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Acórdão
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ 12ª CÂMARA CÍVEL - PROJUDI Autos nº. 0003211-78.2017.8.16.0179 Apelação Cível n° 0003211-78.2017.8.16.0179 Vara de Registros Públicos e Corregedoria do Foro Extrajudicial de Curitiba Apelante(s): CLÁUDIO FRANCISCO MARSOLEK Apelado(s): Relator: Desembargador Rogério Etzel Apelação cível. Procedimento de Suprimento de Assento Civil. Registro tardio de certidão de casamento de ancestrais. Pretensão de reconhecimento de cidadania italiana. Justo motivo. Conjunto probatório que comprova o casamento religioso. Comunhão de vida e formação de prole. Princípio da verdade real. Art. 226, § 2º, da CF e 109 da Lei 6.015/1973. Ausência de prejuízo a terceiro. Recurso conhecido e provido. É possível o deferimento do pedido de suprimento de assentamento de1. casamento considerando que as provas demonstram a existência do casamento religioso, com a constituição de prole e vida conjunta. O justo motivo revela-se presente na necessidade do documento para a2. obtenção da cidadania italiana, sendo certo que o direito à dupla cidadania pelo tem sede constitucional (art. 12, § 4º, II, "a", dajus sanguinis Constituição da República). REsp 1138103/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 29/09/2011). Pretensão que não viola direito público, nem causará prejuízos a terceiros3. ou lesão a interesse alheio. 1. Relatório Trata-se de recurso de Apelação interposto por ,Cláudio Francisco Marsolek contra sentença proferida nos autos de , nº“Ação de Suprimento de Assento Civil” 0003211-78.2017.8.16.0179, que julgou improcedente o pedido formulado pelo autor para suprimento de registro civil de casamento de seus ascendentes, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC (mov. 28.1). Em suas razões recursais (mov. 34.1), o apelante sustenta, em síntese, que estão presentes todos os pressupostos que possibilitam o registro tardio, provada a ocorrência de matrimônio, bem como a ausência de prejuízo a terceiro; que negá-lo é negar a própria história de sua família; que tal suprimento respeita a veracidade dos registros públicos; que o registro não foi realizado à época porque seus ancestrais eram pessoas simples e não tinham conhecimento da necessidade de efetuar o registro civil. Ao final, afirma que seu fim último é ter acesso a seu direito de obter dupla cidadania, motivo considerado justo a procedência deste tipo de ação e, portanto, requer a reforma integral da sentença. O ilustre Promotor de Justiça pugnou pelo desprovimento do apelo (mov. 43.1). No mesmo sentido foi o parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça (mov. 8.1 - 2º Grau), manifestando-se se pelo não provimento da Apelação. Vieram os autos conclusos a este Relator. 2. Fundamentação Positivo é o juízo de admissibilidade da apelação, eis que preenchidos todos os pressupostos objetivos (tempestividade, regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e preparo) e subjetivos (cabimento, legitimação e interesse em recorrer), razão pela qual deve ser conhecido o presente recurso. No mérito, cinge-se a controvérsia recursal à possibilidade do suprimento de assento de registro civil do casamento religioso realizado entre e Antônio Costa Joanna bisavós do autor, ora apelante, a fim de viabilizar a obtenção de sua futuraMicheletto, cidadania italiana. Isso porque, o juízo reconhecendo a legitimidade do autor para ação,a quo, embora tenha declarando incontroversa a existência do casamento religioso, negou seu registro tardio, sob o seguinte fundamento: “Caberia aos próprios nubentes, na época, terem ou casado oficialmente perante o registrador civil de pessoas naturais competente, ou levado o assento religioso ao registrador civil para a produção de efeitos civis, o que não fizeram. De tal modo, não cabe o suprimento de um assento civil de casamento que não foi realizado perante registrador civil da época, e tampouco levado a registro posteriormente, por iniciativa dos cônjuges”. No entanto, em que pese os argumentos supramencionados, entende-se que tal posicionamento vai de encontro ao que prevê o ordenamento jurídico com relação ao tema, na medida em que o art. 109 da Lei nº 6.015/1973 expressamente permite o suprimento de assentamento no registro civil quando presentes os documentos que comprovam a situação alegada. Senão vejamos: Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de cinco dias, que correrá em cartório. (...). § 4º Julgado procedente o pedido, o Juiz ordenará que se expeça mandado para que seja lavrado, restaurado e retificado o assentamento, indicando, com precisão, os fatos ou circunstâncias que devam ser retificados, e em que sentido, ou os que devam ser objeto de novo assentamento. Ademais, provada a existência de casamento religioso entre os ascendentes da parte autora, irrelevante a discussão acerca das razões que motivaram a ausência do registro civil à época, sendo que o suprimento, nestes casos, faz necessário justamente para assegurar a correspondência entre a situação fática real e aquilo que consta do assentamento, cediço que, em respeito ao princípio da veracidade que norteia toda a Lei 6.015/1973, não é outra a função do registro público. Aliás, segundo o texto constitucional, “O casamento religioso tem efeito civil, (art. 2226. §2º) e, portanto, inexistente qualquer embaraço ao seunos termos da lei” reconhecimento posterior, alcançando também o registro de ancestrais mais remotos. No mais, depreende-se dos autos que a busca pela linhagem genética do apelante tem como motivo único a pretensa retirada da dupla cidadania, e, em que pese tenha resgatado quase todos os documentos necessários para tanto, lhe falta o registro de casamento civil do seu bisavô, uma vez que, mesmo depois de minuciosa diligência corroborada pelas certidões negativas juntadas ao mov. 1.9, este não foi localizado. Com efeito, observa-se que o Superior Tribunal de Justiça, em episódios semelhantes, reconheceu que a procura pela dupla cidadania é considerada motivo justo para a procedência deste tipo de ação (retificação, restauração e suprimento): [...]