Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
Trata-se de Apelação Cível interposta contra a r. Sentença de mov. 441.1, que nos autos da Indenizatória de n.º 0026130-95.2013.8.16.0019 julgou improcedentes os pedidos inaugurais, nos seguintes conclusivos termos:“(...) Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, condenando a parte autora ao pagamento das despesas processuais, dentre elas, os honorários advocatícios, os quais, com fulcro no art. 85, § 2º, CPC e seus incisos, fixo em 20% do valor da causa, corrigido monetariamente desde a sentença, de acordo com a média INPC/IGPDI, mais juros de mora de 1% ao mês, desde o trânsito em julgado — conforme o § 16 do art. 85 do CPC. Porém, por ser a parte autora beneficiária da assistência judiciária gratuita, tais obrigações decorrentes da sucumbência, ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado deste provimento (art. 98, § 3°, CPC). Resolve-se a lide na forma do art. 487, I do Código de Processo Civil (...).”Em suas razões recursais a parte apelante sustentou que a r. Sentença deve ser revista pelos seguintes motivos: a) existe nexo de causalidade entre a conduta do Médico e o falecimento da paciente, uma vez que a falha no diagnóstico culminou em sua morte; b) o hospital possui responsabilidade objetiva pelo erro cometido por seu preposto, sendo solidariamente responsável pela indenização decorrente da prestação inadequada dos serviços médicos no caso em questão; c) o tratamento oferecido à Luana no Hospital Bom Jesus foi significativamente diferente daquele que foi dispensado a Larissa, apesar de ambas terem sofrido as mesmas agressões, com Luana sobrevivendo ao evento.O HOSPITAL SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA apresentou Contrarrazões (mov. 461.1), inicialmente pelo não conhecimento do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade, requerendo, no mérito, seu desprovimento. Após remetidos os autos à Segunda Instância, o Ministério Público requereu a elaboração de nova perícia (mov. 14.1 - TJPR). Na sequência o feito foi convertido em diligência, com a remessa dos autos à origem para a realização de nova prova pericial (mov. 35.1 - TJPR). Nos autos de origem foi elaborado novo Laudo Pericial (mov. 582.1), com as respectivas complementações aos movs. 636.1/654.1. Retornando os autos a esta Instância, a douta Procuradoria de Justiça ofereceu judicioso Parecer pelo conhecimento e provimento do recurso, condenando-se a parte requerida ao pagamento de danos morais no importe de R$50.000,00 para cada uma das autoras (mov. 49.1). Sobre a hipótese de ilegitimidade passiva do segundo requerido, manifestou-se a parte autora ao mov. 55.1, deixando os requeridos transcorrer o prazo in albis. É o que importava relatar.
II. FUNDAMENTAÇÃO:PRELIMINAR INVOCADA EM CONTRARRAZÕES – OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE:Defende o hospital requerido que o Apelo não atacou os fundamentos da Sentença em momento algum, e que, por isto, não pode ser conhecido, em incorrendo em ofensa ao princípio da dialeticidade.Contudo, sem razão o apelado, já que os fundamentos de fato e direito deduzidos nas razões recursais demonstram, de forma suficiente e clara, a inconformidade contra a decisão recorrida, em atenção ao disposto no artigo 1.010 do Código de Processo Civil[1].Assim, rejeita-se a preliminar e conhece-se do recurso de Apelação, já que presentes os requisitos de admissibilidade.REGINA DOBZINSKI e LUANA RODRIGUES DOS SANTOS ajuizaram, perante a 2.ª Vara Cível de Ponta Grossa, Indenizatória por Danos Morais, sob o n.º 26130-95.2013.8.16.0019, contra a Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa e Luiz Carlos Romancini Filho.Ilegitimidade passiva do Médico:De início, registre-se que o Médico LUIZ CARLOS ROMANCINI FILHO é parte ilegítima para figurar no polo passivo da lide, o que se reconhece de ofício por se tratar de matéria de ordem pública.Conforme dispõe o artigo 37, § 6.º, da Constituição da República, é assegurado à vítima de dano propor medidas contra a Administração Pública em relação aos danos por ela causados, sem prejuízo à ação de regresso em relação aos agentes públicos causadores desse dano:“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (...).”Em análise ao § 6.