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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ 5ª CÂMARA CRIMINAL - PROJUDI Pç. Nossa Senhora de Salette - Palácio da Justiça, s/n - Sala Des. Haroldo da Costa Pinto - Anexo, 1º Andar - Centro Cívico - Curitiba/PR - CEP: 80.530-912 APELAÇÃO CRIME Nº 0007611-88.2017.8.16.0130, DA COMARCA DE PARANAVAÍ – 2ª VARA CRIMINAL. APELANTE: DANIEL MATIAS DA CONCEIÇÃO. APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. RELATORA: DESª MARIA JOSÉ TEIXEIRA. APELAÇÃO CRIMINAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL (ART. 146 DO CÓDIGO PENAL). INVASÃO DE DISPOSITIVO INFORMÁTICO (ART. 154-A DO CÓDIGO PENAL) TRANSMISSÃO/DIVULGAÇÃO DE FOTOGRAFIAS COM CENAS ERÓTICAS ENVOLVENDO ADOLESCENTE (ART. 241-A DO ECA). CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PLEITO ABSOLUTÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. GRAVE AMEAÇA CONFIGURADA. CONDENAÇÃO MANTIDA. INVASÃO DE DISPOSITIVO INFORMÁTICO.ABSOLVIÇÃO. INVIABILIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA. ART. 241-A DO ECA. PEDIDO DE CONDENAÇÃO REALIZADO EM SEDE DE ALEGAÇÕES FINAIS. .OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA INOCORRÊNCIA. RÉU QUE SE DEFENDE DO FATO IMPUTADO NA DENÚNCIA ( E NÃO DA TIPIFICAÇÃOCAUSA PETENDI) EVENTUALMENTE ADOTADA NA PEÇA ACUSATÓRIA.ADEQUAÇÃO REALIZADA ATRAVÉS DO INSTITUTO DA .EMENDATIO LIBELLI SENTENÇA CONFIRMADA. .RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime nº 0007611-88.2017.8.16.0130 da Comarca de Paranavaí – 2ª Vara Criminal, em que é Apelante SAMUEL e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.DE OLIVEIRA LOPES Apelado 1. O Ministério Público ofereceu denúncia contra SAMUEL DE OLIVEIRA LOPES, dando-o como incurso nas sanções do artigo 146, caput, do Código Penal (1° fato) e art. 154-A, caput e §§ 3° e 4°, do Código Penal (2° fato), nos termos transcritos abaixo (mov. 24): “(...) 1° fato: Entre os dias 12 até 16 de janeiro de 2017, através de dispositivo eletrônico de transmissão de dados — aplicativo telefônico WhatsApp (telefone n° 44-99135.... — f. 14), cujo número completo é (44) 99135.8307 (f. 89) no Município de Nova Aliança do Ivaí/PR, Comarca de Paranavaí/PR ou em qualquer outro lugar situado no País, o denunciado SAMUEL DE OLIVEIRA LOPES, agido dolosamente, consciente da ilicitude e censurabilidade de sua conduta, constrangeu a vítima C.B.B. adolescente com 14 (quatorze) anos (f. 7), sua exnamorada, mediante grave ameaça (meio capaz de reduzir a resistência da ofendida) consistente em enviar mensagens escritas para a vítima referentes à divulgação de fotografias íntimas da vítima com a finalidade de que a vítima reatasse o namoro com ele (denunciado), dentre elas: "Vou ter que mostrar essa foto pra seu pai sua mãe pra você aprende... Para de ser assim vou acabar com sua vida mais tenho que fazer isso pra você aprende... Se não vai ser fácil todos quente chamar no chat ... não ainda não vou mostrar pra seus pais como se educa acabando com personalidade" (f. 12/13). A vítima respondeu dentre outras palavras: "Pode fazer o que você quiser com essas fotos" (f. 13). Continuou a pedir "Eu já aprendi a lição, por favor não faz isso cmg, não manda aquelas fotos pra os meus pais, por favor é tudo que eu tr peço" (f. 14). O denunciado pergunta para a vítima: "O que eu ganho em trocar. A vítima indaga: "O que vc quer?". O denunciado responde: "Vamos volta e namorar". A vítima se recusa: "Não, eu não quero namorar, não quero voltar. Eu só quero que vc me deixe em paz". 