. 2. No caso em apreço, o justo motivo revela-se presente na necessidade de suprimento de incorreções na grafia do patronímico para a obtenção da cidadania italiana, sendo certo que o direito à dupla cidadania pelo jus sanguinis tem sede constitucional (art. 12, § 4º, II, "a", da Constituição da República). REsp 1138103/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 29/09/2011) Sobre o tema, inclusive, já se manifestou a jurisprudência deste Tribunal: APELAÇÃO CÍVEL. REGISTRO TARDIO DE CERTIDÃO DE CASAMENTO. PRETENSÃO DE SUPRIMENTO JUDICIAL DE CASAMENTO CIVIL DOS BISAVÓS DO APELANTE, COM O OBJETIVO DE TER RECONHECIDA A CIDADANIA ITALIANA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. VIABILIDADE DA DEMANDA. CASAMENTO RELIGIOSO REALIZADO EM 1913. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA A COMUNHÃO DE VIDA E FORMAÇÃO DE PROLE. PRETENSÃO AMPARADA PELOS ARTS. 226, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 109 DA LEI 6.015/1973. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (TJPR - 11ª C.Cível - 0065514-41.2017.8.16.0014 - Londrina - Rel.: Juiz Rodrigo Fernandes Lima Dalledone - J. 13.12.2018) APELAÇÃO CÍVEL. [...]. REGISTRO TARDIO DE CASAMENTO. LEGITIMIDADE ATIVAPOSSIBILIDADE DE SUPRIMENTO JUDICIAL. DO FILHO PARA REQUERER REGISTRO DE CASAMENTO RELIGIOSO (TARDIO) DE SEUS GENITORES JÁ FALECIDOS PARA OBETNÇÃO DE CIDADANIA ITALIANA. RECONHECIMENTO. ARTIGOS 226, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 109 DA LEI DE REGISTROS RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA DETERMINAR APÚBLICOS. AVERBAÇÃO NO REGISTRO CIVIL DE PESSOAS NATURAIS COMPETENTE O CASAMENTO RELIGIOSO DE MARINO GABRIEL E THEREZA DAROLT, PRODUZINDO EFEITOS A PARTIR DA DATA DE SUA CELEBRAÇÃO. (TJPR, 11ª Câmara Civil, Ap. 0008104-12.2-17.8.16.0083, Rel.ª Lenice Bodstein, j. 09.03.2018). Pois bem, consta dos autos que o Sr. e a Sra. ,Antônio Costa Joanna Micheletto ambos naturais da Itália, contraíram matrimônio, nesta cidade, em 24 de julho de 1895, na Paróquia de São Jose e Santa Felicidade, conforme certidão de casamento religioso de mov. 1.6. Através das certidões de mov 1.7 e mov. 1.8, nascimentos e casamentos, as quais demonstram toda cadeia registral, o apelante comprova ser descendente de ,Antônio Costa ocupando este a posição de seu bisavô materno. Assim, da detida análise dos referidos documentos, extrai-se que os bisavós do apelante celebraram matrimônio religioso, permanecendo na posse de estado de casados, evidenciada pela formação de prole em comum, bem como pelo uso do patronímico do cônjuge. Quanto à falta de interesse para o casamento civil, válido mencionar que, conforme exarado pelo próprio recorrente, à época do aludido casamento, em 1895, a religião católica preponderava entre os imigrantes italianos, de modo que o simples casamento religioso era suficiente para torná-los formalmente casados. Ademais, como momento de transição legislativa, visto que a oficialização do casamento civil era matéria recente (Decreto 181/1890), não raras vezes, a necessidade do registro civil era desconhecida dos nubentes, tanto nacionais quanto estrangeiros. Outrossim, o acervo probatório sinaliza de forma robusta a vontade do casal de permanecer em comunhão de vida, de modo que a ausência de registro civil do casamento religioso não desconstitui o ânimo de estabelecimento de família dos bisavós do recorrente sob a forma matrimonializada. Logo, presentes os elementos autorizadores da correção pretendida (comprovação de casamento religioso e objetivo permissivo – dupla cidadania), faculta-se ao descendente requerer o registro tardio de antepassado em face da inexistência de registro público anterior, provado, ainda, não estar concretizada a obrigatoriedade de anotação no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais. Por fim, importante ressaltar que, no vertente caso, não há impedimento legal para a concessão da medida pretendida, verificado também que, o assentamento não trará qualquer prejuízo a terceiros, promovendo, ao contrário, maior segurança jurídica às relações jurídicas e pessoais. 3. Conclusão Diante do exposto, voto pelo e do presente recurso,conhecimento provimento para, reformando a sentença recorrida, julgar procedente o pedido inicial, determinando o registro civil de casamento religioso de e no respectivoAntônio Costa Joanna Micheletto, Registro Civil das Pessoas Naturais, produzindo efeitos a partir da celebração religiosa (CC, art. 1.546; LRP, art. 74). 4. Disposições finais Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 12.ª Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO E PROVIDO o recurso de CLÁUDIO FRANCISCO MARSOLEK. O julgamento foi presidido pelo Desembargador Roberto Antonio Massaro, sem voto, e dele participaram Desembargador Rogério Etzel (relator), Juiz de Direito Substituto em 2.º Grau Doutor Luciano Carrasco Falavinha Souza e J Juiz de Direito Substituto em 2.º Grau Doutor Joscelito Giovani Cé. Curitiba, 23 de setembro de 2019. Des. Rogério Etzel Relator
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