Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
1. Trata-se de recursos de apelação interpostos por Avelino Stefanoski (1) e pelo Município de Virmond (2) buscando, sob pontos de vista distintos, a reforma da sentença prolatada na ação de “pedido de ressarcimento de danos materiais causados ao erário público” ajuizada pelo Município de Virmond na Vara da Fazenda Pública de Cantagalo, sob registro n. 0001819-09.2016.8.16.0060, que, julgando parcialmente procedente o pedido inicial, condenou o réu Avelino Stefanoski a ressarcir a Municipalidade pelo danos havidos em acidente ocorrido em junho de 2013 na cidade de Guarapuava, na importância de R$ 32.148,90 (trinta e dois mil, cento e quarenta e oito reais e noventa centavos), corrigida monetariamente pelo IPCA-E a contar “do evento danoso” e acrescida de juros de mora no equivalente a 1% (um por cento) ao mês desde a citação. Em acréscimo, condenou o réu ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência, fixados no equivalente a 10% (dez por cento) do valor da condenação, ressalvada a suspensão de exigibilidade de que trata o § 3º do art. 98 do Código de Processo Civil (evento 80.1). Ambas as partes, como dito, apelaram. Avelino Stefanoski, inicialmente, sustentando, em resenha, que: (i) faz jus ao benefício da gratuidade da justiça, já que não possui condições de arcar com as custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência; (ii) o acidente ocorreu em razão de ter passado mal no momento, dado a debilidade do estado de saúde em que se encontrava; (iii) ao contrário do que restou decidido na sentença, não é o único e exclusivo responsável pelo acidente; (iv) há também que se considerar nos autos a responsabilidade do Município de Virmond ao conceder a direção da ambulância a funcionário sabidamente despreparado para o transporte de passageiros e acometido por problemas de saúde; (v) apesar de não possuir condições físicas para a realização da viagem, não tinha condições de se recusar a cumprir o que lhe fora determinado, uma vez que dependia economicamente do trabalho para subsistência própria e de sua família; e (vi) muito embora reconhecida culpa levíssima pelo acidente, a redução do quantum no percentual de 30% ainda se mostra irrisória, devendo ser majorada para o correspondente a 50% (evento 85.2). O Município de Virmond, por sua vez, alegando, resumidamente, que: (i) não agiu com acerto a magistrada a quo ao reconhecer a culpa em grau apenas “levíssimo”; (ii) o réu deve ser condenado à pagar-lhe o valor integral dos danos que causou, ou seja, R$ 45.927,01 (quarenta e cinco mil, novecentos e vinte e sete reais e um centavo), pois todos os elementos caracterizadores da sua responsabilidade civil restaram comprovados nos autos; e (iii) em se tratando de relação “extracontratual”, os juros moratórios devem incidir a contar da data do evento danoso, e não da citação, conforme estabelecida na sentença (evento 92.1). Contrarrazões do Município de Virmond ao recurso do réu no evento 91.1 e do réu Avelino Stefanoski ao recurso do autor no evento 96.1, ambos pugnando pelo não provimento do apelo da parte ex adversa. A d. Procuradoria de Justiça, não vislumbrando interesse a justificá-lo, abriu mão de opinar (evento 8.1-TJ). Ato contínuo, no vislumbre de parcial nulidade da sentença, determinou-se a intimação das partes para manifestação quanto à reposição do veículo municipal, assim como a intimação do Município de Virmond para informar os valores efetivamente desembolsados na ação reparatória originária e se concretizada a venda do veículo que servia de ambulância (evento 19.1). O réu, primeiro, se manifestou no evento 24.1 favorável à nulidade da sentença pois que diz ser ilegítimo o valor final apontado para ressarcimento. O Município de Virmond, por outro lado, interveio no evento 30.1 refutando a nulidade suscitada e trazendo informações atualizadas a respeito do total indenizado a terceiro e da concretização da venda do veículo sinistrado. Novos documentos vieram aos autos, respeitado o contraditório. É, em síntese, o relatório.
