de seus tutelados. E, no caso em apreço, a curatela é medida necessária para o resguardo dos próprios interesses da recorrida, motivo pelo qual a sentença deve ser reformada, a fim de ser reconhecida a incapacidade da Apelada para a prática dos atos da vida civil, nomeando-se a Apelante, sua irmã, para o exercício da curatela, mormente quanto aos atos de natureza negocial e patrimonial. III – VOTO Diante do exposto, é o voto no sentido de dar provimento ao recurso, para fins de decretar a curatela da Apelada, nomeando-lhe como curadora irmã, ora Apelante, devendo ser lavrado o respectivo termo de compromisso no Juízo a quo. IV – DISPOSITIVO Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 12ª Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em julgar pelo Provimento do recurso de MARIA ZANIBONI. O julgamento foi presidido pelo Desembargador Roberto Antonio Massaro, com voto, e dele participaram Desembargadora Ivanise Maria Tratz Martins (Relatora) e Juiz Subst. 2º Grau Luciano Carrasco Falavinha Souza. Curitiba, 15 de maio de 2019.
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