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Acórdão
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VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime nº 0025789-74.2019.8.16.0014 Ap, da Vara Sumariante do Tribunal do Júri (1ª Vara Criminal) doo Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Londrina, em que é Apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. I – RELATÓRIO: Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná contra a decisão de mov. 14.1, conforme pedido de providencias feito pelo Delegado de Polícia titular da Delegacia de Homicídios de Londrina/PR, o qual questiona a decisão do Habeas Corpus nº 0016048-86.2018.8.16.0000 que foi impetrado pela “Associação dos Oficiais Policiais e Bombeiros Militares do Estado do Paraná (ASSOFEPAR) contra ato do MM. Juiz de Direito da Vara da Vara Sumariante do Tribunal do Júri de Maringá – PR (1ª Vara Criminal), o qual determinou que a apuração dos delitos cometidos por militares estaduais contra civis remanesce com a Polícia Judiciária, por se tratar de crime de natureza comum e não militar” (mov. 47.1 – autos nº 0016048-86.2018.8.16.0000).O referido Habeas Corpus teve liminar indeferida, a PGJ se manifestou pelo conhecimento e denegação do pedido e no mérito do julgamento foi conhecido e teve sua ordem concedida, com o fim de determinar o trancamento do Inquérito Policial nº 28341/2019, aberto pela Polícia Civil para apurar os fatos que culminaram na morte de Paulo Jonatan de Souza Antunes durante confronto com Policiais Militares do 5º B.P.M.O Pedido de Providências autuado inicialmente pela 10ª Subdivisão Policial de Londrina, solicita as seguintes informações (mov. 1.1): “a) informe a esta Autoridade Policial se a Delegacia de Homicídios de Londrina possui atribuição para instaurar Inquérito Policial para apuração de crime doloso contra a vida de civil praticado por Policial Militar;b) se os Inquéritos Policiais em trâmite nesta Delegacia de Homicídios, que apuram crime doloso contra a vida de civil praticado por Policial Militar, continuarão em trâmite nesta Delegacia até sua conclusão” A il. Magistrada a quo respondeu as informações por meio de um despacho com o seguinte conteúdo (mov. 14.1): “Analisando todo o exposto, em que pese não haver discussões acerca da competência do Tribunal do Júri para julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticado por militares em serviço, a atribuição para a investigação do delito não é levada à Polícia Civil de maneira espontânea e exclusiva.Conforme expresso no Código Penal Militar, em seu artigo 9º, indubitável a competência do Tribunal do Júri, bem como, que o delito de homicídio praticado por policial militar em serviço não deixa de ser crime militar.A questão apresentada, nitidamente, gera controvérsias, porém, há que se atentar ao fato de que o parágrafo único, artigo 9 º do Código Penal Militar, assim como o artigo 125, parágrafo quarto, da Constituição Federal, se referem apenas à competência para julgamento, sem quaisquer menções acerca da atribuição investigativa.Outrossim, deve-se observar o exposto nos artigos 8º e 82, parágrafo segundo, do Código de Processo Penal Militar, que são claros ao tratar da instauração de Inquérito pela Polícia Militar.(...)Por todo o exposto, determino que o Inquérito Policial que apura a morte de Paulo Jonatan de Souza Antunes, bem como, eventuais delitos dolosos contra a vida de civil, praticados por policial militar em serviço, sejam processados e remetidos à Polícia Militar para a devida investigação e, após finalização, devidamente encaminhados à justiça comum.Oficiem-se aos comandantes do 5º Batalhão de Polícia Militar e da 4ª Companhia Independente da Polícia Militar de Londrina, bem como a Delegacia de Homicídios desta Comarca quanto a presente decisão prolatada”. (Grifo nosso) Então, o Ministério Público do Estado do Paraná interpôs recurso de apelação (mov. 18.1) contra a referida decisão para requerer que “seja o presente recurso conhecido e provido, a fim de que seja a decisão definitiva de mov. 14.1 reformada e os delitos dolosos contra a vida de civis praticados por policiais militares sejam investigados por inquéritos policiais instaurados, presididos e concluídos pela polícia civil – Delegado da Delegacia de Homicídios de Londrina, independente da existência de inquérito policial no âmbito militar, além da permanência das investigações sob a presidência da autoridade policial em questão” (mov. 24.1).A il. Magistrada manteve a decisão (mov. 27.1).A d. Procuradoria de Justiça se pronunciou no sentido de conhecer e dar provimento ao apelo ministerial, com o fim de “reformar a decisão objurgada, possibilitando