2. A análise dos recursos, registre-se de pronto, em face da coincidência parcial e da correlação dos temas tratados em cada um deles, será realizada em conjunto, seguindo ordem de argumentos que melhor preserva o raciocínio processual lógico. Antes, porém, de cuidar da discussão de fundo, indispensável o exame de admissibilidade dos recursos interpostos. Dos requisitos de admissibilidade 2.1. O recurso manifestado por Avelino Stefanoski (1), a começar, não pode ser conhecido, senão parcialmente. Justifico. Pede o réu no apelo interposto a concessão do benefício da Justiça gratuita, uma vez que, segundo alega, não possui condições para arcar com o pagamento das custas e dos honorários advocatícios de sucumbência sem prejuízo próprio ou de sua família. Acontece, porém, que, como se verifica da decisão do evento 36.1, já houve deferimento do benefício da Justiça gratuita nos autos, expressamente ratificado por ocasião da sentença (evento 80.1). E, como se sabe, ressalvada a possibilidade de revogação ou aplicação de eventual restrição neste sentido, a gratuidade deferida no curso do processo estende-se a todas as suas fases de tramitação, sendo mesmo prescindível nova ou segunda concessão em cada instância. A respeito do tema: “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - PEDIDO DE CONCESSÃO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - INEXISTÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL - BENEFÍCIO JÁ CONCEDIDO E NÃO REVOGADO PELO JUÍZO DA CAUSA - PRESCRIÇÃO - PEDIDO ADMINISTRATIVO - SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL - REMUNERAÇÃO PAGA CONFORME LEGISLAÇÃO MUNICIPAL - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO” (TJPR - 3ª C. Cível - 1657238-0 - Cruzeiro do Oeste - Rel.: Desemb. MARCOS S. GALLIANO DAROS - Unânime - J. 29/8/2017). Nesse passo, desde que não há interesse concreto a justificar o propugnado em recurso, o não conhecimento do apelo neste aspecto é medida de rigor. No que sobra, por sua vez, o recurso deve ser conhecido. 2.2. O recurso do Município de Virmond, por outro lado, porquanto presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, merece integral conhecimento. Do méritoDa responsabilidade civil 3. Superada a questão da admissibilidade dos recursos, urge, nos limites do antes definido, a análise dos temas neles tratados. E nos temas de fundo o recurso do Município de Virmond merece parcial acolhida, enquanto o recurso do senhor Avelino Stefanoski não merece guarida. Dos fatos 3.1. De início, para melhor compreensão da discussão nos autos, segue breve exposição dos fatos neles tratados. O Município de Virmond ajuizou a presente ação buscando a condenação do réu Avelino Stefanoski à reparação pelos danos materiais havidos em veículo de propriedade do Município e, em regresso, no veículo de propriedade de José Carlos Batista (caminhonete) em razão de acidente de trânsito. Narra a petição inicial que o veículo municipal FIAT/DUCATO, placas AMR-2824, conduzido pelo réu Avelino Stefanoski, chocou-se com o veículo FORD/RANGER, placas AJE-4849, no dia 26/6/2013 no cruzamento das ruas Doutor Laranjeiras e Marechal Floriano Peixoto, no centro do Município de Guarapuava (cfe. boletim de ocorrência acostado no evento 1.9). Alega o Município que o acidente ocorreu por culpa do réu Avelino, condutor do veículo oficial, pois que, desrespeitando as normas de trânsito e a sinalização no local, invadiu a preferencial e abalroou o veículo de terceiro. Diz que a culpa do réu se fundamenta no comportamento audacioso e imprudente na condução do veículo público, circunstâncias que foram no suficiente debeladas através do depoimento prestado em audiência nos autos de ação indenizatória sob n. 0001175-27.2014.8.16.0031, em que restou condenado a pagar os prejuízos do terceiro. Afirma que do acidente decorreram avarias no automóvel particular FORD/RANGER, sendo necessário até aquele momento o dispêndio de: a) R$ 15.922,28 (quinze mil, novecentos e vinte e dois reais e vinte e oito centavos) em virtude da condenação lhe atribuída em ação reparatória ajuizada por José Carlos Batista; e b) 65,73 (sessenta e cinco reais e setenta e três centavos) suportados nos autos n. 0001175-27.2014.8.16.0031 a título de