2° fato: Entre os dias 12 até 16 de janeiro de 2017, através de dispositivo eletrônico de transmissão de dados, utilizando-se das linhas telefônicas n° (44)99135.8307 e (44) 99171.3518 de titularidade do denunciado (f. 18 e f. 89), cf. informações fornecidas pela empresa Fornet Comunicações Ltda (f. 89), no Município de Nova Aliança do lvaí/PR, Comarca de Paranavaí/PR ou em qualquer outro lugar situado no País, o denunciado' SAMUEL DE OLIVEIRA LOPES, agido dolosamente, invadiu dispositivo informático alheio —banco de dados com conteúdo de comunicações eletrônicas privadas (perfil, conta) do face book da vítima C.B.B. adolescente com 14 (quatorze) anos (f. 7), sua ex-namorada, segundo se vê nos documentos de f. 67/68 e f. 75/76, f. 78, f. 80/81 e f. 83, mediante violação indevida de mecanismo de segurança, utilizando-se do nome falso LORRAN DIONE CHAVES (falso perfil), segundo se vê às f. 26/30, tendo obtido fotografias onde a vítima aparece parcialmente despida (f. 26/27) e as transmitiu ou divulgou para terceira pessoa, cf. se vê nas mensagens impressas às f. 21/22, cujo terceiro repeliu a conduta do denunciado (f. 22). As empresas Face book Inc e Fomet Comunicações Ltda forneceram os dados (IP de acesso), dias e horários, bem como os locais e telefones usados pelo denunciado, segundo se vê nos documentos de f. 67 e f. 89. Houve representação feita pela mãe da vítima (f. 7).” A denúncia foi recebida em 20.04.2018 (mov. 28.1). Oferecidas as alegações finais pelo Ministério Público do Estado do Paraná, onde se pugnou pela condenação do réu, nas sanções do art. 146, caput, do Código Penal (1º fato); art. 154-A, § 3º, do Código Penal (2º fato) e art. 241-A, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente (2º fato) c/c o art. 69 do Código Penal, em liame com a Lei 11.340/06, nos moldes dos arts. 383 e 387 do Código de Processo Penal (mov. 100). A defesa, por outro lado, manifestou-se em alegações finais argumentando, em relação ao primeiro fato, que não houve qualquer uso de violência ou grave ameaça, devendo ser o réu absolvido. Em relação a infração do art. 154-A, § 3º, do Código Penal, sustentou que não houve invasão de dispositivo de informação alheio, já que o réu possuía a senha da vítima, a qual foi fornecida por ela, revelando ausente a tipicidade legal; quanto ao crime previsto no Art. 241-A, do ECA afirmou que a acusação ao pleitear a condenação, em sede de alegações, sem se utilizar da ofendeu omuttatio libelli devido processo legal, tornando inepta a pretensão acusatória (mov. 104) Sobreveio a sentença, que julgou procedente a denúncia para CONDENAR o réu SAMUEL DE OLIVEIRA LOPES, como incurso nas penas do art. 146, caput, do Código Penal (1º fato); art. 154-A, § 3º, do Código Penal (2º fato) e art. 241-A, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente (2º fato), às penas de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, correspondente a 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 3 (três) meses de detenção e 20 (vinte) dias-multa, em regime aberto. Intimado, o réu manifestou interesse em recorrer da sentença condenatória (mov. 112.1) A defesa interpôs recurso de apelação. Aduziu que não houve qualquer uso de violência ou grave ameaça, devendo ser o réu absolvido, por se tratar de fatos que revelam reatamento de namoro virtual, onde não ocorreu nenhum contato pessoal entre vítima e réu. Em relação a infração do art. 154-A, §3º, do Código Penal, sustentou que não houve invasão de dispositivo de informação alheio, já que o réu possuía a senha da vítima, a qual foi fornecida por ela, revelando ausente a tipicidade legal; quanto ao crime previsto no art. 241-A, do ECA afirmou que a acusação ao pleitear a condenação, em sede de alegações, sem se utilizar da ofendeu o devido processo legal, tornando inepta a pretensãomuttatio libelli acusatória (mov. 120) O Ministério Público do Estado do Paraná, por sua vez, pugnou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (mov. 123). A d. Procuradoria Geral de Justiça, entretanto, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo defensivo (mov. 8.1 – 2º grau). É o relatório. 2. Presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato impeditivo e extintivo) e extrínsecos (tempestividade e regularidade formal), conheço do recurso interposto. A materialidade delitiva se encontra comprovada por meio do Boletim de Ocorrência (mov. 4.3), Auto de Apreensão (mov. 4.5) e pelos depoimentos coletados durante as fases inquisitiva e acusatória. A autoria, no mesmo sentido, é incontestável, a qual se confirma via o acervo probatório colhido nos autos, com destaque ao depoimento da vítima em juízo. Do crime previsto no art. 146, caput do CP – 1º fato da denúncia. Argumenta a defesa não ter existido violência ou grave ameaça na espécie, devendo ser o réu absolvido deste delito por atipicidade da conduta, com esteio no art. 386, III, do CPP. Entendo diversamente. Diz o art. 146 do Código Penal: Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa A vítima CAMILA BARALDI BORGES, em seu depoimento judicial (mov. 87.2), relatou que era namorada do acusado e ele começou a lhe pedir fotos, o que acabou fazendo. Contou que depois disso o acusado começou a ter atitudes agressivas, situação que a motivou a querer terminar o namoro e acabar com o relacionamento. Com isso Samuel se revoltou e começou a lhe ameaçar, falando que ‘se eu . Destacou queterminasse, ele ia mandar as fotos para o meu pai, para minha mãe, para minhas amigas’ enviou fotos íntimas suas para o acusado quando namoravam e que o acusado lhe constrangeu e lhe ameaçou dizendo que as divulgaria e mostraria para seus pais, ‘porque eu queria terminar’. Disse que o acusado ameaçava divulgar as fotos. Reiterou que o acusado lhe ameaçava por querer terminar o namoro, dizendo que iria divulgar as fotos. Falou que somente o acusado tinha suas fotos íntimas. Outrossim, infere-se das mensagens enviadas pelo réu à vítima termos e expressões de conteúdo intimidatório, o que gerou grande temor na adolescente, que inclusive implorou para que ele não mostrasse as fotos dela, a saber (mov. 4.5): Réu - Vou acabar com sua vida idiota; Réu - Vou ter que mostrar essa foto pra seu pai sua mae pra voce aprende (sic) Vítima - Eu já aprendi a lição por favor não faz isso cmg, não manda aquelas fotos para os meus pais, por favor é tudo que eu tr peço (sic); Réu – O que eu ganho com isso; Vítima – O que vc Quer? Réu - Vamos volta e namorar Ainda, a genitora da vítima, em juízo, também confirmou que a vítima lhe mandou as mensagens e as ameaças que o acusado fez contra ela e que sua filha estava com medo (LÚCIA .BARALDI BORGES - mov. 84) A propósito, sobre a configuração do delito, pertinente esclarecer que “(...) Constranger significa forçar, impor contra a vontade. O constrangimento deve ser feito mediante violência, grave ameaça ou outro meio capaz de reduzir a capacidade de resistência. A violência pode ser direta ou indireta, com a retirada das muletas de um aleijado ou com a retirada das portas de uma casa para obrigar os moradores a saírem (Hungria). (in Gustavo Octaviano Diniz Junqueira, Direito Penal, 3ª ed. em e-book, RT, com. Ao art. 146 do CP). Nessa toada, entendo que o quadro probatório apontou que o acusado, mediante grave ameaça consistente em divulgar as fotos íntimas da vítima, com o intuito de reativar o namoro com a mesma, praticou a conduta descrita no art. 146, caput do CP. Ademais, conforme destacou a sentença condenatória “O fato da vítima ter ou não se aproximado do acusado não é característica necessária para afastar a conduta praticada pelo réu, pois não é elemento inerente à prática do tipo penal a existência de aproximação física entre a vítima e o acusado. Outrossim, saliento ainda o conjunto probatório colhido nos autos demonstra que a vítima se sentiu constrangida com as ameaças”. Portanto, não há que se falar em absolvição do réu do crime descrito no art. 146 do CP, devendo a condenação ser mantida. Do crime previsto no art. 154-A, § 3º, do Código Penal – 2º fato descrito na denúncia. Argumenta a defesa que não há provas de que o réu tenha invadido o dispositivo da vítima, sustentando que ela própria foi quem repassou a senha de acesso. Ainda, pontuou que houve no caso a modificação de conteúdo, mas não a indevida invasão, razão pela qual, reputa ser atípica a conduta praticada. Sem razão. A invasão de dispositivo informático, introduzido pela Lei 12.737/2012, veio disciplinada no art. 154-A do Código Penal, estabelecendo que: Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: (...) § 3 Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas,o segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. A vítima, em juízo, foi categórica ao afirmar