º do artigo 37 da Constituição da República, o Supremo Tribunal Federal fixou tese aquando do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 1.027.633 (Tema 940), com repercussão geral reconhecida, nos seguintes termos:“A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Edson Fachin e Luiz Fux. Falou, pela interessada, o Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 14.08.2019.”O Supremo Tribunal Federal definiu, portanto, que nas medidas intentadas por danos causados por agente público, a vítima pode propor a demanda apenas em face da Administração Pública, em observância à premissa da dupla garantia. Importante transcrever o trecho do voto do e. Relator, o Ministro Marco Aurélio, no RE 1.027.633, em que realiza a análise do art. 37, § 6.º da CRFBR:“A Constituição Federal preserva tanto o cidadão quanto o agente público, consagrando dupla garantia. A premissa ensejadora da responsabilidade civil do Estado encontra guarida na ideia de justiça social. A corda não deve estourar do lado mais fraco. O Estado é sujeito poderoso, contando com a primazia do uso da força. O indivíduo situa-se em posição de subordinação, de modo que a responsabilidade objetiva estatal visa salvaguardar o cidadão. No tocante ao agente público, tem-se que esse, ao praticar o ato administrativo, somente manifesta a vontade da Administração, confundindo-se com o próprio Estado. A possibilidade de ser acionado apenas em ação regressiva evita inibir o agente no desempenho das funções do cargo, resguardando a atividade administrativa e o interesse público. À vítima da lesão – seja particular, seja servidor – não cabe escolher contra quem ajuizará a demanda. A ação de indenização deve ser proposta contra a pessoa jurídica de direito público ou a de direito privado prestadora de serviço público.”Assim, aplicando-se a tese fixada pelo e. Supremo Tribunal Federal ao caso em tela, impõe-se a extinção do processo, sem resolução de mérito (art. 485, VI, CPC), em relação a LUIZ CARLOS ROMANCINI FILHO, em razão do reconhecimento de sua ilegitimidade passiva, consoante entendimento externado no Tema 940 pelo Supremo Tribunal Federal, observando-se, contudo, a possibilidade de eventual ação de regresso da Administração Pública em face deste, em caso de dolo ou culpa.Deixa-se de fixar honorários advocatícios em favor dos Procuradores do réu excluído, uma vez que as autoras não deram causa à extinção por ilegitimidade passiva, a qual deriva de interpretação superveniente, dada pelo Supremo Tribunal Federal em tema (940), com repercussão geral. Nesse sentido julgados do e. Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO DE COBRANÇA. DESPESAS CONDOMINIAIS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. NÃO CABIMENTO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. VALOR. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL PREJUDICADA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). (...). 3. Em situações em que há a extinção do processo sem resolução do mérito, a responsabilidade pelo pagamento de honorários e custas deve ser fixada com base no princípio da causalidade, segundo o qual a parte que deu causa à instauração do processo deve suportar as despesas dele decorrentes. 4. No caso, os agravantes deram causa ao ajuizamento da ação que foi extinta sem resolução do mérito por motivo superveniente, motivo pelo qual não se impõe ao agravado os ônus de sucumbência. 5. Rever a conclusão do acórdão recorrido acerca do valor arbitrado a título de honorários advocatícios recursais encontra óbice, no caso concreto, na Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. 6. Consoante iterativa jurisprudência desta Corte, a necessidade do reexame da matéria fática impede a admissão do recurso especial tanto pela alínea a quanto pela alínea c do permissivo constitucional. 7. Agravo interno não provido (AgInt no AREsp 1.388.453/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julg. em 20.05.19, DJe 23.05.19 - grifou-se)PROCESSUAL CIVIL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. VERBA INDENIZATÓRIA - NATUREZA JURÍDICA - SUPERVENIENTE LEGISLAÇÃO DEFININDO A NATUREZA INDENIZATÓRIA DECORRENTE DE RESILIÇÃO CONTRATUAL. - PERDA DO OBJETO DA AÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO - CONDENAÇÃO DA AUTORA AO PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS - IMPOSSIBILIDADE - PRECEDENTES.