custas processuais. Assevera, ainda, que apesar de não ter efetuado o reparo do veículo oficial, sofreu prejuízos financeiros decorrente da desvalorização causada ao veículo municipal em montante estimado de R$ 29.939,00 (vinte e nove mil, novecentos e trinta e nove reais), valores esses que devem ser devidamente reparados pelo réu. Avelino Stefanoski, citado, contestou o pedido aduzindo que não está caracterizada culpa no evento danoso, posto que a colisão ocorrida adveio de falha motora relacionada à problema de saúde preexistente e de inegável conhecimento pelo Município. Juntou aos autos, ademais, a corroborar o alegado documentos médicos que comprovam a existência da patologia de “transtornos do plexo lombrossacral” (CID G 54.1). A doutora Juíza a quo, após reconhecer a existência de culpa do réu pelo evento danoso em grau leve, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, condenando-o a pagar ao autor o montante de R$ 32.148,90 (trinta e dois mil, cento e quarenta e oito reais e noventa centavos) – resultado do pedido inicial reduzido em 30% -, com correção monetária pelo IPCA-E “desde o evento danoso” e acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento), a contar da citação. E daí os recursos interpostos. Pois bem. 3.2. De premissa, verdadeiramente não se nega que se trata na hipótese de responsabilidade subjetiva do condutor da ambulância, que prestava serviço ao Município de Virmond na ocasião, de sorte que para que haja o dever de reparar é necessária, além da prova do dano e do nexo de causalidade, a comprovação da ação culposa. E no caso vertente, nada obstante o que defende o motorista do veículo oficial, tais requisitos de responsabilidade, tal como o previsto no art. 186 do Código Civil (ação, lesão, nexo e culpa), estão suficientemente provados nos autos. Quanto à ação, lesão e o nexo de causalidade, diga-se desde o início, não há controvérsia nos autos. Do que exposto pelas partes e dos documentos que instruem a petição inicial, resta bem comprovado a não contenção do veículo municipal (ambulância) pelo réu diante de cruzamento cuja preferência de passagem era do outro veículo no local, tanto menos a tempo de evitar a colisão. O tema, aliás, não demanda maior digressão na medida em que satisfatórios são os esclarecimentos contidos no Boletim de Ocorrência juntado no evento 1.9 e o dirimido nos autos de ação indenizatória sob n. 0001175-27.2014.8.16.0031 (eventos 1.2 e 1.3). A discussão que subsiste se resume, sim, à culpa do réu Avelino Stefanoski na condução do veículo oficial, nomeadamente se pode ser isentado, total ou parcialmente, pelo ocorrido em razão de, alegadamente, ter sido forçado a dirigir a ambulância mesmo acometido de doença que lhe afetava a força nos membros inferiores. E nesse tópico, muito embora o esforço de advocacia em afirmá-lo diferente, nada há nos autos a afastar ou mitigar a culpa do condutor da ambulância no acidente, a ele recaindo, de corolário, a responsabilidade pela reparação material decorrente. Justifico. Não se olvida, a uma, que, ao iniciar a travessia do cruzamento de ruas na cidade de Guarapuava sem deter o seu conduzido e observar a preferência, agiu o réu com inegável imprudência. Disse o senhor Avelino, é fato, que sofreu um mal súbito naquele instante, perdendo as forças nas pernas, daí a causa do ocorrido. Asseverou, mais, que os seus problemas de saúde eram conhecidos do Município, que, mesmo assim, lhe obrigou ao trabalho. Ora, apesar do alegado, não há nos autos nenhuma indicação, tanto menos prova, segura e cabal, a confirmar a afirmação de que era do conhecimento do Município de Virmond, a quem prestara serviço naquela ocasião, que o réu Avelino tivesse problemas físicos que o impossibilitavam, ou pelo menos desaconselhavam, a viagem [a trabalho] naquele dia 26/6/2013. Não está juntado nos autos nenhum documento e nem produzida nenhuma espécie de participação das restrições asseveradas à Municipalidade. Tanto menos algum depoimento em juízo indica fossem efetivas e conhecidas tais circunstâncias pelos empregadores. O que se tem em ressalto é, sim, que a partir do momento em que o agente se apresentou