que os delitos dolosos contra a vida praticados por militares em serviço contra civis sejam investigados por inquéritos policiais instaurados, presididos e concluídos pela polícia civil, independente da existência de IPM, além da permanência das investigações sob a presidência da autoridade policial da Delegacia de Homicídios de Londrina” (mov. 8.1 – TJPR).Por unanimidade de votos, a 1ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná não conheceu o recurso (mov. 20.1 - TJPR).O Ministério Público do Estado do Paraná interpôs recurso especial requerendo que “seja dado seguimento ao presente Recurso Especial, de modo que o Colendo Superior Tribunal de Justiça, com fulcro no artigo 105, inciso III, alínea 'a', da Constituição Federal, dele conheça e dê provimento para reformar o v. acórdão de mov. 20.1 (complementado pelo v. acórdão de mov. 8.1 – ED 1)” (mov. 1.1 – autos nº 0078521-95.2020.8.16.0014 Pet).O recurso especial foi inadmitido, vez que “Verifica-se a subsistência de fundamentos inatacados pelo Recorrente, aptos a manter a conclusão do aresto impugnado, acima em destaque. Neste passo, impõe-se o não-conhecimento da pretensão recursal, a teor do entendimento disposto na Súmula 283/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles” (mov. 7.1 – autos nº 0078521-95.2020.8.16.0014 Pet).Em sequência, o Ministério Público do Estado do Paraná interpôs agravo em recurso especial contra decisão da 1ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, exarada ao mov. 7.1 dos autos em epígrafe, que inadmitiu o recurso especial interposto pelo órgão ministerial ao mov. 1.1 e requereu “preliminarmente, a retratação da decisão agravada nos termos do artigo 1.042, § 4º, do CPC. Caso não ocorra a retratação, pede-se a remessa do agravo ao e. STJ e o consequente provimento, assegurando o conhecimento integral do Recurso Especial Crime, a fim de que seja regularmente processado e, ao final, provido nos termos das razões apresentadas ao mov. 1.1 – Pet 3” (mov. 1.1 – autos nº 0081306-30.2020.8.16.0014). O recurso de agravo foi conhecido para dar provimento ao recuso especial, a fim de “determinar que o Tribunal de origem conheça da apelação criminal e julgue o seu mérito como entender de direito” (mov. 15.1 – autos nº 0081306-30.2020.8.16.0014).É o relatório.
II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: O apelo é tempestivo e reúne todos os pressupostos de admissibilidade, intrínsecos e extrínsecos, pelo que deve ser conhecido. Mérito O Inquérito Policial nº 28341/2019 foi instaurado para apurar os fatos que ensejaram a morte de Paulo Jonatan de Souza durante um confronto com os policiais militares do 5º B.P.M. Contudo, o comando do referido batalhão informou que “em razão da competência da Polícia Judiciária Militar para a apuração de crime militar doloso contra a vida de civil, amparada pela legislação pátria em vigor (arts. 8º, 9º e 82, §2º do CPPM) e entendimento jurisprudencial (TJPR HC nº 0016048-86.2018.8.16.0000), deixou de apresentar os militares requisitados, ficando a critério deles a decisão de comparecer ao referido ato de Inquérito Policial, uma vez que já se encontra em andamento o Inquérito Policial Militar nº 55/2019 – EPROC, para a devida apuração dos fatos. Os policiais militares não compareceram nesta Delegacia de Polícia para serem inqueridos sobre os fatos. O referido HC determinou o trancamento do Inquérito Policial em trâmite na Polícia Civil naquele caso” (mov. 1.1). Apesar do resultado do julgamento do HC nº 0016048-86.2018.8.16.0000 pela determinação de trancamento do inquérito aberto pela polícia civil, destaca-se que não existiu divergência, nem em tal momento, a respeito da competência do Tribunal do Júri para julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil praticado por Policial Militar. Isso porque com o advento da Lei nº 9299/1996, a qual foi responsável por alterar a redação do art. 9º do CPM, o artigo em seu parágrafo primeiro passou a prever expressamente que esses crimes em questão devem ser julgados pelo Tribunal do Júri, veja-se: “Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:§ 1o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri”. (Grifo nosso) O art. 82, §2º do CPPM, de mesma maneira, prevê que “O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz”.Além de ter, expressamente, tal competência ao Tribunal do Júri, implicitamente também há de se pontuar que a competência para investigar os referidos delitos, portanto, é da Polícia Civil. A competência investigativa, trata-se, portanto, de uma análise constitucional, visto que o fato de que se o IPM deve ser remetido à Justiça Comum, visto que é julgado pelo Tribunal do Júri, torna-se