À luz do princípio da causalidade, as custas e honorários advocatícios devem ser suportados pela parte que deu causa à extinção do processo sem julgamento do mérito ou a que seria perdedora se o magistrado chegasse a julgar o mérito da causa. Impossível imputar à parte autora os ônus da sucumbência se quando do ajuizamento da demanda existia o legítimo interesse de agir, era fundada a pretensão, e a extinção do processo sem julgamento do mérito se deu por motivo superveniente que não lhe possa ser atribuído. - Recurso especial não conhecido (REsp 687.065/RJ, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, julg. em 06.12.2005, DJ 23.03.2006, p. 156 - grifou-se). Ainda: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ACÓRDÃO QUE, DE OFÍCIO, RECONHECEU A ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SERVIDOR, COM BASE NO TEMA Nº 940, STF. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS AO PATRONO DO RÉU EXCLUÍDO DA LIDE. VÍCIO VERIFICADO. EXTINÇÃO POR ILEGITIMIDADE QUE NÃO FOI CAUSADA PELA PARTE AUTORA. DECISÃO SUPERVENIENTE DO STF SOBRE O TEMA. HONORÁRIOS NÃO DEVIDOS. PRECEDENTES.EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS, SEM EFEITOS INFRINGENTES. (TJPR, 1.ª Câm. Cív., ED 0001272-98.2012.8.16.0030, Rel. Des. Ruy Cunha Sobrinho, unânime, julg. em 03.05.2021 – grifou-se)Pois bem. Como enuncia a Inicial, Larissa Rodrigues dos Santos – filha e irmã das autoras – após sofrer lesões corporais impingidas pela convivente de seu genitor, foi encaminhada à Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa, onde atendida pelo Médico Dr. Luiz Carlos Romancini; apesar do seu estado grave, permaneceu hospitalizada por seis horas e obteve alta; contudo, faleceu no dia seguinte em virtude de traumatismo crânio-encefálico; entendem as autoras que houve má prestação dos serviços médico-hospitalares, pois não fora atendida com cuidado; alegam que a paciente possuía apenas dez anos de idade, que seu estado de saúde era extremamente grave e exigia atenção, zelo e diligência médica; concluíram que houve negligência no atendimento dispensado e dada a apontada falha na prestação dos serviços médicos, pugnaram pela condenação da parte requerida ao pagamento de indenização por danos morais. Nesse cenário, cumpre perquirir-se se o preposto do estabelecimento requerido forneceu, quantum satis, informações sobre diagnóstico e prognóstico; se empregou todas as técnicas de que dispunha a tutelar os interesses e a garantir a plena recuperação, também se observou o dever de resguardar a integridade física e psíquica e a dignidade da paciente.Pois bem, sabe-se que a responsabilidade do Hospital é objetiva enquanto prestador de serviços, envolvendo internação do(a) paciente, instalações, equipamentos e serviços auxiliares, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, e que somente pode ser afastada se comprovada a inexistência de defeito na prestação do serviço ou a culpa exclusiva do consumidor, ou de terceiro, consoante previsto no § 3.º do mesmo artigo 14. Nesse aspecto, percuciente a lição de Sérgio Cavalieri Filho: “Nunca vimos a menor incompatibilidade entre a responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares e a responsabilidade objetiva estabelecida no Código de Defesa do Consumidor, mesmo em face dos enormes riscos de certos tipos de cirurgias e tratamentos, tendo em vista que o hospital só responderá quando o evento decorrer de defeito do serviço. Lembre-se que mesmo na responsabilidade objetiva é indispensável o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado. Destarte, ainda que tenha havido insucesso na cirurgia ou outro tratamento, mas se não for possível apontar defeito no serviço prestado, não haverá que se falar em responsabilidade do hospital. Entre as causas que excluem a responsabilidade do prestador de serviços, o Código de Defesa do Consumidor refere-se à inexistência de defeito do serviço – ‘o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste’ (art. 14, § 3º, I) -, de sorte que, para afastar a sua responsabilidade, bastará que o hospital ou médico prove que o evento não decorreu de defeito do serviço, mas sim das condições próprias do paciente ou de fato da natureza”. (In Programa de responsabilidade Civil. 14.