ao trabalho, sem ressalvas, presumia-se apto para desempenhar as suas funções. O caso da perda da força muscular, de mais a mais, exigia prova capaz de deduzir possível a afetação dos membros inferiores (pernas e pés) exclusivamente pelo problema de saúde na coluna, ônus do qual não se desincumbiu o réu (CPC, art. 373, II). Do laudo de tomografia juntado no evento 19.3 (de 17/6/2013) não se deduz, muito menos clara, a inaptidão para o trabalho naquela ocasião, e o atestado médico a indicar o afastamento do trabalho (evento 19.4), data do dia seguinte ao acidente (27/6/2013), não esclarecendo com suficiência se o apurado naquele instante é retrato de mal e incapacidade históricos ou, por exemplo, se tem relação com o ocorrido e o choque sofrido no acidente. De qualquer jeito, para argumentar, ainda que fosse admissível a ocorrência da perda de força motora naquele instante (do acidente) e que o réu tivesse iniciado a viagem (de Virmond a Guarapuava) já com a sintomatologia do mal de coluna e/ou osteomuscular que lhe afetava [– o que aqui, insista-se, é mero argumento de retórica e cogitação -], certo é que mesmo nessa situação não se poderia isentar totalmente o réu pelo ocorrido, ao reverso. Se verdade fosse o que alega, era de exigência mínima de zelo e responsabilidade do réu consigo próprio, com os demais ocupantes da ambulância e com todos os demais que lhe cruzaram o caminho naquele dia, ainda que sob risco de desemprego como cogitou (e só cogitou), recusar-se ao trabalho, informando ao empregador as suas condições e a debilidade. Do que consta nos autos, porém, não o fez. Nenhuma ressalva apontou ao que lhe foi proposto quando se apresentou ao trabalho. Sobre o ocorrido na data dos fatos, é, a propósito, o que se extrai do relatado prestado pela testemunha Miguel Costa (evento 65.4): “- Pergunta do Juiz: O senhor trabalhava com o seu Avelino?- Resposta da testemunha: Eu era Secretário de Saúde na época e o seu Avelino foi cedido para a Secretaria de Saúde como motorista. Pelo o que eu sei do acidente, no dia ele atravessou uma preferencial e acabou sobrando esse acidente lá em Guarapuava. (...) Ele foi à Guarapuava para busca de medicamentos que... é comprado pelo consórcio Paraná Medicamentos e esses medicamentos eram pegos na Farmácia da 5ª Regional de Saúde.Como a gente tinha um contingente pequenos de funcionários, então devia de estar ele mais um outro motorista, e eu determinei para que fosse, mas entre eles se organizavam e alguém ia. Nesse dia acabou indo o seu Avelino.- Pergunta do Juiz: Ele já tinha se envolvido em alguma acidente anteriormente?- Resposta da testemunha: Não, não.- Pergunta do Juiz: Você sabe se ele tinha algum problema de saúde?- Resposta da testemunha: Ele teve em atestado médico alguns dias antes com algum problema de coluna e ele ficou afastado do trabalho. Daí depois ele tinha retornado a trabalhar.- Pergunta do Juiz: Ele tinha alguma limitação para poder carregar algum peso ou alguma coisa?- Resposta da testemunha: Como?- Pergunta do Juiz: Ele tinha limitação física que ele não pudesse carregar peso, alguma coisa nesse sentido?- Resposta da testemunha: Bom, isso eu não tinha conhecimento. O meu contato... a Secretaria tinha aproximadamente 60 funcionários, então meu contato era restrito com todos os funcionários.- Pergunta do Juiz: Então não chegou a conversar com ele quando ele voltou do atestado para saber como que ele estava, alguma coisa assim?- Resposta da testemunha: Não, não chegamos a fazer muitos comentários sobre isso aí não.- Pergunta do Juiz: Em relação ali o acidente, o senhor sabe como é que foi e o que foi lá?- Resposta da testemunha: Pelo o que eu soube, ele acabou invadindo a preferencial e se envolveu...- Pergunta do Juiz: O senhor conversou com ele após o acidente? - Resposta da testemunha: Após o acidente, sim.- Pergunta do Juiz: E o que que ele falou para o senhor?- Resposta da testemunha: Ele comentou que prendeu a perna, deu uma dor forte na perna e não conseguiu segurar o carro. - Pergunta do Juiz: Uma dor por que? - Resposta da testemunha: Senhor?- Pergunta do Juiz: Uma dor aqui do nada? Ele já sentia esse dor antes?