pressuposto, quando analisado às luzes dos arts. 125, §4º e 144, §4º, ambos da Constituição Federal, os quais transcritos: “Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. (Grifo nosso) A mudança de redação do art. 9º do CPM e suas consequências, tanto explicitas como implícitas, acarretaram também na exclusão dos crimes dolosos contra a vida de civis praticados por policiais militares do rol de crimes militares, como evidenciado, de mesma maneira, pela alteração do art. 82 do CPPM a respeito da excepcionalidade do referido delito quanto ao foro militar. Recentemente, publicado no diário da justiça eletrônico nº 3.304, disponibilizado em 31/03/2023, os Desembargadores integrantes do Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, julgaram procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 8026325-26.2021.8.05.0000 com a seguinte ementa: “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINAR REJEITADA. CABIMENTO DA AÇÃO. ATO NORMATIVO QUE DISPÕE SOBRE AS MEDIDAS DE POLÍCIA JUDICIÁRIA QUE DEVEM SER ADOTADAS EM CASOS DE CRIME VIOLENTO LETAL INTENCIONAL – CVLI E ESTABELECE COMO ATRIBUIÇÃO DA POLÍCIA MILITAR E/OU CORPO DE BOMBEIROS MILITAR A INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO, POR MEIO DE SUAS CORREGEDORIAS, PARA INVESTIGAR HOMICÍDIOS DOLOSOS PRATICADOS POR SEUS AGENTES CONTRA VÍTIMA CIVIL. ALTERAÇÃO DA ESTRUTURA DE OUTROS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA ESTADUAL E A LÓGICA DO SISTEMA CONSTITUCIONAL DE INVESTIGAÇÕES. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 11, 125, 147 E 148, IV, DA CARTA ESTADUAL. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.1. Haverá cabimento da ação direta de inconstitucionalidade para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou distrital, no exercício de competência equivalente à dos Estados-membros. 2. Da simples leitura da Instrução Normativa 001/2019, verifica-se que esta não possui caráter meramente regulamentador, eis que altera a própria estrutura organizacional e lógica do sistema constitucional de investigações e, portanto, encerra vício passível de controle de constitucionalidade estadual. Preliminar de não cabimento da ação rejeitada. 3. O ato normativo impugnado dispõe sobre medidas de polícia judiciária que devem ser adotadas em casos de crime violento letal intencional (CVLI) atribuído a militar estadual, inclusive quando a vítima seja civil, e disciplina a apuração da morte ou lesão corporal de civil em confronto com militar estadual em serviço, bem como disciplina a apuração de condutas correlatadas atribuídas à polícia civil, além de dar outras providências. 4. É firme a jurisprudência desta Suprema Corte no sentido da competência do Tribunal do Júri para examinar eventuais crimes dolosos praticados por militar contra a vida de civil, cabendo ao promotor militar somente propor a remessa dos autos à Justiça competente, e ao Juízo Militar, remeter os autos ao Juízo do Tribunal do Júri. Nesse sentido: RE 1.351.688/ SP, de minha lavra, DJe 06.12.2021; RE 1.348.775/SP, de minha lavra, DJe 03.12.2021; RE 1.308.900/SP, Rel. Min. Dia Toffoli, DJe 15.9.2021; RE 1.350.341/SP, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 26.11.2021; RE 1.152.354/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 10.5.2019; RE 1.348.733/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 26.10.2021; RE 1.224.733/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 19.8.2019.5. O entendimento da Corte Superior ratifica as teses sustentadas pelo Ministério Público Estadual na presente ação, no sentido de que o processamento e julgamento dos crimes cometidos por militares estaduais não pode invadir a competência do tribunal do júri (dolosos contra a vida), quando a vítima for civil.6. Declara-se inconstitucionais os arts. 3º, 7º, 8º § 2º, 16 e 18 da Instrução Normativa 01/2019 por ofensa formal aos arts. 11, 125, 147 e 148, IV, da Constituição do Estado da Bahia, na medida em que não apenas distorcem o modelo federativo de segurança pública e atribuições investigativas dos órgãos de segurança pública estadual, como praticamente subordinam a atuação da Polícia Civil a situações específicas, enquanto a Polícia Militar mantém o poder de investigar nesses casos de forma ampla e irrestrita.7. Considerando que acaso admitido o efeito retroativo, a decisão final poderia tornar nulos todos os procedimentos e investigações realizadas com a normativa aqui questionada e que tal situação ocasionaria grave violação ao princípio da segurança jurídica, o pedido de declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex nunc mostra-se razoável para a solução da presente situação. Procedência da