ª ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 436) Ora, “a responsabilidade das sociedades empresárias hospitalares por dano causado ao paciente consumidor pode ser assim sintetizada: (i) as obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar limitam-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição (por ato próprio) exsurge somente em decorrência de defeito no serviço prestado (art. 14, caput, do CDC); (ii) os atos técnicos praticados pelos médicos sem vínculo de emprego ou subordinação com o hospital são imputados ao profissional pessoalmente, eximindo-se a entidade hospitalar de qualquer responsabilidade (art. 14, § 4, do CDC), se não concorreu para a ocorrência do dano; (iii) quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional. Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição, de natureza absoluta (arts. 932 e 933 do CC), sendo cabível ao juiz, demonstrada a hipossuficiência do paciente, determinar a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC).” (REsp 1.145.728/MG, Rel. Min. João Otávio De Noronha, Rel. p/ o Acórdão Min. Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julg. em 28.6.11, DJe de 8.9.11). De acordo com os registros, Larissa Rodrigues dos Santos foi vítima de espancamento por parte de sua madrasta (mov. 1.24). Em razão disso a vítima recebeu atendimento do SAMU e foi encaminhada para a Santa Casa de Ponta Grossa. Na unidade hospitalar foram realizados uma tomografia computadorizada do crânio e um raio-x do tórax, que revelaram fratura no assoalho da órbita direita, fratura e hemossinus no seio maxilar direito, além de um hematoma subgaleal occipital à direita (mov. 53.6). Apesar dessas lesões, a vítima recebeu alta médica, com prescrição de Melocox 15mg e Tylex 7,5 (mov. 1.21).Com o agravamento do quadro de Larissa, a paciente foi novamente levada ao hospital e encaminhada para a UTI pediátrica. No entanto, ela não resistiu e faleceu em 09.06.2023 (mov. 1.8). Após o devido trâmite processual, incluindo a emissão de laudo pericial e parecer do Centro de Apoio às Promotorias de Saúde Pública, foi prolatada Sentença de improcedência dos pedidos autorais.Embora os laudos periciais apresentados nos autos (movs. 107.1, 155.1, 192.1, 582.1, 636.1 e 654.1), indiquem que não houve responsabilidade do Médico, existe uma clara contradição entre essas conclusões e as do Perito com atribuições perante à Promotoria de Proteção à Saúde Pública, conforme documentos juntados nos autos do Inquérito Civil e anexados ao mov. 350.1: O Médico parecerista do Ministério Público, Dr. William Ribas e Targa, prestou depoimento em juízo ao mov. 350.206, oportunidade em que esclareceu que de acordo com a análise que fez dos documentos relacionados ao atendimento prestado à criança Larissa Rodrigues dos Santos, constatou que não foram seguidos os protocolos e recomendações médicas adequadas; a paciente recebeu alta apenas seis horas após sua entrada no hospital, quando o recomendado seria mantê-la em observação por pelo menos doze horas, já que os sintomas e hemorragias decorrentes de traumatismo craniano podem se manifestar várias horas após o trauma, o que possivelmente ocorreu no caso de Larissa; além disso, foi observado que, ao dar alta prematuramente à paciente, o réu não orientou adequadamente a mãe, desrespeitando mais uma vez os protocolos e boas práticas médicas; ele deveria ter instruído a mãe a retornar ao hospital caso surgissem sintomas, o que não foi feito pelo Dr. Luiz Carlos Romancini; o medicamento Tylex 7,5 mg, prescrito à paciente pelo Dr. Luiz Carlos Romancini, não foi apropriado, pois pode ter mascarado os sintomas das complicações decorrentes do traumatismo craniano, de modo que, quando o SAMU foi acionado, já não havia tempo para salvar sua vida.Acerca dos protocolos desrespeitados pelo Médico envolvido no tratamento dispensado à paciente, eis o teor do laudo complementar apresentado nos autos do Inquérito Civil anexado ao mov. 356.2: Ao examinar os autos, observa-se que não há registros sobre o horário e as condições da paciente no momento da alta (mov. 53.6, fl. 6).A família da paciente deveria ter sido informada sobre possíveis complicações, mediante um informe por escrito, antes da alta hospitalar. O Sr. Perito do Centro de Apoio às Promotorias da Saúde Pública, Dr. William Ribas e Targa, ao