- Resposta da testemunha: Não, que nem eu falei para o Senhor.... Ele esteve de atestado antes. Agora eu, como Secretário, não investigava o problema dos profissionais, se a pessoa voltou para trabalhar para mim, estava apta a trabalhar”. Logo, desde que de um lado não se tem dúvida sobre a causa do acidente, a travessia de preferencial sem cuidado objetivo de direção pelo condutor da ambulância, e de outro não é, absolutamente, possível afirmar que o sinistro aconteceu por algum mal súbito do motorista do veículo oficial, com trabalho irregular ou abusivamente imposto pelo empregador, a manutenção da condenação de indenização e ressarcimento é medida que se impõe.Do grau de culpa do motorista da ambulância 3.2.1. Outrossim, reputando “levíssima” a culpa do réu, decidiu a doutora Juíza local por moderar a indenização, reduzindo no correspondente a 30% (trinta por cento) o valor pedido na inicial. E aqui, como sustenta o autor, a sentença não pode prevalecer. Afinal, não se vislumbram nos autos parâmetros suficientes para aplicação da regra de calibração prevista no art. 944, parágrafo único, do Código Civil, muito menos a confirmar adequada na hipótese aplicação de exceção ao princípio da reparação integral do dano. Consoante se extrai dos ensinamentos de doutrina, a redução do quantum reparatório apenas tem lugar quando verificada desproporcionalidade excessiva entre a gravidade da culpa do lesante e o dano sofrido. Quer dizer, doutro modo, na presença de casos excepcionais e havendo imperiosa necessidade de restabelecimento de condição equitativa às partes, pode o magistrado atribuir adequação à quantificação da reparação de modo a evitar o enriquecimento indevido do lesado em detrimento do patrimônio do lesante. A propósito: “Havendo desproporção excessiva entre a gravidade da culpa do lesante e o dano sofrido, inclusive moral (STJ, REsp 970.260/SP - 4" T., rei. Pádua Ribeiro, j. 28-8-2007), pelo lesado, o órgão judicante poderá reduzir, equitativamente, a indenização (TJRJ, 9" Câm. Cív., Ap. Cível 2006.001.43948, rei. Roberto de Abreu Silva, j. 31-10-2006). Pelo Enunciado n. 457 do CJF (aprovado na V Jornada de Direito Civil): ."O grau de culpa do ofensor, ou a sua eventual conduta intencional, deve ser levado em conta pelo juiz para a quantificação do dano moral". Ante a impossibilidade de reconstituição natural, na restitutio in integrum, procurar-se-á atingir, como diz De Cupis, uma situação material correspondente, não podendo exceder o valor do prejuízo causado por não se permitir enriquecimento indevido. Deve-se dar ao lesado exatamente aquilo que lhe é devido, sem acréscimo, sem reduções. Mas, pelo parágrafo único do artigo sub examine, se a culpa do lesante não for grave, o magistrado, em caso de responsabilidade civil subjetiva, ao estabelecer o quantum indenizatório, com prudência objetiva, poderá diminuí-lo, equitativamente, aplicando-se a doutrina da graduação da culpa. Será necessária a verificação da graduação da culpa (grave, leve e levíssima) para quantificar o valor indenizatório. "A possibilidade de redução do montante da indenização em face do grau de culpa do agente, estabelecida no parágrafo único do art. 944 do novo Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, por representar uma exceção ao princípio da reparação integral do dano, não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva'' (Enunciado n. 46, aprovado na I Jornada de Direito Civil, promovida, em setembro de 2002, pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal)” (DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. pp. 706/707). Noutras palavras, “a redução equitativa da indenização tem caráter excepcional e somente será realizada quando a amplitude do dano extrapolar os efeitos razoavelmente imputáveis à conduta do agente” (ibidem, p. 708). Mais amiúde, tem-se caracterizada a culpa levíssima dita em sentença quando o causador do dano comete falta que ultrapassa os limites mais diligentes de padrão de cautela, isto é, quando o lesante comete alguma falta embora tenha sido extremamente cuidadoso na ocasião do evento. É dizer, noutras palavras, que se aplica a gradação da culpa