que um dia, quando acordou pela manhã, não tinha mais acesso à sua conta do , verificando que estava bloqueada. Destacou que conseguiufacebook recuperar a senha e percebeu que tinham mandado suas fotos para vários de seus amigos, inclusive havia sido trocada a foto de seu perfil. Anotou que ninguém tinha sua senha, não sabendo como a conseguiram, nem como as fotos foram encaminhadas por seu .facebook No mesmo sentido, sua genitora também confirmou que pelo seu viu que o perfilfacebook da vítima havia sido mudado. Relata que havia um monstro na capa e um rapaz mostrando gestos. Disse que havia palavreados chulos. Informou que a vítima falou e mostrou todas as mensagens, dizendo que o acusado tinha a conta dela do .hackeado facebook O acusado, SAMUEL DE OLIVEIRA LOPES, em seu interrogatório perante o juízo (mov. 95.4), afirmou que não o da vítima, pois não tinha capacidade para isso. Alegouhackeou facebook que a vítima foi quem passou a senha dela, pois Falou que tinha a‘a gente tinha a senha um do outro’. senha do da vítima e teve acesso as conversas e que acabou fazendo um e passoufacebook facebook fake as fotos da vítima para a mãe e para o pai dela através da conta . Reiterou que tinha a senha da vítimafake e se relacionou com a vítima por três meses. Contudo, do que se vê, é que a versão do réu de que teria a senha da vítima restou isolada nos autos, notadamente por ter a vítima categoricamente desmentido essa versão, além do que, pelo depoimento de sua mãe, foi possível atestar que ela, ao acessar o perfil de sua filha pelo ,facebook verificou que a foto dela estava alterada, demonstrando clara a invasão da plataforma da vítima,facebook de onde o réu teve acesso ao conteúdo privado que ali fica armazenado. Outrossim, há comprovação nos autos de que o IP (Internet Protocol) utilizado para entrar na conta da rede social da ofendida correspondia ao endereço do denunciado, conforme documentos emitidos pela empresa provedora de acesso à rede mundial de computadores (Fornet Comunicações Ltda – mov. 17.12 e 17.13). Portanto, é entendimento consolidado que a palavra da vítima, quando em consonância com os demais elementos de prova, recebe valoração especial. Assim se observa nos julgados colacionados abaixo: “APELAÇÃO CRIME – FURTO SIMPLES – ART. 155, CAPUT DO CP – SENTENÇA CONDENATÓRIA – RECURSO DA DEFESA – PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS – IMPROCEDÊNCIA – AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS – PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA PELO DEPOIMENTO DO POLICIAL CIVIL E CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL DO RÉU – INEXISTÊNCIA DE SUBSÍDIOS A DESQUALIFICAR AS PALAVRAS DOS DEPOENTES – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE – CONDENAÇÃO MANTIDA – DOSIMETRIA CORRETAMENTE APLICADA NA SENTENÇA – RECURSO DESPROVIDO”. (TJPR. Apelação Crime nº 0002119-47.2015.8.16.0046. Relator: Desembargador JOSÉ CICHOCKI NETO. 3ª Câmara Criminal. Julgado em 11/10/2018) – sem grifo no original. “APELAÇÃO CRIME. FURTO MAJORADO. REPOUSO NOTURNO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA DA DEFESA. ARGUIÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. MATERIALIDADE E AUTORIA SOBEJAMENTE COMPROVADAS. APREENSÃO DO BEM EM PODER DO ACUSADO. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL. PALAVRA DA VÍTIMA E DE UMA TESTEMUNHA. ANIMUS APROPRIATIVO EVIDENCIADO PELAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. CONJUNTO PROBATÓRIO . RECURSO CONHECIDO E NÃOHARMÔNICO APTO A ENSEJAR A CONDENAÇÃO PROVIDO. I – No sistema penal brasileiro, adota-se o princípio do livre convencimento motivado (persuasão racional), no sistema de valoração das provas, segundo o qual o magistrado julga a causa de acordo com a sua convicção a respeito das provas produzidas legalmente no processo, em decisão devidamente fundamentada. II - Os elementos probatórios que embasaram a sentença são fortes e suficientes para produzir a certeza moral necessária para dar respaldo ao decreto condenatório imposto, não pairando . III – Analisando odúvidas sobre a materialidade e a autoria do delito de furto majorado material probatório, verifica-se que inexiste a comprovação da ausência do animus apropriativo – o que desnaturaria a figura do crime de furto. O exame das provas, em verdade, permite a completa identificação do tipo subjetivo pelo qual restou o apelante denunciado”. (TJPR. Apelação Crime nº 0002125-06.2015.8.16.0062. Relator: Desembargador CELSO JAIR MAINARDI. 