ser ouvido em juízo ressaltou que o preposto do requerido cometeu uma falha ao não fornecer essas recomendações por escrito à família. Conforme suas palavras:“(...) eja, uma família que naquele momento não tinha condições nenhuma de observar, como não observaram né, a deterioração do quadro neurológico da criança. A criança foi agredida pela madrasta, essa criança foi, bateram nela, tentaram esfaqueá-la no pescoço, ela e a irmã dela. Quer dizer, era uma hora que a relação familiar era… a madrasta fez isso. Quer dizer, tudo isso, essas instruções teriam que ter sido muito claras. As instruções de observação dessa criança teriam que ter sido muito claras. Muito claras, porque, para que pelo menos se eles não estivessem raciocinando bem eles tivessem aonde ler o que deveriam fazer caso a criança começasse a apresentar alguma coisa, o que deveriam observar nessa criança, se ela estava vomitando, se ela estava sonolenta, e não foi feito. (...).”Assim, o Médico apelado falhou em cumprir a obrigação de preencher de forma criteriosa e cuidadosa os boletins de atendimento. Além de dificultar a reconstituição dos fatos, ele também deixou de cumprir um dever estabelecido pelo Código de Ética que rege a profissão:“Código de Ética Médica – Resolução CFM n.º 1.931/2009.É vedado ao médico: Art. 87 – Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente. § 1º. O prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do médico no Conselho Regional de Medicina.”De acordo com o laudo pericial produzido em juízo ao mov. 582.1, embora a paciente tenha dado entrada no nosocômio como vítima de espancamento por arma branca, acabou avaliada pela equipe da cirurgia bucomaxilofacial e pela cirurgia torácica, após submissão à tomografia de crânio e raio X de tórax.Assim, é lícito concluir que a avaliação clínica foi insuficiente diante da alta prematura e que seria o caso de mantê-la em observação por 48 horas, de forma imprescindível, esclarecendo o laudo pericial, assim como o Médico do Ministério Público, que seria necessária uma folha de orientações básicas para a paciente ou seu acompanhante no momento da alta hospitalar, contendo as seguintes recomendações – o que não aconteceu no caso em questão, pois como também ressalvou o laudo, “não encontrada documentação de evolução e alta médica após a avaliação inicial” (mov. 582.1):Se com as complicações de Larissa, seria possível o salvamento, não se pode dizer a esta altura. Porém, é certo que a chance de ver a vida salva foi desperdiçada, fato suficiente para impor o dever de indenizar.Em caso análogo:ATENDIMENTO MÉDICO PRESTADO DE FORMA INSUFICIENTE - TRAUMATISMO CRANIANO - PACIENTE QUE DIANTE DE SINTOMAS QUE INDICAVAM A NECESSIDADE, NÃO FOI SUBMETIDA À TOMOGRAFIA CEREBRAL E QUE FOI LIBERADA DA OBSERVAÇÃO COM ALTA MÉDICA PRECOCE, OCORRENDO O ÓBITO EM SEGUIDA, DECORRENTE DE CRISE CONVULSIVA QUANDO JÁ VOLTARA PARA CASA, FALECENDO À MINGUA DE CUIDADOS MÉDICOS - CHANCE DE VER A VIDA SALVA DESPERDIÇADA - RESPONSABILIDADE CIVIL CARACTERIZADA - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL FIXADA EM VALOR PROPORCIONAL AO DANO SOFRIDO PELA MÃE DA VÍTIMA - SENTENÇA CONFIRMADA - RECURSO DESPROVIDO. (TJSP, 7.ª Câm. Cív., AC 0114722-40.2006.8.26.0001, Rel. Des. Mendes Pereira, unânime, julg. em 19.03.14 – grifou-se)Portanto, restaram presentes os elementos identificadores da responsabilidade civil, ou seja, o ato ilícito, a culpa, o nexo de causalidade e o dano.Dos danos morais:As autoras buscam a condenação da Santa Casa ao pagamento de danos morais, sugerindo na Inicial a importância de R$339.000,00 (trezentos e trinta e nove mil reais) para cada uma das autoras.Os danos extrapatrimoniais são eminentemente subjetivos e independem do prejuízo patrimonial; no caso em apreço, advêm à toda evidência do prematuro falecimento da filha e irmã das autoras, à época com 10 anos de idade, após graves agressões.Outrossim, é inquestionável o seu cabimento, e o seu reconhecimento não demanda comprovação na hipótese em tela, já que presumido o abalo moral incomensurável diante do enorme sofrimento a que submetidos a mãe e irmã – ambas as crianças vítimas de grave espancamento pela madrasta. “(...) Em se tratando de morte de familiar, a lesão se mostra de elevadíssima gravidade e de duração permanente, posto que o tempo pode amenizar as suas consequências, porém, jamais apagá-las em definitivo. (...)” [10.