em grau “levíssimo” somente quando a conduta do lesante proporcionar violação os padrões mais exigentes de cuidado e segurança, ou seja, quando se está diante da hipótese de imposição extraordinária de responsabilidade e cujo grau elevado de cuidado do lesante não foi suficiente a reprimir o dano lhe imposto. A auxiliar na detecção do grau da culpa nos autos, são os ensinamentos do doutor Sérgio Cavalieri Filho: “Examinada pelo ângulo da gravidade, a culpa será grave se o agente atuar com grosseira falta de cautela, com descuido injustificável ao homem normal, impróprio ao comum dos homens. É a culpa com previsão do resultado, também chamada de culpa consciente, que se avizinha do dolo eventual do Direito Penal. Em ambos há previsão ou representação do resultado, só que no dolo eventual o agente assume o risco de produzi-lo, enquanto na culpa consciente ele acredita sinceramente que o evento não ocorrerá.Haverá culpa leve se a falta puder ser evitada com atenção ordinária, com cuidado próprio do homem comum, de um bonus pater familias.Já, a culpa levíssima caracteriza-se pela falta de atenção extraordinária, pela ausência de habilidade especial ou conhecimento singular” (in Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 39). Para o doutrinador Pablo Stolze Gagliano, os graus de culpa podem ser assim definidos: “a) culpa grave — embora não intencional, o comportamento do agente demonstra que o mesmo atuou “como se tivesse querido o prejuízo causado à vítima”, o que inspirou o ditado “culpa lata dolo aequiparatur”;b) culpa leve — é a falta de diligência média que um homem normal observa em sua conduta;c) culpa levíssima — trata-se da falta cometida por força de uma conduta que escaparia ao padrão médio, mas que um diligentíssimo pater familias, especialmente cuidadoso e atento, guardaria”. (in Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. vol. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 203). A situação dos autos, todavia, não se amolda à hipótese de exceção descrita na doutrina para a culpa “levíssima”, tampouco a impor redução a atribuir condição igualitária à conduta do agente e ao dano obtido pelo Município de Virmond. Afinal de contas, como se expôs, o condutor do veículo oficial não só deixou de atentar para regras básicas de segurança no trânsito, como teria, segundo ele – sem melhor instrução, repita-se -, assumido a direção da ambulância sem condições plenas de saúde. Vale dizer, ainda que verdadeira fosse a afirmação de que sofrera com restrição de força motora a impedir o correto acionamento dos freios do veículo no cruzamento, evidentemente que não se pode admitir tenha sido o mais diligente e cauteloso possível na situação. De outro lado, como visto acima, não era ao Município imponível atuação diversa, pois que, na falta de prova em contrário, estava o agente apto ao trabalho para o qual se apresentara. O concretizado nos autos, deveras, foge aos limites da razoabilidade, amoldando-se a hipótese de descuido injustificável, de modo que deve a reparação nos autos arbitrada de acordo com a teoria da reparação do risco integral. Dos danos materiaisDo quantum 3.3. No tocante ao valor da reparação material devida pelo réu, cumpre observar que o provimento jurisdicional a quo se deu aquém do que pleiteado nos autos, notadamente no que tange a alegada falta de congruência na apuração da depreciação de mercado obtido pelo veículo municipal. Veja-se que muito embora tenha o réu apresentado impugnação sobre o valor do dano cobrado em relação à ambulância, nada a respeito foi tratado na sentença recorrida, sendo, pelo omisso, parcialmente nula de conseguinte. A respeito, o que na contestação sobre o tema: “De igual modo, é de suma importância aventar que o servidor público, ora em evidência, em momento algum foi procurado para o ressarcimento dos danos causados ao veículo Fiat/DucatoMulti, e muito menos se tem notícia de qualquer orçamento realizado para o mesmo. Assim devido ao lastro temporal, existente entre o fatídico e a ação de regresso, a depreciação de mercado do referido veículo alegado pelo Autor, não ocorreria apenas pelo dano do acidente, mas também