4ª Câmara Criminal. Julgado em 26/07/2018) – sem grifo no original. Neste panorama, considerando os elementos de prova constantes no caderno processual, impossível acolher a tese defensiva de absolvição do réu da prática do delito previsto no art. 154-A, § 3º, do Código Penal. Do crime previsto no art. 241-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente – consignado no 2º fato descrito na denúncia. Argumenta a defesa que o pedido de condenação pelo crime previsto no 241-A, caput, da Lei 8069/90 realizado tão somente por ocasião das alegações finais, revelou “inovação na denúncia”, .ofendendo o princípio do contraditório e da ampla defesa Novamente, entendo diversamente. É pacífico o entendimento de que o réu se defende do fato imputado na denúncia (causa e não da tipificação eventualmente adotada na prefacial acusatória.petendi) Em sendo assim, compulsando a denúncia é possível verificar de modo expresso que o descreveu o fato de o acusado ter divulgado ou transmitido fotos íntimas da vítima à terceiros,parquet não havendo que se falar em ofensa ao contraditório e a ampla defesa, a saber: “(...) 2° fato: Entre os dias 12 até 16 de janeiro de 2017, através de dispositivo eletrônico de transmissão de dados, utilizando-se das linhas telefônicas n° (44)99135.8307 e (44) 99171.3518 de titularidade do denunciado (f. 18 e f. 89), cf. informações fornecidas pela empresa Fornet Comunicações Ltda (f. 89), no Município de Nova Aliança do lvaí/PR, Comarca de Paranavaí/PR ou em qualquer outro lugar situado no País, o denunciado' SAMUEL DE OLIVEIRA LOPES, agido dolosamente, invadiu dispositivo informático alheio —banco de dados com conteúdo de comunicações eletrônicas privadas (perfil, conta) do face book da vítima C.B.B. adolescente com 14 (quatorze) anos (f. 7), sua ex-namorada, segundo se vê nos documentos de f. 67/68 e f. 75/76, f. 78, f. 80/81 e f. 83, mediante violação indevida de mecanismo de segurança, utilizando-se do nome falso LORRAN DIONE CHAVES (falso perfil), segundo se vê às f. 26/30, tendo obtido fotografias onde a vítima aparece parcialmente despida (f. 26/27) e as transmitiu ou divulgou para terceira pessoa, cf. se vê nas mensagens impressas às f. 21/22, cujo terceiro repeliu a conduta do denunciado (f. 22). As empresas Face book Inc e Fomet Comunicações Ltda forneceram os dados (IP de acesso), dias e horários, bem como os locais e telefones usados pelo denunciado, segundo se vê nos documentos de f. 67 e f. 89. (...)” (grifei). Neste diapasão, penso que eventual violação ao art. 384 do Código de Processo Penal não guarda eco, já que na espécie em nenhum momento foram alterados os fatos imputados ao réu pela acusação, mas tão somente o adequou a conduta delituosa à tipificação legal.parquet Outrossim, o magistrado ao condenar o réu na conduta tipificada no artigo 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente, em nenhum momento inovou na descrição fática contida na denúncia ou imputou nova conduta delituosa ao sentenciado, somente condenou-o nos estritos limites trazidos na peça acusatória, de modo que, essa não trouxe qualquer surpresa para a defesa, jáadequação que, repisa-se, a denúncia descreveu o fato típico, sendo hipótese de (art. 383 do CPP).emendatio libelli Aliás, "Permite o Código que a sentença possa considerar na capitulação do delito dispositivos penais diversos dos constantes na denúncia, ainda que tenha de aplicar pena mais grave. Não há no caso uma verdadeira mutatio libelli mas, simplesmente uma corrigenda da peça acusatória (emendatio libelli). Estando os fatos descritos na denúncia, pode o juiz dar-lhe na sentença definição jurídica diversa, inclusive quanto às circunstâncias da