Ação”. (Grifo nosso) Esta recente decisão declarou inconstitucional seis artigos da Instrução Normativa Conjunta da Secretaria de Segurança Pública, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros Militar, Polícia Civil e Departamento de Polícia Técnica da Bahia. O Ministério Público do Estado da Bahia pontuou no Boletim Informativo Criminal de 2023 (BIC nº 03/2023) que[1]: “Um dos artigos declarados inconstitucionais estabelecia como atribuição da PM e do Corpo de Bombeiros Militar a instauração de procedimento investigativo, por meio de suas corregedorias, para investigar as mortes de civis decorrentes de ações de policiais militares, o que ratificaria uma “subordinação indevida de atribuições da Polícia Civil”. Outro artigo declarado inconstitucional previa que a Polícia Civil só poderia instaurar inquéritos para investigar homicídio doloso praticado por militar contra civil, com requisição do Ministério Público, do secretário de Segurança Pública ou do delegado-geral da Polícia Civil, “subordinando atribuições originárias da Polícia Civil aos demais órgãos estaduais de segurança pública”. O Tribunal acatou entendimento do MP de que a instrução normativa “criava o conceito de confronto, termo inexistente na legislação processual federal ou mesmo legislação penal federal, invadindo, assim, competência privativa da União para legislar sobre direito penal e processual penal”. No acórdão, aos desembargadores declararam inconstitucionais os artigos 3º, 7º, 8º no seu parágrafo segundo, 16º e 18º por violarem a Constituição do Estado da Bahia. A instrução Normativa alvo da ADI dispõe sobre as medidas de polícia judiciária a serem adotadas em casos de crime violento letal intencional (CVLI) atribuídos a militar estadual, inclusive quando a vítima seja civil, e disciplina a apuração da morte ou lesão corporal de civil em confronto com militar estadual em serviço, bem como a apuração de condutas correlatas atribuídas a Polícia Civil”. No mesmo trilhar, a jurisprudência dos tribunais superiores é concretizada no sentido de que a Justiça Comum Estadual é competente para processar e julgar os crimes de homicídio praticado por policial militar em serviço contra civil. Na decisão unipessoal do excelentíssimo senhor Ministro relator, no recurso em Habeas Corpus nº 122.680 – PR (2020/0006347-0) destaca-se o seguinte trecho: “(...) Primeiramente, observa-se que o acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, pois "em conformidade com a Constituição da República (art. 125, § 4º) e com as normas infraconstitucionais que regulam a matéria (arts. 9º, parágrafo único, do CPM e art. 82 do CPPM), a competência para processar e julgar policiais militares acusados da prática de crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri." (REsp 1834453/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 13/12/2019). Sendo assim, as condutas dos policiais militares, em razão da possibilidade da tipificação da prática de crime doloso contra a vida, devem ser investigadas pela Polícia Civil”. (Grifo nosso)(STJ - HC 122.680/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA). Ainda, no AgRg no recurso em Habeas Corpus nº 122.680 – PR é a ementa: “PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INVESTIGAÇÃO DE SUPOSTO CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. MILITAR CONTRA CIVIL. ART. 125, § 4º, DA CF. ART. 9º DO CÓDIGO PENAL MILITAR. ART. 82 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. INQUÉRITO CONDUZIDO PELA POLICIAL CIVIL E DUPLICIDADE DE APURAÇÃO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. A competência da Justiça Militar tem previsão constitucional, ressalvando-se a competência do Tribunal do Júri nos casos em que a vítima for civil, conforme art. 125, § 4º, da CF. Dessa forma, assentou a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que, nesses casos, o inquérito pode ser conduzido pela Polícia Civil, pois, aplicada a teoria dos poderes implícitos, emerge da competência de processar e julgar, o poder/dever de conduzir administrativamente inquéritos policiais (CC n. 144.919/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Terceira Seção, julgado em 22/6/2016, DJe 1º/7/2016). 2. Por outro lado, a existência de concomitante inquérito promovido pela Polícia Militar, com o intuito de investigar a prática de suposta transgressão militar/crime militar, não existe o apontado constrangimento ilegal, pois, em caso de configuração de crime militar, nos termos do art. 102, "a", do Código de Processo Penal Militar, o feito será cindido. 