pelo desgaste normal ocasionado pelo tempo. Assim não pode o servidor ser responsabilizado por um valor absurdo, frente aos danos causados no acidente, muito menos ser responsabilizado pelo desgaste que ocorreria de forma natural ao bem. Os valores em excesso devem ser afastados, tratados como abusivos frente à posição financeira vantajosa que exerce a Entidade Pública sobre o réu.” E sobre esse ponto de contradição nada constou da sentença apelada. De toda sorte, de vez que a questão está satisfatoriamente debatida nos autos, ao Tribunal se impõe, nos termos do previsto art. 1.013, § 3º, inciso III, do Código de Processo Civil (CPC), desde logo apreciar o pontual discutido.3.3.1. Primeiro, há que se dizer que não há ressalva a ser feita quanto à condenação imposta em sentença no intuito de ressarcir o Município de Virmond pelo desembolso sofrido nos autos de ação indenizatória sob n. 0001175-27.2014.8.16.0031, restando irretocável ante a liquidez e certeza do exigido. E isso com correção monetária desde o desembolso efetivo e acréscimo dos juros de mora desde a citação. 3.3.2. De outro foco, no entanto, não há nos autos padrão suficiente a indicar o dano suportado pelo Município de Virmond com o veículo utilizado como ambulância, muito menos a impor ao réu o pagamento pela depreciação do veículo durante os 2 (dois) anos transcorridos entre o acidente (2013) e as tentativas de leilão do bem (2015), tanto menos sem pode afirmar decorrente dos danos no acidente a imprestabilidade da ambulância e a impossibilidade do conserto a valores inferiores àquelas apurados em depreciação ou pelos salvados. Indispensável, assim, por razão de justiça, a postergação da apuração do quantum para a fase de liquidação de sentença, a princípio por arbitramento, respeitado, de qualquer sorte, pelo máximo, o pedido inicial.Tal conclusão, no mais, não afasta a procedência da ação e a sucumbência na íntegra do réu. Do termo inicial dos juros de mora 3.4. Mais a mais, uma vez que se trata nesta hipótese de responsabilidade decorrente de relação de natureza contratual devem os juros de mora efetivamente incidir a partir da citação (em 11/1/2017 – evento 12.1), nos termos do previsto no artigo 405 do Código Civil (CC), e não desde o evento danoso (em 25/6/2013) como pretendido pelo Município de Virmond no recurso interposto. Não merece ressalva a sentença, portanto, neste ponto. Da sucumbência recursal 4. Para finalizar, desde que a sentença foi publicada na vigência do novo Código de Processo Civil e a parcial nulidade da sentença não representa decaimento mensurável do autor, é devida a majoração dos honorários advocatícios de sucumbência, nos termos do previsto no art. 85, § 11, no caso a favorecer apenas o procurador do Município de Virmond. Nesse diapasão, considerando o trabalho adicional realizado pelo procurador em grau de recurso, sem a exigência de maiores estudos ou diligências, proponho o aumento a verba honorária inicialmente arbitrada em favor do procurador do autor em mais 2 (dois) pontos percentuais (2%), fixando-a, em definitivo, em 12% (onze por cento) do valor da condenação. Ressalva-se, de toda forma, como já o fez a sentença, a condição suspensiva de exigibilidade do art. 98, § 3º, do CPC, considerando a gratuidade da justiça deferida ao réu Avelino na origem. 5. Destarte, à vista do exposto, VOTO por:c) anular parcialmente a sentença e desde logo, nos termos do autorizado no art. 1.013, § 3º, inciso III do CPC, em face da omissão constatada, acolher a impugnação do quantum debeatur da contestação, para o efeito de, mantida a procedência da ação, postergar para a fase de liquidação a quantificação da indenização pelos danos causados no acidente à ambulância da municipalidade; b) conhecer parcialmente e, na parte conhecida, negar provimento ao recurso de apelação interposto por Avelino Stefanoski (1); c) conhecer e dar parcial provimento ao recurso interposto pelo Município de Virmond (2), para o fim de afastar a culpa levíssima reconhecida ao réu e, de consequência, a redução da reparação decidida na origem; ed) finalmente, majorar os honorários de sucumbência, na forma do acima proposto.
|