ª Câm. Cív., AC 0038308-91.2013.8.16.0014, Rel. Des. Guilherme Freire de Barros Teixeira, unânime, em 28.11.18 – grifou-se]Outrossim, a jurisprudência é uníssona no sentido de que a ocorrência de dano moral, no caso de morte de pais, filhos, cônjuges e afins, dispensa a prova de sua existência, pois a dor causada pela perda de um ente querido já é mais que suficiente para caracterizá-lo, ou seja, o dano é presumido:“A ocorrência de dano moral advindo da morte de ente familiar independe de prova, e a extensão do dano dá medida da indenização. (STJ, Resp 1.749.435/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, unânime, julg. em 05.09.18 – grifou-se)Portanto, nesses casos, a indenização tem a finalidade de compensar de algum modo o(a)(s) ofendido(a)(s), no sentido de, senão neutralizar, ao menos aplacar o seu sofrimento, como uma espécie de satisfação pela dor que lhe foi causada injustamente.Explica Maria Helena Diniz[2]:“(...) A reparação do dano moral é, em regra, pecuniária, ante a impossibilidade do exercício do jus vindicatae, visto que ele ofenderia os princípios da coexistência e da paz social. A reparação em dinheiro viria neutralizar os sentimentos negativos de mágoa, dor, tristeza, angustia, pela superveniência de sensações positivas, de alegria, satisfação, pois possibilitaria ao ofendido algum prazer, que, em certa medida, poderia atenuar seu sofrimento. Ter-se-ia, então, uma reparação do dano moral pela compensação da dor com a alegria. O dinheiro seria tão-somente um lenitivo que facilitaria a aquisição de tudo aquilo que possa concorrer para trazer ao lesado uma compensação por seus sofrimentos”. (grifou-se)Certo que as autoras são pessoas de parcos recursos financeiros, que litigam sob o pálio da assistência judiciária gratuita, ao passo em que a Associação Santa Casa de Ponta Grossa é entidade filantrópica sem fins lucrativos. Assim, diante das dificuldades suportadas pelas autoras e da gravidade da conduta dos requeridos, fixa-se a indenização por danos morais em R$100.000,00 (cem mil reais), a ser corrigidos pela média aritmética entre o INPC e o IGP-DI a partir da publicação do Acórdão (Súmula 362, STJ) e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês desde o evento danoso (em 09.06.13, Súmula 54, STJ - atendimento pelo SUS que não configura relação contratual[3]). Dos ônus sucumbenciais Considerando-se o provimento do Apelo, julgando-se com ele procedentes os pedidos iniciais, fica o Hospital requerido condenado ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, os quais, tendo em vista a complexidade da demanda e o tempo de tramitação (desde 2013), com a produção de prova pericial, mais o desempenho nesta esfera recursal, ficam arbitrados em 20% sobre o valor (atualizado) da condenação.Em que pese não acolhido o valor sugerido na Inicial, não há sucumbência recíproca, na esteira da redação contida na Súmula 326 do e. Superior Tribunal de Justiça:“Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.”Nem mesmo a nova determinação contida no artigo 292, inciso V, do Código de Processo Civil, no sentido de incumbir à parte autora deduzir pedido certo no que tange ao valor dos danos, implica a revogação tácita de citada Súmula, a qual poderá continuar a ser aplicada enquanto não reeditada ou cancelada, segundo o entendimento pacificado nesta c. Câmara. Conclusão:Ex positis, o voto é no sentido de se conhecer e dar provimento ao recurso de Apelação das autoras, ao fim de julgarem-se procedentes os pedidos iniciais e condenar-se o Hospital requerido ao pagamento de R$100.000,00 (cem mil reais) a título de danos morais, corrigidos monetariamente desde a publicação do Acórdão pela média aritmética entre o INPC e o IGP-DI e acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês a partir do evento danoso, em 09.06.13, reconhecendo-se ex officio a ilegitimidade do segundo requerido Médico LUIZ CARLOS ROMANCINI FILHO para figurar no polo passivo da lide, à vista do estabelecido no TEMA 940 do Supremo Tribunal Federal; diante da sucumbência, fica o Hospital requerido condenado ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios de 20% sobre o valor atualizado da condenação, tudo nos termos da fundamentação.
|