infração penal porquanto o réu se defende daqueles fatos e não de sua capitulação inicial." (in, Júlio Fabbrini Mirabete, Código de Processo Penal Interpretado, Ed. Atlas, 7ª Edição, 2000, pp. 833), No mesmo sentido: “Se a peça acusatória descrever o fato criminoso perfeitamente, mesmo tendo havido uma errada classificação da infração, não será obstáculo a que se profira sentença condenatória. Afinal de contas, o réu não se defende da capitulação do fato, mas sim deste. Quando o réu é citado, dar-se-lhe conhecimento do fato que se lhe imputa. É desse fato que ele se defende. Assim, uma errada classificação da infração não pode constituir obstáculo à prolação de eventual sentença condenatória”. (in, Fernando da Costa Tourinho, Processo Penal 4, Editora Saraiva, 23ª Edição, 2001, p. 250). Logo, a condenação do agente pelo crime previsto no art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente nada mais foi do que um exercício de adequação entre os fatos descritos na exordial acusatória e a tipificação penal, não havendo qualquer prejuízo ao contraditório ou a ampla defesa capaz de acarretar nulidade da condenação. No mesmo sentido: “(...) 2. O Juízo de primeiro grau considerou que a conduta do paciente descrita como acariciar os seios da menor de 14 anos caracterizaria crime de estupro de vulnerável, e não da contravenção penal de perturbação da tranquilidade. Não houve qualquer alteração da descrição fática dos contida na denúncia, mas tão somente da definição jurídica do fato imputado. Desse modo, de rigor a aplicação do instituto da emendatio libeli, prevista no art. 383 do Código de Processo Penal - CPP, não havendo falar em aditamento da denúncia ou abertura de vista à defesa para integração do contraditório. (....)5. Habeas Corpus não conhecido. (STJ, HC 482.106/ES, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 03/06/2019); “(...) 4. "O réu se defende dos fatos que são descritos na peça acusatória, e não da capitulação jurídica dada na denúncia. Assim sendo, a adequação típica pode ser alterada tanto em primeira instância quanto em segundo grau, via emendatio libelli" (STJ, AgRg no HC n. 201.343/RS, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 10/10/2014). 5. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no REsp 1785632/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 12/03/2019, DJe 19/03/2019) Por esta razão, o entendimento lançado na sentença condenatória ao aplicar o art. 383 do CPP na espécie para condenar o apelante como incurso no art. 241-A, caput, do ECA deve ser mantido. Assim, correta a decisão judicial que concluiu pela condenação do recorrente, não sendo possível acolher as teses defensivas. Por fim, como ressaltado pela Procuradoria de Justiça, em relação à dosimetria, não foi estabelecido o valor dos dias-multa fixado pela sentença, nem foi observada a presença da agravante prevista no artigo 61, II, letra f, do Código Penal, por terem sido os delitos de constrangimento ilegal e de invasão de dispositivo de informática praticados com violência contra a mulher. Porém, como não houve insurgência ministerial nestes aspectos, impossível agravar a situação do réu em recurso exclusivo da defesa, de modo que o valor dos dias-multa deve ser fixado, de ofício, no mínimo legal, isto é, em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, bem como deve ser mantida a pena privativa de liberdade na forma estabelecida no édito condenatório. Logo, conheço do recurso e nego-lhe provimento. Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 5ª Câmara Criminal do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em conhecer e desprover o recurso de SAMUEL DE OLIVEIRA LOPES. O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargador Marcus Vinicius De Lacerda Costa, sem voto, e dele participaram Desembargadora Maria José De Toledo Marcondes Teixeira (relator), Desembargador Jorge Wagih Massad e Desembargador Renato Naves Barcellos. Curitiba, 1º de agosto de 2019 Desembargadora Maria José de Toledo Marcondes Teixeira Relatora
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