3. Agravo regimental improvido.” (Grifo nosso)(AgRg no RHC 122.680/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe 09/03/2020). O Supremo Tribunal Federal, de mesma forma, possui o entendimento consolidado de que o crime doloso contra civil cometido por policial militar é de competência da justiça comum e do tribunal do Júri, segue a jurisprudência: EMENTA DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DOLOSO COMETIDO POR MILITAR CONTRA A VIDA DE CIVIL. ARQUIVAMENTO INDIRETO. EXCLUSÃO DE ILICITUDE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. TRIBUNAL DO JÚRI. CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. O entendimento assinalado na decisão ora agravada não diverge da jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal no sentido de que compete ao Tribunal do Júri processar e julgar crimes dolosos cometidos por militar contra a vida de civil, bem como apreciar eventual existência de causa de exclusão de ilicitude. 2. As razões do agravo não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 3. Agravo interno conhecido e não provido.(RE 1348775 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 04-04-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-067 DIVULG 05-04-2022 PUBLIC 06-04-2022) (Grifo nosso) No mesmo sentido se manifestou a d. Procuradoria de Justiça (mov. 8.1 e 45.1 – TJPR): “(...) O agente ministerial de primeira instância recorreu da decisão, ressaltando que, apesar dos posicionamentos divergentes sobre o tema, a jurisprudência pacífica do STJ reconhece a atribuição da polícia civil em tais investigações, independentemente da instauração de procedimento investigatório pela polícia militar (cf. precedentes CC 158.084/RS; CC 129.497/MG; HC 173.873/PE e CC 113.020/RS).E realmente é esta a orientação jurisprudencial recente do STJ, a quem incumbe a interpretação da legislação federal. E para este Tribunal superior inexiste óbice na investigação pela polícia judiciária civil. Ademais, mister registrar que na decisão liminar da ADIn 1.494/DF, o STF entendeu que o IPM não impedia a instauração paralela de inquérito pela polícia civil, o que se coaduna com o pleito recursal.(...)Consoante destacado pelo Ministro na época, extrai-se da própria redação do art. 8º do CPPM que a atribuição da polícia militar cinge-se aos crimes militares e aos que, por lei especial, estão sujeitos à sua jurisdição (“Art. 8º Compete à Polícia judiciária militar: a) apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria”).Não paira dúvida que o crime doloso contra a vida praticado por militar em serviço contra civil é de competência da Justiça comum para processamento e julgamento, pelo Tribunal do Júri, por força da norma que decorre do art. 125, §4º, da CF: “Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. §4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças”.Disso decorre que a investigação realizada na justiça castrense não deve obstruir a instauração e conclusão de IPs pela polícia civil, posto que a atribuição para a apuração de infrações dessa natureza, tem previsão constitucional no art. 144, §4º, da CF(“Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares ” ).(...)A própria prescindibilidade do inquérito para efeito de persecução penal, além de relativização aos princípios do contraditório e da ampla defesa, que não implicam em nulidade processual, evidencia que, por sua natureza, não há óbice para sua instauração pela polícia judiciária comum e, também, na seara castrense. E mais, poderia, inclusive, ser instaurada uma terceira investigação, caso necessária, via Procedimento Investigatório Criminal (PIC), a ser conduzido pelo Ministério Público.(...)Como se vê, a pretensão ministerial está em perfeita consonância com a jurisprudência dominante do STJ e com a inteligência dos arts. 8º, 9º, 82, §2º, todos do CPPM, bem como do art. 125, §4º e 144, §4º, da CF, eis que inexiste base legal ou jurisprudencial a obstar a competência da Justiça comum desde a fase extrajudicial”. (Grifo nosso) Deste modo, dá-se provimento ao recurso de apelação interposto pelo Ministério Público com o fim de reformar a decisão de mov. 14.1, consolidando o entendimento dos Tribunais Superiores de que a Polícia Civil pode instaurar, presidir e concluir inquéritos policias em casos de crimes dolosos contra a vida de civis praticados por policiais militares em serviço, independente da abertura de inquérito policial militar e, ainda, declarar a permanência das investigações em casos do referido crime sob a presidência da autoridade policial da Delegacia de Homicídios de Londrina. Conclusão. À luz do exposto, proponho que seja conhecido e provido o recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná, de acordo com a fundamentação supra.É como voto.
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